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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CARNAVAL
Tempo de Carnaval (31)

Memórias da festa santista
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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 25 de janeiro de 1971, página 3:
 


"...e desejando que todos tenham um péssimo, horrível, horripilante dia, aqui se despede o insuportável Lorde Lobisomem"

 Foto publicada com a matéria

 

Aqui estão eles, os "papas" do Carnaval

Texto de Carlos Manente

O homem de calça branca, camisa branca, sapatos brancos, tira o papel da máquina de escrever, ajeita os óculos, faz algumas emendas e correções no texto que acabou de escrever, sorri, chega até à mesa do subsecretário do jornal e entrega a matéria. Faz um comentário qualquer, em voz baixa, educadamente.

Lauro nem precisa revisar. Texto de Nunes, o Lorde Lobisomem, é sempre muito correto, ele é professor, embora tenha trocado essa profissão pela de jornalista. Isso, há 25 anos, mais ou menos. E foi então que começou a escrever crônica carnavalesca, que deixou nascer o Lorde Lobisomem.

"Olha aqui, moço, eu lhe dou os dados mas não quero ver meu nome em matéria de jornal Esse negócio de um colega ficar entrevistando outro é muito cafona. Sobre o carnaval, você pergunte o que quiser, mas nada de meu nome aparecer nisso".

O professor Nunes, fora do carnaval, é encarregado do Departamento de Pesquisas de A Tribuna. Mas gosta mesmo é dos festejos de Momo, embora afirme categoricamente que tem "verdadeira ojeriza por carnaval".

Agora, começa a dar os dados. O assunto: os cronistas de carnaval de Santos.

"Cronistas de carnaval sempre existiram em Santos. É de se recordar o Espião da Esquina, de A Tribuna, já desaparecido. Lorde Frá Diavolo, que começou no extinto O Diário, e que também deu sua colher de chá neste jornal. Seu nome era Salvador Nastári Neto, falecido há anos. Lorde Lagartixa, que era o jornalista Alfredo Ribeiro de Castro, dos Associados e do Estado. Lorde Bacalhau, que durante muitos anos militou na Rádio Atlântica, onde criou e manteve um programa que ainda hoje é lembrado e que se denominava Carnaval do Povo.

"Não me poderia esquecer da primeira mulher a exercer o jornalismo em Santos, lady Pierrô Azul, nossa colega aposentada Rosinha Mastrângelo. E será que os sobrinhos do Tio Leto, o Hamleto Rosato, diretor da Tribuninha, sabem que ele foi o Lorde Perereca?"

"Lorde Diavolino, o Olao, que agora numa justa homenagem vai passar a Cabo Diavolino, foi o titular da crônica momesca de A Tribuna durante anos, e o cérebro da CECo como elemento ligado ao turismo, muito antes de termos uma secretaria específica. Lorde Vitrola, radialista e atualmente ligado ao transporte intermunicipal, que possui fitas gravadas com as maiores curiosidades carnavalescas e carnavalinas da Baixada, e muitos outros, que seria difícil citar nominalmente".

"Dessa aglomeração surgiu, em 1958, a necessidade de uma entidade que visasse separar o joio do trigo, pois os picaretas eram um fato. A Associação dos Cronistas Carnavalescos, no seu início, realizou trabalho dos mais eficazes, inclusive promovendo bailes e movimentos beneficentes".

"Depois, por falta de apoio e por desinteresse dos próprios cronistas, especialmente dos que só surgiam nas vésperas do carnaval, como verdadeiros oportunistas, foi enfraquecendo até chegar à estagnação atual, muito embora tenha estatutos devidamente registrados e tenha funcionado - a duras penas - até há dois anos".

"Hoje, a ACCS é uma entidade quase morta. isso, aliás, se deve às campanhas feitas pelos picaretas que, sem serem profissionais devidamente registrados na imprensa ou no rádio, queriam, por todos os modos, fazer parte do quadro social, coisa que agora, depois da regulamentação da profissão, tornou-se impossível.

"A missão da ACCS era - e será, se for possível entrar novamente em ação - acabar com os aproveitadores que, dizendo-se jornalistas, radialistas e mesmo cinegrafistas, não são mais do que autênticos caras-de-pau. A ACCS tinha, enfim, por missão, a defesa da classe, dando-lhe o destaque que de fato merece nos meios carnavalescos, sejam de rua ou de salão".

A queda do Carnaval - Para Lorde Lobisomem, o Carnaval em Santos está piorando, "mesmo com os reforços vindos de fora". Carnaval, tal como deve ser entendida a festa que tem sua origem em cerimônia que egípcios e romanos faziam há milhares de anos, deve ser festa do povo, sem intromissões burocráticas. Querer fazer samba ou carnaval à base de regulamentos é acabar com ambos. No passado, antes da regulamentação, Santos teve grandes festejos momescos, chegando mesmo, em certa época, a ser considerada a segunda cidade na categoria, suplantando, inclusive, o Recife.

Lobisomem agora se está lembrando do carnaval antigo de Santos. "Há sociedades que deixaram saudades, que muito fizeram pelo carnaval daqui, especialmente o de rua. Havia os ranchos, entre os quais o do Morro da Penha, os Pás Douradas, os Carvoeiros, o do Morro de São Bento, o Misto Vassourinhas, o Novo Horizonte e outros. De tudo isso, resta apenas o Boêmios, onde tudo é velho. Velhos são os diretores, que não evoluíram. Velhos são os desfilantes, que poderiam estar num museu. Velhas são as fantasias e velhas, mais que velhas, são suas músicas.

"Se glória ainda resta ao Boêmios, é ser atualmente a decana das entidades carnavalescas da Baixada e uma das mais velhas do Brasil, pois sai à rua, ininterruptamente, desde 1931, estando, portanto, a completar 40 anos".

O melhor é difícil - Lorde Lobisomem acha difícil apontar qual o melhor sambista da Cidade. "Samba é coisa que está no sangue do povo e cada ano que explode na rua temos novos valores. Mas, indiscutivelmente, entre as maiores que a Baixada já teve, está a partideira e porta-bandeira Cida, da X-9, hoje quase mamãe, que foi a primeira Rainha do Samba na Baixada. Dos homens, é difícil apontar.

"Mas, fora dos ranchos, ainda há outras entidades que já participaram do carnaval e não podemos deixar de citar: a escolinha mirim Quem disse que a escola não sai, composta exclusivamente de sambistas-crianças; as tribos de índios do Morro da Penha e de Areia Branca, que eram espetáculo folclórico; o Choro dos Aborrecidos, de Lorde Nogueirol; as Dengosas do Marapé; as Favoritas do Sultão; os Romanos do Campo Grande; os Chineses do Mercado; as Esmeraldas; o Bola Alvi-Negra e, ultimamente, o glorioso e imbatível Cruz de malta.

"Eram muitas as agremiações do passado e, como se pode ver, estão se extinguindo. Se chegarem ao ano 75 é de se dar graças aos anzóis. Quanto mais ao século XXI..."


Lorde Diavolino, Olao Rodrigues

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Diavolino: no corso somos os tais

Lorde Diavolino é Olao Rodrigues, jornalista, funcionário público, autor e editor do Almanaque de Santos, publicação informativa a respeito da Cidade. Normalmente é sério, só faz das suas quando está sentado à máquina, escrevendo uma crônica sobre as festas de Momo.

Acompanha o carnaval santista há 40 anos, é cronista há 25 e durante 10 anos foi programador dos festejos, devido às suas atribuições no antigo Conselho Municipal de Turismo. Por isso, vai receber homenagem, este ano: de lorde passa a Cabo Diavolino.

Olao, ou Diavolino, acha que a melhor época do carnaval de Santos situou-se entre os anos de 1956 e 1965 e que foram quatro as melhores agremiações carnavalescas que surgiram na cidade: Chineses do Mercado, Dengosas do Marapé, Esmeraldas e Cruz de malta, entre blocos. Império do Samba, como escola.

Sua opinião: "Santos é quente em matéria de samba, mas em matéria de carnaval está esfriando, a despeito dos esforços da Secretaria de Turismo".

E para melhorar o carnaval, o que deve ser feito?

"O carnaval de Santos tem grande público, tanto fixo como transitório, mas decresce quanto ao número de agremiações. Só dispomos de 3 escolas de samba, 1 bloco, 1 rancho e uma outra agremiação que ainda não descobri se é rancho, bloco ou grupo. É evidente que não podemos fazer grande carnaval com esse número insuficiente de desfilantes. Daí o empenho da Secretaria de Turismo em reforçar o certame com agremiações de fora. Não temos, infelizmente, recursos artísticos próprios de um grande carnaval".

"Faz-se mister, portanto, que olhemos melhor para uma promoção de que Santos é vanguardeira em todo o Brasil: o corso. Corso musicado, regulamentado e bem ordenado, até mesmo com concursos. E com ele o Caldeirão de Momo, a verdadeira festa do povo, que vibra em sua verdadeira passarela: a rua.

"Falta-nos o desfile alegórico, com muitos carros caprichosamente ornamentados, com mais de um estágio de rotação e agradável figuração humana. O público gosta de ver, apreciar e aplaudir esse tipo de desfile, que não precisa de cordões de isolamento e não está sujeito a atraso".

E os sambistas? - Diavolino conhece e é ele quem afirma: Santos é grande celeiro de sambistas. Tem bons passistas nas 3 escolas. É só recordar que, no primeiro concurso de passistas aqui realizado, em 1966, durante o I Simpósio do Samba, no ginásio do Internacional, o vencedor foi um santista, o Palheta, que deixou para trás grandes concorrentes do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto.

"A Cidade conta, ainda, com bons executores de cuíca, como o Batucada, Muniz Jr., que faz mágicas nesse instrumento. Em matéria de bateria, em que éramos bem pobres, evoluímos de pouco tempo para cá. A X-9 ganhou projeção nos últimos anos e a Império do Samba, que foi buscar subsídios no Rio, deu realce a essa importante parte da escola, tanto em número de figurantes como em quantidade".

E a rainha? - Diavolino conhece todas as rainhas que o carnaval de Santos já teve. Acredita que "a melhor rainha do carnaval, por aqui, foi a primeira, a então senhorinha Nilse Vasques, do Romanos do Campo Grande. Outras rainhas esplendorosas foram Terezinha Tadeu, Hilda de Oliveira, Mause Pree e Janete Russo".

"Lamentavelmente, apesar dos esforços da Secretaria de Turismo, nosso carnaval de rua está definhando ano a ano, não propriamente por falta de dinheiro, mas por deficiência de material humano. Chineses, Dengosas, Esmeraldas, Cruz de Malta, Turistas do Bairro Chinês, Romanos do Campo Grande e outros blocos que tanto se destacaram em nossa constelação momística, não mais se apresentam ao público.

"Não tanto por ausência de liderança, mas por desinteresse gerado pela falta de material humano, buscado e insistido, mas sempre arredio. Vejamos um exemplo: o Bloco das Esmeraldas, que revolucionou nosso carnaval de rua, com novo tipo de evoluções, ligeiras e ordenadas, à base do frevo, pretendeu apresentar-se depois de 3 anos de paralisação. A diretoria mandou elaborar os modelos, de luxo, adquiriu tecidos e outros acessórios e na hora da inscrição só surgiram 30 candidatos e, assim mesmo, suplicados. Propôs a cúpula do bloco não cobrar qualquer taxa, dando até de graça a fantasia. Não adiantou, porque o desinteresse ainda persistiu".

Carnaval e turismo - "A Secretaria de Turismo - diz Diavolino - não faz carnaval pelo simples prazer de fazer carnaval. Como o Conselho Municipal de Turismo, ela promove carnaval para realçar o turismo, dentro do ponto de vista que carnaval e turismo se confundem. Se aquele órgão da Prefeitura investe grande soma de dinheiro na organização dos festejos de Momo, é lógico que esse dinheiro tem boa aplicação, porque são consideráveis as despesas que os turistas ou simples passeantes deixam na Cidade, em sua movimentação comum. Todos ganham, até mesmo a Prefeitura. E o dinheiro fica na Cidade.

"Por isso, carnaval é turismo. Temos que dar, é óbvio, espetáculo para o turista, que não vem a Santos atraído pelo carnaval, mas pelos feriados de carnaval. De qualquer jeito, ele gasta. E gasta muito.

"Mas quer espetáculo. Espetáculo agradável em que ele e sua família se divirtam, aplaudam e se extasiem, mas não com os atrasos dos desfilantes, não com cordões de isolamento, não com a pobreza de algumas agremiações, não com abusos de foliões. Devemos, portanto, dar outra estrutura aos festejos carnavalescos, renovando-os, modernizando-os, tornando-os, enfim, mais atraentes e mais baratos".


Lorde Boticão

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Boticão: santista é igualzinho a carioca

Lorde Boticão é dentista, mas também ataca de crônica carnavalesca. É registrado na ACCS, devidamente batizado com água de Momo. Tem uma vantagem: é carioca e conhece bem o samba de sua terra. Osvaldo Martins de Oliveira, um homem alegre, normalmente, desses que puxam conversa com a pessoa que viaja a seu lado no ônibus, e que não perde a ocasião de dizer uma boa piada.

Para ele, "o que falta no carnaval de Santos é uma participação mais efetiva do povo, que só tem três dias para fazer sua festa. No Rio, a coisa começa muito antes. Logo que acaba o Natal, as lojas mudam as decorações de suas vitrinas para motivos carnavalescos. Isso comunica. o povo começa a sentir o espírito de Momo que já está reinando e então qualquer coisa é motivo para formar um bloco ou uma roda de batucada".

"Aqui, as lojas nem preparam suas vitrinas para o carnaval. No centro da Cidade, mesmo com a proximidade das festas, a gente nem repara que o carnaval está para chegar. A própria Prefeitura andou retirando luzes no centro da Cidade,outro dia mesmo, onde já se viu uma coisa destas? Tem que deixar as luzes, colocar até mais, pois luz também significa alegria, e dá vontade da gente fazer samba".

Com os erres arrancados da garganta, como bom carioca, Lorde Boticão também comenta que "outra coisa importante é formar bom ambiente nos ensaios das escolas de samba. Impedir a baderna. No Rio é assim, a gente pode, tranqüilamente, levar a família".

"Há lá uns sujeitos fortes da própria escola, que só ficam rondando. Se alguém ciscar para briga, já viu. Delicadamente o criolão pega o briguento pelo braço e leva até à porta. Da porta pra fora, basta um empurrãozinho e pronto: o bagunceiro está por fora".

"O carioca, de um modo geral, encara o ensaio da escola de samba com muita seriedade, porque quem participa da escola coloca muito amor nisso. Espera o ano inteiro por aqueles dias em que é possível sambar na avenida. E a alegria será bem maior se seu bloco conseguir ganhar o título máximo. Por isso, qualquer camarada está pronto a defender o bom nome e prestígio de sua escola".

"Lá, as escolas vivem do público que vai assistir aos ensaios, e pagam ingresso para isso. Por isso, fazem questão de acomodar bem a todos: é uma mina de tutu".

"Eu tenho a impressão que o carnaval de Santos pode ser a mesma coisa que o do Rio. O povo da Guanabara e de Santos é a mesma coisa, o mesmo gênio, mesma alegria, mesma comunicatividade. Falta aquele toque para despertar de verdade o espírito de carnaval no santista. o comércio precisa colaborar e isso, em última análise, viria em seu próprio benefício.

"E as próprias escolas de samba podem melhorar os seus ensaios e a recepção ao público. Fazer com que os visitantes participem da vida da agremiação, que torçam pela X-9, que saiam no carnaval com a Império, que estejam sempre prontos a acompanhar a Brasil onde quer que ela se apresente. Isso é carnaval.

"O carnaval não pode sumir durante o ano. Termina um e imediatamente começa outro. No Rio é assim. Na quarta-feira de cinzas, a turma começa a pensar na fantasia e no enredo do ano seguinte. Têm seus segredos, os mistérios. Há verdadeiras fábricas de confecção de fantasias. Os ensaios dão dinheiro e as escolas podem até dispensar o apoio oficial para saírem. É assim que se faz um bom carnaval".

Recomendação de Lorde Boticão: a Secretaria de Turismo deve escolher para a comissão julgadora do Concurso Estadual de Escolas de Samba elementos capacitados a julgar bem. Eles têm uma história do julgamento do ano passado. "Eu fazia parte da comissão julgadora e o elemento a meu lado, também do júri, perguntou-me a certa altura o que era linha de frente, um dos itens que deveria dar nota. Sabe o que respondi? Que era aquela linha que dois integrantes da escola esticavam bem na frente. Acho que ele acreditou".

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