"Vamos
pensar Santos, a Cidade é de vocês". Esta foi a proposta feita a um grupo de alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos - FAUS - e
prontamente aceita. De maneira informal e com a experiência adquirida na elaboração de estudos e projetos, eles traçaram um triste quadro:
incoerência da Cidade, não servindo à população trabalhadora; deficiência de planejamento e de participação comunitária, e má qualidade de vida.
A média de idade desses estudantes é de 21 anos e a maior parte deles é natural de
Santos. Participaram da mesa-redonda: Álvaro da Silva, Ricardo Caseiro Duarte, Mauro Luís Prata Garcia, Renata Henriques Prado Leite, Eugênio Lara,
Lucienne de A. Cavaco, Eric. G. Crispin, Beni Skitnevsky e Edison Gloeden. Atuaram ainda os jornalistas de A Tribuna, Luiz Dias Guimarães,
José Carlos Silvares e Lane Valiengo.
Para os estudantes de Arquitetura, Santos não
serve à sua força de produção
e precisa ser repensada
Foto publicada com a matéria
"Santos é incoerente"
Veja o resultado de duas horas de papo com alunos de Arquitetura
AT - A qualidade de vida em Santos é boa?
Edison: Para quem? Eu moro no canal 5, na Praia, tudo bem, lá não há muitos
problemas: tem condução na porta, tem infra-estrutura, água, esgoto, luz... Agora, e para quem mora na Zona Noroeste, na Vila Parisi, nos morros?
Acho que essa questão não tem uma resposta muito clara, temos várias camadas sociais que compõem a população da Baixada Santista...
Álvaro: Eu seria mais incisivo. Acho que a qualidade de vida para grande
maioria é muito ruim. Agora, Santos são muitas cidades: a Praia é uma realidade, o morro é outra realidade, a Zona Noroeste é outra e o porto
também. Indústria, falando de Baixada, Cubatão é outra realidade. A qualidade pra grande maioria é mesmo muito ruim.
Eric: Mesmo para a nossa classe social, que não deve ser excluída, a classe
média, o potencial que Santos oferece, em termos de qualidade de vida é muito mal aproveitado. Os problemas mais flagrantes estão aí: os mangues, os
morros etc. Mas se você for olhar a parte da Cidade que tem toda uma infra-estrutura bem desenvolvida, poderia ser muito melhor se houvesse uma
certa harmonia de planejamento. Na atual conjuntura, as coisas só tendem a piorar, porque tudo está mais ou menos largado nas mãos da especulação e
do desenvolvimento espontâneo.
Álvaro: É fundamental a gente colocar que a Baixada tem muitas funções:
indústria, porto, lazer. Algumas são conflitantes entre si: você tem a indústria, tem o porto, e tem a qualidade de vida razoável da Praia. O
pessoal da Praia, tudo bem, mas a força de produção da indústria e do porto vive muito mal.
Edison: Exatamente, no fim, o pessoal diretamente ligado à produção acaba sendo
sempre o menos favorecido. A gente participou de um trabalho sobre a qualidade de vida nas áreas industriais e a gente percebe que Santos tem mais
uma função: a de cidade-dormitório. O pessoal trabalha no parque industrial de Cubatão, 12 horas por dia, e que vem para cá, dorme, acorda no dia
seguinte e vai pra lá novamente. Só na Cosipa são 16 mil funcionários que, conforme os cargos e níveis de renda, moram em Vicente de Carvalho, Vila
Parisi, nos jardins... É um verdadeiro caos: o pessoal ligado à produção tá contribuindo para o aumento das favelas. É só ver essa região ao lado da
Via Anchieta, em cima do mangue. O que apareceu de barraco... Há 10 anos não tinha nada disso. A gente passava ali e não tinha nada. Agora tem uma
cidade lá, de palafitas, em cima do mangue, sem nenhuma infra-estrutura, sem condições de saúde e de higiene. Agora, eles têm um motivo muito justo
para morar lá: tão perto do emprego, não têm condições de pagar o transporte para ir até o parque industrial de Cubatão. E esse pessoal, em 80 por
cento, é a força de produção do parque industrial de Cubatão.
Beni: Mais pra frente vamos falar que Santos não funciona separada da Baixada
Santista. São Vicente é uma ilha só. O pessoal daqui trabalha em Cubatão, ou aqui, e mora em Vicente de Carvalho. Há um lance de metropolização que
eu acho que deveria ser institucionalizado.
AT - Deveria ser institucionalizada?
Beni: Em algumas questões, acho que sim... A água que a gente bebe é igual em
todo lugar. A poluição que atinge a água no rio em Cubatão chega a toda a Baixada. O problema residencial é de toda a região. Quem mora em Cubatão,
mora lá porque é perto do lugar de trabalho, mas principalmente porque não tem outra alternativa melhor.
Álvaro: Eu vejo isso como uma grande incoerência social. A força produtora de
Santos já não mora em Santos: está sendo expulsa da Cidade. E quem tem residência em Santos é gente de fora que vem duas vezes por ano... É uma
profunda incoerência...
Eugênio:
E a Cidade acaba sendo usada por quem não é daqui. Isso acarreta uma série de problemas para as pessoas que moram na Cidade. A população aumenta
muito... e não há planejamento...
Renata: Não é só a população que sofre com isso. A Cidade não comporta tanta
gente assim.
(Todos falam sobre a falta de infra-estrutura urbana para atender à população
flutuante).
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"A força produtora de Santos está sendo expulsa daqui..."
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Álvaro: Interessante que uma cidade que tem essa importância no âmbito nacional
deixe acontecer essa aberração urbanística de a cidade não atender à força produtora. A Cidade atende a uma outra faixa com o turismo que eu não sei
se tem grande importância perante essas duas funções (porto e indústria) e sendo uma cidade balneária.
AT - Qual a vocação de Santos?
Álvaro: Acho que hoje a vocação de Santos...
Beni: ... é uma cidade-dormitório.
Álvaro: Tem funções mais importantes, mas o que poderia ser feito é um plano a
nível de Estado para se resolver a situação do turismo. Porque o que se faz aqui é o turismo barato, perto de São Paulo. Deveria ser estudado um
outro turismo para desafogar Santos desa função de cidade-dormitório, o que evitaria o problema de supervalorização de solo, que a terra pudesse ser
melhor dividida...
Edison: Um problema seriíssimo que a gente discute muito na escola é que a área
de Santos (aponta no mapa desenhado por ele) não tem mais terreno, está tudo lotado. A
área que sobra agora é o lado de Bertioga, além de umas áreas no Distrito de Samaritá, em São Vicente. Bertioga já tem um planejamento, que parece
razoável, mas não sei se esse planejamento vai conseguir segurar a força dos especuladores. Vai haver uma briga muito séria por causa disso aí.
Bertioga inteira está sendo loteada (cita vários casos) e a especulação imobiliária está
em cima daquilo lá, assim, a mil por hora. Eles estão vendo Bertioga como uma verdadeira mina de ouro. E a gente tem muito medo que eles façam de lá
outra Santos, ou pior, outra Praia Grande, com paredões de edifícios de 10, 12 ou 15 andares na faixa da praia, e depois isso é um negócio que não
tem mais solução: o que fica para trás de um edifício de 12 andares fica sem ventilação e sem iluminação... Se Bertioga partir para essa, vai virar
habitação ociosa, segunda ou terceira residência...
Álvaro: E nota uma coisa. Você vai ver que a população de lá também vai ser
expulsa. A população de lá vai ter serviço secundário ali e vai morar longe...
Beni (apresentando o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado - PDDI - de 1978): o código de obras atual (de 1968) evita isso por enquanto, mas já está
tudo ultrapassado.
Edison: Mas precisa ver se o código vai conseguir segurar a barra das pressões
das empreiteiras, das construtoras...
Álvaro: ... talvez a mesma força política que impediu a realização do PDDI, que
daqui a pouco já está obsoleto.
Eric: Ninguém é contra a construção de edifícios. Dentro de um país
desenvolvido, isso é uma realidade quase que inevitável, porque o custo de se espalhar uma cidade é muito elevado. Só que se pode verticalizar uma
cidade, mas obedecendo a critérios de ventilação, de iluminação, de qualidade ambiental, de circulação, de rede viária, coleta de lixo, tudo, dentro
de um planejamento detalhado e amplo.
Beni: O que se questiona é a forma de implantação dos prédios, a distribuição
do uso do solo...
Eric: A distribuição do uso do solo, se for bem pensada, bem elaborada, pode
aumentar a qualidade de vida na cidade. Mas tem que ser bem estruturada, para permitir que se verticalize ao mesmo tempo liberando espaço para a
implantação de áreas verdes.
Beni: Nós temos aqui problemas de várias ordens. Mas existem questões como essa
que poderiam ser resolvidas no âmbito de Santos.
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"Um plano desses (PDDI) só com a sociedade organizada"
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AT - Vamos fazer uma coisa: o que pode ser decidido e foge de Santos e que
coisas poderiam ser resolvidas por aqui?
Mauro: Basicamente a aprovação de um plano desse (PDDI) para ser colocado em
prática e se discutir especificamente Santos.
Álvaro: Eu entendi a questão. Santos é uma cidade que tem muita concentração de
poder: o federal, o poder econômico municipal, das multinacionais e das estatais e o poder econômico secundário, dos especuladores de Santos. Dentro
desse quadro, só poderia ser levado um plano desse tipo (PDDI) se a gente tivesse uma sociedade civil organizada em Santos. É uma coisa que a gente
não tem. Não temos nem autonomia em Santos... Pra quem interessa o PDDI? Para a comunidade. Se a comunidade não tem no poder uma pessoa
comprometida com a comunidade, com ela mesma, quem vai responder pela sociedade civil? Então, existe interesse. Os planos estão aqui, este plano
está aqui, na nossa mesa. Quantos políticos conhecem? Até que nível eles não estão com as mãos amarradas? É nesse sentido que as decisões fogem da
esfera de Santos, porque dependem da autonomia. Depois, dentro da esfera de Santos precisaria ser reformulado o PDDI, por técnicos, atual, um
trabalho desse tipo, que fosse levado, executado...
Eric: O que é principal é não ser apenas elaborado, porque esta é uma
frustração que a gente vê na nossa faculdade. A gente tem capacidade de analisar, de chegar a uma certa conclusão e propor até algum projeto. É
importante aproveitar essa oportunidade para dizer que a nossa faculdade tem, para quem estiver interessado, principalmente no último ano, uma série
enorme de projetos, de propostas, para Santos.
Mauro: É uma base de 140 teses por ano, das quais 80 por cento sobre a Baixada
Santista.
AT - E nada é aproveitado?
Eric: Não são aproveitadas simplesmente porque elas não estão lá atendendo a
nenhum interesse econômico específico, não estão voltadas para este tipo de coisa. Estão voltadas para a discussão central da qualidade de vida da
população.
Beni: O plano diretor, que foi encomendado mas não aprovado, de 78. Se ele não
é usado, imagine as teses da faculdade...
AT - O plano foi aprovado, mas não foi executado. A maioria de vocês é de
Santos. Vocês acham que há planejamento em Santos?
(Todos querem falar ao mesmo tempo)
Edison: Tem alguma coisa. Por exemplo, os canais de Santos, de Saturnino de
Brito...
(Alguns lembram que os canais existem há muito tempo)
Edison: Dentro da perspectiva histórica, houve um planejamento. Só que com o
desenvolvimento da Cidade, e a valorização da terra, uma fonte de renda fabulosa no Brasil e no Terceiro Mundo inteiro, foi tudo por água abaixo.
Álvaro: É o que ele colocou: o plano diretor naquela época se restringia ao
escoamento de água e à drenagem. Você não tinha problema social, problema de ocupação. Hoje, o plano diretor é uma coisa muito complexa.
AT - O plano de Saturnino de Brito determinou a malha viária da Cidade.
Álvaro:
E por sinal esse plano dele nem foi concluído. Ia muito além do que está aí.
(Todos concluem que o planejamento existente é de varejo, ou seja, imediatista, sem
estrutura alguma).
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"Planejamento existe, mas é paliativo, de cura..."
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Eugênio: Esse planejamento não deveria ser de varejo, mas teria que ser global,
envolvendo toda a região.
Eric: Não se pode negar totalmente: planejamento existe, mas é mais de caráter
paliativo, de caráter de cura do que de planejamento propriamente dito. E que tipo de interesse ele atende? Atende mais o aspecto de obras,
principalmente em época de eleição. E você vê as obras que são feitas: a iluminação da praia, a concha acústica, o dimensionamento dela, a
localização dela, são coisas que deveriam ser estudadas e analisadas dentro de um contexto geral de Santos, a quem está atendendo. Se esse dinheiro
tivesse sido gasto, por exemplo, na infra-estrutura da Zona Noroeste ou na reativação do Centro, seria de um fator cultural enorme.
AT - Então há uma distorção de prioridades.
(Todos concordam que sim).
Eugênio:
Isso fica claro quando você vê as praias com arborização muito bem feita, jardins bonitos, mas quando você vê o resto da Cidade há o contraste. E há
também a preocupação com o visual da entrada da Cidade, para os que vêm de São Paulo. Tudo isso em detrimento do resto da Cidade... A preocupação é
com o visual, com a fachada, com a Orla...
AT - A Orla está ocupada por quem de direito? Deve ser do pedestre, do
motorista, do ciclista? De quem deve ser?
Edison:
Realmente acho que deveria ser do pedestre. Mas agora parece que não tem mais jeito, não tem mais solução. Não tem mais sistema viário e os prédios
são altos. Não vamos derrubar tudo... Existem projetos de se fazer uma pista por cima, de túneis que saem na praia, para os pedestres... tem mil
soluções, tem mil projetos, mas são inviáveis, o custo disso daí é absurdo. E depois, tem um problema mais importante, que é a questão dos morros.
Há alguns anos a Prodesan encomendou ao IPT, em São Paulo, um levantamento sobre a situação dos morros de Santos. Foi um trabalho que custou cerca
de Cr$ 10 milhões na época e apresentou uma situação tão caótica que ficou escondido na Prodesan, até hoje. E a qualquer chuva muita gente está
arriscada a morrer no morro. É um crime o que está acontecendo. Cerca de 60, 70 por cento das residências estão construídas em lugares que a
qualquer hora podem desmoronar. Isso aí está escondido da população.
Beni: Ele está falando de planejamento e acho que essa é uma das prioridades.
Sobre a Orla, além dos problemas dos carros e dos ciclistas e dos pedestres, temos o emissário (de esgotos). Como usar aquela plataforma? Já falaram
que iam fazer ali um supermercado, depois que seria um estacionamento. Daqui para frente tudo pode acontecer...
Eric: Sobre o emissário, há inúmeras teses na nossa faculdade com projetos
específicos para aquela área e estão lá para quem estiver interessado em desenvolver alguma coisa lá.
AT - Algum dos projetos prevê a retirada da plataforma?
Eric:
Já que está lá...
Álvaro: Eu acho que aquilo é até importante, porque acrescentou área.
Renata: Mas a existência da plataforma lá pode trazer problemas como o fim
daquela prainha que dá na Ilha Urubuqueçaba. A tendência é desaparecer a prainha, com o avanço do mar.
Eric: Mas que fazer lá? Acho que a população deve dizer o que se fazer com essa
área, num plebiscito ou coisa assim. É uma área muito grande onde já não há área disponível. Acho que será um crime, uma afronta à população se
alguém chegar e construir lá sem mais nem menos.
Álvaro: Eu ainda acho que não se pode fazer nada sem ter um plano integrado. É
o caso do transporte, só para dar um exemplo: temos o transporte ferroviário, das rodovias e um grande potencial de hidrovia. Os caras fizeram
pontes na Via Anchieta com um metro e meio de altura e que impedem o tráfego dos barcos. E agora? Vão destruir as pontes? Isso é falta de um
planejamento integrado. Qualquer obra que se faça sem o plano integrado, você corre o risco de estar cometendo um erro brutal. Faz uma coisa e está
comprometendo outra. É isso o que está acontecendo em Santos. É com esse nível de casuísmo, porque uma obra é uma coisa muito boa para a Política,
porque aparece, dá voto. Um plano científico, técnico, não é uma coisa que apareça...
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"O Cosmos é incoerente..."
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AT - É bom o lazer em Santos?
Álvaro:
Eu acho de péssima qualidade. Lazer em Santos?
Mauro: Lazer em Santos se resume à praia.
Álvaro: E a praia é o esgoto de São Paulo...
Eric: A praia em Santos se resume à areia...
Álvaro: Santos é uma cidade muito incoerente.
Mauro: E São Paulo, não é incoerente? E Salvador, não é incoerente?
Eric: O Brasil é incoerente...
Mauro: O Cosmos é incoerente...
Beni: Mas lazer não é só a praia, é o esporte, é também a parte cultural. E o
que tem de cultura aqui? É o patrimônio que está sendo destruído. Não tem teatro, tem o Teatro Municipal que raramente passa alguma coisa e quando
passa é caro. Sobram os cinemas da Ana Costa, quando chegam as férias, só passa o mesmo filme os dois meses inteiros e filme que a gente sabe qual
é...
Mauro: E.T. ...
(Risos).
Beni: Os filmes bons ficam uma semana só durante a temporada toda.
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"Daqui a pouco, Santos vai perder a referência histórica...
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Álvaro: Santos é uma cidade que não tem um parque. O Orquidário é muito mal
conservado, o Horto é péssimo... Não existe parque!
Eric: Nós estávamos falando de programação cultural. A gente sente que ela é
dinamizada, em grande parte, principalmente na temporada. Então, pra quem é voltada? Para quem vem a Santos durante a temporada, não está
voltada para o santista, para o morador...
AT - E as áreas verdes?
Edison:
Existem o morro e os jardins da praia.
Eric: Área verde são os jardins da praia e algumas praças...
AT - Mas Santos é cinco por cento do território, a ilha é apenas cinco por
cento...
Edison: Lógico, tem a parte de Bertioga, estamos saindo para lá porque aqui não
tem mais nada, certo? A ilha está cheinha. Estamos saindo para Bertioga e Samaritá.
Álvaro: Mas para sair para lá é preciso construir algumas pontes e derrubar
outras. Ou você vai pelo rio - e tem que derrubar algumas pontes - ou você constrói outras e vai de carro.
Edison: Nessa questão de planejamento de Bertioga, há uma questão fundamental.
Todo o abastecimento de Santos em hortifrutigranjeiros vem de São Paulo, aqui não se produz nada. A gente tem condições em Bertioga de produzir com
um custo muito mais baixo e baratear o custo dos transportes, principalmente se aproveitar as hidrovias. É fundamental, mas não vai acontecer, quase
certeza que não.
Álvaro: O Litoral Sul tem também ferrovia, pode ser aproveitada nesse sentido.
Eric: Você perguntou se há lazer em Santos, se o lazer é bom. A gente sente que
Santos é caracterizada como cidade turística, mas na realidade ela é turística só porque fica na beira do mar. De turística mesmo, ela não tem nada,
nenhum incentivo fiscal ao turismo, nenhuma informação para o turista, o próprio brasileiro que vem de outros lugares não sabe as atrações que
existem em Santos e as próprias atrações estão relegadas ao 15º plano.
Beni: Existem algumas medidas práticas, possibilidade de a Prefeitura indicar
as praças, dar informações sobre a programação cultural. O Centro Cultural fica fechado a maior parte do tempo porque não se abre ao teatro popular,
não se preserva a história...
AT - Mas Santos tem história?
Eric:
O Centro de Santos é histórico...
Beni: Mas está sendo derrubado...
Eric: O Teatro Guarani...
Álvaro: Até hoje, dá para perceber que tem. Daqui a pouco não vai dar mais, vai
perder totalmente a referência histórica. Santos teve muita cultura... deve ter tido...
Eric: A gente está falando como se fosse novidade, mas na realidade tudo isso
está dentro do PDDI, na proposta que eles chamaram de utópica... Por exemplo, como preservar todo o Centro velho, como reforçar o turismo.
Álvaro: Daí a importância do PDDI. Você vê que a gente está falando de um plano
de 1978 e está atual...
Eugênio:
A tônica da situação acaba levando a este plano. Mas temos que observar o seguinte: mesmo se for elaborado outro ou atualizado este, talvez aconteça
a mesma coisa, não ser aplicado.
Álvaro: Não é isso, a solução está em um trabalho desse tipo, um plano
técnico...
Eugênio: A implantação desse plano inclui o mecanismo de participação na sua
elaboração, porque o plano pode ser questionado até pelas próprias pessoas que participaram de sua execução, pelo fato de não haver uma participação
das pessoas que moram em Santos. No caso, é preciso garantir a sua implantação, garantir o início da sua execução, com a participação da comunidade.
Aí acredito que seja até uma questão de legislação, de a Câmara de Vereadores ser realmente representativa, não ficar apenas com interesses, sendo
um vereador representante de determinada população, outro do comércio. E acaba o plano se tornando até contrário à população, em vez de
beneficiá-la.
Beni: A solução seria um plano com total participação da população..., e
reunindo técnicos de diversas áreas.
Edison: Uma parte do plano são as estatísticas e o contato direto com o povo.
Não podemos perder de vista a questão da democracia. Dizer que o PDDI, se implantado, vai solucionar o problema de Santos, não vai, não vai
solucionar o problema do cara que trabalha na Cosipa dez ou doze horas por dia e ganha 25 mil cruzeiros por mês, não vai resolver. Acho que a
análise do problema de distribuição de renda, a análise da distribuição é fundamental, descentralização é fundamental, a distribuição do ICM pelos
municípios...
Eric: É, isso é seriíssimo, porque como um município pode atuar sem verba...
Beni: Todo o imposto recolhido pela Cidade vai para a federação. O que retorna
para o Município é em torno de 5 a 7 por cento. É com esse recurso que ele vai coletar o lixo, fazer esgoto, dar água e muitas outras coisas. É
preciso que a própria Prefeitura tenha mais autonomia, mas com que recursos?
Eric: E é gozado que se você consultar a população sobre qualquer problema,
sobre uma rua esburacada, se está faltando água ou luz, a primeira pessoa que a população culpa é o prefeito, e na verdade ele é a pessoa que está
com as mãos mais amarradas para poder atuar nesse sentido, justamente pela falta de verba.
AT - Vocês estão colocando uma série de questões, o contexto social, econômico,
as condições econômicas e políticas de que dispomos, estão preconizando uma ação política a nível de comunidade, estão preconizando a metropolização
e, acima de tudo, sempre o planejamento levando em consideração os anseios da população, as condições técnicas, econômicas, um planejamento, enfim,
permanente, atualizado e integrado. Agora, vocês arrasaram com a Cidade, falaram que lazer não existe, que aqui é o esgoto de São Paulo, as pontes
não deixam os barcos passarem, que turismo não existe, vida cultural só aqueles filminhos. Em termos mais práticos, dá para salvar alguma coisa em
Santos antes de fechar e apagar as luzes?
(Risos gerais)
Edison:
Tem algumas soluções de ordem prática. Em termos de lazer, a gente tem uma série de museus espalhados por aí, tem por exemplo a Bolsa do Café, a
Casa do Trem, dos quais muitos estão sendo destruídos, caso do Teatro Guarani. De vez em quando eu descubro um museu novo que eu não sabia que
existia. Acho que informação podia ajudar bastante e não ia sair caro fazer alguns folhetos, sinalização na Cidade, para a própria população de
Santos. É uma coisa importante. O que temos aí poderia ser muito melhor aproveitado com a informação que não existe.
Álvaro: O que torna a Cidade importante e faz a gente gostar dela são os
resquícios da cultura que houve aqui, o que sobrou...
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"Dá para fazer muita coisa, só repensando a Cidade"
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Beni: Existem propostas práticas. Temos que criar mais áreas verdes, como no
emissário ou na faixa da Fepasa. No caso dos transportes, o ideal para Santos é o trólebus...
Eric: Ainda dentro dessa linha, sem gastar muito dinheiro, dá para fazer muita
coisa, só repensando a Cidade, tirando aquela mentalidade de que a solução para um problema é uma obra. A gente está muito viciado nesse raciocínio.
O trólebus comprovadamente é o sistema mais conveniente à população, barato e eficiente. Arborização é uma coisa que custa muito pouco e melhora
imediatamente a qualidade de vida. Você não imagina o quanto é mais agradável uma rua arborizada. Há obras pequenas, como pontos de ônibus com
bancos, cobertura. São coisas pequenas mas muito boas, como também indicações sobre horários de ônibus, pontos turísticos.
Álvaro: E sobretudo conservação do que existe. O Orquidário é muito mal
conservado...
Lucienne: O Aquário então...
AT - O que vocês fariam com o jardim da praia?
(Vários defenderam sua manutenção com as características atuais).
Mauro:
Conservaria e padronizaria o espaço para o pedestre...
AT - Mas não é um verde estático?
Renato:
É, mas o visual...
AT - Torna-se apenas contemplativo...
Álvaro:
Já fiz um trabalho sobre esse espaço. Primeiro, é muito estreito, então é um espaço de transição, você vem, passa e está na praia. Ele é importante
desse modo, o que deveria ter seriam alguns espaços com outras características ao longo dele. O Aquário é um lugar que tem potencial por ser uma
praça e não precisava ter duas vias, dos lados, poderia ter de um lado só e aquele espaço integrado com a praia. No outro extremo, é o caso do
emissário que pode ser aproveitado.
Eric: Um problema que não dá para acreditar como não foi resolvido é a
existência, ainda, dos trilhos de bondes. Por que não arrancam os trilhos ou então colocam bondes de volta? Santos é a típica cidade que funcionaria
com bondes. Se você pensar em reduzir a faixa de rolamento para carros e aumentar a faixa para veículos elétricos e ciclovias, você não terá
congestionamento de carros, porque com um serviço melhor de transporte coletivo você elimina em parte o uso de automóveis. Imagina uma paquera na
praia de bonde...
AT - Qual o papel da comunidade?
Eric:
Tem tanta coisa para se fazer, tanta coisa que pode ser bem aproveitada, mas a população não reivindica...
Álvaro: Não é que a população não reivindica: ela não tem meios de
reivindicar... Está fora dos canais normais de reivindicação. Sem criticar os canais normais, você tem um cara para te representar, aceitando esse
tipo - ter uma pessoa que vai me representar, ele vai ser poder e eu, através dele, vou conseguir as coisas...
Beni: Mas não é só através dos vereadores que você pode reivindicar...
Eric: Associações de bairros... você tem quarteirões inteiros em São Paulo...
só que infelizmente só acontece em situações de desespero, quando, por exemplo, duas crianças são atropeladas no mesmo dia. Aí, à noite, os caras
vão lá e quebram a rua para chamar a atenção das autoridades. Mas sem chegar a casos graves destes, você tem mil coisas, praças que são abandonadas,
a quantidade de lixo deixada para os ratos, coisas que estão ociosas e poderiam ser aproveitadas pela população...
AT - E a cabeça do santista, seu estado de espírito, como vocês analisam?
Edison:
Eu não concordo quando dizem que a população não reivindica. No problema da Santa Casa, na Praça Mauá, tinha mais de cinco mil
pessoas...
Eric: ... porque era um problema gravíssimo, de vida ou morte..
Álvaro:
O pessoal estava há cinco meses sem ganhar, é o cúmulo, tinha que participar mesmo.
Edison: Mas a Santa Casa tem mais de cinco mil funcionários? Acho que é
participação.
Eric: Porque era um problema de última hora. As pessoas não têm essa
consciência de reivindicação simples, do dia-a-dia.
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"A população não tem meios de reivindicar. Está fora dos canais..."
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AT - Alguém faz uma Rua de Lazer, alguma programação de lazer no seu bairro, no
domingo, na sua rua?
Beni:
Eu acho que se o Poder Público não abre a boca e não tem iniciativa de conversar com a população, e nem prestigiar alguma coisa de lazer, a
população também não tem condição técnica de dizer "acho que uma praça aqui resolveria o problema". É preciso incentivo, ela tem que receber a
iniciativa do Poder Público. Vamos pegar essa área do centro Velho, tem menos áreas de lazer. A solução é manter o patrimônio histórico e fazer o
lazer a nível de bairros, com centro esportivo, cultural...
Álvaro: De repente, pelos veículos de comunicação de massa, e tudo o que existe
a serviço da alienação, está sendo muito bem colocado em Santos. E o que a gente pode perceber é esse resultado.
Eric: Em Curitiba começou assim: se já fizeram isso, porque não fazem também em
outro lugar?...
Álvaro: Acho importante dizer que em Curitiba foi feito todo um trabalho com a
população, que incentivou, que despertou, um trabalho de cunho urbano, teve uma resposta, a sociedade civil teve uma resposta à altura.
Renata: Eu acho também que o santista sente necessidade não só de buscar algo
novo. A gente sente quando vem um navio aqui, pelo número de pessoas que vão visitar, em busca de alguma coisa nova para ver, sabe? O povo da parte
Noroeste, talvez não tenha meios de sair de lá para ir à praia. Depois, eles ficam o fim de semana construindo a própria casa. Mas a parte de cá de
Santos, pintou uma coisa nova, fica cheio de gente, eles vão buscar, como na Concha Acústica, às vezes não estão nem com vontade de ver, mas estão
lá, assistindo, pela necessidade de buscar alguma coisa nova. Então tem que haver um incentivo, tem que ter realmente a iniciativa de se fazer
alguma coisa, para que a comunidade cada vez exija mais.
Álvaro:
Particularmente, queria deixar de lado o caráter paternalista. O problema é que a gente não devia promover tanto a alienação e cuidar de coisas que
interessem. E a alienação está sendo incentivada.
Beni: A alienação não é exclusiva de Santos, é uma coisa geral. Mas deveríamos
atacar o outro lado, buscar alternativas...
Álvaro: Foi o que já falamos. Em Santos existe muita concentração de poder. De
repente a Prefeitura de Santos, sabe? Até que ponto ela está ligada a esferas...
Eric: Concordo em parte. Só acho que precisa haver incentivo, como a Renata
falou: Só que acho que isso precisa partir da população, a gente está muito acostumado a esperar, ficar de braços cruzados esperando que o Barbosa
faça alguma coisa. Acho que não é isso. É a gente se mobilizando e reivindicando...
Álvaro: Aí nós caímos naquele negócio de consciência e alienação. Eu acho que
ninguém nasce alienado. Ou nasce alienado e... ele teria capacidade de reivindicar se tivesse disponibilidade de informações. Informação por onde?
Pela cultura, pelos meios de divulgação...
Eric: Mas esta é a oportunidade. Esse bate-papo, pelo que eu estou
entendendo, o objetivo de divulgar um papo desse é justamente despertar na população a possibilidade desse tipo de coisa. Acho que é isso que
tem que ser enfatizado. A partir de um bate-papo desse, alguém poderá pensar "Bem que poderiam arborizar a minha rua, por que não?" Então
todo mundo começa reivindicando, é publicado no jornal e desencadeia todo um processo de reivindicações.
Beni: Eu acho também que o que você falou pode acontecer, se faz uma praça em
algum lugar, o pessoal do outro bairro vai dizer, "por que não fazem aqui também?"
Eric:
Poderia acontecer, você vê que a lógica é exatamente começar a divulgar isso...
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"Uma razão da falta de apoio é a falta da autonomia"
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AT - Não há nenhuma proposta para este despertar, para esse início de ação? Por
quem poderia ser feita?
Álvaro:
Teríamos que ter uma boa proposta técnica e também, como foi lembrado, o aspecto social...
AT - Vamos colocar uma coisa aqui. Por tudo que foi dito aqui, tecnicamente
existe solução para todos os problemas...
Lucienne:
Existe...
AT - Então, a questão não é técnica, é política. Nós podemos então afirmar que
Santos não existe politicamente, em termos de atender à população?
Edison:
Não é bem assim, precisamos ver que existem um monte de fatores, sabe, que estão barrando, segurando a participação.
AT - Você não acha que a falta da autonomia acaba servindo como desculpa para
manter Santos desse jeito, quieta, sossegada?
Beni:
Uma razão para que a população de Santos não apóie uma série de coisas é a falta da autonomia.
AT - Então, não é uma desculpa?
Edison:
A gente tem que ver essa questão da autonomia dentro da História de Santos, a gente sabe o que foi esse Porto, a cidade vermelha, não podemos perder
de vista isso daí, porque a ditadura não perdeu.
AT - Então, perdemos alguma coisa...
Beni:
Perdemos, estamos perdendo todo dia, não só a autonomia...
AT - Então a questão é como recuperar o que perdemos.
Beni:
Eu acho que a recuperação da autonomia, da discussão..
AT - Seria essa a única solução?
(Edison diz que seria "um passo", não a solução, e vários concordam).
AT - Quais seriam os outros passos, então?
Álvaro: Acho que seria, politicamente, você fazer
atuar um trabalho técnico. Que meios você tem? Isso aqui (fala pondo a mão sobre o PDDI)
interessa à comunidade. E por que não é feito? Porque não há interesse. Isso é política!
AT - A comunidade sabe que isso existe?
Eric:
Tem isso também, é fundamental...
Álvaro: Eu vim saber depois que entrei para a faculdade...
Edison: Existe um grande potencial em Santos, existem várias faculdades, a São
Leopoldo, por exemplo, tem seis escolas, e todo o potencial não é utilizado para nada. Eu sei que a Faculdade de Direito tem um escritório que
atende o pessoal carente, com atendimento de graça. Acho que essa é uma proposta que diz respeito a todas as escolas de Santos, Arquitetura,
Comunicação, Filosofia... A gente já discutiu isso na Arquitetura e não conseguimos viabilizar, é uma coisa difícil, a gente tem que chegar ao padre
Valdemar e pedir para liberar uma verbinha.
AT - A criação da universidade ajudaria?
Edison: Acho que ajudaria, a nível de pesquisa, de desenvolvimento de
tecnologia.
AT - Qual é a barreira? Não é o padre Valdemar...
Edison:
Não, não é, a gente poderia fazer isso lá independente do padre Valdemar, a gente podia pegar e fazer. Agora, é difícil a gente segurar isso daí
dentro da escola, conseguir uma estrutura dentro da escola, conseguir um espaço, mobilizar.
Eric:
E conseguir também uma certa receptividade dentro da comunidade. Para muita gente, a Faculdade de Arquitetura não é conhecida.
Eugênio: E dizem: Ah, só tem louco lá. Não se sabe realmente a produção de
conhecimento que foi feito durante esse tempo de existência da faculdade.
AT - Alguma vez vocês tiveram algum tipo de contato com a administração
municipal, com entidades de base, vocês são procurados por alguém da administração, por sociedades de melhoramentos?
Álvaro:
Não diretamente com a faculdade, mas alguns professores, algumas pessoas têm contato...
Mauro: Aconteceu recentemente com a Associação de Funcionários da Cosipa, que
estão precisando de um projeto e não dispõe de verba e está precisando de um projeto de um ancoradouro na Cidade Náutica, um grêmio esportivo da
associação. Eles foram na faculdade, a gente entrou em entendimentos, eles vão promover um concurso, vão emprestar uma barca para a gente fazer um
passeio durante um dia inteiro e tal. E são coisas desse tipo que às vezes têm acontecido.
AT - Por políticos, vocês nunca foram procurados?
Beni:
Por políticos, não.
AT - Vocês falaram no pessoal das faculdades. Como usar isso? Vocês falaram que
precisam pedir verba para o padre Valdemar, que é difícil conscientizar dentro da própria faculdade.
Eric:
Seria preciso montar uma estrutura...
Eugênio: Seriam precisos convênios, porque uma série de trabalhos que a gente
faz, a gente não vê implantado, não vemos a concretização de uma série de propostas. Se houvessem convênios com algumas entidades e esses projetos
fossem viabilizados, isso aí até estimularia o trabalho dos estudantes. Mas não é o que acontece, fica num plano muito teórico.
Edison: Acadêmico...
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"A política educacional é de não incentivar a pesquisa"
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Renata: Uma coisa que acontece é que a política educacional é de não incentivar
a pesquisa. Quando a gente entra numa faculdade, não se desenvolve nada mais do que aquilo...
Eric: ... o mínimo necessário.
Renata: ... nem o necessário. Você não tem o sentido de laboratório, de saber
de fato, produzir algo novo...
Álvaro: É isso aí. E tem outra coisa de âmbito federal: a tecnologia, hoje, não
se faz, se compra, se importa.
Edison: O Prourb era um negócio muito mais amplo do que o que foi na realidade.
A idéia, inclusive a gente fez contatos com gente de todas as escolas de Santos. Se pensava o seguinte: a gente tem as faculdades de Direito,
Arquitetura, Medicina, Comunicação, então a idéia era cada faculdade atuar na sua área. A de Arquitetura na parte de planejamento, urbanismo. A
Medicina na área de saúde etc. Se pudesse trabalhar junto, sabe? Mas cada escola montar um plano de trabalho e começar a trabalhar com os alunos,
desenvolver trabalhos de pesquisa, incentivar as palestras, trazer gente especializada em determinados assuntos, para embasamento, discutir e sair
com projetos. A gente tinha uma idéia que ia além disso, ainda começou em março, pensamos nas eleições de novembro, para fazer os candidatos se
comprometerem com a população. Então, a idéia era a seguinte: a partir do momento em que tivéssemos uma proposta sobre os morros de Santos, uma
proposta sobre o problema da habitação, desse risco que está correndo essa população, comprometer os políticos perante o público, com as propostas.
E não deu para fazer isso. Entramos em contato com gente de duas ou três escolas. E não saiu nada.
AT - E por que não deu certo?
Edison:
O que aconteceu? A gente tinha alguns políticos, o Esmeraldo Tarquínio sempre estava lá com a gente, todas as palestras, todos os debates ele estava
presente, mais alguns outros políticos, mas no fim, sabe...
Beni: Não deu certo a intenção primeira de levar propostas. Fizemos certas
palestras, mas não houve interesse das outras faculdades. E diante disso, a gente não sabe o que fazer. Uma coisa eu sei: o ensino, em todo o
Brasil, não é um ensino voltado para a população, para a pesquisa.
Edison: É elitista, né...
Beni: É preciso encontrar caminhos, repensar, buscar um novo aproveitamento
desse ensino...
AT - Será que não estamos precisando, na verdade, de uma consciência
comunitária? Temos idéias, projetos, mas não um ponto de convergência.
Álvaro:
Acho importante. Mas como vamos conseguir isso? É difícil organizar as coisas, em termos práticos. Vamos fazer uma palestra, um debate, e de repente
você precisa ter uma estrutura, uma secretária, que ficasse lá cuidando dessa parte burocrática... são problemas de ordem prática mesmo. Se você faz
um trabalho legal, tarz gente importante para falar, você obtém resultado. Mas é difícil fazer isso, precisa pensar que no dia seguinte você tem o
trabalho de Urbanismo para entregar, no outro um trabalho de Edificação, no outro dia você tem que estudar para uma prova, e na parte da manhã você
tem que trabalhar também, porque a faculdade está 50 paus por mês...
Édison: Você passa cinco anos na faculdade e se marcar bobeira você passa o
tempo todo sem visitar uma obra, e depois vai projetar.
Eugênio: Falando ainda quanto ao aspecto comunitário, a gente não pode é
esperar do poder público um incentivo a esse tipo de consciência, porque isso não vai acontecer. A gente não pode esperar a população se
conscientizar para então fazer uma série de coisas. As duas coisas devem ocorrer ao mesmo tempo: há necessidade de se abrir, incentivar a
participação das pessoas. Poderia ser feito através das faculdades, mas precisamos de mecanismos para isso, incentivar as sociedades de bairros,
organizar as associações desses conjuntos e até partidos, o próprio PT, que tem um trabalho nesse sentido. Eu acho então que nesse caso se deve
atacar de todas as formas. No caso do poder público, ele ficaria até em segundo lugar, pois na situação em que ele está atualmente, a gente vê que a
Prefeitura não é a nossa, uma Prefeitura que não foi conseguida pela votação popular. Dessa administração a gente não vai esperar muita coisa. Então
temos que atacar de todos os ângulos.
Edison: É, vamos ver, a eleição, os novos governos, é uma esperança. Parece que
no geral, a nível de Brasil, a população inteira está esperançosa, a gente viu pela participação nas eleições...
AT - Agora vamos colocar uma coisa bem dentro da área de vocês. Como vocês
vêem o relacionamento entre a parte física de Santos, e o morador?
Álvaro:
Particularmente, acho que a arquitetura que existe hoje está dentro do contexto que estamos falando, está a serviço da especulação imobiliária, que
vai oprimir o usuário, vai forçar condições... quer dizer, o arquiteto, ele faz o melhor possível...
Eric: Para sobreviver...
Álvaro: Para sobreviver dentro do esquema.
Eric: Para sobreviver dentro do esquema, você vai sacrificar a qualidade de
vida da população. Está havendo atualmente uma polêmica sobre o Código de Obras de Santos, quanto a posturas, recuos etc. Essa é uma coisa que,
claro, os agentes imobiliários querem aproveitar o máximo do terreno para ganhar o máximo em cima. E a estrutura da Cidade está sofrendo
simplesmente porque você está reduzindo toda a área verde, a área de iluminação, ventilação, não está levando em consideração o conforto ambiental.
Então a Cidade é úmida e desagradável, por causa dessa barreira na orla. A arquitetura da Cidade massacra...
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"Apesar de tudo, existem pessoas rindo pelas ruas..."
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Beni: O que uma pessoa necessita para morar? Tanto de área, tanto de
iluminação, tanto de habitação, tanto de área verde em volta, para morar bem. Mas o que está acontecendo é que as imobiliárias têm um terreno,
então, têm que aproveitar o máximo...
Édison: Você quer maior absurdo do que essas escolas da Conesp? Você tem um
livro onde está tudo pronto. O corredor deve ter de 2 a 2,20 metros, não pode ter mais do que isso. Uma sala de aula para 40 alunos, tem que ter 60
metros quadrados. A janela tem que ter dois por dois... é assim. É um projeto já pronto, um projeto matemático, não interessa se o clima da região é
úmido, se é seco, se o vento vem do Norte ou do Sul, onde nasce o sol...
AT - E sabendo de tudo isso, como vocês se sentem, como futuros arquitetos?
Resposta em coro:
Mal.
AT - Bom, nós demos a Cidade para vocês e vocês acabaram com ela...
Edison:
Não, nós fizemos uma leitura da Cidade.
Álvaro: É, a realidade não é brincadeira...
Renata: Apesar de tudo, existem pessoas rindo nas ruas...
Álvaro: É verdade, não sei.. O homem que vive na cidade, esse papo de
urbano, é tudo ruim, tudo podre, tudo caindo aos pedaços, mas o pessoal está aí, em Santos existe isso, o pessoal tá vivendo, tá na
praia, produzindo. De vez em quando tem uns pegas, mas tá tudo aí. É o papo de urbano, de comunidade...
AT - Alguém quer falar mais alguma coisa, abordar algum ponto que tenha faltado?
Álvaro:
Deve ter faltado...
Edison:
Eu queria enfatizar mesmo é a questão das favelas, o problema dos morros e da Zona Noroeste, porque é justamente o pessoal que produz. Não existe
mais aquele negócio de que quem mora na favela é marginal. Quem mora na favela, hoje, é a classe operária, é o pessoal diretamente ligado à
produção. Acho que é o mais importante. Esse pessoal está totalmente desatendido de infra-estrutura, de condições de higiene, é um caos. São os
maiores problemas, além do problema da Bertioga, porque a Cidade vai crescer para lá e se não houver planejamento, se aquele código de obras for por
água abaixo, aquilo vai virar... daqui a alguns anos a gente vem aqui novamente e vai falar as mesmas coisas. Nem precisa: guarda a fita.
Maior participação da população e um planejamento integrado,
os caminhos apontados pelo grupo
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