A poucos meses de sua reinauguração,
o Coliseu dá mostras da beleza que a decadência escondia
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
EXPECTATIVA
Trabalhos no Coliseu seguem a todo vapor
Prefeitura quer prestar contas logo para receber do Estado os últimos R$ 2
milhões
José Luiz Araújo
Da Reportagem
É exagero falar em contagem regressiva, mas falta pouco
para a Cidade ter de volta um dos seus principais patrimônios. A previsão é do secretário de Obras e Serviços Públicos, Maurício Uehara. Nesta
semana, chegou metade dos R$ 4 milhões do Dade, e que já está sendo consumida na obra. O restante virá quando a Prefeitura prestar contas da 1ª
parcela.
"Pretendemos fazer isso no final de julho para que os outros R$ 2 milhões cheguem no
início de agosto. Se não houver atraso no repasse, na 2ª quinzena de setembro o Teatro Coliseu poderá ser reinaugurado", diz, animado, Maurício
Uehara.
De acordo com o secretário, 95% do hall e do foyer estão concluídos.
Falta somente a instalação do ar-condicionado, limpeza e a pintura geral de arremate. O hall, que fica no térreo, possui 560 metros
quadrados, e nele já está sendo instalado o mobiliário para a recepção, chapelaria, setor de informação e para o bar. Os dois sanitários (um
masculino e um feminino) estão em plenas condições de uso.
O foyer, todo decorado com pintura artística, já recebeu o piso de sinteco (que
está coberto com plástico). Com 540 metros quadrados, será um espaço multiuso (performance, música de câmara...), mas sem mobiliário. Quando for
necessário, cadeiras serão colocadas.
Testemunho - Em algumas partes, propositadamente, a pintura artística não foi
refeita. É para que as pessoas possam ver como era. Em cada local será instalada uma pequena placa explicativa, que os técnicos chamam de
testemunho. É só o que falta naquele espaço.
Ao todo, o Teatro Coliseu terá 84 camarotes, espalhados pelo térreo e 1º e 2º andares.
No 3º as pessoas ficarão sentadas em uma arquibancada de cimento - do tipo que há em estádio de futebol. "É de se supor que para ali o ingresso será
mais em conta", arrisca Maurício Uehara. Juntando tudo (mais as poltronas no térreo, em frente ao palco), a capacidade será de 1.500 lugares.
Em breve serão instalados os dois elevadores para o público. A rampa para deficientes
físicos está pronta. No teatro, só falta a instalação do ar-condicionado, das poltronas, do equipamento cênico e do elevador no fosso da orquestra.
"Tudo isso é rápido. Uma empresa especializada é a responsável. Ela traz tudo pronto.
É só instalar", avisa o secretário de Obras e Serviços Públicos.
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Construção do prédio anexo será um ganho para os espetáculos
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Uehara está entusiasmado
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
Ainda melhor -
O Teatro Coliseu vai contar, ainda, no 3º andar, com um restaurante, para o quê falta somente colocar o piso, as louças e os revestimentos na
cozinha.
No prédio anexo, com cinco andares, vão funcionar as salas multiuso, de imprensa,
administração, recursos técnicos, para cursos de dança, sanitários, o refeitório e os camarins (todos com sanitários). Falta somente o acabamento no
imóvel e instalar os móveis.
De acordo com Maurício Uehara, o atual Teatro Coliseu, em relação ao original no tempo
áureo, terá várias vantagens. "A construção do prédio anexo foi um grande ganho de espaço para a montagem de espetáculos, porque na planta original
toda a estrutura técnica e os camarins ficavam atrás do palco. O mesmo acontece com o uso do fosso da orquestra (basta subir o piso do elevador)
para que o palco possa ser ampliado. Além disso, naquela época não havia climatização".
Operários sentem-se parte dessa história
Ele não faz a menor idéia do som de um oboé. Barítono é palavra que não faz parte do
seu dicionário. O que domina são termos como cimento e cal e familiar é o áspero som da pá de pedreiro assentando tijolos. Mas em sua sábia
simplicidade, Ricardo Barbosa Barreto sente que faz parte de algo grandioso.
É que ele jamais havia pisado em um teatro. Nem mesmo em Salvador, de onde veio há
quase dois anos para trabalhar aqui (tempo também em que não vê a família), conhece o famoso Teatro Castro Alves.
Ajudante de pedreiro, esse baiano de 25 anos faz parte do grupo de 55 "médicos e
enfermeiros" que está reparando as artérias e veias que darão nova vida ao Coliseu, "paciente" que durante anos esteve praticamente enterrado. A
ressurreição deverá ser em setembro.
"Quando cheguei para trabalhar nesse teatro, vindo de Salvador, há quase dois anos,
não tinha idéia do que era e nem de como ficaria, porque não havia nada. Ficou bonito e é muito grande", diz, contando que nunca entrou em um teatro
e nem assistiu a espetáculos típicos desse gênero cultural.
A cada dia que passa - à medida que o Coliseu vai tomando forma -, o trabalhador se
surpreende com a beleza e a grandeza do teatro. Por isso, Ricardo Barreto tem dois sonhos. O primeiro - que só depende dele - é o de rever a
família, o que deverá acontecer no Carnaval de 2005. O segundo - para o qual não tem a menor ingerência - é o de ser convidado para a inauguração do
teatro. "Gostaria de ver. Deve ser bonito" embora confesse que nada entende de música clássica (caberá à Orquestra Sinfônica Municipal de Santos o
privilégio de fazer o concerto de reinauguração).
Satisfação |
"Os familiares ficarão orgulhosos. Aqui tem um dedo do mestre Ribeiro"
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José Ribeiro
Mestre-de-Obras
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Um dedo na história - A mesma vontade acalenta o mestre-de-obras José Ribeiro, de 53
anos. Ele não sabe se será contemplado com um convite, mas já possui uma certeza: vai ser difícil conter a emoção quando tudo estiver pronto. Também
há dois anos empenhado na reforma, ele diz que está fazendo parte da história. "Meus familiares e amigos vão ficar muito orgulhosos de mim. Aqui tem
um dedinho do mestre Ribeiro".
Paulistano, ele conta que pela primeira vez está trabalhando na reforma de um teatro e
que nunca assistiu a uma ópera. "Já fui no teatro ver peça, mas é diferente. O Coliseu é muito lindo, principalmente a pintura artística e a boca de
cena, em frente ao palco. Vai ser difícil conter a emoção", confessa o calejado mestre Ribeiro.
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José Ribeiro fala em emoção
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Ricardo Barreto exalta grandeza
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Fotos: Walter Mello, publicadas com a matéria
Equilíbrio é fundamental para equacionar a ocupação do teatro
Ana Maria Sachetto (*)
Colaboradora
Foi só se aproximar a data de reinauguração do Teatro Coliseu para os meios culturais
da Cidade começarem a se agitar. Não só no bom, como também no mau sentido. Como vamos administrá-lo? Ocupá-lo? Geri-lo? Mantê-lo? Gerar receita?
etc. etc. Os bem-intencionados, realmente preocupados com este bem material e cultural, quebram a cabeça objetivando contribuir de alguma forma para
a solução dos problemas.
Outros, mais preocupados em aparecer e conseguir algum tipo de vantagem, posam de
conhecedores do assunto e vão disparando seus disparates na mídia e em rodinhas de amigos e de intelectuais. Melhor fazem e agem corretamente os que
vão se informar em outras cidades que viveram a mesma situação e tiveram que equacioná-la.
Pensando bem, há quantos anos o Coliseu está em obras? Será que em todo esse longo
período não houve tempo para se traçar o perfil de utilização do teatro? Além disso há o problema do entorno do prédio, já que nesta provinciana
Cidade muita gente vai torcer o nariz ao se lembrar que precisa ir ao Centro, à noite, para freqüentar o Coliseu ou o seu restaurante.
Itens como segurança, amplo estacionamento para carros particulares, melhoria e
freqüência do transporte público são importantes, se queremos ter um Teatro Coliseu funcionando com público pelo menos regular. Qualidade da
programação é outro aspecto importante, e não se entenda qualidade como sinônimo de erudição.
Qualidade significa bom espetáculo, seja erudito ou popular, clássico ou
contemporâneo, amador ou profissional, local, nacional ou internacional, musical, teatral (que bobagem é essa, com os recursos disponíveis nos dias
de hoje, de falta de acústica?), de dança, ópera, coros etc.
E não só o palco com sua imensa platéia, camarotes e frisas deve ser utilizado, como
também outros espaços menores e lindamente restaurados, incluído aí o foyer. Mas a palavra-chave é qualidade, e isso só se obtém quando a (ou
as) pessoa responsável pela programação tem conhecimento, discernimento e total isenção político-partidária, de gostos, simpatias e preferências
pessoais.
É aí que reside a imensa responsabilidade das autoridades, sejam elas da cultura,
turismo ou qualquer outra área relacionada. Sua competência, já demonstrada em situações anteriores, precisa se impor sobre quaisquer outros
interesses, aliada à disposição de colaborar por parte de cidadãos, promotores artísticos, empresários e entidades particulares.
Mas que seja colaboração desinteressada, de quem realmente se preocupa com a cidade,
evitando-se, a qualquer custo, que o Coliseu caia em mãos daqueles que possam vir a se considerar seus donos, pondo e dispondo conforme sua vontade,
gosto e conveniência.
Enfim, é preciso pensar, também, que logo uma nova Administração Municipal vai
assumir, e, seja ela situacionista ou oposicionista, outros nomes ocuparão postos de comando. É importante, pois, que tudo seja esquematizado para
que não haja lapsos no funcionamento do teatro, para que o Coliseu não sofra conseqüências dessa sucessão de poder. Mas, também, que os novos
administradores tenham espaço suficiente para colocar suas boas idéias em prática, sem ficar engessados, impossibilitados de criar e agir.
A estas rápidas pinceladas, diretrizes que deveriam ser levadas em conta por
autoridades e por todos que desejam ver o teatro em pleno e correto funcionamento, é preciso acrescentar muito mais. Um plano bem urdido não pode
ter falhas. Deve ser minuciosamente estudado por especialistas nas mais diversas áreas, da jurídica à artística, da financeira à de recursos
humanos. Deve resultar em esquema ágil, não utópico, mas exeqüível.
Pensemos seriamente, todos nós, autoridades e cidadãos, na pesada mas agradável
responsabilidade que temos: ver o Coliseu retomar seu esplendor, voltar a viver dias fecundos de contribuição ao fortalecimento da cultura santista.
Ou assumimos esse encargo ou corremos o risco de ver o imponente teatro transformado em elefante branco, buraco negro sugador de recursos ou
propriedade de uns poucos. Os lençóis de poeira e sujeira depositados pelos anos e pelo descaso já foram cuidadosamente retirados, deixando a
descoberto o requinte de uma época. Não permitamos que o véu da indiferença volte a encobrir esse tesouro.
(*) Ana Maria Sachetto é jornalista.
Aspecto lateral do Coliseu, com a torre da
Catedral ao fundo
Foto: arquivo, publicada no jornal santista A Tribuna em 26 de janeiro de 2005
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