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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (B)
A ocupação da ilha (11)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

É desse período esta série de matérias especiais, que  continuou a ser publicada no jornal santista A Tribuna em 9 de junho de 1982:

Imagine como tudo seria diferente se tivéssemos hoje coisas como uma ponte sobre o Estuário, ligando Santos à Ilha Barnabé e, em conseqüência, com Bertioga. Se, por exemplo, existisse uma ligação direta com a Praia do Itararé, em São Vicente, pela Avenida Francisco Glicério, ou, ainda, um parque no Morro da Nova Cintra e "centros de recreação" nas praias santistas.

Seria sonhar demais?

Não, definitivamente não. É claro que obras como estas poderiam provocar, atualmente, muitas e acirradas discussões. Mas não se tratam de projetos revolucionários ou por demais arrojados: foram idealizados em 1950, pelo engenheiro e arquiteto Francisco Prestes Maia, ainda hoje lembrado como um dos principais planejadores que já existiram neste País.

As idéias de Prestes Maia estão condensadas em um livro, Plano Regional de Santos, uma coletânea de estudos realizados em 1947 e 48, e que previa inclusive os problemas de circulação do ar que a construção indiscriminada de prédios na orla provocariam (como todos sabem, estes problemas realmente existem, influindo no clima da cidade. Sim, o engenheiro tinha os olhos voltados para o futuro...).

Muitas das suas idéias foram aproveitadas - como a construção de um túnel ligando a Praça dos Andradas ao Jabaquara -, mas na verdade o Plano Regional de Santos permanece como uma honesta e séria tentativa de disciplinar o crescimento da região da Baixada Santista. Muitos pontos, hoje, seriam discutíveis, mas é impossível negar que se tratava de uma visão realista das dificuldades que Santos, especificamente, enfrentaria no futuro.

O futuro chegou. E estamos enfrentando, nesta década de 80, muitos dos problemas apontados por Prestes Maia.

Sem dúvida, o homem não se acostumou ainda a acompanhar o ritmo que as transformações sociais e econômicas impõem às cidades.


Plano Regional de Santos, segundo os estudos do Engenheiro Prestes Maia

Planos antigos, problemas atuais

Texto de Lane Valiengo

I - A HISTÓRIA

Era mesmo muito meticuloso, o senhor Prestes Maia.

Antes de expor qualquer idéia a respeito de Santos, ele procurou na História as causas que produziram a Cidade que se conhecia nos anos 40.

Mais ainda: com a capacidade que só os grandes homens possuem, repensou toda a evolução da região, com olhos críticos, tirando daí conclusões e revelando ligações antes praticamente desconhecidas (convenhamos: sempre existem ângulos variados de uma mesma questão, depende de quem observa os fatos).

Vamos aos exemplos: "As vias de comunicação são talvez o mais alto fator determinante da formação e crescimento das cidades, e como expõe Démoulin, distribuem, relacionam, modelam as populações e influem consideravelmente no curso da História. Conhece-se, sobretudo, a importância dos pontos de transbordo e dos cruzamentos das estradas. Estas, por sua vez, são linhas de menor resistência ou de maior eficiência, sujeitas a acertas condições naturais (ancoradouros, desfiladeiros, vales, espigões etc.), que parecem prolongar no campo das atividades humanas um dos mais conhecidos princípios: o da mínima ação".

"No Caminho de Santos nasceu assim, em fita, a Vila de São Bernardo. Mas a estrada é indiferenciada em extensão e são os acidentes que catalizam as aglomerações. Em primeiro lugar, as simples paradas (pousos, relais, hospedarias, hans balkanianos, manzels tunisianos), cujos espaçamentos, mais ou menos coincidentes com o alcance das viagens diárias ou semanais de escambo, localizaram a maioria das nossas cidades. Estas distâncias variam com o progresso dos meios de transporte; resultam os limites naturais ao crescimento das cidades ou mesmo o retrocesso de muitas, desprovidas de elementos suficientes de sustentação. Em segundo lugar há os obstáculos (as pontes, os começos de subida, onde os animais se refazem ou as máquinas se preparam), pontos de transbordo, isto é, mudança de um meio de transporte para outro. É o caso dos cubatões de Santos, dos quais dois (Piassagüera e o Cubatão Geral) ficaram famosos".

Vamos ler mais um pouco: "Devido às comunicações com o planalto, a vila desenvolveu-se sobretudo para Oeste, cobrindo aos poucos o atual centro urbano. Para os outros lados deitava estradas, das quais as principais eram a da Ponta da Praia, cujo traçado transparece nas atuais ruas Luiz de Camões e Oswaldo Cruz; a de São Vicente, contornando o Monte Serrate; e a que transpõe a garganta da Santa Casa. A Leste, a área urbana era menor que hoje, desfalcada do golfão onde estão construídos os armazéns externos da Companhia Docas. Grandes chácaras, pantanosas e inundáveis, cobriam as áreas próximas, e só em época relativamente recente foram arruadas".

"Alguns pontos singulares se destacaram na cidade, entre eles os quatro cantos onde estava a casa paterna do linhagista, formados pelo cruzamento das ruas XV de Novembro e Frei Gaspar. Algumas anomalias do xadrez central explicam-se talvez pelo curso dos antigos ribeirões, por exemplo as ruas Conde D'Eu e Frei Caneca. A relativa regularidade do centro decorre assim de motivos topográficos. Isto é raro nas colônias lusas, diferentemente das hispânicas, habitualmente traçadas segundo instruções oficiais e esquemas rígidos".

Ao que tudo indica, continuamos não respeitando os esquemas.

II - O PORTO

Na segunda metade do século passado (N.E.: século XIX), como conta Prestes Maia, Santos era um dos portos "mais insalubres do mundo, e materialmente resumia-se a uma série de pontes, pontões e trapiches. Na baixa-mar, larga faixa de lodo, receptáculo de detritos e de escoamento urbano ficava descoberto ao sol, constituindo tremendo foco de pestilência, que a ausência de um sistema urbano de esgoto agravava.

No início do século, Saturnino de Brito começou a implantação do sistema de esgoto, incluindo a construção dos canais de saneamento, e aos poucos o "porto insalubre" transformou-se no principal do País.

Prestes Maia traça um quadro do crescimento do porto, destacando alguns pontos interessantes: "Em 1906 e nos anos seguintes surgiu a questão dos prejudicados indiretos pela Docas; os fornecedores de lastro para navios, os fornecedores de água, trapicheiros, carroceiros etc., todos cujas atividades o serviço da Docas havia substituído ou tornado obsoletos. Alguns desses desgostosos parece terem contribuído para as greves então verificadas em Santos, a ponto de motivarem a vinda de cruzadores da nossa Marinha de Guerra. Os donos desses armazéns julgavam-se prejudicados pelos armazéns, tanto internos como externos, da Docas, e curiosamente a própria Prefeitura queixava-se da decadência daqueles primeiros, que lhes proporcionavam tributos de que os armazéns portuários estavam isentos".

Na década de 40, o porto já exigia algumas melhorias. Prestem atenção a este trecho: "Com efeito, em primeiro lugar nota-se que o prolongamento do cais em direção ao Sul, além do inconveniente urbanístico de aproximar demais o porto da zona residencial em formação na Ponta da Praia, vai alongar e agravar ainda mais a travessia do tráfego ferroviário ao longo de toda a extensão da faixa portuária, já congestionada. Esse congestionamento tenderá a aumentar se, como o futuro exigirá, as linhas da Sorocabana forem retiradas do atual traçado através da Cidade".

"Por um lado, o abandono da solução da margem esquerda está permitindo que nesta se projetem, iniciem e realizem desenvolvimentos urbanísticos, construções etc., assaz desencontrados, mas que, reunidos à valorização natural contínua, estão gerando para as futuras e inevitáveis ampliações do porto os mais vultosos e graves embaraços".

Foi o que aconteceu. Prestes Maia tinha a mais absoluta razão, assim como estava certo em considerar São Sebastião como o local ideal para um novo porto no Litoral.

Ainda com relação ao porto, o plano regional determinava alguns pontos prioritários:

1) A ponte sobre o canal de Bertioga desloca-se da entrada do canal para o Monte Cabrão, no trajeto da linha transmissora do Itatinga. Essa mudança nada encarece, pois o Plano Regional completo envolve, de qualquer modo, a passagem das estradas por aí, em demanda de Bertioga e Litoral Norte. Além disso, ficará desimpedida maior área na Bocaina, comportando mais indústrias, pátios e cais secundários. A travessia no Cabrão apresenta a vantagem de ser a mais estreita do canal e dispor de um outeiro de cada lado, isto é, terreno firme e facilidade para ganhar altura.

2) As bacias do porto são transferidas mais para o Sul, junto ao Rio Santo Amaro, de modo a sobrar área para a futura cidade comercial ou portuária, em frente ao centro de Santos, com possibilidade de outra ligação futura através do estuário. A própria companhia (Docas) admite que possui um estudo nesse sentido. Essa localização das bacias encurta o percurso de entrada dos navios, e o local nada tem a temer quanto aos ventos e às vagas, porque é muito abrigado.

3) As bacias e molhes terão forma ligeiramente diferente do projeto primitivo: racionalmente, mais curtas e trapezoidais.

4) Entre Itapema e a Bocaina, uma área será subtraída ao porto para destinar-se à indústria naval.

5) Cronologicamente, essas obras da segunda seção do porto (Ilha de Santo Amaro) serão antepostas a algumas do atual programa, como sejam os últimos piers; o último trecho na direção da Ponta da Praia e os alargamentos menos urgentes, que todos passarão à segunda etapa. A terceira etapa do programa compreenderá as bacias e molhes.

Deixamos de incluir no programa, por serem simples reservas ainda mal estudadas, as extensões do porto em quarta e remota etapa, que abrangeria o Caneú e Bertioga".

III - LIGAÇÕES COM O PLANALTO

A ampliação do Porto de Santos, na época, levantou uma série de dúvidas sobre as vias de comunicação com outras áreas do Estado. Prestes, nesta parte do seu livro, refere-se "à duplicação da Via Anchieta", além da possibilidade de uma estrada de ferro pelo Vale do Quilombo, bem como à ampliação da Sorocabana e da São Paulo-Jundiaí, ressaltando entretanto que "as novas linhas indicadas não completam as possibilidades de desafogo do transporte comercial entre Santos e o Planalto".

E acrescentava: "Outro recurso de muita atualidade é o oleoduto. Este, absorvendo quase todo o transporte de combustíveis líquidos, aliviará a Santos-Jundiaí de tonelagem quase igual ao excesso das importações sobre as exportações, diferença que tanto tem desequilibrado a exploração da estrada".

De acordo com estas idéias, o oleoduto inicial deveria ligar Santos a São Paulo e, futuramente, a Campinas. "Os vagões-tanques desocupados passariam a fazer a distribuição no Interior". E, logo a seguir, uma observação: "O sistema usará certamente containers...". E, ainda, recomendava a encampação, pelo Estado, dos serviços portuários.

IV - AVIAÇÃO

A idéia de Prestes Maia: a instalação de um aeroporto civil na Baixada Santista, mais precisamente em Praia Grande, sobre a localização da Base Aérea, levantava algumas dúvidas: passagem e estacionamento de navios, presença próxima das montanhas e contrafortes da Serra do Mar; interferência nas torres de alta tensão etc.

As vantagens de Praia Grande: possibilidade de "ligação direta" com Santos; proximidades com a Via Anchieta e as linhas férreas; facilidade de aterros mecânicos ou hidráulicos; não traria risco especial ao porto e, finalmente, a proteção do Forte Itaipu.

V - FERROVIAS

O Plano Ferroviário Regional enumerava as principais obras e modificações necessárias:

- "A bitola larga terá nova linha de aderência, provavelmente pelo Vale do Quilombo. A antiga São Paulo Railway dividir-se-á em dois trechos: o São Paulo-Jundiaí entregue à Paulista, e o São Paulo-Santos entregue a um consórcio Paulista-Central".

- "A linha de aderência ligar-se-ia a estas duas estradas, formando um triângulo: Capital-Mogi-Garganta (nota: garganta superior do Quilombo). Descida a serra, irá de um lado a Santos (Saboó) pela Ilha dos Bagres ou pela Barnabé, de outro lado prosseguirá pelo continente, até penetrar na Ilha de Santo Amaro, na altura do Monte Cabrão. Nesta ilha servirá o porto e terá estação terminal comum com a bitola estreita, mais ou menos onde hoje se acham os dois morros do Itapema".

- "Uma ligação Piaçagüera-Quilombo poderá ter certa utilidade auxiliar".

Sem falar, ainda, da ligação entre o Saboó e a Ilha Barnabé (pela ponte já citada).

VI - RODOVIAS

Algumas idéias, apenas, dentre as muitas do plano regional: "A primeira estrada moderna da ilha, a Cabrão-Guarujá" (a partir da ponte que transporia o Canal da Bertioga). A Rodovia Saboó-Barnabé-Bertioga deveria ter, ao menos, três faixas pavimentadas ("o movimento torna-se extraordinário nos dias feriados, mas com extrema predominância de um sentido"). Em Guarujá, outras novidades: uma rodovia ao longo das praias, do Tombo ao Perequê e outra do Paicará à garganta do Guararaú.

Agora, vejamos esta sugestão: "Complemento necessário da Via Anchieta é sua ligação direta à Praia Grande, acompanhando o Rio Boturoca ou o contraforte Mairinque-Santos".

Um tema que Prestes considerava "palpitante": a ligação entre Santos e a Ilha de Santo Amaro. E novamente destacava a ligação por intermédio da ponte entre o Saboó e a Ilha Barnabé, que nunca poderia ter menos de 60 metros de altura livre. Mas, não dispensa a possibilidade de construção de um túnel submarino.

VII - IDÉIAS DIVERSAS

1) Alargamento da Rua São Bento.

2) Alargamento do final da Conselheiro Nébias, até o cais.

3) Túnel no Morro do São Bento, acompanhando a Via Anchieta.

4) Alameda Alfândega-Praça José Bonifácio.

5) Ampliação da Francisco Glicério sobre o leito da linha férrea.

6) Melhor ligação das ruas Pedro Lessa e Carvalho de Mendonça à Avenida Conselheiro Nébias.

7) Preservação da vegetação natural dos morros santistas.

8) Áreas esportivas na Ponta da Praia, junto à Via Anchieta e na Ilha de Santo Amaro.

9) Balneários em Guarujá, Bertioga e Praia Grande.

10) Um zoneamento de Santos, incluindo a implantação de distrito industrial.

11) A preservação dos monumentos históricos (principalmente a Casa do Trem).

12) Obras na Via Anchieta (restaurantes, terraços, painéis).

13) Uma fonte luminosa na Praça dos Andradas.

14) Sistematização do planejamento urbano da região.

E mais, muito mais.

Veja também:
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