HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CLIMA
Culpa globalizada (15)
Aquecimento global é responsável pela mudança no clima da Baixada Santista
Os micro-climas que surgem em áreas da cidade em razão dos altos prédios que impedem a passagem do vento são o tema desta matéria que o jornal santista A Tribuna,
começou a publicar no domingo, 16 de outubro de 2011 (página A-8):
Em Santos, modelo matemático pode ser útil para controlar
o surgimento de ruas cercadas por edifícios
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Na tela, os efeitos dos prédios altos na qualidade do ar
Pesquisadores da USP criam simulador para análises e soluções
Marcus Neves Fernandes
Editor de Ciência
Em várias
cidades ao redor do mundo, como Santos, as casas são lugar aos prédios, que vão crescendo e formando o que os cientistas chamam de street canyons, ou seja, ruas ou avenidas emparedadas por edificações de ambos os lados.
O fenômeno, além de diminuir a circulação do ar e criar bolsões de poluição, também favorece o surgimento das ilhas de calor. Agora, uma ferramenta criada na Universidade de São Paulo (USP) pode não só revelar a intensidade do problema, como
servir de ajuda na hora de planejar o desenvolvimento da malha urbana.
O trabalho sobre os street canyons vem sendo desenvolvido pelo pesquisador Jurandir Itiz Yanagihara, que realiza o estudo no Laboratório de Engenharia Térmica e Ambiental da Poli/USP.
A pesquisa consiste em desenvolver um modelo matemático que permita simular, em computador, uma determinada região. O modelo está pronto e, agora, passa por uma fase de calibração, na qual diversas variáveis, como direção dos ventos e
concentração de poluentes, estão sendo aferidas.
A ferramenta, porém, "já está disponível para uso", afirma Jurandir.
Áreas críticas – Entre os principais pontos analisados, estão a direção e a intensidade do vento no ambiente, a geometria e a posição dos prédios, o fato de haver insolação ou não e a natureza dos poluentes formados.
Segundo ele, as áreas mais críticas são aquelas formadas por ruas ou avenidas emparedadas por altos edifícios, com pouca incidência de ventilação natural e tráfego constante de veículos.
Nesses casos, o simulador pode aferir qual o nível de estagnação do ar dentro desses corredores, mas pouco pode fazer para mudar a situação.
"Quando falamos de uma área já muito edificada, o máximo que o Poder Público pode fazer é restringir a circulação dos veículos, principalmente dos ônibus e caminhões a diesel, que lançam muito material particulado (fuligem) e monóxido de carbono
na atmosfera", pondera Jurandir Yanagihara.
Mas até mesmo esse tipo de paliativo pode não funcionar. É o caso de ruas estreitas com torres em ambos os lados. Além da grande concentração de carros dos moradores, há os de serviço. Nelas, por exemplo, o caminhão de coleta de lixo pode demorar
até 30 minutos para percorrer uma quadra. E o problema se agrava em ruas perpendiculares à praia, onde a incidência de vento é ainda maior.
CENÁRIOS |
As áreas mais críticas são aquelas formadas por ruas ou avenidas com prédios altos em ambos os lados, com pouca incidência de ventilação natural e tráfego constante de veículos |
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Cenário ideal – Dessa forma, a grande vantagem do simulador é a sua capacidade de planejar a ocupação de novas áreas.
"Se eu sei o que o Plano Diretor determina para uma cidade, posso criar o modelo matemático e verificar o nível de concentração de poluentes. Do contrário, a chance de intervenções diminui consideravelmente", afirma.
Em Santos, o pesquisador entende que o programa pode ser usado para criar o chamado cenário ideal, em que a implantação de novas edificações seguiria a simulação feita pelo computador, visando a diminuir ou, até mesmo, evitar o fenômeno dos
street canyons.
De acordo com o estudioso, já há estudos semelhantes, principalmente na Europa e na América do Norte. Eles permitiram melhor planejamento urbano e qualidade de vida. "É uma ferramenta para ser aplicada na prática. No Brasil, porém, isso ainda não
foi feito".
Para ele, "ao estudar a dispersão dos poluentes, é possível distribuir os prédios de tal forma que se evite a formação de bolsões com alta concentração de gases tóxicos".
Indústrias –
Além da organização de projetos de futuras cidades, a pesquisa também pode ser válida no caso de estudos da dispersão de poluentes industriais devido a acidentes ou operações fora dos padrões de normalidade, por exemplo.
"Em tais situações, também podemos fazer estudos e verificar qual o impacto do ponto de vista da dispersão de poluentes", considera.
O especialista salienta que a idéia de usar ferramentas computacionais para análises desse tipo está relacionada com a busca pelo bem-estar da população.
Vento que sopra do mar para a terra ajuda a dispersar os
poluentes
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Nestas ilhas, é quente
Mais chuvas e raios nas ilhas de calor
Asfalto, concentração de prédios altos, impermeabilização do solo e pouca incidência de praças, parques e jardins. Nas áreas centrais das grandes cidades, esses ingredientes compõem um quadro
que os cientistas chamam de ilhas de calor, onde as temperaturas podem ser cerca de cinco graus Celsius mais altas do que na periferia.
Estudos já demonstraram, por exemplo, a tendência de chover mais durante a semana do que aos sábados e domingos nas ilhas de calor, devido à concentração de poluentes, que mudam o regime
climático. Mas há outros efeitos.
Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou que Santos e Cubatão, por serem as principais ilhas de calor da Baixada, são também as líderes no ranking
regional de incidência de raios. Curiosamente, isso afeta Bertioga. Apesar de ser a cidade com menor densidade demográfica da região (72 habitantes por km²), aparece em terceiro lugar em descargas elétricas
(3,49 raios por km² ao ano) – superando, por exemplo, Praia Grande, que, mesmo com mais de 1.400 pessoas por km², registra uma média de 3,04 raios por km².
O monitoramento ainda revela que quanto mais distante das ilhas de calor, menor é a incidência das descargas. É o caso de Mongaguá,
Itanhaém e Peruíbe. Esta última, por exemplo, tem 175,48 habitantes por km², mais do que o dobro de Bertioga, e mesmo assim registra média bem inferior de raios ao ano
(1,77 por km²).
Foto (republicada com a matéria):Carlos Nogueira.
Destaque na edição de 24 de janeiro de 2006 do jornal santista A Tribuna
Paredão prejudica saúde
Semelhantes a um paredão, os prédios que compõem a paisagem da orla e de muitos municípios brasileiros impedem que o vento oceânico limpe a atmosfera. A conclusão é de um estudo feito
na Universidade Federal da Bahia.
A pesquisadora Tânia Mascarenhas Tavares descobriu que a chamada maresia é um fator importante para a despoluição dos ambientes costeiros.
De acordo com seus estudos, o spray marinho (nome técnico da maresia) ajuda a reduzir em mais de 20% a concentração de poluentes urbanos.
Na pesquisa, ela constatou que o spray, formado por minúsculas gotículas de água salgada, é capaz de avançar por cerca de 500 quilômetros continente adentro. Nesse processo, os
poluentes presentes no ar acabam grudados nas gotas.
O fenômeno pode ser percebido quando deixamos um carro estacionado defronte ao mar. Após algumas horas, o pára-brisa do veículo tende a ficar manchado por uma película gordurosa. O mesmo
ocorre com a fachada das edificações localizadas na orla.
Dessa forma, afirma Tânia, o spray marinho perde boa parte de sua capacidade de assimilar os gases dióxido de enxofre, óxidos (monóxido e dióxido) de nitrogênio e hidrocarbonetos
(poluentes orgânicos) gerados por veículos e indústrias.
Leves: vão longe – A contaminação por esses poluentes se dá por meio da respiração. Por dia, uma pessoa inala cerca de 30 m³ de ar. Mas, quando o vento marinho tem o seu trajeto livre, a água vaporiza, e
resta apenas o sal.
As gotículas mais leves são as que atingem maiores distâncias. Já as mais pesadas tendem a se precipitar mais próximo à costa.
Consideradas poluentes atmosféricos, as substâncias transportadas pela maresia não causam contaminação do solo. Segundo Tânia Tavares, sua concentração no ar é nociva à saúde humana, mas, no
solo, se torna desprezível.
A maresia, formada por gotículas de água salgada, tem origem na zona de arrebentação, onde as ondas quebram. Segundo a professora, a brisa (vento que sopra do mar para a terra) ajuda a
dispersar os poluentes.
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AMANHÃ,
EM A TRIBUNA, COMO AMPLIAR ÁREAS VERDES EM LOCAIS ALTAMENTE OCUPADOS. |
No dia seguinte, 17 de outubro de 2011, o jornal A Tribuna publicou a segunda parte da matéria, na página A-5:
High Line em Nova Iorque é exemplo de uso dos
poucos espaços existentes para criação de áreas verdes
Foto: Shutterstock, publicada com a matéria
Quando o verde se torna prioridade
Nos Estados Unidos, obras paradas dão lugar a fazendas urbanas
Marcus Neves
Fernandes
Editor de
Ciência
O que você diria se a cidade de Santos abrisse espaço para a instalação de fazendas? Isso mesmo: lavouras de agrião, alface, tomate, batata, pepino e toda sorte de hortifrúti que você possa imaginar, espalhadas por diversos bairros. Impensável?
Para os moradores de Nova Iorque, não.
Lá, vontade e criatividade permitiram tal feito. Isso em plena Manhattan, um dos maiores símbolos de adensamento urbano do mundo. A fazenda, inaugurada na semana passada, surgiu em meio à
crise que assola os norte-americanos.
Com o mercado imobiliário em recessão, muitos empreendimentos estão parados. Para não perderem o alvará, a Prefeitura permite que a obra fique congelada por até dois anos, desde que a
área seja ocupada por algo temporário, como uma fazenda.
Quinze minutos – Projetos desse tipo não nascem da noite para o dia. Na verdade, eles são fruto de outras experiências, tais como os parques de bolso – pequenas áreas com 20 ou 30 m² encravadas no
meio dos arranha-céus, dotadas de quedas d'água, jardins, cadeiras e mesas para jogos.
"Várias dessas ilhas verdes já propiciam uma melhor qualidade de vida", afirma o professor Demóstenes Ferreira da Silva Filho, da Esalq/USP, e membro da Sociedade Brasileira de Arborização
Urbana (SBAU).
Em Nova Iorque, o plano urbanístico prevê a existência de parques e jardins a cada 1,5 quilômetro de raio, permitindo que os moradores, independentemente de onde estejam, possam ter acesso a
esses locais a uma distância máxima de 15 minutos a pé.
Exemplo – Um exemplo recente é a chamada High Line, uma linha férrea com mais de três quilômetros de extensão, que corta vários bairros de Manhattan. Construída há mais de 70 anos, ela tinha como objetivo o transporte de cargas. Para não
atrapalhar o trânsito, os trilhos foram colocados sobre viadutos.
Com o tempo, porém, a High Line foi sendo abandonada até se transformar em uma cicatriz decadente no meio da metrópole. A alternativa foi transformar o espaço em um conjunto de praças,
que usuários acessam por escadas e elevadores.
Espelhos d'água, solários, bancos e espreguiçadeiras complementam os decks de madeira colocados no local onde estavam os trilhos. Hoje, revitalizada, a High Line virou uma das
muitas atrações da cidade. "Eles trabalham com o pouco de espaço que resta. Tudo é aproveitado", salienta Silva Filho. E por que não?
Foto: Vanessa Rodrigues, em 9/1/2011, publicada com a
matéria
E a saída?
Árvores não bastam
Quando se fala na carência de áreas verdes, muitos podem pensar que a solução é plantar árvores. Isso ajuda, mas não resolve o problema. Áreas verdes são espaços abertos, como praças, jardins
e parques, com vegetação de diferentes tipos e estruturas (gramados, canteiros, arbustos, árvores). Além de favorecer a questão climática, elas desempenham um importante papel na saúde da população.
É o que demonstra um estudo feito na Escola de Saúde Pública e Medicina Comunitária da Universidade de Washington (EUA). O trabalho revelou índices menores de obesidade infantil e estresse
nos moradores que residem próximos a áreas verdes. Afinal, ninguém sai de casa para passear ao redor de uma árvore e, sim, de uma praça, parque ou jardim, que geram maior conforto térmico, ajudam na dispersão dos poluentes, reduzem a poluição
sonora, propiciam valorização imobiliária e atraem pássaros, condições fundamentais para a saúde da comunidade.
SEMPRE PERTO |
Graças ao plano urbanístico de Nova Iorque, todo morador pode chegar a um parque em até 15 minutos de caminhada, não importa onde esteja |
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Alternativas
Praças, parques e jardins
Apesar de possuir o mais extenso jardim à beira-mar do mundo, Santos possui um baixo índice de áreas verdes nos bairros. A constatação, feita por pesquisadores da
Universidade Santa Cecília (Unisanta) na área insular da Cidade, revela que, com exceção dos morros, a maioria dos bairros possui uma quantidade de área verde muito inferior à recomendada pela Sociedade Brasileira de
Arborização Urbana, que é de 15 m² por habitante.
Santos-ilha ostenta 13,6 m² por habitante. Porém, quando a análise é feita bairro a bairro, o Morro da Nova Cintra aparece com 171,9 m² por habitante, enquanto o
Campo Grande apresenta 0,07 m²/habitante.
"É um índice alarmante", afirma o professor Demóstenes Ferreira da Silva Filho, da Esalq/USP. "Índices na faixa de cinco a oito m² por habitante são aceitáveis. Entretanto, abaixo desses
valores, é insuficiente para a qualidade de vida dos moradores", ressalta. Pelo levantamento, todos os bairros da orla estão aquém do aceitável. O mesmo ocorre em diversas áreas da Zona Noroeste. O estudo foi feito pelos
pesquisadores Alexandra Sampaio, Nelson Lima Júnior, Renan Ribeiro e Paulo de Salles Sampaio.
Foto: Alberto Marques, em 13/9/2011, publicada com a matéria
ANÁLISE
De Marcus Neves Fernandes [*]
Como fazer?
O exemplo de Nova Iorque serve para cidades como Santos? Aqui, frente à escassez de terrenos, que praticamente inviabiliza desapropriações, seria possível ampliar as áreas verdes? A resposta
é sim, é possível.
E nem precisamos ir até os Estados Unidos para isso. Várias cidades brasileiras estão enfrentando o problema, adotando alternativas como o sistema de
compensação.
Por exemplo, para que um construtor consiga um aumento na área a ser construída, ele deve reservar um espaço para uso público. Mas só isso não basta. Aliás, essa é a parte mais fácil. O
difícil é dotar a população de mecanismos que permitam acompanhar os desdobramentos da medida, ou seja, o aumento das áreas verdes.
Uma alternativa é criação de indicadores municipais. A proposta, apresentada há dois anos pelos pesquisadores da Unisanta, poderia ser disponibilizada pela Internet. Dessa maneira, os
moradores teriam como verificar o quanto cresce a área construída e quanto está sendo reservado para praças, parques e jardins.
Mas só isso, ainda assim, não é o suficiente. Os cientistas propõem que o Poder Público adote um plano de metas. Em tantos anos, o objetivo é ter tantos metros quadrados a mais de áreas
verdes.
Assim, indo além das boas intenções, fecha-se o ciclo entre vontade, transparência e compromisso.
[*] Marcus Neves Fernandes é editor de Ciência de A Tribuna.
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