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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (C)
A qualidade de vida em questão (3)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. É desse período esta série de matérias especiais, que continuou sendo publicada no jornal santista A Tribuna em 25 de maio de 1981:
 
Faltam planejamento, verbas e técnicos. O trânsito de Santos poderá entrar em colapso, caso as autoridades continuem mantendo o mesmo comportamento passivo que se arrasta nos últimos anos. Da mesma forma, faltam áreas verdes. A legislação existente é omissa quanto à arborização da Cidade, e não há nenhuma lei que regule o corte indiscriminado de árvores, como está acontecendo, para que se implante cada vez mais prédios de apartamentos nos bairros. E não se definiu, dentro da política urbana de Santos, qual o melhor uso das praias - jardins, areia e mar -, para que o santista tenha opção de melhorar sua qualidade de vida.


Cena comum: sem organização, começam a aparecer 
o que os técnicos definem como pontos críticos no trânsito
Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria

Sem planejamento, trânsito afetará condições de vida

Álvaro de Carvalho Júnior e José Carlos Silvares

Uma cidade plana, com área urbana pequena - aproximadamente 60 quilômetros quadrados -, sem grandes distâncias, e com uma malha viária considerada fácil pela maioria dos técnicos do Departamento Municipal de Trânsito, enfrenta graves problemas de trânsito, devido à falta de planejamento e de condições financeiras, e pelo número muito grande de carros que se espalham por suas ruas. Estavam registrados nos arquivos da Delegacia de Trânsito de Santos, no ano passado (N.E.: em 1980), 100.000 veículos. Atualmente, existe a média de um carro para cada quatro santistas.

Esse quadro, nos próximos anos, deverá se agravar. As áreas livres desaparecerão totalmente, o número de veículos deverá aumentar consideravelmente, e os congestionamentos que o santista enfrenta deverão tornar-se cada dia mais freqüentes. As soluções, ainda segundo os técnicos, não são difíceis, mas envolvem procedimentos e exigências que dificilmente serão atendidas. Por exemplo: de pouca coisa adiantará um projeto de sinalização em toda a Cidade, desde que não haja uma retaguarda para que essa sinalização seja respeitada. A Polícia Militar, que deveria dar esse apoio, não tem gente suficiente.

"Na realidade - explica o jornalista Áureo de Carvalho, há 11 anos trabalhando no setor de Transportes - falta de tudo um pouco. Não existe sinalização suficiente; o Demutran luta contra a falta de verbas, de técnicos, e não existe policiamento. Não se obedece a um planejamento racional, as ruas são mal aproveitadas e os congestionamentos se repetem. O pior é que os técnicos não estão encontrando soluções, até certo ponto, fáceis".

A desapropriação de casas e terrenos pela Prefeitura, para o alargamento de ruas (a General Câmara seria um bom exemplo), é apontada pelo jornalista como dispensável, à medida em que essas ruas, mesmo estreitas, podem receber sinalização eficiente, planejada, e um serviço de apoio, responsabilidade da Polícia Militar. "O dinheiro aplicado nas desapropriações e no alargamento dessas vias poderia ser usado em sinalização, recuperação das pistas e em uma série de obras que facilitariam o desenvolvimento do fluxo de trânsito. Infelizmente, as autoridades não pensam assim. Se as ruas fossem realmente aproveitadas, não se precisaria gastar tanto dinheiro".

Um bom exemplo, nesse caso, é o Binário. Sua implantação visou apenas a facilitar o fluxo de trânsito, ligando duas extremidades da Cidade (Ponta da Praia e José Menino) e permitindo que os carros que chegam do Centro possam facilmente atingir os bairros. Entretanto, não se obedeceu a uma regra simples, em se tratando de uma via de trânsito rápido: a proibição de estacionamento. Na Asa Norte, pode se estacionar do lado esquerdo em qualquer lugar, o que provoca problemas para o fluxo de trânsito.

Existem outros problemas que dificultam ainda mais o fluxo de trânsito no Binário. Os trólebus andam na contramão e a proliferação de estabelecimentos comerciais não tem qualquer controle. No PDDI, feito pela Prodesan em 1976, previa-se a adoção de uma legislação que impedisse a criação de comércio em determinados pontos do Binário, evitando que as pessoas estacionassem os carros, dificultando o trânsito. Atualmente, esse item do PDDI não está sendo obedecido, e as lojas começam a aparecer, aproveitando-se do número de pessoas que se utilizam do Binário. Resultado: bairros antes residenciais passam a enfrentar o comércio. A qualidade de vida diminui sensivelmente.

A maior prova da falta de planejamento das administrações que se sucedem na Prefeitura foi, exatamente, a implantação do Binário. Não foi feita qualquer pesquisa social, qualquer levantamento dos bairros atingidos, limitando-se apenas a estudos técnicos, frios e sem envolvimento social. "Por isso - afirma Áureo de Carvalho -, muitas ruas foram mal aproveitadas. Outras possibilidades poderiam ter sido estudadas e não foram".

O arquiteto Célio Calestini, um dos responsáveis pelo planejamento do Binário, tem outra visão. Afirma que sua implantação facilitou o fluxo de trânsito e que os bairros atingidos podem perfeitamente suportar o sistema. "Na verdade - comentou - é preciso um pouco mais de sensibilidade da própria população. É claro que o ruído e o barulho aumentam consideravelmente em ruas antes tranqüilas e calmas. Mas existe toda uma população que precisa e deve ser atendida. Os que hoje reclamam do Binário, usam seus próprios carros e não dependem de coletivos. Se o sistema fosse implantado na Vila Progresso, por exemplo, ninguém reclamaria. Nem os moradores de lá, pois finalmente teriam um serviço de transporte na porta de casa. Reclamariam, sim, dos aumentos das tarifas".

Enfim, num rápido levantamento dos problemas de trânsito que aparecem na Cidade, chega-se à conclusão de que eles poderiam ser facilmente superados, desde que as administrações tivessem maior interesse em resolvê-los. O Demutran chegou ao ponto de estabelecer "pontos críticos" (onde os acidentes e engarrafamentos são comuns), e admite que em muitos casos é impotente para resolvê-los, esbarrando na falta de verbas e pessoal especializado.

Uma somatória de todos esses problemas fatalmente atingirá a qualidade de vida do santista. Ele será obrigado a conviver com a verticalização da Cidade; com a falta de áreas verdes e de opções de lazer; com um mar constantemente poluído; com caminhões do porto atravessando a área urbana; com os ônibus das empresas que ligam Santos a São Paulo utilizando-se de suas avenidas principais; com os congestionamentos e com muitos acidentes de trânsito. Em pouco tempo, poderá também conviver com a neurose, com a instabilidade emocional, e verá sua Cidade completamente descaracterizada, transformada apenas em mais uma cidade-problema, como tantas que existem no País.


Cena comum: devastação em área particular
Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria

Em Santos, o verde está sem proteção

Há alguns anos, A Tribuna denunciava o crescente desaparecimento das áreas verdes de Santos. Nada foi feito para conter a fúria da destruição dos pequenos pulmões verdes que ainda existiam na época. Ao contrário, as administrações públicas que se seguiram àquelas reportagens, algumas vezes até estimularam o fim dessas áreas, estando, de certa forma, coniventes com a perda da qualidade de vida do santista. É o que continua acontecendo.

Sem uma legislação específica, sem fiscalização e sem o espírito de continuidade, as últimas administrações, por exemplo, não evitaram que muitos desses pequenos pulmões verdes, mesmo em fundos de residências particulares, fossem devastados para dar lugar a edifícios sem árvores e sem jardins, tirando dos moradores das proximidades um local de lazer, atenuante do barulho e da poluição.

É o que está acontecendo, nestes dias, com a área da Rua General Rondon, 13, na Ponta da Praia, onde havia uma pequena floresta, com árvores muito antigas e que foram derrubadas para dar lugar a um prédio de apartamentos. É o que pode acontecer com outros terrenos, onde existem muitas árvores e que - de uma forma ou de outra - funcionam como área comunitária, verdadeiros pulmões, que distribuem ar puro para centenas de moradores da região.

Assim, Santos vai perdendo essas áreas verdes. Vai se tornando cinza, sufocante, sem que a administração pública substitua essa perda, ou implantando mais árvores ou criando novos pulmões nos bairros, transformando radicalmente o que entende por praças.

O código de obras, de 1968, é omisso quanto às áreas verdes na parte continental da Cidade. Apenas regula (e de forma notável, se for cumprido à risca) os recursos naturais do Distrito de Bertioga. Mas, se o código está omisso quanto às áreas da parte continental, sem legislação que regulamente a preservação das árvores existentes, o que será da qualidade de vida do santista, num futuro bem próximo, quando os terrenos particulares arborizados forem devastados para dar lugar a edifícios? Sabe-se que Santos não tem mais para onde crescer, a não ser para cima, em prédios que avançam para os bairros residenciais, tomando o lugar das casas, onde ainda resta um pouco de vegetação. Mas, se não há regulamento é porque não se legislou sobre o tema, pelo menos desde a elaboração do último código de obras, há pelo menos 13 anos. E legislação é com os vereadores, que poderiam tentar alterar o código.

Sem legislação regulamentando a preservação das árvores existentes em Santos, a população fica desprotegida quando se devasta uma área antes arborizada. O código nessa parte de edificação apenas define espaços, destinando à construção 50% do terreno, junto à orla, e 60% do terreno, nos bairros residenciais. Mas, mais uma vez, se omite quanto à área deixada livre, não definindo se essa área tem que ser arborizada ou se simplesmente pode ser toda cimentada. Enfim, em termos de área verde, em terreno particular, o proprietário faz o que quer.

Enquanto não criam novos pulmões nos bairros, Santos se utiliza do único espaço dessa natureza (sem falar nos jardins da praia) voltado ao lazer: o Orquidário, embora atingido pelo constante mau-cheiro procedente da estação de tratamento de esgotos da Sabesp, levantada bem ao lado.


Cena rara: pulmão verde em bairro residencial
Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria

De que forma usar a praia?

Com a inexistência de áreas de lazer, e sem praças adequadas, o santista corre à praia quando quer respirar um pouco de ar puro. Ao contrário de outras cidades, Santos tem o privilégio de sete quilômetros de jardins e quase 10 quilômetros de praias, o que serve de atenuante à baixa qualidade de vida nos bairros. Mas, de que forma o santista utiliza todo esse potencial - jardins, areia e mar?

Os jardins, símbolo de Santos no Exterior, em outras épocas, nunca estiveram tão mal cuidados como na atual administração municipal. Em toda a extensão da praia, desapareceram flores e plantas, e a grama ou está sempre com acúmulo de areia ou está seca, por falta de manutenção. Há trechos de jardins onde o mato prolifera, e outros onde sequer existe qualquer planta ou grama.

Assim, ultimamente, o santista deixou de utilizar os jardins. Mas houve um outro fato: a invasão de bicicletas e de futebolistas sobre os jardins. Apesar de ter anunciado (e, por algumas semanas, praticado) um esquema de fiscalização contra esses abusos, a administração deixou de atuar mais acirradamente, por falta de quem fiscalize os abusos.

Da mesma forma, a Prefeitura anunciou um plano de disciplina da prática de esportes na praia, tentando acabar de vez com a crescente rivalidade entre banhistas e praticantes de esportes, mas não pode levar o plano adiante por falta de fiscalização efetiva. E o que se viu no domingo passado - futebolistas, na área demarcada de 150 metros nos lados dos canais, batendo bola junto aos banhistas, apesar da proibição das placas - tende a se repetir.

Mar, também - O problema não fica só nos jardins ou na praia. Há também o mar, onde existem condições discutíveis de balneabilidade. Sabe-se que, hoje, a situação do mar está bem melhor do que há alguns anos, desde que entrou em funcionamento o emissário submarino de esgotos. Mas sabe-se que nenhuma medida de controle da poluição - por efluentes industriais de Cubatão e por lançamento de esgoto in natura de Vicente de Carvalho - foi tomada nos últimos anos. E o que se vê é um estuário praticamente morto, desaguando nas praias de Santos, para onde leva, inclusive, o óleo lançado pelos navios que freqüentam o porto.

A essa falta de balneabilidade, soma-se o desinteresse do santista pelos esportes náuticos. Desinteresse que poderia não existir se houvesse um plano, a nível municipal, de despertar o uso do mar, seja com a implantação de cursos de vela ou de remo, seja com a construção de marinas públicas.

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