A passagem do tempo e as ações humanas vão levando consigo os vestígios de muitas construções de caráter religioso, como os
inúmeros oratórios e as capelas espalhadas pelo terreno hoje ocupado pelas cidades da Baixada Santista. Em alguns casos, fica a memória. Em outros, até ela se vai, por não ser apoiada pelos vestígios de sua existência, que faz com que as lembranças se
esfumem até desaparecerem ou virarem mitos e lendas. Por isso, o pesquisador de História e professor Francisco Carballa procurou recuperar essas memórias e
relacionar as edificações religiosas menores, neste relato por ele enviado em de novembro de 2012, para publicação em Novo Milênio:
Capelas e igrejas particulares
Francisco Carballa
[34] São Lourenço de Bertioga
Na praia de São Lourenço existiu uma pequena tapera caiçara, atendendo aos moradores da região, que vivam um pouco longe da Matriz de São João Batista de Bertioga. Foi ereta em 1887, por devoção do senhor
Manuel José Pinto segundo o que foi idealizado em sua casa com os demais cristãos do lugar sendo que o senhor Luis Pereira de Campos doaria a maior parte do material. Assim surgiu essa capela, próxima do mar, como era o costume e decerto abrigando
as imagens de São Lourenço Mártir e do Senhor Bom Jesus da Pilastra, já muito antigas para a época. Segundo os antigos, era muito bonita essa imagem, que foi furtada junto com a imagem do Senhor da Coluna e o crucifixo, por serem muito antigos.
Devido à ação do tempo e pelo tipo de material usado, a capela foi muito danificada e assim seria ereta uma nova capela em 1947, um pouco maior que a anterior e que devido a ação dos
mares - o que pode acusar já uma mudança climática que não foi percebida na época - a mesma foi danificada, segundo os antigos, entrando em ruína e desabando. Nesse meio tempo, as imagens devotas foram furtadas.
Essa segunda capela foi erguida devido ao trabalho dos senhores João Felisbino, Zacarias Pereira, Nicolau Antunes Pinto, Manuel Bento, António Batista e tantos outros, segundo o que se
pode ler em inscrição dentro da nova igreja. Durante minha participação na festa de 1986, fui até o local apontado como sendo o da antiga capela: ali se viam muitos entulhos cobertos pelos matos baixos chamando a minha atenção uma planta semelhante
a um pé de guaraná em miniatura, com os seus frutos característicos recordando pequenos olhos esbugalhados.
Sendo encontrado outro local próximo que foi doado, mais para dentro da terra chã, finalmente - com o esforço e o trabalho da comunidade local e principalmente do senhor Victor Batista -
foi construída uma nova igreja em 1988, que recorda em alguns aspectos a igreja de Nossa Senhora da Assunção do morro São Bento, devido aos detalhes futurísticos, pois possivelmente seria o mesmo arquiteto.
Hoje a igreja tem uma imagem de nova do mártir e mantém a que foi adquirida às pressas quando a outra foi furtada, sendo essa de apenas palmo e meio e feita de gesso, mas muito
significativa para a comunidade do local, pois é guardada com carinho e levada nas procissões, sendo curioso que está com suas vestes pintadas de verde (que simboliza a esperança e vitória), quando no certo seria o vermelho referente ao sangue do
martírio, sendo posteriormente pintado com a cor zinca própria das túnicas dos sacerdotes. Os adornos do local e do mastro eram feitos com fitas brancas e verdes até 1988, quando passaram a usar fitas vermelhas e brancas, da cor ou emblema dos
mártires de Cristo.
Curiosamente, no dia da procissão, ainda os cristãos cantam uma litania em latim de forma caiçara da herança colonial; a procissão vai até o local onde está o mastro que será levado na
frente do sacro cortejo até a frente da igreja e durante a queima de fogos será elevada a figura de São Lourenço. Somente depois disso o andor é levado para dentro da igreja, e assim é encerrada a festa, com a benção final do sacerdote. Ocorre
muitas vezes a apresentação de grupos de música do local, dentro da cultura caiçara, com suas seculares cantorias de louvor a Deus e seus santos; a fogueira em homenagem ao mártir ainda é feita, mas de forma ecológica e não como antigamente, que
tinha enormes proporções.
A capela, situada na Avenida de São Lourenço, defronte à confluência com a Rua Humberto Novaes, na Praia de São Lourenço, em Bertioga
Imagem:
Street View/Google Maps, em abril de 2011 (acesso
em 25/8/2013)