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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Império (2)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 710 a 740): 
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SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Capítulo III - Fundação do império (cont.)

[...]

Um caso maçônico

Entretanto, a luta que se iniciara entre o Grande Oriente e o governo, entre José Bonifácio, de um lado, e Gonçalves Lêdo e José Clemente, de outro lado, acentuou-se logo depois da Aclamação. Os dois últimos, contando com o imperador à testa de sua associação como chefe supremo, e explorando a nímia boa-fé e ingênuo entusiasmo com que se dedicava ele às funções do grão-mestrado, que reputava gloriosas - não cessavam de minar a influência do primeiro-ministro no ânimo vacilante do jovem monarca.

Vivia este flutuando entre os conselhos de José Bonifácio, durante o dia, nos despachos ministeriais, e as sugestões daqueles chefes maçônicos, à noite, nas reuniões do Grande Oriente, que tanto maravilhavam e seduziam o seu espírito inculto e frívolo.

Os abusos de confiança de que era vítima por parte dos sobreditos dignitários da Maçonaria, não os desconhecia José Bonifácio, que todos os esforços empregava para destruir-lhes as funestas conseqüências, até que um dia, sabendo que d. Pedro, para obter sua elevação ao posto de grão-mestre, tinha tido a lamentável condescendência de entregar a Lêdo e José Clemente Pereira três folhas de papel em branco, assinadas de seu punho, e que se destinavam por certo à prática de atos reprováveis, a coberto do segredo maçônico, que tanta impressão causava no soberano - foi o primeiro-ministro pedir-lhe francas explicações.

Estava-se a 26 de outubro. D. Pedro confessou a verdade, pelo que José Bonifácio, depois de fazer-lhe sentir os perigos a que se achava exposto por ter caído no ardil que dentro da Maçonaria lhe armaram e que a sua própria dignidade pessoal e imperial estava sujeita a sofrer graves afrontas, conforme o uso mais ou menos indigno que pudessem fazer dos papéis de que se tratava, pediu sua demissão de ministro, no que foi acompanhado por seu irmão e por Caetano Montenegro.

Abalado pelas carinhosas e ponderadas considerações feitas pelo velho Andrada, o imperador caiu em si, mostrou-se extremamente aflito e não sabia como reaver os citados papéis. Aconselhou-o José Bonifácio a fazer chamar à sua presença os indivíduos que lh'os tinham arrancado, e a exigir-lhes a sua imediata devolução, sob pena de os mandar recolher à Fortaleza da Laje, alvitre que foi aceito.

Não obstante, insistiu no seu pedido de exoneração, abandonou a Pasta, deixou a sua residência do Largo do Rocio e transferiu-se para um pequeno casalejo situado no caminho velho de Botafogo, aguardando ansioso notícias que o convencessem de que o inexperiente monarca se desembaraçara de tão escandalosa e prejudicial tutela.

No dia seguinte, mandou d. Pedro chamar ao Paço Gonçalves Lêdo e José Clemente, os quais, sabendo já, pelos boatos circulantes, que os Andradas haviam deixado o Governo, supunham que iam ser incumbidos pelo seu "Sapientíssimo Grão-Mestre" de organizar o novo Ministério.

Com a alma aos pulos de contentamento, e uma satisfação ilimitada a transluzir-lhes na fisionomia irradiante, subiram pressurosos a escadaria da Quinta Imperial, sendo introduzidos sem demora na sala onde d. Pedro os esperava, de sobrecenho carregado e refreando a custo sua tremenda indignação contra eles.

Imagine-se, pois, o seu desapontamento, quando d. Pedro, depois de invectivá-los asperamente pela sua desleal conduta, intimou-os a lhe restituírem os papéis dados em confiança, sob pena de reclusão na Laje e de ser informado o País das causas dessa reclusão. Muito vexados e afligidos com a inesperada atitude do grão-mestre, que tão dócil se lhes mostrara até então, correram a buscar os papéis e no mesmo dia lh'os restituíram. D. Pedro determinou, em seguida, a suspensão dos trabalhos do Grande Oriente, por tempo indeterminado.

Demissão e reintegração dos Andradas

A população, que não conhecia, aliás, os motivos por que os Andradas tinham deixado o Ministério, visto como José Bonifácio guardaram sigilo absoluto a respeito, para que d. Pedro, com a sua leviandade, não caísse em descrédito público - mostrou-se desassossegada com o acontecimento e não se conformou com ele. O próprio Lêdo, o próprio José Clemente, quando chamados ao Paço, ignoravam a causa da demissão, pois não supunham que o grão-mestre, que tão a sério tomava suas funções, fosse capaz de traí-los, revelando um segredo maçônico, que não podia sair do recinto do respectivo Templo.

O imperador, que escutava com agrado o eco das vozes populares, que das ruas subiam até São Cristóvão, pois não concordavam também com a saída de seus ilustres ministros, incumbiu Vasconcellos de Drummond de demovê-los, ou antes, de demover José Bonifácio de sua resolução, nada tendo conseguido até o meio-dia de 30.

Conhecendo a firmeza de caráter de seu amigo, mas igualmente a sensibilidade de seu coração às manifestações de afeto popular, preparou ele mesmo uma demonstração dessa natureza e obteve o que pretendia. José Mariano de Azeredo Coutinho, assumindo a presidência da Câmara, fez com que esta corporação representasse a d. Pedro, em nome do Município, pedindo-lhe a reintegração dos ministros demissionários.

José Clemente Pereira, ao saber do que se passava, correu para a Câmara, a fim de obstar ao que pretendia o velho José Mariano, mas o povo, que lá se achava em massa, recebeu-o debaixo de terrível assuada e expulsou-o do recinto, apedrejando-lhe a carruagem, ao trote de cujos cavalos pôde escapar à ira da populaça amotinada.

O Conselho de Procuradores, o clero e várias associações de classe também fizeram representações idênticas. Pelas 4 horas da tarde do dia 30, saiu d. Pedro do Paço da Boa Vista, em busca de seu ministro, no Largo do Rocio, não o encontrando. Grande massa popular, que estacionava em frente à casa, acercou-se de d. Pedro e o foi impelindo para os lados do Catete. Nas alturas da Glória, avistou-se com José Bonifácio que, trazido por um magote de povo, regressava para a Cidade.

"O jovem imperador e o velho ministro ambos se abraçaram e ambos derramaram lágrimas de ternura". Chegados à casa de José Bonifácio, este e d. Pedro arengaram ao povo, que os aclamou entusiasticamente, repetindo-se à noite no teatro, onde compareceram juntos, as demonstrações do júbilo público [1].

Medidas de repressão

Reintegrado no Ministério, com seu irmão, e com Miranda Montenegro, por decreto de 30 de outubro [2], tratou José Bonifácio de consolidar seu poder e de adotar providências tendentes à manutenção da ordem, ameaçada de sérias perturbações pelas manobras inescrupulosas de seus infatigáveis adversários.

Era preciso estabelecer uma ditadura férrea que impedisse a anarquia na capital do Império, no momento mesmo em que necessitava o governo de desafrontar-se de quaisquer obstáculos para poder acudir às províncias que, dominadas ainda pelo jugo militar dos portugueses, imploravam socorro sem demora.

Era mister ainda, para ocorrer às despesas que a obra da Independência estava a exigir a cada passo, que à sombra de uma tranqüilidade indeclinável, se reanimasse a confiança em nosso desbaratado crédito, se procedesse à reorganização metódica e sistemática do serviço público em geral, se melhorasse a arrecadação, obrigando todos os habitantes das províncias a concorrerem para o Erário segundo suas forças produtoras; era, enfim, imprescindível implantar a ordem para que as atividades recomeçassem os seus diferentes labores e para que a Nação se aparelhasse dos recursos defensivos e ofensivos, econômicos e bélicos, que a gravidade da situação lhe impunha.

Nenhum programa governamental seria exeqüível, nenhum plano de administração lograria sucesso, nenhuma força teria a atuação do Ministério, desde que a agitação popular continuasse indefinidamente, que as ambições de mando e de poder suplantassem todas as sugestões do verdadeiro patriotismo, que a anarquia imperasse fomentando lutas, desassossegos e discórdias. Cumpria-lhe, portanto, usar de excepcional energia para normalizar aquela situação cheia de perigos.

José Clemente Pereira, Luís da Nóbrega e o cônego Januário foram presos, recolhidos à Fortaleza de Santa Cruz e depois deportados para o Havre, cujo destino tomaram a 20 de dezembro, a bordo do bergantim francês La Cécile. [3]. Gonçalves Lêdo, mais astucioso e menos altivo que seus companheiros de conspirata revolucionária, arranjou meios de foragir-se na fazenda de seu amigo Bellarmino Ricardo de Siqueira (depois barão de São Lourenço), em São Gonçalo, nos arredores da Corte [4].

José Bonifácio conhecia o seu esconderijo, conhecia-o também Vasconcellos de Drummond por uma carta que a seu tio, Manuel Frazão de Sousa Rondon, escreveu Lêdo, pedindo a proteção daquele dedicado amigo do ministro para reconquista de sua liberdade perdida e inculpando, com bastante covardia, a José Clemente como autor do plano sedicioso que estavam tramando contra os Andradas [5].

Apesar de conhecido o lugar onde se achava, não o perseguiu José Bonifácio, não mandou prendê-lo e até lhe deu tempo a que, por intervenção do cônsul da Suécia, Lourenço Westine, se embarcasse em navio da respectiva nação, para Buenos Aires [6].

A 2 de novembro dirigia Lêdo ao imperador uma longa petição em que protestava sua inocência, e a de seu comparsa José Clemente Pereira, e, invocando as imunidades parlamentares inerentes a suas funções de deputado, cujo diploma ainda não fora reconhecido, aliás, e de cujo mandato, portanto, ainda não se achava regularmente investido, pedia-lhe para defender-se em liberdade das injustas e não provadas acusações que lhe faziam [7].

Mas, na carta escrita ao tio de Drummond, confessava a existência da conspiração contra o Ministério e imputava a José Clemente, a quem hipocritamente defendia perante d. Pedro, a autoria do plano malogrado...

Inverdades de VARNHAGEN

Outras muitas prisões foram efetuadas dentro e fora do Rio [8], pois o movimento insurrecional planizado contra o governo estendia-se às províncias, como ficou apurado na devassa a que se procedeu para a devida verificação das responsabilidades. O cônego Januário pretendia subverter Minas, para onde partira, tendo sido preso ao regressar; o capitão João Mendes Vianna, 2º grande vigilante do Grande Oriente, andava em igual missão por Pernambuco, ao mesmo tempo que fazia propaganda da aclamação de d. Pedro; e de lá veio remetido para a Fortaleza da Laje.

A este propósito insere VARNHAGEN [9], que José Bonifácio, julgando-se invencível com a sua recente vitória junto do imperador contra o Grande Oriente, "passou a mais": e a 22 de outubro deu ordens para serem presos em S. Paulo e mandados para a Corte o chefe de esquadra Oliveira pinto e o coronel de milícias Francisco Ignácio, como suspeitos de terem parte em uma "proclamação autógrafa e revolucionária, que se pregara nas esquinas do Pátio da Matriz de Santos".

Já contamos linhas atrás esse fato, de modo que os leitores estão plenamente habilitados a ajuizar do critério e da fidedignidade com que maliciosamente o relata o odiento inimigo dos Andradas.

Em primeiro lugar, basta citar a data em que diz ele ter sido expedida a ordem: 22 de outubro. Nesse dia, ainda José Bonifácio não tinha tido suas categóricas explicações com o imperador, das quais resultara como conseqüência o fechamento do Grande Oriente e, portanto, não podia ufanar-se nem julgar-se invencível com uma vitória suposta.

A ordem para a suspensão dos trabalhos secretos daquela corporação foi dada a 26, segundo DRUMMOND, muito bem informado a tal respeito porque foi, durante a crise, e segundo dissemos, o intermediário entre d. Pedro e seu primeiro-ministro. O próprio VARNHAGEN, caindo numa das suas habituais contradições de escritor inseguro, que só se guia pelos impulsos de suas paixões pessoais que não pelas sugestões da verdade imparcial, diz-nos à página 215, textualmente, que José Bonifácio "chegou a obter que o imperador, no dia 25 de outubro, mandasse uma ordem ao grande vigilante Lêdo para que ficassem suspensos os trabalhos do Grande Oriente, com o que exultou de prazer...", esquecido, no gozo de sua póstuma vingança pequenina contra o patrício ilustre, de que, no começo da página anterior, também textualmente refere que: "O imperador prestou-se a mandar suspender os trabalhos das Lojas Maçônicas no dia 21".

Mas, fosse de 21 ou de 25 a ordem de suspensão, é inexato o que diz o escritor sorocabano quanto à prisão de Oliveira Pinto e Francisco Ignácio, como fruto da preponderância em que ficou José Bonifácio no governo após o triunfo obtido sobre seus desleais adversários maçônicos.

A proclamação revolucionária foi afixada no Pátio da Matriz de Santos a 8 de setembro, quando o príncipe ainda se achava em S. Paulo, e a portaria expedida pelo ministro ao governo interino desta província, mandando que remetesse aqueles rebeldes para o Rio, é de 22 do dito mês e não de outubro.

Aliás, nessa portaria, ele não mandava, como inverdadeiramente afirma VARNHAGEN, prender os dois chefes sediciosos, que já se achavam presos por ordem transmitida pelo Governo Provincial ao Governador da Praça de Santos, limitando-se a aprovar essa medida e a aplaudir o alvitre sugerido pelo mesmo Governo, em seu ofício de 14 (do qual a portaria era apenas a resposta), de serem enviados para a Corte os sobreditos e perigosos militares.

A 11 de novembro, expediu José Bonifácio uma portaria-circular aos governos provinciais e câmaras, recomendando-lhes a máxima vigilância em relação a emissários partidos da Corte com fins políticos ocultos [10]; e tomou, na mesma época, mas em diversos dias, anteriores e posteriores, outras medidas de extrema severidade, que hoje seriam para estranhar se não víssemos, sem motivo algum de necessidade pública, obrarem governos modernos com maior luxo de prepotência do que o prestigioso ministro do primeiro Pedro.

Ele só tinha em vista, naquele momento angustioso, manter a ordem a todo o transe para poder organizar a Pátria, ameaçada de fora e convulsionada por dentro. Em Portugal, preparavam-se novas expedições militares para nos reconduzirem à recolonização; na Cisplatina, d. Álvaro da Costa de Sousa Macedo, entrincheirado em Montevidéu, à frente de 4.000 homens, mantinha-se fiel à causa portuguesa, resistindo ao cerco das tropas brasileiras comandadas pelo general Lecór; o Pará, o Maranhão, o Piauí e a Bahia suportavam ainda os duros grilhões da escravidão a Portugal e lutavam bravosamente para libertar-se deles.

Era preciso acudir à aflitiva situação de todos os nossos desventurados irmãos das províncias escravizadas, e que para o Governo Geral confiados apelavam. E como fazer tranqüilamente face a tantas exigências justas, a tantas e tão urgentes solicitações, se o governo, na sua própria sede, se via minado por ambiciosos cheios de audácia, que não tinham outra mira, não visavam outro escopo, nada mais pretendiam que derribar os Andradas para substituí-los?

Daí a enérgica resolução de José Bonifácio de dominar essas impatrióticas agitações pela força, instituindo uma benéfica ditadura inquebrantável, que coibiu os turbadores excessos da liberdade jornalística, fez cessar a função do Corpo Dirigente da Maçonaria, afastou do Rio os elementos mais perniciosos e determinou ao intendente de Polícia que expulsasse da cidade todos os indivíduos suspeitos, visto que o que reinava então era a lei marcial.

Por mais que aos nossos atuais sentimentos de liberalismo nos pareçam tirânicas as providências ordenadas pelo grande ministro durante a crise aguda da fundação da Pátria - devemos ponderar que sem elas não dominaríamos a gravidade excepcional do momento que atravessávamos. Sem um governo forte e homogêneo, sem a preponderância varonil de uma só vontade capaz, sem uma inteligência de escol aliada a um pulso de ferro - seria impossível manter a unidade nacional em meio daqueles embates de uns partidos contra outros, dos choques e entrechoques de tantas e tão arrebatadas paixões, dos planos que os portugueses vencidos executavam na treva contra a obra vitoriosa da Independência, dos perigos em que nos achávamos de perder, pela desagregação, algumas províncias do Norte e os territórios da Cisplatina dos lados do Sul.

Era forçoso jugular a anarquia para que a construção política do País se fizesse num ambiente de relativa calma e normalidade, quando a Assembléia Constituinte se reunisse, o que não tardaria muito, pois as eleições de deputados em várias províncias já se achavam em trabalho regular de apuração. Com as medidas que adotou o ministro, a agitação acalmou-se por algum tempo e a obra de organização, em que se achava ele empenhado, prosseguiu sem interrupção.

Bênção da Bandeira

É assim que, a 10 de novembro, procedeu-se à bênção da nova Bandeira Nacional. Era domingo, e a Capela Imperial regurgitava de damas e cavalheiros. O elemento oficial de todas as categorias, as corporações de classes, o comércio, os elementos mais representativos e grados da melhor sociedade fluminense aí se encontravam.

D. Pedro, de joelhos diante do altar-mor, à proporção que recebia das mãos do bispo capelão os estandartes destinados às unidades do Exército e da Marinha, passava-os às respectivas oficialidades. Terminada a cerimônia religiosa, montou a cavalo, e, à frente da tropa formada no Largo do Paço, dirigiu-lhe eloqüente Fala, depois da qual salvou a Artilharia e deu a Infantaria as descargas regimentais, às quais corresponderam imediatamente as fortalezas, em cujas ameias começou a flutuar o novo Pavilhão.

No dia seguinte, 11, os navios de guerra nacionais arvoraram-no no tope do mastro grande; e a 12 içaram-no também, saudando-o com uma salva, as esquadras inglesa e francesa surtas na Guanabara, porquanto, desde o dia 10, José Bonifácio comunicara, em nota, aos agentes das diferentes nações acreditadas junto ao Governo Brasileiro, a substituição do velho Tope e da velha Bandeira pelos novos.

No intuito de enfraquecer os recursos com que contava na Bahia a tropa portuguesa, que tentava esmagar os elementos independencistas, baixou Martim Francisco, a 12 [11], um decreto declarando que não seriam consideradas como dívidas da Nação, e, portanto, não seriam pagas pelo Tesouro Público, quaisquer quantias que os capitalistas daquela cidade emprestassem ao general Madeira para conservação e mantença de suas forças e tomando providências acertadas, de caráter aduaneiro, em relação aos gêneros alimentícios com que negociantes estrangeiros abasteciam a referida Praça, com grave lesão e prejuízo dos interesses do Fisco.

Cerimônia da sagração de d. Pedro I, a 1º de dezembro de 1822

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Coroação e sagração do imperador

A coroação e sagração do imperador - cerimônia que, segundo VARNHAGEN [12], era "pela primeira vez introduzida no Brasil", porquanto não se usava na Corte Portuguesa - tinha sido, ao princípio, marcada para o dia 24 de novembro, mas, por motivos supervenientes, ficou definitivamente adiada para 1º de dezembro.

Formulou o plano respectivo uma comissão composta de José Bonifácio, do barão de Santo Amaro, do bispo capelão-mor, de monsenhor Fidalgo e do antigo mestre do imperador, frei António de Arrabida, adotando-se uma combinação mista do cerimonial seguido na sagração de Napoleão I, e do que se praticava na Áustria e na Hungria [13].

Às 9 e meia da manhã saíram Suas Majestades do Paço da Boa Vista, em coche escoltado pela Guarda de Honra, com destino ao Paço da Cidade. Ao passarem pelo Rocio (Praça da Constituição), prestou-lhes as devidas continências a 2ª Brigada, sob o comando do brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, composta do Regimento de Caçadores de S. Paulo, do 4º Batalhão de Caçadores da Corte, do 3º e 4º Regimentos de Infantaria da 2ª Linha e do 1º Regimento de Cavalaria do Exército.

As sacadas dos prédios, situados nas ruas por onde os imperantes fizeram seu trajeto, estavam ornamentadas de flores, folhagens e custosos panos de seda e de veludo. As salas do Paço tinham sido pintadas de novo a ouro e verde. Na do Trono ostentava-se a Coroa Imperial, de ouro de 22 quilates e ornada de 216 brilhantes de alto preço; e mais as diferentes insígnias, como sejam o estoque, o estandarte e o pálio.

Do Paço dirigiu-se o cortejo para a Capela Imperial, caminhando sobre uma teia de seda escarlate e ouro, guarnecida pelo 2º Batalhão de Caçadores. Abria a marcha uma Guarda de Archeiros, acompanhada da música de timbales e charamelas; iam, após, várias pessoas de alta qualificação no meio e logo em seguida o rei d'armas, arauto e passavante.

A Corte, constituída de procuradores gerais das províncias e de diversos moços fidalgos, conduzia as insígnias imperiais - o bastão, a espada, as luvas, a coroa e o cetro. Este era carregado pelo procurador da Província de S. Paulo, António Rodrigues Velloso de Oliveira. Seguiam-se o mestre de cerimônias, barão de Santo Amaro, e seus ajudantes, precedendo o pálio, debaixo do qual ia o imperador, e em cujas oito varas pegavam procuradores das províncias, entre os quais o representante de S. Paulo, brigadeiro Manuel Martins do Couto Reis.

À direita de d. Pedro, e um passo adiante, caminhava o condestável, conde de Palma, empunhando o estoque com a ponta levantada, e do mesmo lado, um passo atrás, o primeiro-ministro José Bonifácio [14]; do lado esquerdo, iam o barão de São Marcos, gentil-homem da Câmara Imperial, e Luís de Saldanha da Gama, reposteiro-mor. Fechava o préstito outra Guarda de Archeiros, dos quais duas alas ladeavam a Corte e o Pálio. O Batalhão de Granadeiros, postado em frente à Capela dos Terceiros do Carmo, dava a guarda de honra.

Os sinos de todas as igrejas repicavam alegremente, estouravam ruidosamente inúmeras girândolas e as bandas musicais dos batalhões enchiam os ares com as notas vibrantes de suas peças e hinos marciais. Na Capela Imperial, toda forrada de sedas escarlates, lhamas de prata e galões de ouro, levantava-se o trono forrado de veludo liso, guarnecido de franjas de ouro de mais de um palmo de comprimento. O espaldar e o dossel eram de veludo lavrado.

Realizados, com todas as formalidades litúrgicas, os atos da coroação e sagração, pronunciou eloqüente sermão frei Francisco de Sampaio, que tomou por tema o versículo 45 do cap. 1º, livro 3º dos Reis, alusivo à unção de Salomão - E o Pontífice Sadoch e o Profeta Nathan o ungiram Rei em Gihon... e a Cidade retumbou em clamores -. Houve depois a oferenda, o juramento e o Te Deum.

O juramento, em latim, foi lido pelo ministro da Justiça, Caetano Pinto de Miranda Montenegro; prestado o qual, o alferes-mor, Manuel Ignácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, barão, depois conde e marquês de Itanhaém, aproximou-se da pequena varanda erguida no adro da capela, desenrolou o Estandarte Imperial e proclamou em voz alta: "O muito Augusto Imperador Pedro I, Imperador Constitucional, Perpétuo Defensor do Império do Brasil, está coroado e entronizado. Viva o Imperador!"

José da Silva Lisboa (visconde de Cairu)

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Criação da Ordem do Cruzeiro. Primeiras nomeações

Finalizadas assim as cerimônias religiosas, o imponente cortejo recolheu-se ao Paço, observando a mesma ordem em que saíra. Assinou, então, o imperador, em solenização do grato acontecimento, o decreto instituindo a Imperial Ordem do Cruzeiro, para remunerar os serviços dos súditos do Império e dos estrangeiros beneméritos. O seu nome era "em alusão à posição geográfica desta vasta e rica região da América Austral, que forma o Império do Brasil, onde se acha a grande constelação do Cruzeiro, e igualmente em memória do nome que teve sempre este Império, desde o seu descobrimento, de Terra de Santa Cruz".

Ao imperador competia o título e autoridade de grão-mestre da Ordem, a qual, além de um chanceler encarregado do expediente, contava: 1º) cavaleiros, em número ilimitado; 2º) duzentos oficiais efetivos e cento e vinte honorários; 3º) trinta dignitários efetivos e quinze honorários; 4º) oito grã-cruzes efetivas e quatro honorárias.

No mesmo dia foram concedidas várias condecorações da Ordem que acabava de ser fundada, sendo distinguidos com grã-cruzes apenas António Carlos e o general Xavier Curado; e escolhidos, entre outros, para dignitários, Cypriano Barata, Muniz Tavares, Gordilho de Barbuda, Lino Coutinho e Nicolau Vergueiro; para oficiais, o padre Belchior Pinheiro, o bispo de S. Paulo, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, o marechal Cândido Xavier, Felisberto Caldeira Brant Pontes, Hippólyto da Costa, França Miranda, Fernandes Pinheiro, o marechal Arouche, Lucas José Obbes e d. Nicolau Herrera; e para cavaleiros, Vasconcellos de Drummond, o capitão-mor das Alagoas Alexandre José de Mello, pai do historiador Mello Moraes, o bispo capelão-mor, o bispo de Mariana, Paula Sousa, o cônego João Ferreira de Oliveira Bueno, santista; o tenente-coronel Aranha Barreto, santista; José da Silva Lisboa, depois barão e visconde de Cairu; o dr. Manuel Joaquim de Ornellas, paulista; Pedro Dias de Macedo Paes Leme, depois marquês de Quixeramobim; e o capitão-mor da vila de Itu, Vicente da Costa Taques Góes e Aranha.

José Bonifácio, apesar de instado pelo monarca, recusou qualquer dignidade na Ordem, mas não seria, como pretende VARNHAGEN [15], por simples modéstia, alegando a sua estada no Ministério, pois semelhante alegação redundaria numa impertinente censura a seu dedicado colega e amigo Caetano Montenegro, que aceitara o oficialato.

Segundo VASCONCELLOS DE DRUMMOND [16], ele declarara francamente ao imperador que "não aceitava nem jamais aceitaria mercê alguma honorífica em recompensa de seus serviços prestados a prol da Independência". Mas, tanto não foi por descabida modéstia, que recusou a Grã-Cruz ofertada por d. Pedro, e até o título de marquês, que, no momento mesmo de sua peremptória recusa, pediu-lhe a graça de lhe mandar por, depois de sua morte, sobre a sepultura, uma pedra tosca, à custa do Estado, inscrevendo-se nela os conhecidos versos do grande poeta português, António Ferreira:

Eu desta glória só fico contente,

Que a minha terra amei, e a minha gente.

E tão convencido estava ele de que, pelos seus altos serviços à causa da Independência, merecia uma pública recompensa póstuma, que chegou a fazer ao soberano um requerimento por escrito, reiterativo de seu pedido verbal anterior, substituindo, por sinal, no segundo verso a palavra terra por Príncipe.

Que razão teve, pois, o insigne paulista, para subtrair-se à honra que lhe queria conferir d. Pedro - se a sua natural modéstia não entrou em nada nessa resolução? É que ele era radicalmente contrário à instituição da nobreza, como se vê do seu projeto sobre a organização política do Brasil, que publicamos integralmente no terceiro volume desta obra.

O artigo 7º reza: "A Constituição não reconhece nobreza privilegiada e legal", e numas notas avulsas que apensou ao fim de seu trabalho, acrescenta: "Todo o cidadão que ousar propor o restabelecimento da escravidão e da nobreza será imediatamente deportado". Donde se conclui que era ele, sob esse aspecto, mais veramente republicano que muitos dos nossos modernos democratas...

Mas, se era contra seus princípios a criação de títulos que envolvessem privilégios ou preconceitos de grandeza - como é que foi ele o referendatário do decreto, em vez de, na qualidade de primeiro-ministro, e usando de sua influência junto ao imperador, impedir a criação daquela Ordem? É que o ministro sabia transigir com a vontade caprichosa do monarca, em certos casos e determinadas ocasiões, para impor sua própria vontade em circunstâncias porventura mais sérias ou mais melindrosas.

A verdadeira sabedoria, aliás (em política sobretudo), consiste, através da inflexibilidade sistemática dos princípios, em nos mostrarmos sempre conciliantes de fato. Compreendeu José Bonifácio que era preciso contemporizar com os prejuízos do soberano, com a relativa incultura social do meio, e com a vaidade de seus compatriotas, pois lhe não era possível, e seria insensato, querer que todos pensassem como ele a tal respeito. Restava-lhe manter-se firme nos princípios que professava, recusando a alta dignidade e o título que lhe oferecera o imperador. A Ordem fora criada para os que pensavam de modo contrário, e que constituíam uma não desprezível, uma poderosa maioria numérica. Martim Francisco, a quem d. Pedro quis também agraciar com a Grã-Cruz, declinou igualmente da honra.

No mesmo dia foram feitas as nomeações para os diversos cargos do Paço, tais como camaristas, guarda-roupas, estribeiros, veadores etc. Dona Maria Flora, irmã de José Bonifácio, foi nomeada para camareira-mor da imperatriz e o capitão de cavalaria Boaventura delfim Pereira, cunhado de dona Domitila de Castro, foi provido no emprego de guarda-roupa do imperador [17]. José Bonifácio, apanhado de surpresa por d. Pedro, entre as jubilosas expansões do grande dia, aceitou o posto de mordomo-mor [18].

Ainda na mesma data, um outro decreto, a que incidentalmente nos referimos atrás, criou, com caráter permanente e organização regular, a Guarda de Honra do Imperador, composta de três esquadrões, respectivamente do Rio, de S. Paulo e de Minas [19].

À noite, no Teatro de São João, fartamente iluminado e luxuosamente ornamentado, destacando-se do conjunto decorativo as quatro ordens de camarotes que se achavam guarnecidos de seda branca, orlados de galões verde e ouro do mesmo tecido, a Companhia Italiana cantou a ópera de Rossini, Isabel d'Inglaterra. Inaugurou-se então o novo pano de boca, com uma alegoria à solenidade, obra do pintor francês, membro da Missão Artística de que já falamos, João Baptista Debret, cenógrafo do Teatro.

Na noite seguinte, ainda em espetáculo de gala, cantou-se outra ópera de Rossini - A italiana de Argel [20]. A cidade se manteve iluminada por três noites consecutivas e durante elas as charangas dos vários batalhões percorriam as ruas, tocando o Hino da Independência e outras composições musicais. De tempos a tempos subiam ao ar estrondosas girândolas de foguetes; e o povo, em magotes, andava de cá para lá, entoando cânticos patrióticos, dançando alegremente, levantando vivas ao Império e aclamando a sua Constituição e o seu monarca.

 

Pano de boca executado especialmente para o espetáculo de gala do Teatro de S. João, comemorativo da coroação do primeiro imperador

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Medidas contra os portugueses

Coroado o imperador e restabelecida a ordem pública interna, graças às expeditas providências que tomou com grande acerto, pôde José Bonifácio continuar desafogado no desempenho de sua grandiosa missão. Por decreto de 11, em represália aos atos agressivos praticados pelo governo português contra nossa independência, foram seqüestradas todas as mercadorias pertencentes aos súditos lusitanos, existentes nas Alfândegas do Império; as que se achassem em poder dos negociantes aqui estabelecidos, ou sua equivalência em dinheiro; todos os prédios, rústicos ou urbanos, nas mesmas condições e todas as embarcações, ou parte delas, que pertencessem a súditos daquele reino. Do seqüestro, porém, eram formalmente excetuadas as ações do Banco Nacional, as das casas de seguro, e as da Fábrica de Ferro do Ipanema.

Um edital do dia seguinte [21], assinado pelo ministro, completava as providências do decreto acima, recomendando aos negociantes do Brasil que cortassem quaisquer relações comerciais com os de Portugal, em vista dos riscos e prejuízos a que ficariam sujeitos, decorrentes do estado de guerra entre as duas nações.

A 21, outro decreto, "por uma justa retribuição" ao do governo português, de 8 de outubro, que proibia, dora em diante, os festejos oficiais pelo natalício de d. Pedro, determinava que no Brasil não mais se comemorasse o dia do nascimento dos membros da família real, à exceção dos do rei e da rainha, "para que os povos do Brasil, e de todo o mundo civilizado, conheçam que sei respeitar, apesar da injustiça e falta de consideração com que fui tratado, os deveres de bom filho" [22].

A 30, Martim Francisco referendava na sua Pasta um decreto equiparando os direitos fiscais, devidos pelos artigos importados de Portugal, aos das outras nações estrangeiras, sujeitos todos indistintamente ao pagamento do imposto de 24%. Para o rapé subsistiria em favor da Inglaterra o imposto de 15%, na conformidade dos contratos em vigor.

As reduzidas taxas sobre os vinhos, licores, aguardentes, azeites e vinagres, com as quais a produção portuguesa era favorecida, passaram a ser extensivas aos demais países produtores desses gêneros. O vinho tinto pagava 12$000 por pipa e o branco 24$000; em garrafas, aquele, 400 réis por dúzia e este, 800 réis, e assim outros produtos "conhecidos pela denominação vulgar de molhados" [23].

Apertando o cerco em torno da ex-metrópole, pela Pasta da Marinha, o respectivo ministro, chefe d'esquadra Luís da Cunha Moreira (futuro 1º visconde de Cabo Frio), baixava no mesmo dia um alvará, concedendo aos brasileiros e estrangeiros a faculdade de armarem corsários, "durante a presente lide com aquele reino", por ser "justo e conveniente repelir por todos os modos os ataques que o Governo de Portugal, instigado pelo seu demagógico Congresso, insiste em dirigir, pela maneira a mais pérfida, contra a propriedade pública e particular deste Império" [24].

Expediram-se ordens para que os nossos patrícios residentes em Portugal regressassem para cá dentro do prazo de seis meses, sob pena de serem declarados indignos e seqüestradas suas propriedades e outros bens. Aos estudantes matriculados em Coimbra abriu-se uma justa exceção, permitindo-se-lhes completarem os cursos que estivessem seguindo.

Os portugueses que, de então por diante, viessem com intenção de aqui residir em caráter transitório, prestariam fiança idônea antes de desembarcarem e ficariam tidos como súditos do Império, e como tais sujeitos à legislação nacional brasileira, não gozando porém, em caso algum, dos foros de cidadão. Os que pretendessem fixar-se definitivamente jurariam prévia fidelidade ao imperador e à causa da Independência, e adotariam o Brasil por pátria.

Concedeu-se aos governos provinciais ampla faculdade para deportarem dos respectivos territórios, fazendo-os embarcar com destino ao estrangeiro, quantos lusitanos lhes parecessem convencidos de aderentes ao antigo regime banido do solo brasileiro.

Se a criação da Ordem do Cruzeiro e a da Guarda de Honra do Imperador tinham causado desagradável surpresa à massa geral dos patriotas, por serem consideradas como remanescentes do espírito retrógrado das monarquias absolutistas, e radicalmente incompatíveis com as conquistas da moderna liberdade, tendo levantado contra as tendências do governo graves suspeitas, que os adversários de José Bonifácio, ansiosos por o substituírem no poder, exploravam contra ele, imagine-se que indignação não teriam produzido no seio da enorme e poderosa colônia lusitana - detentora principal da riqueza privada - as duras providências tomadas pelo governo contra ela, contra seu comércio, contra suas indústrias, contra suas propriedades, contra sua própria segurança e economia.

A opinião pública, que se havia retraído com as medidas de repressão ordenadas pelo Ministério, após o conluio sedicioso de fins de outubro, recomeçara novamente de agitar-se. Eram, de um lado, os patriotas mal esclarecidos, que julgavam pelas aparências os atos governamentais e que não tinham a educação política indispensável para, diante de circunstâncias tanta vez inevitáveis, transigirem com suas próprias convicções em benefício da ordem geral - pois sem ela seria impossível organizar-se convenientemente o País, e desse espírito de tolerância e transigência, apesar de sua inflexibilidade atual, não raro deu exemplo o ministro, cujo poder sem contraste suscitava fundas desconfianças e provocava temores injustificados.

Os seus atos de repressão, que tão acerbas críticas levantaram no momento, foram a resultante da atitude assumida pelos agitadores, que buscavam, como dissemos, a queda dos Andradas, para substituí-los no governo, graças à intimidade de que gozavam junto de d. Pedro, no quase cotidiano contato das sessões do Grande Oriente, onde o seu trabalho de sapa se desenvolvia através dos discursos entretecidos de conselhos pérfidos e das impressões trocadas nas palestras dos gabinetes e ante-salas, enquanto se aguardava o início da reunião convocada.

De outro lado, concorriam para engrossar a corrente da oposição, contra eles, os elementos portugueses que estrebuchavam, furiosos e impotentes, entre os dedos de ferro dos agentes incumbidos de executar as ordens e providências governamentais que lhes diziam respeito.

Debaixo, contudo, dessa dupla e asfixiante pressão, e amparado somente pela confiança do imperador, pela solidariedade dos amigos mais fiéis e pelo escol dos verdadeiros patriotas - seguiu José Bonifácio desassombradamente a rota que se retraçara.

Socorros para a Bahia

A situação da Bahia era, então, o problema que mais vivamente o impressionava, não só por ser de sua obrigação libertá-la o mais depressa possível dos tormentos cruéis que a afligiam, como porque necessário se tornava, por um golpe de força vitorioso contra Madeira, demonstrar a Portugal que o Brasil se encontrava aparelhado e apto para repelir e combater com sucesso as tropas que viessem de lá com a incumbência de submetê-lo.

É assim que, além dos socorros navais e terrestres expedidos anteriormente, sob o comando, respectivamente, de Delamare e Labatut, e enquanto não se tinha uma decisão de lorde Cochrane, mandou para a heróica província a Divisão comandada pelo capitão-de-mar-e-guerra David Jewett, e composta das fragatas Piranga (depois União) e Carolina (depois Paraguassú), das corvetas Maria da Glória e Liberal, do brigue-escuna Real, da escuna Leopoldina e da charrua Animo Grande [25].

A Divisão zarpou da baía do Rio, a 28 de janeiro de 1823, transportando 900 homens de tropas de terra, entre os quais 735 que formavam o Batalhão de Caçadores do Imperador, comandado pelo coronel José Joaquim de Lima e Silva [26] e especialmente criado por decreto de 18 do mesmo mês, para proporcionar à Bahia "os meios de a tornar livre da opressão com que as tropas lusitanas pretendem dar-lhe a Lei pela força, e abafar seus patrióticos sentimentos, declarados francamente pela sagrada causa do Brasil" [27].

A 22 de fevereiro, desembarcava a expedição em Jaraguá nas Alagoas, regressando imediatamente a esquadra para o Rio, onde fundeou na noite de 12 de março, véspera da chegada de Cochrane. Por esse tempo, já tinha saído de Lisboa a esquadra conduzindo para a Bahia a terceira expedição de tropas destinadas a reforço de Madeira [28] e constituída de três Batalhões de Caçadores, dois de Infantaria e duas Companhias de Artilharia, aí aportando a 1º de abril.

Com as remessas feitas anteriormente, em agosto e outubro de 1822, a força de Madeira ficou dispondo de 9 a 10.000 homens, total máximo de soldados que, segundo RIO BRANCO [29], tiveram os portugueses na Bahia; mas VARNHAGEN, além da tropa chegada a 1º de abril, fala-nos ainda em mais 2.500 praças que, sem chefe superior, desembarcaram no porto de São Salvador em fins do referido mês, por ter-se recusado a comandá-las o brigadeiro João Carlos de Saldanha e Oliveira e Daun, por não conhecer o terreno em que teria de operar [30].

A esquadra lusa, sob o comando do almirante João Félix Pereira de Campos, compunha-se de 1 nau, 2 fragatas, 1 charrua, 8 corvetas, dois brigues e 1 sumaca, montando 438 canhões. Havia ainda várias charruas e transportes armados e uma pequena esquadrilha encarregada de bloquear diversos portos do Recôncavo e de capturar embarcações e víveres.

O Exército da Independência numerava então um efetivo de 11.000 homens, que se elevaria a 13.405, incluindo-se 1.000 empregados e 1.300 soldados que tinham baixado feridos ou enfermos aos hospitais; mas a esquadra era bem inferior à dos adversários, pois a constituíam os poucos navios que formavam a Divisão, de que há pouco falamos, comandada por Jewett, e mais alguns barcos que se lhe acrescentaram após a chegada de Cochrane.

Este bravo marinheiro desembarcou no porto do Rio, a 13 de março, arvorando as suas insígnias de Primeiro Almirante da Marinha Brasileira, a bordo da nau Pedro 1º (comandada por Croosby), a 21 de março; e debaixo de seu supremo comando estavam mais as fragatas Ipiranga e Niteróe, as corvetas Maria da Glória, Liberal, Real e Carolina. Para completar tão reduzida esquadra, aprestaram-se com a possível celeridade os brigues Caboclo e Rio da Prata e a escuna Leopoldina [31].

A 29 de março baixou o governo, pelo Ministério da Marinha, um decreto, declarando em estado de bloqueio o porto da Bahia, e proibindo, em conseqüência, a entrada de todas e quaisquer embarcações nacionais ou estrangeiras, de guerra ou mercantes, no dito porto, enquanto ali existissem tropas lusitanas, sujeitas as contravenções às penas de direito [32].

No dia 2 de abril [33], apesar da manifesta inferioridade de seus recursos, Cochrane partiu para o Norte, com sua pequena e pouco eficiente esquadra, da qual, por motivos supervenientes, ficaram no Rio as fragatas Paraguassú e Niteróe e a corveta Carolina, que só zarparam alguns dias depois, indo reunir-se aos demais navios já em águas baianas. A Niteróe alcançou-as a 29, segundo VARNHAGEN, ou a 3 de maio, segundo RIO BRANCO.

Quando Cochrane lá chegou, a situação de Madeira não era já das melhores. Mal sucedido que fora em vários ataques e principalmente na sua fracassada tentativa contra Pirajá, em 8 de novembro do ano anterior, vira-se também forçado a abandonar a posição da Ilha de Itaparica, para concentrar o grosso de suas forças na Capital, visto a iminência, em que se achava, de um sítio rigoroso por terra e por mar.

Reconhecendo ulteriormente o seu erro, quis reconquistar a posição que ineptamente abandonara, mas foi completamente batido nos seus três sucessivos ataques de 6, 7 e 8 de janeiro de 1823 [34].

GUERRA DA INDEPENDÊNCIA - Encontro naval de 4 de maio

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Encontro naval de 4 de maio

A 1º de maio avistou a Esquadra Brasileira as costas da Bahia e a 4 a frota portuguesa a sotavento, em linha de combate [35]. Cochrane não se intimidou com a superioridade numérica do inimigo e, aproveitando-se de uma interrupção que observou na linha adversária, limitou-se a combates parciais, atacando separadamente a fragata Constituição, que lhe respondeu com dois tiros e retirou-se bastante danificada; e a mais três navios que corresponderam aos seus ataques com certo vigor.

Não lhe acudindo, porém, com a necessária urgência, os outros navios, ao passo que o almirante português correu logo com o resto da esquadra a socorrer as unidades em apuros, retirou-se para o Morro de S. Paulo, onde fundeou. Depois de sindicar dos motivos que impediram de vir em seu auxílio os navios ficados em atraso, tratou de reorganizar prontamente a esquadra, de modo a aumentar-lhe a capacidade e força combatente.

Começaram logo os trabalhos de aprisionamento das embarcações que, carregadas de mantimentos, vinham de Cabo Verde, do Maranhão, de Buenos Aires e do Espírito Santo, para abastecerem a Capital, e que eram recolhidas ao porto do Morro de S. Paulo, que fortificou convenientemente [36].

Deposição e prisão de Labatut

É justamente nesta ocasião que as discórdias entre Labatut (o bravo general que alcançara a vitória de Pirajá a 8 de novembro - e a de Itaparica, a 7 de janeiro de 1823) e a oficialidade brasileira se agravam irremediavelmente, devidas sobretudo ao desamável caráter daquele general - tão arbitrário e desumano, quanto imoral e prepotente.

Em conseqüência, viu-se ele assediado pela mais opressora antipatia, por parte, não só dos seus camaradas do Exército, como dos próprios soldados, como da população civil das vilas do Recôncavo.

Chegando ao seu conhecimento que contra sua autoridade se tramava uma conspiração, chefiada pelo coronel Felisberto Gomes Caldeira, tentou prontamente jugulá-la antes de produzir seus efeitos; e por ofício de 19 de maio, no qual não deixava transparecer seus pérfidos desígnios, ordenou àquele coronel que, às 8 horas do dia seguinte, comparece no quartel do tenente-coronel José de Barros Falcão, para tomar conhecimento de instruções que tinha recebido do Rio.

Felisberto, obedecendo à ordem recebida, dirigiu-se ao quartel indicado no ofício, e aí foi preso, remetido para a Ilha de Itaparica e encerrado incomunicável no Forte de São Lourenço. Por nomeação do general, substituiu-o, no comando da brigada que chefiava, o coronel Anthero José Ferreira de Brito.

Não pararam aí as providências tomadas por Labatut; destituiu do comando da Artilharia da mesma brigada o major José Pedro de Alcântara, dando-lhe por substituto o major António Cardoso Pereira de Mello, e mandou prender o governador das Armas do Ceará, coronel Joaquim Pires de Carvalho de Albuquerque, nomeado para esse cargo pelo Governo Imperial.

O resultado, porém, de tantas e tão façanhosas violências, foi promover uma reação igual e contrária por parte da brigada do coronel Felisberto, cuja resoluta oficialidade o prendeu, e mais a seu impertinente secretário, dr. Cambucy do Valle, os quais foram depois remetidos para Maragogipe e de lá para o Rio.

O Governo da Cachoeira, enquanto não chegavam do Governo Imperial instruções a respeito, nomeou o coronel José Joaquim da Silva para o comando supremo das forças de terra, que ele cuidou logo de reorganizar com a máxima proficiência, comunicando ao almirante Cochrane as disposições em que se achava de agir sempre de acordo com ele, no intuito de apertar cada vez mais o bloqueio estabelecido contra Madeira.

Este, em fins de maio, já tinha confessado, em Proclamação aos Bahianos, que a crise era séria, por falta de mantimentos de boca, que não entravam, pois os que tinham chegado de Portugal, por essa ocasião, mal bastavam para sustentar escassamente a numerosa guarnição de terra e mar e os hospitais de sangue.

GUERRA DA INDEPENDÊNCIA - Combate naval de Olaria (22 de maio de 1823)

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Feito naval de Olaria

A 22 de maio dá-se o combate naval de Olaria entre 3 canhoneiras da Flotilha de Itaparica, sob o comando do 1º tenente João Francisco de Oliveira Botas, e 7 canhoneiras portuguesas, sendo estas derrotadas e promovido o oficial brasileiro que dirigiu a ação ao posto de capitão-tenente, por ato do almirante Cochrane.

Uma nova proeza de Cochrane que, na noite de Santo António, só com a nau capitânia, a fragata Ipiranga, e a corveta Maria da Glória, penetrara por entre a Esquadra Lusitana, acabou por desanimar completamente o até então impassível e obstinado general Madeira. Foi aí que ele resolveu permitir que uma deputação de negociantes e capitalistas fosse até o acampamento brasileiro, pedir garantias de vida e de propriedade, caso a capital caísse em seu poder, ao que Lima e Silva respondeu, dando-lhe todas as seguranças a tal respeito, conforme as instruções baixadas pelo Governo do Rio de Janeiro.

Retirada de Madeira. Evacuação da Bahia

A 20 de junho, convocou o governador português um conselho de sua oficialidade, para se deliberar sobre a solução que a crise reclamava com urgência; tendo a maioria opinado que se evacuasse a Praça quanto antes, sem hostilizar de novo as forças inimigas o que prontamente se começou a fazer.

Além dos seus 30 navios de combate, foram aparelhados 41 navios mercantes, para os quais começaram a passar-se os portugueses civis que, temerosos da sorte provável que os aguardavam na Bahia depois da vitória dos independencistas, preferiram acompanhar a Esquadra, de regresso para a Europa.

Sabendo Lima e Silva e Cochrane do que ocorria no campo adverso, intimaram Madeira, por escrito, e em tom peremptório e ameaçador, a que capitulasse antes de se retirar. Mas o orgulhoso, o energúmeno cabo de guerra não deu ouvidos à dupla intimação recebida; embarcou os seus últimos soldados e pela manhã de 2 de julho fazia-se de vela.

Cochrane, convencido de que não podia, com a sua Esquadra, enfrentar, numa luta generalizada, a do inimigo, acompanhou-a de longe, esperando uma ocasião propícia para atacá-la parceladamente, o que aconteceu à noite, apoderando-se do brigue de guerra Promptidão, com 70 praças de linha; da galera Leal Português, com 244; da charrua Conde de Peniche, com 165; e da Pizarro, com 134, além de outras embarcações a cujo bordo regressavam numerosas famílias.

A Niteróe seguiu o restante da Esquadra até a foz do Tejo; e Madeira, lá chegando, viu-se coberto de opróbrio e purgou, nos tenebrosos cárceres do constitucionalismo lusitano, a sua intransigente fidelidade ao regime, o seu desinteresse pessoal, a sua rara abnegação, o seu extremado amor à disciplina.

Pela manhã de 3 [37], observando Cochrane que o transporte armado Grão-Pará se apartava do comboio, com rumo para o Norte, suspeitou de suas intenções, perseguiu-o e aprisionou-o. Os papéis achados a bordo confirmaram plenamente suas suspeitas: ia ele em socorro ao Maranhão, onde o elemento reinol perdia terreno e achava-se em grave perigo diante da enérgica reação nacionalista que se operava na capital e nas vilas mais importantes da província.

Logo que o Exército da Independência entrou na capital, para lá se transferiu a patriótica Junta da Cachoeira, que a 6 de julho dirigiu uma ardente Proclamação aos Povos e fez ao Governo do Rio a grata comunicação dos últimos sucessos.

Lorde Cochrane no Maranhão. Rendição desta Praça. Adesão do Pará

Cochrane, depois de ter mandado recolher a Pernambuco e à Bahia as presas realizadas, seguiu imediatamente para o Maranhão, onde, para iludir a guarda do porto, arvorou a bordo da capitânia o renegado pavilhão dos lusos; apreendeu o brigue de guerra São Miguel, que viera à fala fora da barra, e, notificando ao partido português a notícia da evacuação da Bahia, ameaçou-o com a poderosa esquadra que vinha seguindo de longe a nau almirante.

Aterrada, a Junta Provisória entregou-lhe a Praça a 27 e o marujo rapace apoderou-se de pronto de uma escuna de guerra fundeada em frente à Ilha de São Luís e vários navios mercantes, oferecendo aos respectivos soldados e tripulações serviço no Exército e na Armada Brasileira e fazendo retirarem-se para Portugal, em embarcações propositalmente fretadas, aqueles que preferiram voltar para o seu país de origem.

A pacificação estendeu-se da capital ao interior da Província, rendendo-se a 1º de agosto Caxias - o último reduto onde o partido português ainda combatia contra nossa Independência.

Do Maranhão, despachou Cochrane para o Pará seu ajudante, capitão João Pascoe Grenfell, a bordo do São Miguel (já denominado Maranhão), a fim de conseguir a pacificação dessa província, usando pouco mais ou menos do mesmo estratagema que de tão bom resultado fora em relação àquela. E efetivamente os homens principais de Belém assinaram um termo, confiando-se à magnanimidade do imperador e aderindo à causa nacional triunfante.

O ajudante Grenfell mandou então prender ao general José Maria de Moura e mais oficiais portugueses de patente superior e os remeteu para Lisboa em companhia das tropas que comandavam, fretando para seu fácil transporte vários navios mercantes. Formou-se uma Junta Provisória, contar a qual se insurgiram pouco depois os descontentadiços, que os há em todas as épocas; a revolução estalou e Grenfell reprimiu-a, praticando, por solicitação daquela Junta, atos de uma crueldade tão revoltante como inútil.

Já antes da insurreição explodir às claras, tinha ele feito fuzilar, sem forma alguma de processo, por simples ordem verbal sua, dois sargentos, dois soldados e o porteiro do Arsenal de Marinha; tão depressa, porém, o surto revolucionário manifestou-se (e ele mesmo, quando certa noite se aproximava do escaler que devia conduzi-lo a bordo, foi apunhalado pelas costas, por um marinheiro português da tripulação do brigue General Noronha, e que conseguiu evadir-se), desembarcou, a 16 de outubro, forças navais e terrestres, deu combate à sedição, restaurou a Junta deposta e, não tendo onde recolher os numerosos prisioneiros caídos em seu poder, mandou-os encerrar no porão do pontão Diligente, depois Palhaço.

Desesperados ante a falta de ambiente e de espaço para respirarem e moverem-se, tentaram invadir a coberta da embarcação, pelo que o comandante da escolta que os guardava, segundo-tenente Joaquim Lúcio de Araújo, mandou disparar contra eles uma descarga de fuzilaria, a pretexto de amedrontá-los, e fechar as escotilhas do porão.

A princípio, diante daquele gesto desumano, os enterrados-vivos protestaram com extrema violência, fazendo espantosa algazarra que foi esmorecendo pouco a pouco, até cessar completamente. No dia seguinte, ao abrirem cuidadosamente uma das escotilhas - horrível espetáculo se deparou aos olhos do comandante e seus soldados - com exceção de quatro indivíduos que ainda respiravam, embora com dificuldade - todos os outros tinham morrido, asfixiados pela falta de ar, sufocados pelo calor e pela sede, ou exauridos pelo sangue que dos ferimentos recebidos lhes borbotava sem parar. Muitos, atacados de loucura súbita, mutuamente se despedaçaram no frenesi da luta sanguinária [38].

Destes excessos, Grenfell tratou de justificar-se perante um Conselho de Guerra que requereu no Rio, logo que para lá voltou. VARNHAGEN e RIO BRANCO atenuam, ou antes, desculpam francamente sua covarde conduta contra tantos homens inermes, reduzidos à impotência pela prisão e pela derrota; e desculpam-no por ter sido ele apenas um mero executor das ordens da Junta Provisória, conforme documentos oficiais que estampam [39].

Isso, porém, não o absolve da culpabilidade que lhe cabe em grande parte; senhor absoluto da força de terra e mar, podia escusar-se de cumprir ordens a que nem um militar é obrigado perante as leis de guerra, tal a sua ilegalidade, tal a barbaridade de que desumanamente se revestiram. O episódio dantesco do porão do Diligente é uma eterna mácula a poluir as glórias navais do intrépido marinheiro inglês.

A Cisplatina

Ao mesmo tempo que dispunha e enviava socorros de todo o gênero para libertar a Bahia, não olvidava José Bonifácio que era indispensável atender à situação política dos contérminos meridionais do Império. A sorte da Cisplatina também o preocupava ativamente.

A Junta que governava em Montevidéu, sob o título de Conselho Militar, era dominada pela vontade autocrática do vice-presidente respectivo, o general português d. Álvaro da Costa de Sousa de Macedo, embora seu presidente legal, o general Lecór, fosse partidário da causa nacionalista brasileira e afeiçoado particularmente a d. Pedro.

Imitando o procedimento do general João Carlos de Saldanha, que resignou o posto de presidente da Junta Governativa do Rio Grande do Sul, por entender  que esta não devia separar-se da união portuguesa e não devia, portanto, dar cumprimento ao decreto que convocava uma Assembléia Legislativa no Brasil - d. Álvaro insurgiu-se contra esse decreto, e a Junta de Montevidéu, sob a pressão de sua discricionária influência, acompanhou-o na sua resolução, por grande maioria.

O presidente deu-se pressa em comunicar o fato ao Governo do Rio; e o príncipe, em resposta, dissolveu a Junta ou Conselho Militar, investiu Lecór nas funções de autoridade suprema da província e determinou-lhe que concedesse baixa, sem espécie alguma de formalidade, a quanto inferior ou soldado a solicitasse [40].

D. Álvaro e seus aliados declararam resistir ao decreto e promoveram o levantamento da Divisão Portuguesa contra o presidente da Junta dissolvida e que era também o comandante das Armas. Lecór, a fim de melhor se preparar para a luta que se ia travar, abandonou Montevidéu e recolheu-se a Canelones, a 11 de setembro, de onde dirigiu aos povos da província e às tropas brasileiras uma proclamação, concitando-os a acatar sua autoridade e a reconhecer a regência de d. Pedro e prestar-lhe franca obediência.

Toda a Força Brasileira acompanhou-o sem hesitação, retirando-se da capital; e grande parte dos habitantes civis da província, tendo à frente Fructuoso Rivera, correram a aderir a Lecór, por lhes ser mui preferível a sujeição a um governo americano, que lhes ficava mais próximo e ao qual os prendiam tradições comuns, do que o domínio de um velho e anarquizado país remoto, como era Portugal.

Além da população civil da capital, manifestaram-se a favor da causa do Brasil a Colônia do Sacramento, São José, Maldonado, Cêrro Largo e outras dentre as mais importantes da Cisplatina.

Cortou Lecór ao inimigo todas as comunicações com o interior do País, e logo d. Álvaro, a quem o Governo do Rio suspendeu o pagamento do soldo e etapa devidos às tropas sob seu comando, sentiu a insustentabilidade de sua posição militar, visto que os víveres lhe iam faltando dia a dia.

Recorreu, pois, em desespero de causa, ao general Madeira, que já lutava na Bahia com dificuldades recrescentes para manter-se, pedindo-lhe, ou socorro eficaz, ou navios a cujo bordo se passasse com as Forças da Divisão para aquela província, onde poderia auxiliá-lo na sua campanha contra os independencistas [41].

Afinal, depois de uma inútil resistência de 17 meses, ao ter conhecimento da evacuação da Bahia pelo general Madeira, resolveu capitular a 18 de novembro de 1823, embarcando-se para a metrópole portuguesa com a sua Divisão de Voluntários Reais [42].

Já então José Bonifácio não era ministro, decaíra das boas graças do imperador ingrato e leviano, ia ser expulso da Pátria de que fora o principal fundador, e a Assembléia Constituinte, cuja convocação determinara a luta civil na Cisplatina, fora dissolvida por um decreto prepotente daquele mesmo que a tinha convocado.

***

[...]


NOTAS:

[1] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., págs. 51 a 52.

[2] MELLO MORAES - Obr. cit., 1º vol., pág. 411, col. 2ª.

[3] VARNHAGEN - Obr. cit., págs. 227 a 228.

[4] Idem, ibidem, pág. 228, nota 19.

[5] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., pág. 58.

[6] VARNHAGEN - Obr. cit., pág. 228, nota 19.

[7] Idem, ibidem, pág. 222.

[8] Idem, ibidem, pág. 228.

[9] Idem, ibidem, pág. 214.

[10] Collecção de Leis do Império do Brasil, 1º vol., pág. 19 a 20.

[11] Collecção de Leis do Império do Brasil, 1º vol., págs. 24 a 25.

[12] Obra citada, pág. 231.

[13] Idem, ibidem.

[14] MELLO MORAES transcreve na Hist. das Constituições (págs. 419 a 422) as longas notícias que das festas da coroação imperial deram O Espêlho e a Gazeta do Rio e que aqui resumimos.

[15] Obra citada, pág. 233.

[16] Idem, págs. 48 a 49.

[17] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. 1º, pág. 422, col. 2ª.

[18] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., pág. 57.

[19] Collecção de Leis do Império do Brasil, vol. 1º, pág. 37.

[20] VARNHAGEN - Obr. cit., págs. 231 a 232 (nota 2).

[21] Collecção de Leis do Império do Brasil, vol. 1º, pág. 48.

[22] Idem, ibidem, pág. 55.

[23] Collecção de Leis do Império do Brasil, vol. 1º, pág. 67.

[24] Idem, ibidem, pág. 57.

[25] Nota de RIO BRANCO à Hist. da Indep. (pág. 241).

[26] Idem, ibidem.

[27] Leis do Império do Brasil, 1º vol., pág. 95.

[28] E não segunda, como diz RIO BRANCO (nota 17 à Hist. da Indep., pág. 241), pois, como ele mesmo assevera adiante (nota 23, pág. 370), a expedição de agosto do ano anterior foi a segunda. Houve três expedições: a de agosto de 1822, a de outubro do mesmo ano e a de abril de 1823. VARNHAGEN refere-se a uma quarta expedição, chegada à Bahia em fins de abril.

[29] Nota 25 a VARNHAGEN, Hist. da Indep., págs. 370 a 371.

[30] Obra citada, págs. 375 a 376.

[31] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, pág. 785 e notas 2 e 4. MATOSO MAIA (Lições de Hist. do Brasil, pág. 279, nota 1) diz que os brigues se chamavam Guarany e Real. RIO BRANCO (Ephemérides, pág. 332) registra um brigue com o nome de Bahia.

[32] Collecção de Leis do Império do Brasil, vol. 1º, pág. 140.

[33] Os historiadores divergem quanto a esta data. ROCHA POMBO (obr. e vol. cits., pág. 785) diz que a partida foi a 2 de abril; VARNHAGEN (obr. cit., pág. 377) e JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (Lições de Hist. do Brasil, pág. 338) dão-na a 3, acompanhando ARMITAGE (edição paulista, pág. 49); e PEREIRA DA SILVA (obr. cit., vol. 7º, pág. 69), que o PADRE GALANTI segue (vol. IV, pág. 176), afirma que foi a 7.

[34] MATOSO MAIA - Obr. cit., pág. 281.

[35] ROCHA POMBO narra que a Divisão Brasileira apresentou-se em frente à barra da Bahia, a 25 de abril; e, depois de reconhecer a frota inimiga, fez-se de vela para o mar, tendo ordenado Madeira à sua esquadra que a perseguisse, o que se tornou impossível devido a um acidente qualquer que retardou o ataque. Só a 30 é que João Felix saiu em perseguição da Frota Brasileira, que avistou a Portuguesa a sotavento no dia seguinte - 1º de maio, travando-se então os combates parciais a que no texto nos referimos (Obr. cit., vol. cit., pág.s 785 e 786). VARNHAGEN, divergindo, conta-nos que a 1º de maio é que a nossa Esquadra avistou a costa bahiense e que a 4 é que Cochrane descobriu a sotavento a esquadra inimiga, atacando-a por um interstício que verificou existir na respectiva linha de combate, conforme expusemos no texto acima (Obr. cit., pág. 377).

[36] ROCHA POMNBO - Obr. cit., vol. cit. pág. 786.

[37] VARNHAGEN se refere, com evidente incongruência, ao amanhecer de 2 (Obr. cit., pág. 382).

[38] VARNHAGEN -  Obr. cit., págs. 499 a 500; MATOSO MAIA - Obr. cit., pág. 282.

[39] Obra citada, págs. 499 e 500, nota 14.

[40] PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., vol. 6º, págs. 94 a 96; PADRE GALANTI - Obr. cit., vol. IV, pág. 152.

[41] PADRE GALANTI - Obr. cit., vol. IV, pág. 161.

[42] MATOSO MAIA - Obr. cit., pág. 283.

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