Foto: Francisco Arrais Filho, publicada com a
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Santos, o (novo) túmulo do samba
Mírian Ribeiro
A uma semana do Carnaval, sambistas de tradição começam
a arrumar as malas para desfilar em outras passarelas... bem longe de Santos, cidade que já ostentou o título de segundo melhor carnaval do País,
perdendo apenas para o imbatível Rio de Janeiro. A excelência das escolas de samba santistas, que fez a fama da cidade, pertence a um passado de
glória, muito distante da atual realidade. Pelo quarto ano não haverá desfile em Santos - o jejum, iniciado em 1999, só foi interrompido no ano de
2000 - e as escolas vão aos poucos vendo a tradição - e elas próprias - desmoronar. Os mais pessimistas acreditam que, pelo andar da carruagem,
escola de samba em Santos pode virar história do pessoal da antiga.
São Paulo é o principal destino dos órfãos do samba santista. Edison Tricanico,
presidente da Liga Independente Cultural das Escolas de Samba de Santos (criada há apenas um ano justamente para viabilizar o desfile em 2003), deve
sair na Camisa Verde e Gaviões da Fiel. Baby (União Imperial), Santaninha e Gordinho (X-9) vão de Nenê da Vila Matilde.
Zinho (União) estará na X-9 Paulistana, com Leandro Chadad, vice-presidente da X-9, e integrantes da bateria e de quatro alas da escola
pioneira. Já Antonio Lombardi Jr., o Toninho Madrugada, ex-presidente da União das Escolas de Samba da Baixada Santista e ligado à X-9,
estará na ala de compositores da Unidos da Viradouro, no Rio de Janeiro.
Mas há quem prefira assistir a festa à distância, como o jornalista J. Muniz Jr., o
Cabo Batucada e Cidadão Samba 2000, e o carnavalesco Jean Herrero. "O carnaval em Santos morreu. Dói muito, porque esta foi uma cidade
carnavalesca e batuqueira por excelência. Aqui foram realizados um campeonato estadual e 15 regionais. Vou ficar em casa, assistindo aos desfiles
pela televisão", lamenta J. Muniz, uma indiscutível autoridade quando o assunto é samba.
Ritmista, passista, mestre-sala, autor de enredo, compositor e diretor de escola, J.
Muniz foi, o que se pode dizer, um sambista completo. Marcou presença nas antigas batalhas de confete, nas rodas de samba-pesado do Monte Serrat,
nas gafieiras e nas escolas de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro. Aos 68 anos de idade - 48 dedicados ao samba - notabilizou-se ainda como
estudioso da cultura afro-brasileira, escrevendo quatro livros sobre o tema: Panorama do Samba Santista (1976), Do Batuque à Escola de
Samba (77), Sambistas Imortais (77) e X-9 - Escola Pioneira (79).
"Santos já foi considerada o segundo melhor carnaval do Brasil e Capital do Carnaval
Paulista. Antes tínhamos ranchos, cordões, choros, blocos, os bailes de salão, as escolas. Hoje, as escolas, que são o sustentáculo do carnaval,
estão perdendo força para as bandas, que saem na base do trio elétrico, do reggae, do funk, do rap, do tchan, do rebolado, da lambaeróbica e outros
modismos".
Carnavalesco aponta intransigência
O carnavalesco Jean Herrero, fundador da Padre Paulo, escola campeã do último desfile
em Santos, anuncia que entrará em quarentena. "Não vou fazer absolutamente nada. Não me sinto nem um pouco atraído em participar dessas bandas, que
nada têm a ver com a identidade cultural da nossa cidade".
Segundo ele, a intransigência das escolas prejudicou a realização do desfile este ano.
"Os presidentes pediram uma exorbitância - R$ 90 mil até R$ 120 mil. Isto tornou o desfile inviável. Não sei em que se basearam para fazer esse
cálculo. Vivemos hoje um período de dificuldades para todos e temos que trabalhar dentro desta realidade. Com R$ 30 mil, R$ 40 mil daria para fazer
um carnaval bonito, digno da cidade", afirma.
Jean entende que uma forma de baratear o carnaval seria as escolas trabalharem o ano
inteiro, mobilizando as comunidades com diversos eventos para gerar renda. "É preciso também usar criatividade, trabalhar novas técnicas com sucata
e outros materiais. E mesmo ceder. Se não dá para colocar arquibancadas, por que não voltar ao velho recurso da corda? O importante é fazer o
desfile".
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Faltou acordo
O presidente da Liga Independente Cultural das Escolas de Samba de Santos e
vice-presidente da Unidos dos Morros, Edison Tricanico, engrossa o coro dos descontentes. "Vou para São Paulo, mas com o coração partido. Nós
criamos a Liga justamente para realizar o desfile este ano, mas infelizmente não conseguimos parceria com a Prefeitura. A princípio nos
tranqüilizaram, depois ficaram protelando a negociação até anunciar que não tinham recursos sequer para montar as arquibancadas. O carnaval nas
escolas envolve milhares de pessoas, gera trabalho, renda, movimenta o comércio na cidade. Quanto a Prefeitura gastou para trazer Alexandre Pires,
Bruno e Marrone? Não sou contra os shows, mas é preciso valorizar o que é nosso", cobra Tricanico.
O sambista informa que para 2004 a Liga vai lutar pela realização do desfile
metropolitano. "Queremos promover uma grande discussão envolvendo representantes dos diversos segmentos da comunidade para viabilizar esta idéia.
Com a participação das prefeituras, o custo seria barateado".
Decepcionado, Toninho Madrugada acusa o prefeito Beto Mansur de não respeitar a
lei. "O desfile em Santos é oficial, está na lei. Desde que esse prefeito entrou, o samba foi desabando. Nossos talentos estão indo embora e vai ser
difícil trazê-los de volta. Banda não é carnaval, é bloco de sujos, vale tudo. Na escola de samba tem disciplina, não tem violência, você não vê
ninguém desfilando bêbado. É arte, cultura, há um tema que é mostrado na avenida e traduzido pela letra do samba". |