SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!
Capítulo III - Fundação do império
Reorganização da Esquadra. Almirante Cochrane
ão
descansava, entretanto, José Bonifácio nos seus ingentes esforços de organizar uma esquadra de guerra mais eficiente pela sua homogeneidade, pelo
seu valor e pela reputação técnica do marinheiro a quem devesse confiar o respectivo comando.
Era preciso liquidar o caso da Bahia, antes que de Portugal chegassem novos reforços bélicos, e,
ao mesmo tempo, aparelhar-se para defender a obra da Independência contra qualquer futura tentativa recolonizadora da ex-Metrópole.
Achava-se por esse tempo, a serviço do Chile, lorde Alexandre Thomás Cochrane, que de tantas
glórias se cobrira nas campanhas navais pela emancipação política daquele país. Sabendo José Bonifácio que o intrépido ex-oficial da Marinha
Britânica andava, por motivos de ordem privada, assaz queixoso do governo chileno, mandou, por ofício de 13 de setembro de 1822, que o nosso cônsul
em Buenos Aires, António Manuel Correia da Câmara, o convidasse para comandar a Esquadra Brasileira, convite que lhe foi feito por carta de 4 de
novembro e que Cochrane respondeu em carta datada de Valparaíso, em 29 do mesmo mês.
Almirante lorde Cochrane (depois marquês
do Maranhão)
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Lorde Cochrane
Ao contrário do que dizem vários historiadores, entre os quais OLIVEIRA LIMA
[1],
a resposta de Cochrane não foi aceitando o convite, mas prometendo apenas uma decisão formal depois que, em Buenos Aires, para onde logo partiria,
se tivesse entendido pessoalmente com Correia da Câmara sobre a proposta que recebera, reservando-se o direito de recusá-la.
O valente marinheiro, que só visava presas e proventos materiais, tinha,
entretanto, a audácia de prevenir, com singular hipocrisia, ao nosso cônsul, que sua recusa a aceder ao negócio se daria caso se tornasse repugnante
a sues princípios o lugar proposto, expondo-o a qualquer suspeita e ao mesmo tempo tornando-o indigno da confiança do imperador e da Nação
Brasileira [2].
A idéia de chamá-lo fora sugerida a José Bonifácio por
Felisberto Caldeira Brant Pontes (depois marquês de Barbacena), em carta escrita de Londres, em dia incerto de maio ou junho
[3]. Em
sua companhia trouxe Cochrane oficiais de reconhecida bravura, tais como Grenfell, Croosby e Shepper, que muito o coadjuvaram na sua árdua tarefa
[4].
Vinha vencendo 12.000 pesos anuais, acrescidos de mais 6.000, quando embarcado, além de 60.000
patacões que o Chile lhe não quisera pagar e pelos quais o Brasil se responsabilizou.
Deu-se-lhe o posto de primeiro almirante, com o compromisso formal de prestar-nos
seus serviços até o reconhecimento de nossa independência por parte de Portugal [5].
As vilas do Recôncavo, com o Governo Provisório da Cachoeira à frente, continuavam em sua denodada
resistência às forças do general Madeira; e a chegada dos primeiros recursos enviados pelo regente tinha estimulado vigorosamente a brava atitude
dos patriotas baianos. Não obstante as divergências havidas entre as tropas de terra e seu comandante, o general Labatut, que foi afinal deposto e
preso, prosseguiam os revolucionários na luta contra a ex-metrópole. Quase toda província estava revoltada; e Madeira achava-se como que insulado
apenas em São Salvador, de maneira que, com as dificuldades, cada vez maiores, de comunicações com as outras localidades, via ele reduzido dia a dia
o abastecimento de víveres necessários à sustentação da Praça.
Felisberto Caldeira Brant (marquês de
Barbacena)
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Instituição da Bandeira. Escudo d'Armas. Laço Nacional
Enquanto, porém, tratava da reorganização das forças de terra e
mar, de que precisávamos, para jugular a dominação portuguesa ao Norte, cuidava o primeiro-ministro de expedir os atos iniciais indicadores de nossa
nascente soberania como pátria independente. É assim que no dia 18 de setembro [6],
e não a 17, como informa erradamente VARNHAGEN [7],
foi expedido o decreto instituindo a Bandeira Nacional e o Escudo d'Armas, "não só para que se
distingam dos de Portugal e Algarves até agora reunidos, mas que sejam característicos deste rico e vasto continente".
Desejando, porém, d. Pedro, que se conservassem as Armas dadas ao Brasil por d. João Vi, a 13 de
maio de 1816, e ao mesmo tempo rememorar o primeiro nome que teve este país - Santa Cruz -, foi determinado pelo dito decreto que o Escudo
seria "em campo verde, uma Esfera Armilar de ouro atravessada por uma Cruz da Ordem de Cristo,
sendo circundada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul; e firmada a Coroa Real diamantina sobre o Escudo, cujos lados serão
abraçados por dois ramos das plantas de Café e Tabaco, como emblemas de sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na parte
inferior pelo Laço da Nação".
Quanto à Bandeira, compor-se-ia de um paralelogramo verde, inscrito nele um
quadrilátero romboidal cor de ouro, ficando no centro deste o Escudo das Armas. Na mesma data, baixou-se outro decreto, criando o novo Laço, ou Tope
Nacional Brasiliense, "composto das cores emblemáticas - verde de primavera e amarelo d'oiro"
e a Divisa voluntária dos Patriotas do Brasil, constituída de uma flor verde no braço esquerdo, dentro de um ângulo d'ouro, e destinada ao uso dos
que jurassem o desempenho da legenda - Independência ou Morte - lavrada no referido ângulo
[8].
A criação deste Laço ou Tope sugere-nos uma nova reflexão tendente a corroborar o pensamento dos
que entendem que, quando d. Pedro partiu para S. Paulo, a idéia da Independência tinha ficado resolvida nos altos Conselhos Governamentais da Corte.
De fato, na noite de 7 de setembro, as senhoras e os cavalheiros presentes na Ópera ostentavam nos colos, nos cabelos e nos braços laços de fita das
cores verde e amarela.
Como surgiria a idéia da adoção de tais cores? Quem a teria lembrado? Os cronistas do tempo, as
testemunhas de vista dos sucessos, nada nos contam a respeito; mas é lógico supor-se que se tratava de matéria já discutida no Rio com o futuro
imperador e que este a trouxera consigo, como trouxera o nome da Divisa e o Hino da Independência...
BANDEIRA DO IMPÉRIO DO BRASIL
Instituída por decreto de 18 de setembro
de 1822, referendado por José Bonifácio.
Substituída pela Bandeira da República, a
19 de novembro de 1889
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Anistia geral
D. Pedro, fascinado pela superioridade mental e pela grandeza moral de José Bonifácio,
desempenhara cabalmente em S. Paulo o papel que lhe fora acertadamente distribuído pelo insigne estadista. Ainda no mesmo dia, um outro decreto
outorgava anistia plena, "para todas as passadas opiniões políticas",
até a data dele, excluídos todavia "aqueles que já se acharem presos e em processo".
Assim, pois, todos os portugueses europeus ou brasileiros, que quisessem aderir à
nova ordem de coisas e defendê-la, deveriam usar a Divisa Nacional decretada; e os que o não quisessem, deveriam sair do lugar de sua residência
dentro de 30 dias, e do Brasil dentro de 4 meses (para as cidades centrais) e de 2 meses (para as marítimas), ficando obrigados a solicitar do
Governo os respectivos passaportes. Os que atacassem, por escrito, ou oralmente, o sistema novamente fundado, seriam processados sumariamente e
punidos com todo o rigor como réus de lesa-nação [9].
Eleição de deputados pelo Rio
A 22 de setembro, o Senado da Câmara da Corte, sob a presidência de José
Clemente Pereira, procedeu à apuração das eleições de deputados à Assembléia Constituinte e Legislativa pela Província do Rio de Janeiro. Saíram
eleitos: o bispo capelão-mor d. José Caetano da Silva Coutinho, José Egydio Álvares de Almeida (barão e depois marquês de Santo Amaro), Manuel
Joaquim Nogueira da Gama (depois marquês de Baependi), Manuel José de Souza França, António Luís Pereira da Cunha (depois marquês de Inhambupe), dr.
Jacintho Furtado de Mendonça, dr. Agostinho Goulão e Joaquim Gonçalves Lêdo [10].
Os suplentes mais votados foram Martim Francisco, então ministro da Fazenda, e
dr. José Joaquim Carneiro de Campos, mais tarde marquês de Caravelas, os quais substituíram, respectivamente, os dois últimos efetivos, que não
chegaram a tomar assento. VARNHAGEN, na sua obsidente preocupação de agredir, com e sem propósito, a José Bonifácio, diz, contar a verdade dos
fatos, que Gonçalves Lêdo, perseguido pelo ministro e exilado, foi eleito pelo povo carioca em sinal de protesto contra as violências que sofreu por
parte do governo. Ora, as eleições se realizaram em setembro e foram apuradas a 22 desse mês; e as perseguições a que se refere VARNHAGEN, e que
levaram Lêdo a expatriar-se voluntariamente, só se deram depois de 30 de outubro, isto é, após a reintegração dos Andradas no Ministério
[11].
Suspensão da devassa paulista
No dia seguinte ao ato apurador, 23, o príncipe regente, "querendo
corresponder à geral alegria desta cidade, pela nomeação dos deputados para a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que há de lançar os
gloriosos e inabaláveis fundamentos do Império do Brasil", mandou, por decreto referendado
pelo ministro da Justiça, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, que cessasse, ficando de nenhum efeito, a devassa a que se estava procedendo em S.
Paulo pelos sucessos de 23 de maio e outros que se lhe seguiram [12].
Daí a dois dias, José Bonifácio mandava ao Governo de S. Paulo uma portaria,
ordenando-lhe que remetesse ao Ministério do Reino a devassa no estado em que se achasse, "ficando
as pessoas nela compreendidas debaixo da mais rigorosa vigilância da polícia, e igualmente aquelas que, pelo mesmo motivo, haviam sido mandadas
retirar para fora da Cidade de S. Paulo, procedendo-se contra elas na conformidade das Reais Ordens expedidas pela portaria de 22 do corrente quando
os seus futuros procedimentos exigirem iguais medidas"
[13].
Vê-se bem que José Bonifácio não fora consultado quanto à matéria daquele decreto e procurara
atenuar-lhe os efeitos com a portaria expedida ao Governo Provisório de S. Paulo, recomendando-lhe constante vigilância sobre os anistiados e
procedimento criminal contra eles, caso dessem ulteriormente motivos para isso.
VARNHAGEN chega a afirmar que, por causa desse decreto, os Andradas pediram
demissão de ministros, no que foram obstados pelo príncipe, que lhes deu a propósito francas explicações
[14].
Podia se tratar de um ato de espontânea magnanimidade de d. Pedro que, através de seus desvarios e
assomos de orgulho descomunal, era fértil na prática de generosas ações; mas podia ser também que o Grande Oriente, empenhado em alijar do poder o
seu ex-grão-mestre, houvesse influído decisivamente na resolução tomada pelo príncipe, aproveitando-se do entusiasmo ingênuo de que se achava ele
possuído pela sua elevação à Suprema Chefia da Ordem, e da sua inexperiência política e pouca idade.
Parece-nos que a última suposição é mais aceitável, porque, desde aí, compreendendo o
primeiro-ministro os perigos a que o futuro imperador andava exposto ao lado de José Clemente Pereira e Gonçalves Lêdo, acolitados por seus
incondicionais partidistas, começou a desenvolver uma justa guerra ao Grande Oriente, cautelosa e moderada ao princípio e ostentosa e implacável
finalmente.
VARNHAGEN [15],
citando de falso, como quase sempre, e apoiando-se nos infiéis extratos das atas maçônicas, publicadas por MELLO MORAES e republicados anos depois
por PEREIRA DA SILVA, assevera que, nessa ocasião, isto é, após o decreto de 23 de setembro, é que o Grande Oriente deliberou eleger d. Pedro para
seu grão-mestre, arrancando o respectivo malhete das mãos de José Bonifácio, subitamente e sem aviso prévio. Mas RIO BRANCO, nas notas a que já nos
referimos, e mais na que, sob número 29, insere à página 194 da História da Independência, desfaz por completo essa inexatidão, provando que
a eleição se realizara enquanto o príncipe se encontrava em nossa província.
A portaria de 22 de setembro, de que faz menção o ministro do Reino na de 25, relativa à suspensão
da devassa, prende-se a um acontecimento ocorrido em nossa terra. A 8, no dia seguinte àquele em que o príncipe subiu de regresso para esta Capital,
apareceu afixada em uma das esquinas do Pátio da Matriz uma proclamação subversiva, cujos termos não se conhecem, mas que foi atribuída, com
fundamento talvez, ao chefe de esquadra Miguel José de Oliveira Pinto e ao coronel Francisco Ignácio de Sousa Queirós, ambos desterrados para Santos
por ordem do regente.
O governador militar da Praça, o terrível tenente-coronel Aranha, prendeu-os e
comunicou a ocorrência ao Triunvirato Provisório, que resolveu remeter os presos para o Rio, e em tal sentido oficiou, a 14, ao Governo Geral,
pedindo-lhe instruções. José Bonifácio, em nome do príncipe, mandou que os aludidos presos fossem enviados imediatamente para a Corte, a bordo do
brigue que se achava então no porto de Santos ou em qualquer outra embarcação que saísse primeiro. E determinou mais que se prosseguissem nas
precisas averiguações para se conhecer ao certo quem era o autor ou autores da proclamação
[16].
Procede daí a confusão de vários historiadores, que dizem ter d. Pedro, quando estava em S. Paulo,
ordenado ao coronel Francisco Ignácio que se retirasse para o Rio, o que ele fizera a bordo de um brigue de guerra surto no porto de Santos. No dia
imediato à expedição dessa portaria, baixava o príncipe o decreto concedendo anistia geral, sem ouvir sequer o chefe de seu governo.
Ainda a 25 de setembro, tendo em vista o grande número de habitantes da província fluminense que
acorreram voluntariamente a alistar-se para a defesa da Pátria, baixou o príncipe, pela Pasta da Guerra, de que era titular Luís Pereira da Nóbrega
de Sousa Coutinho, um decreto organizando uma Guarda Cívica, "cuja duração penderá das
circunstâncias que lhe deram origem".
Além de um Estado-Maior constituído de um primeiro e de um segundo comandante,
de um ajudante e um secretário, compor-se-ia ela de quatro batalhões de infantaria, divididos em quatro companhias cada qual, com um efetivo de 1512
praças e oficiais, armados de espingarda e canana, e de dois esquadrões de cavalaria, divididos em duas companhias cada um, com um efetivo de 202
soldados e oficiais, armados de espada e pistola. Incumbia-lhe fazer a guarda do Paço e dos diversos estabelecimentos públicos e devia reunir-se - o
1º Batalhão, na Praça da Constituição; o 2º, no Largo do Capim, o 3º, no Largo do Paço; o 4º, no Largo da Ajuda; o 1º Esquadrão no Campo de
Sant'Anna e o 2º, no Largo da Lapa [17].
Aclamação de d. Pedro 1º, no palacete do
Campo da Aclamação
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Aclamação
Ativaram-se, entretanto, os preparativos para a cerimônia da Aclamação a 12 de outubro, data em
que o jovem monarca fazia 24 anos. Ao raiar desse dia, salvaram os navios de guerra surtos no porto, que embandeiraram em arco, e as fortalezas da
barra, de acordo com os regulamentos militares em vigor. Ao troar da artilharia, começou o povo a mover-se pela cidade, encaminhando-se para o Campo
de Sant'Anna, onde se realizaria a solene cerimônia.
O dia, que amanhecera banhado por um esplêndido sol de primavera, fora pouco a pouco se anuviando;
e bátegas d'água, de quando em vez, caíam violentas, inundando as ruas e dispersando momentaneamente a multidão, que logo voltava ao local
designado.
Às 9 horas precisas, deram entrada no Campo duas brigadas da 1ª e da 2ª Linha do Exército,
comandadas respectivamente pelo brigadeiro José Maria Pinto Peixoto e pelo coronel Lázaro José Gonçalves.
A primeira compunha-se de dois esquadrões de Cavalaria, 3
bocas de fogo das brigadas de Artilharia a cavalo, o Batalhão de Caçadores da Corte, o de Granadeiros, o 1º e 2º Regimentos de Infantaria de
Milícias e o 3º Batalhão de Fuzileiros. Formavam a segunda um esquadrão de Cavalaria de S. Paulo, 3 bocas de fogo, o Batalhão de Caçadores dos
Henriques, de Pernambuco, o Regimento de Caçadores de S. Paulo, o 1º e o 2º batalhões de Fuzileiros, o 3º e o 4º regimentos de Infantaria de
Milícias, e o Esquadrão de Cavalaria de Minas [18].
O comandante geral das forças era o governador das Armas, tenente-general Joaquim Xavier Curado
[19].
As janelas e varandas das casas residenciais do Campo e suas imediações achavam-se ricamente
ornamentadas de seda de várias cores, sobressaindo o verde e amarelo, que era o tom preferido pelas damas para os vestuários com que compareceram ao
ato. As ruas, por onde o cortejo imperial tinha de passar e onde a população formava alas, estavam juncadas de folhas e das sacadas pendiam damascos
e festões de flores.
O palacete do Campo, que se construíra especialmente para a coroação de d. João
VI, em 1818, serviria agora para a aclamação de seu filho como imperador. Pelos quatro lados corria uma varanda feita de arcos entre colunas, que
uma balaustrada unia. A parte da frente formava uma saliência sustentada por três arcos dianteiros e dois laterais, menores - espécie de vestíbulo
com grades. Subia-se para o edifício por uma escadaria fronteira ao arco central, a qual conduzia à varanda externa, ao salão e a três quartos,
forrados de damasco e veludo carmesim, situados interiormente [20].
No teto do salão fora pintado o Escudo com as Armas do Império, a cores. Uma Guarda de Honra,
constituída exclusivamente de cadetes de Infantaria, em grande uniforme, achava-se postada em frente do palacete.
Às 10 horas da manhã, o imperador, a imperatriz e a princesa dona Maria da Glória deixavam o Paço
da Boa Vista, em caminho do Campo de Sant'Anna. Abria o cortejo a Guarda de Honra do Imperador, composta de jovens paulistas e fluminenses, sob o
comando do tenente-coronel Pereira da Gama Lobo, tendo por batedores dois exploradores e oito soldados da mesma Guarda.
Seguiam-se-lhes três moços de estribeira - um índio, um mulato e um negro -,
lembrança demonstrativa de que nem mesmo à organização dos detalhes do cerimonial foi estranha a intervenção de José Bonifácio, pois só ele tinha
mostrado até então sérias preocupações com o problema da cooperação das raças na formação da Pátria exsurgente. Ia depois o coche dos soberanos e
sua filha, puxado por oito cavalos, ladeado por quatro estribeiros e acompanhado de outro coche, conduzindo os dois camaristas a serviço de Suas
Majestades [21].
Quando o séqüito chegou ao local, chovia torrencialmente
[22];
mesmo assim, d. Pedro, dona Leopoldina e a princesa, acompanhados dos ministros d'Estado, que lá os aguardavam, dirigiram-se para a parte central da
varanda externa, debaixo das mais estrondosas ovações populares.
Nessa ocasião, aproximou-se deles o Senado da Câmara, coberto com seu
estandarte, que ostentava, bordadas ao centro, as novas armas da Nação; e o respectivo presidente, José Clemente Pereira, tomando a palavra, leu um
longo discurso, freqüentemente aplaudido pelos circunstantes, e ao qual d. Pedro respondeu nos termos textuais que seguem: "Aceito
o título de Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, porque, tendo ouvido o meu Conselho d'Estado e de Procuradores Gerais, e
examinado as representações das Câmaras das diferentes províncias, estou intimamente convencido de que tal é a vontade geral de todas as outras,
que, só por falta de tempo, não têm ainda chegado". A resposta do imperador, impressa em
avulso na Tipografia Nacional, foi, da varanda, espalhada profusamente pelo povo [23].
Após os prolongados vivas e aplausos que à Fala imperial se seguiram (havendo
pessoas que não puderam sopitar as lágrimas, tão emocionadas se achavam diante do grandioso espetáculo), a Artilharia deu uma salva de 101 tiros e a
Infantaria três descargas sucessivas.
O discurso de José Clemente Pereira, pela redação inconveniente que lhe fora dada, tinha turbado
profundamente o bom humor, a exaltada alegria de que José Bonifácio se achava possuído naquele dia. Na véspera, o Orador da Municipalidade, como era
e é de praxe nas solenidades oficiais de certo caráter, tinha ido mostrá-lo ao primeiro-ministro que, não lhe encontrando inconveniência alguma,
tanto do ponto de vista da forma como da substância, lhe dera a sua aprovação e assentimento, sem lhe apresentar nenhum retoque, emenda ou
supressão.
Qual não seria, portanto, a sua surpresa, ao ver que o discurso fora sensivelmente alterado pelo
autor e nele se faziam ataques injustos e agressivos à administração de d. João VI no Brasil - o que poderia melindrar o imperador, cuja ternura e
respeito por seu pai eram proverbialmente conhecidos de todos que com ele privavam.
Tal incidente fez José Bonifácio redobrar de cautela e vigilância em relação a
José Clemente Pereira, Lêdo e seus principais sequazes, cujas manobras tendenciosas se lhe antolhavam altamente suspeitas
[24].
Terminada essa parte preliminar da cerimônia, toda a tropa estendeu-se em alas, desde o Campo até
a Capela Imperial. Dona Leopoldina, tomando o coche, para lá se dirigiu, franqueando às senhoras que a acompanhavam as tribunas do lado da Epístola.
D. Pedro, apesar do mau tempo, preferiu fazer o trajeto a pé, sendo seguido da Guarda Cívica, de numerosas patentes militares de terra e mar,
magistrados, funcionários civis, a Municipalidade e grande concurso de pessoas de todas as classes. Das janelas atiravam-lhe braçadas de flores
senhoras e senhoritas.
Passou o deslumbrante séqüito por baixo de cinco vistosos arcos triunfais: o da Rua de S. Pedro,
dedicado à nova Pátria do imperador, e da altura de 12 metros; o da Praça da Constituição, dedicado ao Gênio Brasileiro, mais ou menos da mesma
altura; o da Rua do Ouvidor, ao sair no Largo de S. Francisco de Paula, dedicado ao amor conjugal, com 13 metros de altura; o da mesma rua, na
extremidade oposta, dedicado ao Comércio, e o da Rua Direita, dedicado à prosperidade do Brasil.
À porta da Capela recebeu-o o bispo capelão-mor, que lhe deu a beijar o Santo Lenho, aspergiu-o e
incensou-o. Entoou-se um Te Deum, findo o qual o ilustre prelado, seguido de todo o Cabido paramentado ricamente, introduziu na Capela do
Santíssimo Sacramento o imperador, que, depois de orar, ocupou o sólio que lhe fora preparado na Capela-Mor.
Terminadas as festividades religiosas, voltou d. Pedro, com as mesmas formalidades, ao Paço,
dando, por essa ocasião, a Artilharia mais 101 tiros e a Infantaria mais 3 descargas sucessivas. Houve solene beija-mão a que concorreram milhares
de pessoas.
À noite, compareceram Suas Majestades ao Teatro de São João, cuja iluminação interna e externa
fora excepcionalmente aumentada. Os antigos reposteiros do camarote real, já então camarote imperial, tinham sido substituídos por outros, em rica
seda, das novas cores do Escudo do Brasil. Escolheu-se para a récita um drama apropriado ao dia - Independência da Escócia.
Cantou-se "um novo hino patriótico, que a
todos agradou, ainda mais pelo entusiasmo que inspiravam as letras do que por sua harmoniosa música"
- noticiava e comentava o Espelho, de 18 de outubro. Eram naturalmente a música de Marcos Portugal e a poesia de Evaristo da Veiga, cujas
ardentes estrofes, principalmente o estribilho Brava gente brasileira causaram ótima impressão e logo se tornaram populares. Vários poetas
ofertaram ao imperante odes compostas especialmente em seu louvor.
Prosseguiram no dia seguinte as festividades, havendo na Capela Imperial um
ofício celebrado pelo bispo capelão e um eloqüente discurso de frei Francisco de Jesus Sampaio. À noite, além da iluminação dos edifícios públicos e
particulares, magnífica como a da véspera, houve novo espetáculo de gala no Teatro de São João, com a presença dos soberanos, representando-se o
drama D. José Segundo e fazendo-se ouvir os poetas da Corte em novas produções bordadas sobre o mesmo tema comemorativo
[25]. E
assim, durante vários dias consecutivos, a população expandiu-se no mais vivo júbilo em regozijo pelo acontecimento.
Por um decreto de 12 - o primeiro que assinou como imperador - perdoou d. Pedro
a todos os militares dos Corpos de Linha de todas as províncias o crime de primeira, segunda e terceira deserção simples, desde que se apresentassem
dentro do prazo de dois meses; e por outro do dia seguinte determinou qual o tratamento que se lhe devia dar nos papéis d'Estado, em virtude de sua
nova Dignidade [26].
A Aclamação em S. Paulo
Na Capital de S. Paulo houve também estrondosos festejos públicos em honra da Aclamação. A
Municipalidade mandou lavrar, em data de 30 de setembro, editais convidando o povo a associar-se às manifestações, quer civis, como religiosas ou
militares, e determinando luminárias por nove dias seguidos a partir do dia 12, edital esse que foi solenemente publicado pelo Porteiro do Senado,
na presença do juiz almotacé, Francisco de Paula Xavier de Toledo, e do escrivão do Conselho, João Nepomuceno de Almeida, todos a cavalo e vestidos
de capa e volta. Precedia-os uma guarda militar e uma banda de música e à frente do Bando alguns populares queimavam rojões.
Às 9 horas da manhã, de 12, achavam-se reunidos no Paço Municipal os membros do
Governo Provisório, convidado especialmente para a cerimônia, por ofício do dia 9, expedido pela Câmara; o Cabido da Sé
[27], o
cura da mesma igreja, António Marques; membros do clero regular; militares de todas as patentes e das diversas armas; professores; magistrados;
funcionários da administração civil e numerosos comerciantes e capitalistas.
Aberta a sessão de vereança pelo presidente Bento José Leite Penteado, e à qual tinham comparecido
o vereador atual, capitão José Mariano Bueno, os transatos, dr. Manuel Joaquim de Ornellas e capitão José de Almeida Ramos, e o procurador transato
capitão António José Vieira Barbosa, "foi por todos unanimemente acordado"
declararem a independência do Brasil dos reinos de Portugal e Algarves, protestando darem por ela a própria vida e, na conformidade do que fora
resolvido pelo Senado do Rio, aclamaram igualmente o príncipe regente como "Primeiro Imperador
Constitucional, como herdeiro imediato do Trono Português", e lhe juraram "obediência
e fidelidade debaixo da condição de que o mesmo senhor prestará previamente o solene juramento de jurar, guardar, manter e defender a Constituição
Política que fizer a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa Brasílica".
Resolveram mandar ao novo imperador uma deputação, portadora de uma cópia da ata aclamatória,
deputação essa de que ficariam encarregados os procuradores gerais da província, tenente-general Manuel Martins do Couto Reis e desembargador do
Paço António Rodrigues Velloso de Oliveira.
Terminado o ato, a tropa, que estava formada no Pátio de São Gonçalo, em frente ao Conselho, deu
as cargas do regimento, após os vivas que, de uma das janelas, soltou o presidente da Câmara, ao aclamado, e à Constituição. Uma banda de
música executou garbosamente uma vibrante peça militar.
Assinaram a ata dos trabalhos 278 cidadãos, havendo duas assinaturas de cruz - a
de Francisco Gomes Neto e a de António Jacintho Estrit. À noite houve profusa iluminação pública e particular, a velas de cera, e magotes de povo
percorreram jubilosamente as ruas, ao som das filarmônicas existentes [28].
No dia 13, o bispo diocesano solenizou o acontecimento com pontifical e sermão,
aos quais, além das diversas autoridades, compareceu incorporada a Câmara, coberta com seu estandarte
[29].
Mensagem das damas paulistas à imperatriz
Nesse mesmo dia, 55 senhoras da alta sociedade paulista dirigiram à imperatriz
uma representação, protestando-lhe respeito e obediência, incumbindo-se de sua entrega o marechal Arouche, que proferiu uma Fala substanciosa
adequada ao ato. "As paulistas - disse
ele - protestam e juram à face do mundo todo não interromper o costume de educar seus filhos
na Moral Santa, no amor ao soberano e à Pátria, na coragem e nas mais virtudes sociais; elas lhes irão, desde a tenra idade, fortificando os débeis
braços, com que um dia defenderão o Augusto Trono da Casa de Bragança no Império do Brasil. Algumas delas, com a justa vaidade de herdarem o sangue
do imortal paulista Amador Bueno da Ribeira, conservam os virtuosos desejos de terem filhos de igual fidelidade ao Augusto Ramo da Casa de Bragança,
que vai ser o tronco do Império Brasiliense. Outras, descendentes dos que primeiro, vadeando os vastos sertões do Brasil, descobriram as riquezas
com que se ensoberbeceu o Tejo e enriqueceu o mundo; e netas dos que, à sua custa, no meio de mil privações e perigos, tiveram a coragem e
patriotismo de destruir e arrasar Vila Rica, Ciudad de Guairá e Ciudad Real, erigidas pelos espanhóis nos nossos campos de Guarapuava, obrigando os
seus colonos a repassar a medonha catarata das Sete Quedas, no Rio Paraná, têm iguais estímulos de que a sua descendência faça iguais serviços à
Pátria e ao Augusto Esposo de V. M. I."
[30].
Completando a série de comemorações,
mandou a Câmara celebrar na Igreja da Sé, no dia 28, uma festa solene com missa pontifical e sermão, à qual compareceu todo o mundo oficial e grande
número das mais distintas senhoras e cavalheiros da sociedade paulistana [31].
As despesas respectivas importaram em 175$220 réis [32].
***
[...]
NOTAS:
[1] Obr. cit., pág. 237
[2] MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. 2º, pág. 2, col. 1ª.
[3] Nota da Comissão do
Inst. Hist. Bras. à Hist. da Independência, pág. 574.
[4] A. D'ESCRAGNOLLE TAUNAY
- Grandes Vultos da Independência Brasileira, pág. 153.
[5] Lorde Cochrane descendia
de velha e fidalga estirpe escocesa, pois era o primogênito do 9º conde de Dundonald. Nascido em 27 de dezembro de 1775, entrou ainda mui jovem para
a marinha britânica, da qual seu pai era oficial de alta graduação. Distinguiu-se pela sua bravura em diversos combates contra a esquadra francesa e
a esquadra franco-espanhola. Envolvendo-se em 1813 numa desonrosa especulação bolsista, foi expulso do Parlamento e da Armada, e condenado ao
pagamento de elevada multa, ao pelourinho e à prisão, da qual saiu três anos depois, sendo reeleito para a Câmara dos Comuns visto como a maioria de
seus correligionários o reputavam inocente da culpa que lhe fora imputada.
Em 1817, sendo recusados os seus serviços de guerra na marinha de seu país, embarcou-se para o
Chile, onde, a convite do respectivo governo, organizou e comandou uma esquadra, na qual operou proezas contra os espanhóis. Empenhou-se depois na
obra da libertação do Peru, e a 6 de novembro de 1820 conseguiu apoderar-se da frota espanhola de Calhau, debaixo do fogo nutrido de todos os fortes
do porto.
Mas seu valor e bravura militar não obedeciam a nobres impulsos de ordem moral, à aspiração
idealística de promover a libertação da América espanhola que a metrópole subjugava. Não: toda a sua preocupação era o dinheiro, era a importância
das presas a tomar, era o resultado material a colher de cada façanha que sua audácia executava. Não foi, portanto, um verdadeiro benemérito da
causa da independência sul-americana (A. D'ESCRAGNOLLE TAUNAY - Obr. cit., págs. 151 a 153; OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 237).
[6] Collecção de Leis do
Império do Brasil, 1º vol., 1ª edição, pág. 8.
[7] Obra citada, pág. 192.
[8] Collecção de Leis do
Império do Brasil, vol. 1º, pág. 7.
[9] Collecção de Leis do
Império do Brasil, 1º vol., págs. 6 a 7.
[10] HOMEM DE MELLO - A
Constituinte perante a História, págs. 122 a 123.
[11] Hist. da Indep.,
pág. 245 e nota 21 de RIO BRANCO à mesma pág.
[12] Collecção de Leis
do Império do Brasil, 1º vol., págs. 10 a 11.
[13] A Bernarda de
Francisco Ignácio (Nos Docs. Ints., vol. 1º, pág. 56).
[14] Obra citada, pág.
194.
[15] Idem, ibidem.
[16] Documentos
Interessantes, vol. 1º, págs. 53 a 54.
[17] Collecção de Leis
do Império do Brasil, vol. 1º, págs. 73 a 77.
[18] MELLO MORAES -
Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 402.
[19] Nota de Rio Branco à
Hist. da Independência, págs. 197 a 198.
[20] MOREIRA DE AZEVEDO -
O Rio de Janeiro, vol. 1º, pág. 15.
[21] MELLO MORAES - Obr.
cit., pág. 402.
[22] MOREIRA DE AZEVEDO -
Obr. cit., pág. 16.
[23] Nota 36 de RIO BRANCO
à pág. 198 da Hist. da Independência.
[24] VASCONCELLOS DE
DRUMMOND - Obra citada, págs. 46 e 50a 51.
[25] MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. cit., págs. 401 a 404.
[26] Collecção de Leis
do Império do Brasil, 1º vol., págs. 12 a 14.
[27] Compunha-se dos
seguintes cônegos presentes: António Joaquim de Abreu Pereira (chantre), Manuel Caetano de Oliveira, Francisco Joaquim de Toledo Arouche, Lourenço
Justiniano Ferreira, Joaquim José Carlos de Carvalho, António Paes de Camargo, Melchior Fernandes Nunes, Francisco José Lobo e José Gomes de
Almeida.
[28] Actas da Câmara
Municipal de S. Paulo, vol. XXII, págs. 650 a 665.
[29] Idem, ibidem, págs.
664 a 665.
[30] CAYRU - Hist. Pol.
do Brasil, capítulo XVIII.
[31] Actas da Câmara de
S. Paulo, vol. cit., págs. 666 e 669.
[32] Idem, ibidem, pág.
682. |