TERCEIRA PARTE - PRODUÇÕES INTELECTUAIS DE JOSÉ BONIFÁCIO
Capítulo III - Trabalhos políticos
[...]
Idéias sobre a organização política do
Brasil, quer como reino unido a Portugal, quer como estado independente
Constituição para o...
1º Os poderes políticos do estado do... estão divididos: 1º
pela assembléia geral dos deputados; 2º pelo senado; 3º pelo sindicado; 4º pelo archontado e 3 cônsules com os secretários de estado.
2º Os deputados serão eleitos dos cidadãos ativos do estado
em número proporcional aos dos cidadãos em geral, 1 por 20 mil, terão soldo da caixa dos dízimos e décimas dos bens urbanos, sua idade de 25 anos
para cima, 4 anos em função, 3 meses cada sessão, por via de regra invioláveis.
3º Os senadores são em número da metade dos deputados,
escolhidos pelos cidadãos a 1ª vez vitalícios, 40 anos de idade; nas vacaturas propostos pela assembléia geral em listas tríplices, das quais
escolherá um o sindicado. Terão de soldo um terço mais que os deputados, e este sairá da mesma caixa. São o alto jurado.
4º O sindicado ou conselho público será composto de 20
membros nomeados pelo senado em listas tríplices, e escolhidos destas pelo governo supremo, ou archontado; terão por soldo a contribuição por cabeça
de cada pai de família de duas onças de prata. Dele sairão os presidentes para o senado, e para a assembléia geral, por todo o tempo da legislatura,
conservando porém os seus cargos, e encargos de sindicados, invioláveis; 60 anos de idade, para não estarem muito tempo no lugar.
5º O archontado composto do archonte rei, vitalício, e 4
cônsules por 4 anos. O archonte será pela 1ª vez escolhido pelos colégios eleitorais de todo o estado, apurados os votos pela câmara da capital; e
depois vagando, proposto em lista tríplice pelo senado, e escolhido pelo sindicado. Os cônsules serão propostos pela assembléia geral em lista
tríplice e escolhidos pelo senado. Dividirão os negócios públicos da guerra, marinha e negócios estrangeiros a um, os da justiça e eclesiásticos ao
outro, os do interior e fazenda a outro, e ao 4º a polícia; porém decidirão tudo em conselho. Ao archontado pertence nomear os secretários d'estado,
e todos os mais empregados públicos.
A melhor constituição é aquela que conserva os homens em paz
e amizade, e defende, e garante os direitos políticos e civis; pelo contrário, aquela que faz temer contínuos tumultos ou que não pode fazer
respeitar as leis é péssima. Pretender que um soberano absoluto não seja invejoso e despótico, quando diariamente tem motivos constantes para o ser,
é querer milagres da natureza humana. Cumpre saber, que viver em paz não é viver em cativeiro, em ignorância, e em vícios; porque então esta paz
seria miséria humana.
A monarquia absoluta é na realidade uma aristocracia
encoberta, e por isso tem todos os males do despotismo e da aristocracia.
6º Não haverá tropas de linha, mas milícias bem organizadas
para guerra, e guardas cívicas para a polícia das cidades e vilas.
7º Toda a nação será dividida em tribos com seus nomes e
insígnias, com seus registros, onde se mencionem a idade e bens. Cada tribo fará um distrito eleitoral. Os criminosos, loucos, os que vivem de
soldada, e mendigos, não podem ser eleitores. Cada tribo pelo menos será de 20 mil cidadãos capazes de votar, e não passará de 45.
A constituição não reconhece nobreza privilegiada e legal.
O sindicado poderá ser consultado pelo archontado em negócios
de estado, mas o seu voto é só consultivo. Ao sindicado pertence a nomeação dos magistrados.
8º Todos os que não servirem os cargos, para que forem
nomeados, pagarão uma multa, exceto se estiverem legitimamente impedidos por moléstia e incapacidade moral, o que justificarão uns perante a
assembléia, outros perante o senado, outros perante o sindicado, e outros perante o archontado.
9º A assembléia geral se reunirá 2 vezes por ano, uma em
abril até maio, outra em setembro até outubro. Nos intervalos deve ficar sempre em atividade uma comissão permanente de 11 deputados, para vigiarem
pelo bem do estado, disporem as matérias, pedirem documentos, que hão de servir na sessão, e representarem ao archontado e sindicado.
10º Ao archontado e sindicado pertence convocar sessão
extraordinária da assembléia. Haverá um sindicado menor de 7-5 membros em cada distrito eleitoral para vigiar sobre o presidente, câmaras e
magistrados, e representar ao archontado, ou acusá-los perante o supremo sindicado, o qual decidirá, se a acusação deve ser levada ao senado, para
ser julgada em alto jurado.
Haverá julgados gerais em cada distrito eleitoral, composto
de 3 desembargadores, dos gerais se agravará para as relações de 3ª instância, e destas para o tribunal supremo de justiça da capital.
11º Quando se vota na assembléia, ou no senado, é sempre por
escrutínio secreto, principalmente nas nomeações, por bolas brancas e pretas.
12º Os juizes serão pagos pelas multas pecuniárias, pelas
caixas de emolumentos, e pela 3ª dos conselhos e patentes concedidas etc.
Outras notas
Todo o cidadão que ousar propor o restabelecimento da
escravidão e da nobreza será imediatamente deportado.
Quatro ministros. 1º Paz, guerra, marinha e relações
exteriores; 2º Justiça, interior, negócios religiosos; 3º Finanças e minas; 4º Polícia.
Os ministros propõem as reformas e novas leis ao archontado,
o qual ouve o sindicado, e depois vão as propostas às câmaras legislativas.
O território será dividido em províncias, distritos
eleitorais, cidades e vilas. Cada província terá um presidente, cada distrito eleitoral um intendente e cada cidade ou vila, um sindico ou maioral,
os quais têm a seu cuidado a arrecadação dos impostos e os pagamentos das folhas.
Do sindicado sairão para inspecionar as províncias em visitas
anuais adelantados.
Serão juízes de paz os maiores; estes enviarão os presos em 6
dias para a relação da província, composta de 5 ou 3 membros, que serão julgados em 15 dias; destas se apelará para o conselho supremo de justiça da
capital, que decidirá em um mês.
A força militar será governada em cada província por um
general, um comandante de artilharia, e generais inferiores necessários.
Haverá companhias de lanceiros a pé e a cavalo.
Todo o cidadão de 25 até 40 anos é soldado nato.
A polícia terá guardas públicas, e agentes secretos.
Haverá um vestido ou uniforme nacional para todos cidadãos,
segundo os diversos empregos e classes.
Para o povo, chapéu de palha, jaqueta, e pantalão de algodão,
e gibão para o frio. Mulheres, coita de algodão, e capotinho para o inverno.
Alpercatas e botinas.
De cada capital de província se abrirão estradas para as
outras das províncias circunvizinhas; e outras de cada cabeça de distrito para as outras.
Se cuidará logo em fazer os códigos civil, criminal, de
comércio e militar.
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Copiado do próprio original ms. de José Bonifácio.
Paulicéia, 23 de setembro de 1844.
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Para os deputados
1º Que se determine constitucionalmente a categoria de reino
do Brasil - o que lhe compete como reino à parte, e o que como reino unido.
2º Que se constituam as leis orgânicas, pelas quais deve
existir como reino do Brasil.
3º Determinar o que deve entrar no tesouro nacional do
Brasil, e no de Portugal.
4º Determinar o que deve sair dos tesouros provinciais do
Brasil para o geral do reino do Brasil, e o que deve ficar para o custeio das despesas de cada província.
5º Se estas quotas serão em certos tributos separados, como
fazem os Estados Unidos, ou em dinheiro da massa geral.
6º Requerer que se crie a universidade em São Paulo, como já
estava decretado por el-rei, antes de sair, a qual pode sustentar-se com a nova contribuição literária, e subsídio literário, e pagas de matrículas
dobradas e donativos voluntários etc., das províncias.
7º Criar uma cidade central no interior do Brasil para
assento da regência, que poderá ser em 15º de latitude, em sítio sadio, ameno, fértil, e junto a algum rio navegável.
8º Abrir desta caminhos de terra para as diversas províncias
e portos de mar.
Que os reis alternativamente residam no Brasil e em Portugal,
ficando regente os príncipes herdeiros num ou noutro país alternativamente, e as cortes se celebrem alternativamente em ambos os países, onde
residir o rei.
Talvez seja útil fazer cortes particulares em cada reino, e
outras gerais para a União.
Além das cortes um conselho dos censores, que vigiem sobre os
três poderes, executivo, legislativo e judicial, e sejam acusadores de qualquer ato inconstitucional perante o grão-jurado-nacional. Todos estes
corpos serão eleitos pela nação.
Câmaras pelos compromissários de freguesia, presididas pelos
juízes.
Os eleitores de freguesias, depois da eleição de câmara,
elegerão o conselho de comarca, que será presidido pelo corregedor, e os eleitores de comarca, depois de eleitos os deputados, elegerão a junta -
provincial, que será presidida pelo corregedor-mor, ou chefe político. As câmaras ou municipalidades terão a seu cargo o governo municipal e a
arrecadação dos impostos. Ao conselho de comarca pertencerá conhecer o procedimento das câmaras; e à junta do governo da província a vigiar sobre
ambos, arrecadação e contabilidade dos dinheiros públicos, o seu uso e governo econômico.
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Que para o número dos deputados não seja
excluído no censo o número dos escravos, pois são homens, e objetos de proteção constitucional, e objeto de nova legislação; de mais, a constituição
espanhola não exclui os escravos oriundos de mãe das províncias espanholas.
1º Que nenhum padre, depois de ordenado, possa ter benefício,
ou cura d'almas, sem primeiro ter ensinado por 2 anos à mocidade as primeiras letras, ou a língua latina, segundo seus talentos.
2º Que as crianças do sexo masculino aprendam até a idade de
7 anos com as mestras de meninas.
3º Que aos professores de primeiras letras se pague um
ordenado fixo pequeno, e de mais uma gratificação por cada discípulo completo, que ensinarem.
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A bondade de qualquer constituição é que esta
seja a melhor que a nação possa e queira receber.
Que constituição mais livre do que a francesa do ano 3
(1795), e contudo acabou logo, porque o geral da nação a não quis receber.
Assim as melhores instituições absolutamente não são as
melhores relativamente. Tudo é filho do tempo e das luzes. Os homens são entes sensíveis, e das circunstâncias, e não entes de razão ou idéias de
Platão.
É perigoso deixar nas mesmas mãos o poder extraordinário de
constituir com o direito ordinário de legislar, segundo bases estabelecidas; porém cumpre convocar uma convenção nacional ad hoc, que obre
debaixo do estudo e proteção da legislatura.
As cortes extraordinárias não devem na constituição declarar
seus deputados inelegíveis para a legislatura, par que haja quem vigie e conserve a sua obra.
Organização do conselho d'estado, composto de membros
nomeados pelos eleitores, 1 pelo menos por cada província, que sirvam por certo tempo, e se renovem por quartos cada 2 anos, tirados à sorte.
Cortes formadas de deputados, que se renovem por quartos,
cada 2 anos, tirados à sorte: a metade dos do novo hemisfério, e a outra do velho.
Pois que a constituição tem um corpo para querer, ou
legislar, e outro para obrar, e executar as leis, ou vontade do primeiro, é preciso que haja um terceiro corpo, que deve decidir as questões ou
disputas mútuas dos primeiros por um modo pacífico e legal. Este será o corpo conservador.
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Copiado do original de letra de José
Bonifácio.
Paulicéia, 15 de abril de 1844.
NOTA:
As peças juntas copiei-as no ano de 1844 em S. Paulo, de papéis avulsos, pertencentes ao espólio do finado José Bonifácio; eram escritas por
letra do próprio punho do mesmo finado.
Li-as perante o Instituto Histórico em uma das sessões de 1844. (a). - T.
Alencar Araripe. |