Imagens - frente e verso de "santinho" de oração em
homenagem à santa,
distribuído em Santos em 2006
As mensagens de Bakhita
Titina Palmieri Brandão (*)
Colaboradora
...Uma santa não só para as irmãs Canossianas e para o
povo de Schio, mas para a Igreja toda. Uma filha da África elevada às honras do altar, protetora dos pobres e os abandonados, no alvorecer do novo
século.
A aventura de Bakhita é uma provocação para nos colocar em confronto entre o "ser" e o
"não ser", entre a justiça e a injustiça. Entre o colocar-se no centro do próprio mundo, como se fosse seu dono, e deixar espaço ao outro, qualquer
que seja ele, sem distinção. Entre o amor e o não amor que faz definhar a vida de tantas pessoas.
Sudão - um povo pacífico, os dajiús, negros puros. Ao longe do povoado de Olgossa, na
região ocidental de Darfur, avista-se o vulcão agora calmo e, mais perto, a árvore sagrada rodeada de cabanas e a de seus antepassados. Os rebanhos
têm bom pasto, mas vem a seca e o povoado se transfere para Nayala. As famílias grandes se reúnem. É lá que a menina vive.
Chegam os salteadores e levam a filha mais velha, uma bela negra. Dois anos depois, no
dia fatídico, a pequena menina é capturada por dois desconhecidos. Suplica que a deixem ir, mas, violentos, ameaçam-na com o chicote e perguntam: "Qual
é o teu nome?" Diz o outro rindo, "Ela não tem nome" então
vamos chamá-la "Bakhita".
Começa aí a tortura da menina; no vilarejo é trancafiada numa cabana. De povoado em
povoado, o grupo de escravos aumenta e muitos são mortos, outros vendidos. Bakhita tem uma companheira e, juntas, conseguem fugir, porém cairão
novamente em mãos do mercador. São chicoteadas por qualquer deslize ou mesmo para descarregar a raiva, até as meninas serem reduzidas a dois montes
de carne sangrenta.
Passa o tempo até que a mandam procurar o cônsul italiano. Bakhita, resignada, vai,
recebe alimento e dorme, não acreditando que sua vida mudara. As tropas rebeldes se aproximam de Cartum e o cônsul vai voltar para a Itália. Bakhita
suplica para ir junto, e ele cede.
Dezembro de 1884. Na Itália o cônsul Calisto Legnani compra a escrava Bakhita do cruel
general turco. Bakhita se afeiçoa ao cônsul Calisto. Mas Augusto Michiele e esposa devem voltar à África. Bakhita cuida da filha deles, chamada
Mimina, e fica em Veneza, no Instituto dos Catecúmenos, com as freiras canossianas. Aí começa a sua instrução religiosa.
Bakhita gostaria de ser cristã? Sim, irmã, gostaria muito.
"Quando vejo o sol, a lua e as belezas da natureza, eu me
pergunto: quem fez todas estas coisas? E sinto uma vontade de conhecê-lo, de vê-lo..."
Bakhita se recusa a acompanhar Maria Turina e Mimina de volta à África. A senhora se
revolta e a chama de escrava ingrata, mas Bakhita persiste e diz que não deixará a casa do Senhor. O cardeal de Veneza, Domenico Agostini, interveio
na questão, contestando o procurador do Rei. Disse ele: "Nós estamos na Itália e aqui não há escravidão, portanto, aqui
Bakhita é livre".
Numa reunião extraordinária no Instituto dos Catecúmenos, estando o cardeal, o
procurador do Rei, a senhora Maria Turina, acompanhada de uma amiga e de um advogado, o procurador diz: "Senhora, desde
que Bakhita está na Itália, é uma mulher livre. Pode fazer o que quer".
A senhora se retira dizendo à filha: "Vamos, Mimina,
Bakhita não merece teu afeto".
Era 29 de novembro de 1889. Para Bakhita começava uma nova vida. Ela se prepara para o
batismo. Já tem 18 anos.
O próprio cardeal de Veneza administra-lhe os três sacramentos de iniciação cristã:
batismo, crisma e eucaristia.
Quatro anos se passaram, felizes e frutuosos. Bakhita não fica inativa. "Gostaria
de me tornar irmã..." E a madre escreve para a superiora-geral. A madre vem e, no dia 7 de setembro de 1893, ela
ingressa no noviciado naquele mesmo instituto.
Em 8 de dezembro de 1896, em Verona, Bakhita emite os votos de pobreza, castidade e
obediência, na mesma casa onde vivera a fundadora das Filhas da Caridade, Santa Madalena de Canossa. E, então, ela foi transferida para Schio, cuja
edificação aparece à direita de Santa Bakhita no quadro pintado por mim e doado ao povo de Santos, na pessoa de seu bispo diocesano dom Jacyr Braido.
O bispo de Trento queria conhecê-la e ela, numa reverência, escorrega e cai por terra.
E ele diz: "Obrigado, irmã, uma saudação verdadeiramente original". Em 1933, uma irmã
recém-chegada da China tem uma idéia: por que não fazer com que nossas comunidades conheçam a irmã Bakhita?
Ela não é mais jovem, porém durante dois anos participa de encontros em muitos lugares
da Itália. Sua história dramática, às vezes trágica, impressionava. É apresentada a uma escritora.
Chega outra guerra, que enfrenta tranqüila. Mas os anos pesam e ela sofre de bronquite
asmática, artrite e arteriosclerose.
Sofre muito. As pernas enfraquecem e precisa de cadeira de rodas. Pede para ir diante
de El Paron e reza, dizendo a Deus: "Eu não tenho nada para Lhe dar..." Olha a imagem de
Jesus: "Obrigada por tudo que me destes, eu vou indo devagarzinho rumo à eternidade"...
(*) Titina Palmieri Brandão é escritora,
musicista e pintora, membro da Academia Santista de Letras e sócia fundadora da AFLCAS. |