CARNAVAL EM SILÊNCIO - Waldemar Esteves da cunha, o primeiro Rei Momo oficial de Santos, morreu
ontem, aos 92 anos
Foto publicada com a matéria, na página A-1
Carnaval santista chora a perda de seu rei
Morreu
Waldemar Esteves da Cunha, Rei Momo que mais tempo empunhou o cetro, no Brasil
Lincoln Spada
Da Redação
O Carnaval se despede
de um de seus maiores ícones: Waldemar Esteves da Cunha, o primeiro Rei Momo oficial de Santos, governando os festejos por mais de quatro décadas.
Ele morreu aos 92 anos, às 2 horas de ontem, em decorrência de uma insuficiência respiratória, no hospital Beneficência Portuguesa, onde estava
internado há cerca de 40 dias. O enterro foi às 17 horas, na Memorial Necrópole Ecumênica.
"Hoje, perdemos um pouco de nossa alegria. Ele fará uma falta danada. Não dá para esquecê-lo, ele é insubstituível, o eterno Rei Momo", lamenta
Heldir Lopes Penha, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Santos.
"Ele foi um eterno menino folião,dos últimos remanescentes da época de ouro do Carnaval santista, entre as décadas de 30 e 50", comenta o Marechal
do Samba, José Muniz Júnior. "Naquela época, sob seu reinado, Santos tinha o segundo melhor Carnaval do Brasil".
Muniz Júnior o intitulou como Waldemar, o Magnânimo, já que ele desfilava
com belos trajes feitos por sua mãe e irmãs, a ponto dos foliões beijarem sua mão quando ele passeava de carruagem pelas ruas da Cidade.
"Uma vez, ele quis visitar um barracão em que se tocava samba. A maioria era de pescadores e, surpresos, até se ajoelharam para ele".
Waldemar era casado com Eunice da Cunha e tinha quatro filhos (um homem e três mulheres), seis netos e uma bisneta. "Meu pai era a união de nossa
família, um misto de atenção e de carinho com todos", diz o filho Waldemar Esteves da Cunha Júnior.
O genro Romeu Maciel Silva o define como "um santista roxo e também Cidadão Santista, homem sério, honesto, trabalhador, que sempre acompanhava com
alegria nossas brincadeiras e farras".
O neto Fábio Amado Cunha também se recorda da disposição de Waldemar quando pulava o Carnaval na avenida. "A gente desfilava todos os dias sem
dormir. E ele fazia questão de assistir a todos os foliões, sem precisar ganhar dinheiro, mas por puro prazer".
Ele faleceu aos 92 anos, na Beneficência Portuguesa, de uma insuficiência respiratória
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Da folia ao Natal - Filho da italiana dona Alba e do português
seo Narciso, Waldemar nasceu em 9 de agosto de 1920 na Capital e, aos três anos, veio com a família para o bairro
Campo Grande, em Santos. Lá, participava do bloco de rua Filarmônica Santista Jeito Nosso e do grupo Romanos do Campo Grande.
Desde os 14 anos, Waldemar já apreciava os bailes de Carnaval. Dizia nas entrevistas que "era conhecido como um gordinho assanhado". Por atuar como
remador, frequentou o Clube de Regatas Saldanha da Gama e, a partir dos 20 anos, fantasiava-se de Dona Dorotéia, no
tradicional desfile Dona Dorotéia, Vamos Furar Aquela Onda?.
Aos 30 anos, foi coroado pelo jornal O Diário como Rei Momo de Santos. Dois anos depois, em 1952, a Prefeitura oficializou a festa e, em
consequência, Waldemar continuou ostentando a coroa. Começava assim o maior reinado de um Momo no Carnaval brasileiro.
Em 1957, abdicou do trono em favor do Rei Momo Eduardo Weisel, voltando a sair no bloco Romanos como Nero, com direito a uma coroa de louros.
O carisma do então rapaz de 120 quilos fez com que reassumisse a monarquia até 1991, quando passou a faixa para Dráusio da Cruz. Em 2000 e 2001,
voltou a assumir o cetro, a convite do então prefeito Beto Mansur.
E virou tema - Waldemar foi tema do samba-enredo Viva o Rei, em 1987, do G.R.C.E.S. União Imperial. O espírito festivo do Rei Momo
estava representado nos versos Quero brincar / Rasgar a fantasia/ Viver no teu reinado, Waldemar / E ter a tua alegria.
Nos intervalos entre um Carnaval e outro, junto com seus irmãos, Waldemar esmerava-se em seguir pela vereda profissional do pai, dentista por 60
anos, em uma loja de materiais dentários.
Os irmãos confeccionavam as peças e Waldemar, graduado em Contabilidade, assumia a administração dos negócios na Praça Correa de Melo, no
Centro Histórico.
Nos dezembros da Terceira Idade, durante 20 anos, sua majestade tirou a coroa para vestir roupas vermelhas, colocar barba branca e carregar um saco,
de onde tirava os presentes que ia distribuindo às crianças pela Cidade, na pele de Papai Noel.
Época de ouro |
"Ele foi um eterno menino folião, dos últimos remanescentes da época de ouro do Carnaval
santista, entre as décadas de 30 e 50" |
J. Muniz Jr., Marechal do Samba |
J. Muniz Jr., Marechal do Samba
Foto: arquivo, publicada com a matéria
O SOBERANO DA FOLIA
ENTRE CARNAVAIS - Waldemar era o contador da empresa de materiais odontológicos que mantinha com
os irmãos dentistas. Herança familiar do pai, também dentista, durante 60 anos
Foto: arquivo, publicada com a matéria
A VIDA PASSA NA AVENIDA. O sorriso mais largo, quem lhe estampava no rosto era a folia. Entre 1950
e 1991, com um hiato, Waldemar lá esteve, em seu reinado de eternos quatro dias
Foto publicada com a matéria
De onde vem?
Na mitologia grega, Momo é o filho do Sono e da Noite, deus do delírio e da
irreverência. Por satirizar as outras divindades, ele foi expulso do Olimpo. E foi justamente o caráter folião que em 1933 o elevou a símbolo
do Carnaval brasileiro, no Rio de Janeiro. Naquele ano, um boneco representando o Rei Momo desfilou pelas ruas da então capital do Brasil e, depois,
foi colocado no trono, para presidir as comemorações.
Em Santos, a figura do Rei Momo surgiu brevemente em 1935 e 1936, representada por
Eugênio de Almeida. O trono permaneceu vazio até 1950, quando Waldemar se tornou o monarca |