SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!
Capítulo II - A jornada do Ipiranga (cont.)
[...]
Repercussão em Santos
Em Santos foi mal recebida pela população a notícia do levante da Capital. A família Andrada e
seus numerosos amigos e correligionários políticos tentaram excitar os ânimos revoltados contra os paulistas. Apareceram pregados às esquinas
boletins anônimos, concitando, revolucionariamente, o povo local, à reação; e o governador interino da Praça prendeu, como envolvido nos
acontecimentos, o cirurgião-mor das milícias de Curitiba, Joaquim Firmino Gonçalves, que foi submetido a processo, por ordem do Governo Provincial,
reunido em sessão permanente a 29, para tomar as providências que reputava necessárias à ordem pública, visto que nessa data já se sabia terem
chegado as portarias de 21, intimando Costa Carvalho e Francisco Ignácio a partirem imediatamente para o Rio.
Expulsão de Martim. Segunda fase da bernarda
É só então que os revolucionários lançam mão dos últimos recursos para conservarem um poder que se
lhes escapa fatalmente dia a dia; e promovem um novo levantamento de tropas e populares contra Martim Francisco, a quem atribuíam, com toda a razão,
as novas medidas decretadas pelo príncipe.
De fato, nesse dia leu-se uma representação assinada por vários oficiais superiores, inferiores e
soldados da Força Miliciana, e pessoas do povo, pedindo que se fizesse sair para fora da Província o coronel Martim Francisco em 8 dias e desta
capital em 24 horas; ao que o governo anuiu, fingindo dobrar-se a injunções inevitáveis e irremediáveis.
O capitão adido ao Estado Maior do Exército, e às ordens do Governo Provisório,
Joaquim Maria da Costa Ferreira, foi quem levou ao ilustre paulista o ofício da Junta, em que lhe era intimada essa violência nos termos mais
respeitosos e cordiais e o cientificavam de que devia retirar-se para o Rio de Janeiro, por terra
[1].
E com a mais descarada hipocrisia declaravam-lhe amistosamente esperar que "V.
S. que tão generosamente já deu na sessão de 23 do corrente provas e fez sacrifícios a fim de concorrer para o sossego desta Província, sua Pátria,
e aquietar os ânimos de seus concidadãos, com os quais se acha tão ligado até por vínculos de família... ainda dê mais esta prova do quanto
desinteressadamente concorre para o que nesta com eficácia o Governo lhe intima"
[2].
Martim respondeu verbalmente àquele oficial que daria
cumprimento à intimação [3],
o que "bizarramente executou", comenta
com grande satisfação o coronel Francisco Ignácio [4].
No dia seguinte, novo ofício expede a Junta ao seu deposto vice-presidente,
assinado por Oeynhausen, Oliveira Pinto e Daniel Müller, no qual protesta que, "não querendo
que V.S. deixe em qualquer tempo de reconhecer a estimação que de V. S. faz, desejando que sejam públicas as demonstrações que disso der, põe às
ordens de V.S. um oficial com um piquete de honra que, tendo ordem para acompanhar a V. S. até a extrema desta província, seguirá daí por diante até
onde V. S. quiser e mandar" [5].
À prepotência acrescentava-se o escárnio: a escolta, que ia pôr o egrégio paulista para além das
fronteiras da sua província natal, convertia-se em piquete de honra, demonstrativo da consideração e estima que lhe tributavam seus dissimulados
colegas de governação. Mas não era apenas para escarnecer de Martim que os da Junta lhe mandavam aquele ofício redigido em termos ao mesmo tempo
amáveis e venerantes: havia também o intuito de aparecerem perante o príncipe como homens calmos e imparciais, reconhecidos ao abnegado zelo de seu
ex-vice-presidente, e que, somente constrangidos por circunstâncias realmente insuperáveis, tinham tomado contra ele as duras medidas que a
população e a tropa lhes haviam sugerido impositivamente.
Partiu Martim Francisco dentro do prazo que lhe fora determinado; e por toda a parte do chamado
Norte, a caminho da Corte, foi despertando e encontrando protestos de solidariedade à sua política e de franca desaprovação à conduta criminosa e
hostil da Junta Provincial.
A certa altura da viagem, indignado com o comandante da escolta, capitão José
Fernandes da Silva, prendeu-o e substituiu-o por outro oficial de igual patente [6],
tirado do Esquadrão dos Leais Paulistanos que encontrara em caminho, e que vinha acompanhando o marechal Arouche, como depois se verá; levou-o preso
até ao Rio, e aí o entregou às autoridades militares competentes.
Reforçou da mesma forma o contingente com mais dois soldados daquele esquadrão
[7],
e assim transmudou de fato, em piquete de honra, a escolta que lhe dera injuriosamente o governo para acompanhar seus passos até a linha da
fronteira com a Província Fluminense.
No mesmo dia de sua partida redigiu-se uma violenta representação contra ele, para ser enviada,
como foi, ao príncipe, por intermédio da Câmara Municipal. A circunstância de ter sido assinado esse documento em primeiro lugar, pelo bispo d.
Matheus, que era constitucionalista, e por outras altas autoridades diocesanas, faz com que muita gente infira daí o quanto se tornara
impopular e odiado aquele digno varão santista.
Entretanto, a indignação que a bernarda causou em Santos e a organização da resistência contra a
política do Governo Provisório, por parte de importantes municípios do interior, como de seguida se verá - basta para mostrar que Martim caiu
unicamente por um movimento indisciplinar da Força armada, sem raízes na verdadeira opinião da Província.
Quanto à atitude do bispo, a própria representação a explica, pois o vice-presidente do Governo
tomara conhecimento de questões afetas ao foro eclesiástico, o que sublevara contra ele a ira episcopal de d. Matheus; mas, naquele tempo de íntima
união da Igreja com o Estado, os clérigos eram funcionários públicos, sujeitos à obediência ao governo civil. A acusação feita contra ele é de que
mandara dar baixa de culpa a padres que eram adversários políticos de Francisco Ignácio e que estavam sendo arbitrariamente processados por delitos
talvez imaginários.
Reação no interior contra a Junta Provisória
A reação, aliás, contra essas violências inauditas, praticadas à sombra da proteção militar da
soldadesca incitada à revolta por Francisco Ignácio, não tardaria, como não tardou, a manifestar-se no próprio interior da Província, enfraquecendo
a Junta, desmoralizando-a no conceito geral e tornando positivamente insustentável sua posição - que seria dentro em breve atacada simultaneamente
por vários municípios, coligados contra ela, e pelo governo do Rio, que reputaria altamente criminosos tais atos do mais declarado e injustificável
despotismo. A Junta sentia o terreno, ganho de assalto, fugir-lhe rapidamente debaixo dos pés: notícias da maior gravidade chegavam-lhe da Corte, do
interior e de Santos.
A agitação popular lavrava por toda a parte, e, aqui mesmo em S. Paulo, Francisco
Ignácio não se achava perfeitamente seguro, e ao ouvidor da comarca - alma de todo o movimento, do qual aquele crédulo paulista foi apenas o braço
executor - ordenou-lhe que suspendesse, até segunda ordem, sua saída em serviço de correição, por "motivos do sossego público da Cidade"; ao juiz de
fora de Santos, doutor José Corrêa Pacheco e Silva, que já estava nomeado para substituir Costa Carvalho no posto idêntico desta Capital,
determinou-se que lá permanecesse até segunda ordem, ponderando-se que convinha, nas atuais circunstâncias, "promover
o sossego da Vila" e ao governador interino daquela Praça, tenente-coronel José António da
Silva Valente, mandou-se que apresentasse imediatamente ao governo o alferes António Carlos da Costa Aguiar de Andrada - sobrinho de Martim - e que
mantivesse a maior vigilância sobre "cada uma das autoridades e empregados de todas as classes
da dita Vila, devendo remeter preso logo à presença do Governo todo aquele indivíduo, sobre o qual tiver fixado as suas observações e reconhecido
ter vistas tumultuosas" [8].
Ao mesmo tempo que adotava prudencialmente essas cautelosas disposições, que
visavam manter a ordem pública a pique de convulsionar-se, deliberava oficiar ao príncipe, pedindo-lhe "para
que se estabeleça quanto antes o Governo Provisório ordenado pelas Cortes, com as atribuições deste, julgando esta medida como a mais própria
para consolidar o sossego desta Província"
[9].
Previa o Governo sua próxima derrocada fatal, compreendia que lhe estava faltando completamente o
apoio da opinião da Província para manter-se de pé, que sua autoridade, além de francamente menoscabada por importantes municípios do interior,
teria de capitular dentro em breve no seu inevitável encontro com a autoridade do Regente. Queria, pois, antes que o fracasso completo se
manifestasse, transmitir a outrem os poderes usurpados em que se achava precariamente investido.
Por sua vez, José Bonifácio, inteirado minudenciosamente, por seu irmão, do estado de espírito em
que se encontrava a Província, perturbada por ambiciosos políticos que almejavam galgar os mais altos postos da República, ainda mesmo que com
desprezo e prejuízo dos interesses fundamentais da jovem pátria a constituir ainda - não deixava de perceber os graves perigos que de tal situação
poderiam resultar inesperadamente para a obra em que seu coração e seu engenho estavam empenhados vivamente.
Vendo que o governo do príncipe dispensava ao seu primeiro-ministro, aos seus partidários, aos
seus amigos e ao seu programa nacionalista o mais decidido apoio e firme solidariedade - poderiam os seus prestigiosos adversários de S. Paulo
lançar-se de corpo e alma nos braços das Cortes, provocando uma desastrosa solução de continuidade nas vistas unânimes que as províncias do Sul
mantinham em relação à regência de d. Pedro e à orientação dada por José Bonifácio aos negócios do País.
Seria a ruptura do maciço bloco meridional pelo estabelecimento de um ponto de apoio para as
Cortes, idêntico ao que elas conservavam na Bahia, graças à ferrenha tenacidade do general Madeira.
Cumpria, pois, ao ministro, desprestigiar e enfraquecer o Governo Paulista, antes que essa atitude
de resistência contra sua política criasse forças e tomasse proporções vultosas.
Providências do Governo Geral
Daí a sua portaria, mandando o presidente Oeynhausen recolher-se ao Rio - uma espécie de aviso
preliminar aos outros agitadores e rebeldes, de que o regente estava disposto a agir com toda a energia para dominar a tempo quaisquer propósitos,
planos ou simples veleidades de revolta civil e indisciplina militar. Dez dias depois, completa as suas providências, mandando que o ouvidor Costa
Carvalho e o coronel Francisco Ignácio - cabeça e braço do movimento - também se recolhessem ao Rio.
Como, porém, sabia com que elementos materiais superiores contavam os díscolos
paulistanos para desatenderem às suas ordens, nomeou comandante das Armas da Província o velho marechal Arouche, militar mais que sexagenário
[10] e de
índole pacífica, e por isso mesmo talhado para o desempenho da melindrosa comissão que naquele momento lhe era confiada, se lhe não faltasse
infelizmente certa dose de energia moral imprescindível ao bom êxito de tais comissões e à gravidade excepcional de tais momentos. Mas, sem Forças
capazes e suficientes, malograr-se-ia a missão do novo comandante das Armas.
Determinou José Bonifácio, então, pelo órgão do ministro da Guerra, Joaquim de
Oliveira Álvares, que o Batalhão de Infantaria e o Esquadrão de Cavalaria da Tropa Miliciana, que, comandados pelo coronel Lázaro José Gonçalves,
tinham seguido para o Rio, em fevereiro, a chamado do príncipe, voltassem para S. Paulo, em companhia do marechal Arouche, e sob o comando do
coronel José Joaquim César de Siqueira Leme [11].
Era gente - quer oficiais como soldados - da mais absoluta confiança particular
do príncipe e de seu primeiro-ministro, tanto assim que estivera sempre aquartelada no Palácio Real da Boa Vista
[12].
Arouche, a pretexto de inspecionar os destacamentos militares das vilas por onde
teria de passar até chegar a S. Paulo, mas, na realidade, para ir conhecendo aos poucos o que estava ocorrendo nesta Capital e qual a verdadeira
situação do espírito público nas principais populações da Província, veio parando demoradamente em cada lugar, de modo que só a 6 de junho, depois
de ter assumido o comando geral dos Corpos em viagem, oficiou de Taubaté ao Governo Provisório, comunicando-lhe sua recente nomeação para
comandantes das Armas, cargo de que, de acordo com as instruções do príncipe real, ia imediatamente empossar-se para ato contínuo entrar no
exercício dele [13].
O Governo, que se conservava em sessão permanente desde 29 do mês anterior, por causa da excitação
reinante na Província, como dissemos, tratou prontamente de evitar o choque entre as duas Forças - a que vinha com Arouche e a que estava
aquartelada na Capital.
Escreveu-lhe, pois, um circunstanciado ofício, no dia 11, em resposta ao que
recebera, ordenando-lhe que se separasse dos Leais Paulistanos e sem demora se recolhesse a S. Paulo para ouvir de viva voz as razões que havia para
lhe ser expedida esta ordem positiva e terminante [14].
Na mesma data oficiou ao coronel José Joaquim César, comandante dos Corpos em
regresso, determinando-lhe que continuasse sua marcha para esta Capital, devendo prevenir de véspera ao Governo o dia de sua entrada, para serem
tomadas as providências adequadas ao caso. Declarava-lhe ainda que o comando dos ditos Corpos lhe era devolvido, uma vez que o marechal Arouche fora
chamado com urgência a esta Capital pelas Autoridades Superiores [15].
Como até o dia 15, nem um, nem outro, tivesse acusado o recebimento de tais
ofícios, dos quais fora portador o capitão de Cavalaria Miliciana, Pedro Taques Alvim
[16], escreveu-lhes novamente o Governo com mais
amplitude, reiterando-lhes categoricamente as ordens anteriores.
Ao primeiro dizia que "cumpre
este Governo a sua mais sagrada obrigação, recomendando a V. Exa. mais uma vez que, sem a menor demora, e sem a intervenção de objeções e reflexões
que só tocam ao Governo, que é responsável pela segurança da Província, se recolha a esta Capital, para bem de seus compatriotas e dignidade sua, e
então, tratando primeiramente com este Governo sobre as suas comissões, de que V. Exa. nenhum conhecimento lhe tem dado, sem embargo de se achar há
muito tempo dentro do território de sua jurisdição, se resolverá o mais prudente e acertado... O Governo espera que, havendo conseguido pelos seus
desvelos estes preciosos bens (sossego e boa ordem) de que esta Capital está gozando, o mais antigo e o mais benemérito dos seus habitantes não os
venha perturbar" [17].
Ao coronel César dizia que, tendo repetido ao marechal Arouche a ordem que lhe
dera em data de 11, encarregava agora o brigadeiro João Jácome de Bauman, ajudante de ordens do Governo, e portador de ambos os ofícios, de preparar
pelo caminho todos os cômodos que fossem necessários ao conforto das tropas em trânsito, como prova de gratidão que lhe consagrava pelos gloriosos
serviços prestados ao príncipe e à capital do País. E terminava prometendo aos valentes soldados permitir-lhes que, logo após sua entrada em S.
Paulo, depusessem as armas e fossem descansar de suas "gloriosas fadigas no seio das famílias
que saudosas os esperavam" [18].
É presumível que a demora dos dois ilustres militares visasse dar tempo a que Martim Francisco
chegasse à Corte e pusesse o príncipe, e seu principal ministro, a par de todas as últimas ocorrências, que eles ainda não conheciam, e que
determinariam naturalmente a adoção de providências mais consentâneas com a indissimulável gravidade da situação paulista.
O capitão Pedro Taques, embora lutasse ao princípio com as mais sérias dificuldades para
confabular com a oficialidade e os soldados que vinham do Rio, conseguiu afinal convencê-los de que não deviam abrir luta com seus camaradas da
Guarnição de S. Paulo, porque o governo provisório, grato aos seus beneméritos serviços, prometia licenciá-los para que fossem repousar
merecidamente no regaço do lar de que se achavam ausentes havia longos meses.
Foi em conseqüência de tal promessa feita em nome do mesmo Governo, que este
despachou para lá o brigadeiro Bauman, com o ofício endereçado ao coronel César e ratificativo dos compromissos tomados pelo capitão Taques Alvim -
e é esta uma conclusão a que chegamos sem grande esforço, depois de termos lido cuidadosamente a correspondência trocada entre a Junta, seus
emissários, o marechal Arouche e o comandante dos Leais Paulistanos e mais a carta de 21 de junho escrita por Francisco Ignácio a Estêvão de Rezende
e a ata do Governo Provisório em que se trata de tais acontecimentos [19].
Entendendo o marechal Arouche quais eram de fato as disposições das tropas que
consigo vinham, compreendeu também que não tinha meios para impor ao governo revolucionário sua autoridade, nem para fazê-lo cumprir as ordens que
lhe dera o príncipe. De Jacareí, portanto, como única resposta ao ofício de 1, escreveu àquele governo - que devia entretanto submeter à
obediência legal - propondo-se a voltar para o Rio, em vez de recolher-se a esta Cidade, proposta a que o dito Governo pressurosa e alegremente
anuiu em data de 20 [20].
Enganos. Omissões. Dados complementares. Retificações
Neste ponto, cumpre-nos salientar que a segunda fase da bernarda de Francisco Ignácio - que
começa, como vimos, com a chamada de Costa Carvalho ao Rio e conseqüente expulsão de Martim Francisco do território da Província - não tem sido
contada pelos diferentes cronistas e historiadores, com todas as circunstâncias verazes de que se revestiu.
Nem um deles se refere ao regresso do marechal Arouche para o Rio, em meados de junho, e,
confundindo os episódios, registram as sua entrada na capital de S. Paulo como se este acontecimento fosse uma sucessão lógica nunca interrompida,
de sua primeira viagem da Corte para esta Província, quando a verdade é que houve solução de continuidade no desempenho de sua comissão, e só depois
de ter pedido licença ao Governo Paulista para voltar àquela Corte, naturalmente no propósito de entender-se com o Governo Geral, é que veio
novamente à sua terra, a fim de dar exato cumprimento às ordens recebidas de d. Pedro, por intermédio do seu primeiro-ministro e do titular da Pasta
da Guerar.
O próprio MACHADO DE OLIVEIRA chega a afirmar que o Governo Provisório não
permitiu a Arouche o seu regresso ao Rio, por ter receio de que o ilustre militar, em lá chegando, o acusasse pesadamente, e por isso intimou-o a
comparecer à sua presença, o que ele fez a 16 de julho [21].
Nada disso é exato. Não só o Governo permitiu e aprovou sua retirada para a
Corte, pelo ofício que lhe enviou, e que já citamos, em data de 20 de junho, como três dias antes, prevenindo semelhante hipótese, recomendara
também por ofício ao brigadeiro João Jácome de Bauman, enviado em missão especial junto às Forças em regresso, que "quando
aconteça querer aquele marechal retirar-se para o Rio de Janeiro, que se lhe não estorve esta medida"
[22].
A denegação da licença, como se pode ver da carta de Francisco
Ignácio a Estêvão de Rezende, terceira datada de 1º de agosto, só ocorreu a 23 de julho
[23], depois que o marechal espontaneamente se
apresentou à Junta, vindo de S. José dos Campos, especialmente para tomar posse de seu cargo
[24].
O que nos não parece, entretanto, perfeitamente averiguado, é se Arouche, ao sair de Jacareí,
partiu com efeito para a Corte e lá entrou a conferenciar com o príncipe e José Bonifácio, ou deixou-se ficar nalguma localidade do chamado Norte,
de onde se comunicou prontamente com o governo do Rio, aguardando novas e mais positivas instruções.
O seu ofício à Junta, pedindo licença para retirar-se, é de 13 de junho e a resposta que lhe foi
dada, anuindo ao seu pedido, é de 20; o aviso do Ministro da Guerra, a que há pouco nos referimos, é de 23, e não sabemos em que lugar o
destinatário o recebeu; e ainda a 1º de julho o Governo Provisório lhe oficiava de novo, não sabemos igualmente para onde.
O que é certo, porém, é que, da primeira vez, Arouche parou em
Jacareí e de lá oficiou à Junta, solicitando-lhe permissão para regressar à Corte, a qual lhe foi concedida sem nenhuma dificuldade ou objeção. Isto
se colhe, não só da correspondência que a respeito manteve ele com a mesma Junta, como da carta de Francisco Ignácio, datada de 21 de junho, a
Estêvão de Rezende [25],
e da ata da sessão permanente a que já nos referimos, realizada de 29 de maio a 17 de agosto
[26].
Em verdade, só depois da chegada de Martim Francisco ao Rio, é que mais positivas resoluções foram
tomadas relativamente ao caso de S. Paulo. A 23 de junho, o governo, por aviso do ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Álvares, investiu o
marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa, nas funções de governador militar da Praça de Santos, ordenando-lhe que, de combinação com o comandante
interino das Armas da Província, marechal Arouche, empregasse todos os meios eficazes para o restabelecimento da ordem pública.
Parecia ao ministro que, para esse fim, tornava-se bastante
que marchasse de Santos sobre a Capital o Corpo de Artilharia, comandado pelo então major José Olyntho de Carvalho e Silva, trazendo duas peças de
três ou de calibre mais ligeiro [27];
caso, porém, entendesse que tal contingente, pelo império das circunstâncias, não bastasse, poderia, sempre de acordo com o governador das Armas,
prover-se de "Forças mais respeitáveis da Marinha e de beira-mar"
[28].
Ao marechal Arouche, que, aliás, já se achava de volta para a Corte, dirigiu o referido ministro
na mesma data, um longo aviso, participando-lhe a nomeação do marechal Cândido para o comando da Praça de Santos; e que com ele devia entender-se
imediatamente, para que os movimentos das tropas daquela Praça se combinassem com os das Forças Milicianas que vinham de volta do Rio, o que prova
que o Governo ignorava ainda o que se tinha passado com elas e o temporário fracasso da missão de que encarregara o dito Arouche.
Neste aviso, recomenda-lhe o ministro, em nome de Sua Alteza, "que
a celeridade, a prudência, o estratagema e a força real ou aparente sejam os meios de que se deve servir para restabelecer a ordem na Cidade e na
Província"; que impeça a reunião de Forças armadas por parte de Oeynhausen, Francisco Ignácio
e Costa Carvalho, "principais motores"
do movimento faccioso e os remeta, "logo que lhe for possível",
para o Rio.
Conquanto se recomendasse no mesmo ofício ao respectivo destinatário que "apresente
uma terrível ameaça aos inimigos da ordem, mas que com efeito não passe de ameaça, enquanto não se manifestar uma desobediência formal às reais
determinações", transmitiram-se instruções ao tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto, novo
ajudante de ordens do marechal Arouche, para que lhe apresentasse dez mil cartuchos de espingardas de alarme e dois mil de pistola, dos quais "V.
Exa. pode precisar, mesmo para impor"
[29].
Com o regresso do comandante interino das Armas à Corte, essas providências tiveram sua execução
suspensa por algum tempo e foram revigoradas e completadas por outras de maior eficiência militar; e somente a 16 de julho é que o velho Arouche
chegou à Capital, apresentando ao Governo seu título de nomeação, para que lhe fosse dada sem demora posse do cargo.
A tal respeito equivoca-se MACHADO DE OLIVEIRA
[30],
asseverando que o marechal Arouche, além do seu título, e da carta régia exonerando Oeynhausen da presidência do Governo, exibiu perante este o
decreto de 25 de junho, extinguindo as funções do mesmo Governo e substituindo-o por um triunvirato composto do bispo d. Matheus, do marechal
Cândido Xavier e do juiz de fora Pacheco e Silva, o qual, aliás, por esse tempo não fora ainda removido de Santos, onde residia, para a Capital.
Em primeiro lugar, a aludida carta régia não exonerava membro algum da Junta:
respondia aos dois ofícios desta - o de 24 de maio, fundamentando as razões por que não cumprira a portaria de 10 concernente a Oeynhausen, e a de
11 de junho, explicando igualmente os motivos que tivera para também não cumprir a de 21 do mês precedente, relativa a Costa Carvalho - e
mandava-lhe que desse imediato cumprimento a tais portarias, o que ela fez no mesmo dia da apresentação, tendo aqueles altos funcionários partido no
dia seguinte para o Rio, por via terrestre, apesar de que para o porto de Santos o ministro da Guerra mandara um navio da esquadra a fim de os
conduzir por mar [31],
provavelmente para evitar o contato deles com os povos e guarnições militares do Norte.
Em segundo lugar, o decreto de 25 de junho cassou, com efeito, o mandato do
Governo, mas não nomeou nenhum outro que o substituísse, determinando, ao contrário, que os eleitores de paróquias, convocados nas cabeças dos
distritos, para elegerem os deputados à Assembléia Geral Constituinte, elegessem depois desse ato uma nova Junta composta de um presidente, um
secretário e cinco vogais [32].
O triunvirato a que o preclaro historiador se refere só foi
nomeado cerca de três meses depois - isto é, pelo próprio príncipe regente, na véspera de seu regresso desta Capital para o Rio, a 9 de setembro
[33],
data em que baixou o respectivo decreto, no qual dispunha que, tendo por decreto de 25 de junho cassado o Governo Provisório, ficassem encarregadas
de suas funções as autoridades que sucediam na falta dos capitães-generais, que eram o prelado diocesano, o comandante das Armas e o ouvidor da
Comarca da Capital, tudo de conformidade com o alvará de 12 de setembro de 1770 [34].
Mas só depois da partida de d. Pedro, na manhã de 10, é que
tomou conta do poder o dito triunvirato, do qual fez parte o dr. José Corrêa Pacheco e Silva que, por ordem do Governo Provisório, tinha vindo
assumir o posto de juiz de fora interinamente, para que a Capital, com a partida do ouvidor Costa Carvalho, não ficasse privada de um ministro
letrado [35].
D. Pedro, por decreto de 30 de agosto, proveu-o efetivamente nesse lugar [36].
Lançado o Cumpra-se do estilo na carta régia, deferiu-se, entretanto,
inexplicavelmente, para o dia 20 a posse requerida, parece que no intuito de ganhar-se tempo, para que se preparassem, a fim de resistir, as
Forças Milicianas, contra as quais não poderia Arouche opor os Corpos dos Leais Paulistanos, que a pretexto de licenciamento, tinham sido desarmados
após a entrada que fizeram a 22 de junho na capital, onde foram recebidos sob estrondosa ovação popular e com grande pompa e solenidade por parte da
Junta [37].
Tropas de Santos marcham sobre S. Paulo
Ao atilamento do novo comandante das Armas não passou despercebida essa manobra; como, porém,
impor sua autoridade se lhe faltavam tropas para sustentá-la? O Governo, por sua vez, vislumbrando na atitude do prudente Arouche um plano traçado
ocultamente e a executar-se com firmeza, julgou hábil dar imediato cumprimento à dupla ordem regencial para Oeynhausen e Costa Carvalho se
recolherem se maior demora ao Rio, porque assim findava espontaneamente, por falta de objetivo, a missão a que vinha o marechal.
E não se enganara quanto à previsão de próximos perigos, porquanto, pela tardinha de 19, começaram
a circular, com insistência, inquietantes boatos de que o marechal Cândido Xavier, à frente de Força numerosa, inclusive um batalhão de Artilharia,
marchava de Santos, com toda a celeridade, sobre nossa Capital, boatos esses que logo depois se confirmaram positivamente, alarmando os soldados de
Francisco Ignácio, que se dispuseram a preparar a necessária resistência; afligindo a população pacífica, sobressaltando os lares e desorganizando a
vida comercial.
Pouco depois, já noite fechada, o brigadeiro Francisco António de Paula Nogueira da Gama
apresentava em palácio o tenente-coronel de Milícias, reformado, Joaquim Aranha Barreto, que entregou à Junta reunida em sessão permanente, um
ofício do marechal Cândido, datado de Santos, a 17 do mês corrente, participando a sua marcha sobre a Capital com as Forças sob seu comando.
Tratou logo a assustada grei facciosa de impedir inoportunas manifestações das
tropas aqui estacionadas, para o que passou instruções ao seu comandante geral, o coronel Francisco Ignácio; e no intuito de obstar, por meios
suasórios, a entrada das tropas santistas no território paulistano, onde reinava grande agitação pró e contra cada grupo em luta, mandou ao encontro
do governador militar da vizinha Praça um dos membros do governo, o coronel do Real Corpo de Engenheiros, Daniel Pedro Müller, secretário da Guerra,
acompanhado do referido brigadeiro Nogueira da Gama e de um ajudante de ordens, levando um ofício em que lhe ordenava que fizesse alto
[38].
Marechal Cândido Xavier
Nesse ofício estranhava o Governo que o marechal se dirigisse a esta Capital sem
previamente lhe comunicar quais as ordens reais que vinha executar, pois quaisquer que fossem, teriam imediato cumprimento por parte do mesmo
Governo, sem necessidade alguma de intervenções armadas e que talvez produzissem "comoções
populares que podem ser fatais"
[39].
No dia seguinte, como não tivesse ainda
regressado o parlamentário, despachou-se outro ajudante de ordens para o marechal Cândido, a fim não só de intimá-lo da ordem anterior, como também
de recomendar-lhe que viesse conferenciar com o Governo, o que ele fez, na noite de 21, deixando as Forças de seu comando acampadas na Ponte Alta de
São Bernardo [40],
à margem do ribeirão dos Couros [41].
Gaba-se Francisco Ignácio de que se o não tivesse acompanhado, teria sido ele apupado e insultado pela populaça, inclusive mulheres
[42].
O bravo militar, descobridor dos férteis campos do Guarapuava, era alguns anos mais velho que o
marechal Arouche, pois já ultrapassara a casa dos setenta; mas na resolução, na coragem e na franqueza patenteava-se mais juvenil que seu ilustre
colega.
Tibieza do Marechal Arouche
À Junta apresentou a portaria de 23 de junho, do ministro da Guerra, em virtude da qual devia agir
sempre de conformidade com o marechal Arouche, pelo que lhe não era lícito resolver sobre a diligência de que vinha incumbido, sem se achar presente
aquele marechal, resistindo impassivelmente a todas as intimações que lhe foram feitas para retroceder com suas Forças.
Por ordem do Governo, Francisco Ignácio foi à casa de Arouche convidá-lo a
comparecer à reunião, o que este fez prontamente, concordando com a retirada das tropas, visto se acharem cumpridas as ordens do príncipe, com a
partida de Oeynhausen e Costa Carvalho para o Rio [43].
De tudo se lavrou um termo circunstanciado, que se remeteu por cópia às diversas Câmaras, para acalmar a excitação que ia pelas populações do
interior.
O marechal Cândido Xavier, submetendo-se militarmente às determinações de seu
superior, oficiou ao sargento-mor José Olyntho de Carvalho e Silva, comandante do Corpo de Artilharia, mandando-lhe que com todas as Forças voltasse
ao ponto de partida, o que se executou com presteza e regularidade, pois lá chegaram às 9 horas da noite de 23
[44].
Os atos de fraqueza do marechal Arouche não pararam aí. A 23 requereu ele ao governo insubmisso
(cujo mandato d. Pedro cassara formalmente por decreto de 25 de junho) licença para retirar-se com destino ao Rio, por mar ou por terra, como
parecesse ao dito Governo, dando como razão de seu pedido o receio em que se achava de permanecer aqui e tomar o comando das Armas por saber que no
Quartel se gritava ser ele um traidor.
O Governo, em ofício da mesma data, negou-lhe terminantemente a licença pedida,
visto como já pusera o Cumpra-se no seu título, faltando-lhe, portanto, competência para deferir ao requerido; e ordenou-lhe que no dia
seguinte aparecesse para tomar posse ou declarar os motivos por que o não fazia, a fim de se lavrar um termo regular que se remeteria ao regente, em
cujo desagrado não queria novamente incorrer [45].
Lá foi o timorato Arouche, no dia designado, e assinou, com os membros do Governo, um termo de
desistência do posto no qual a confiança do príncipe e de seu primeiro-ministro o tinha investido honrosamente.
Entretanto, a portaria de 23 de junho, do ministro da Guerra, determinava-lhe expressamente que
tornasse efetiva a remessa de Oeynhausen, de Costa Carvalho e de Francisco Ignácio para a Corte, dando destarte cumprimento às portarias de 10 e 21
de maio, que o governo se recusava a executar. Assim, pois, as ordens do príncipe só parcialmente tinham sido obedecidas, porquanto Francisco
Ignácio não deixara apenas de acompanhar os co-autores da gorada sedição, mas continuava à testa das Armas e tomando parte ativa nas deliberações da
Junta a que pertencia como deputado pelo ramo comercial.
E não foi somente nesse particular que o velho Arouche, tomado de pânico diante da sanguinolenta
perspectiva de uma conflagração armada, faltou ao exato cumprimento de seu dever militar.
Não lhe fora ordenado somente que fizesse embarcar para o Rio os três chefes
principais da bernarda, mas que apelasse para a tropa quando se manifestasse uma desobediência formal às reais determinações do príncipe regente, e
que promovesse o restabelecimento da ordem na Cidade e na Província, "a pique de ser
envolvida em uma guerra civil por uma triste facção desorganizadora"
[46].
Ora, entre essas determinações reais, fora formalmente desobedecida pela Junta a que lhe cassava o
mandato e ordenava a eleição de outro governo, em concomitância com a eleição de deputados à Assembléia Constituinte - tudo conforme rezava o
decreto de 25 de junho.
A Junta, assim peremptoriamente destituída de suas atribuições, não tinha,
ipso facto, poderes para proceder à eleição da que devia substituí-la, porque sua existência legal cessara desde o dia em que lhe chegou às mãos
aquele decreto. Contudo, sob a especiosa alegação de que o regente lhe não nomeara sucessores, foi-se mantendo no Poder, como se o seu caso não
estivesse previsto e regulado pelo alvará de 10 de setembro de 1770, que mandava, na falta de governos legítimos, assumirem a Administração o bispo,
o ouvidor e o comandante das Armas [47].
O primeiro cargo estava provido, no segundo funcionava interinamente o juiz de fora de Santos,
chamado à Capital em 16 de julho, e para o terceiro nomeara o Governo Geral o marechal Arouche. Por quê, pois, não transmitia a Junta, na forma
legal e em obediência ao regente, a esse triunvirato, o Governo da Província? E por que razão o comandante das Armas, encarregado da missão de fazer
cumprir em S. Paulo as ordens do príncipe, revelou-se abaixo dessa importante missão?
Por um excesso de prudência resvalando para a timidez, pois o certo é que o coronel Francisco
Ignácio, cujas milícias aterravam o apavorado marechal, não foi constrangido a partir para o Rio, e o Governo Provisório só deixou de existir e de
infelicitar S. Paulo, quando o resoluto príncipe real aqui chegou em fins de agosto.
António Cândido Xavier de Carvalho e Sousa, filho legitimado do marechal Cândido
Xavier, estigmatizou duramente de traição o procedimento do marechal Arouche, em carta que escreveu a pessoa residente nesta Capital, segundo
informa o coronel Francisco Ignácio que, aliás, como é natural, defende e louva a excessiva moderação do velho cabo de guerra paulista
[48].
Este mesmo Francisco Ignácio, comentando o modo por que se conduziu o governador
militar de Santos para cumprir as ordens do Governo Geral - estranha que ele, tendo recebido instruções para marchar sobre nossa Capital apenas "com
duas peças e alguma tropa de primeira linha", trouxesse quatro peças, e além da
tropa mencionada, "grande parte das milícias daquela vila"
[49].
Não tem razão o chefe da bernarda que imortalizou seu nome na História de nossa
terra, e demonstra-lo-emos com a maior facilidade. Na portaria do ministro da Guerra dizia-se textualmente: "Mas,
se circunstâncias imperiosas exigirem forças mais respeitáveis da marinha e de beira-mar, Sua Alteza Real deixa à combinação de V. S. e do
referido marechal a escolha de ulteriores disposições"
[50].
Ora, a portaria é de 23 de junho, quando no Rio se ignorava ainda o fracasso anterior da missão de
Arouche e a defecção dos Leais Paulistanos para o lado dos revoltosos, seduzidos como foram por fementidas promessas e abalados em seu ânimo pelas
perversas intrigas dos emissários de Francisco Ignácio; e é por isso que o ministro se persuadia de que duas bocas de fogo, o Corpo de Artilharia de
Santos e a ação daqueles dois Corpos bastavam para reduzir à impotência o governo anarquizador de S. Paulo.
Mas, em seu previdente aviso ou portaria, Oliveira Álvares ressalvava ao comandante das Armas o
direito de proceder com liberdade conforme o império das circunstâncias. Foram tais circunstâncias que, comunicadas por Arouche a Cândido Xavier,
fizeram com que este, adstringindo-se aliás ao espírito e à letra do Aviso de 23 de junho, se aparelhasse de mais numerosos elementos, visto como se
não podia contar com a ação dos batalhões chegados do Rio.
Assim, pois, não tem razão o coronel Francisco Ignácio, na azeda apreciação que, da conduta do
bravo governador militar da Praça de Santos, faz em carta ao futuro marquês de Valença: Cândido Xavier não alterou as ordens que lhe expedira o
ministro; antes, combinado com o comandante das Armas da Província, agiu com inteira submissão a semelhantes ordens.
VARNHAGEN [51],
e outros historiadores de horizontes acanhados, não vêem, na repressão das desordens paulistanas por parte do Governo Geral, outro intuito que não
fosse quererem José Bonifácio e Martim Francisco manter nesta Província seu prestígio e preponderância política, pois que isso lisonjeava seu
orgulho e ambição de mando e de poder.
Esquecem-se eles da imensa luta complexa que José Bonifácio estava sustentando no Ministério para
defender os negócios do Brasil e conduzi-los a uma solução inteligente e feliz. De um lado eram as medidas que tinha que opor aos decretos
recolonizadores das Cortes Portuguesas; de outro lado era a aflitiva situação da heróica Província da Bahia, a braços com as poderosas forças do
tenaz Madeira, situação a que era preciso acudir prontamente com navios, com soldados, com dinheiro e com víveres; era ainda a atitude das tropas
lusas na extremidade meridional, na fronteira com os espanhóis, na Cisplatina; era, finalmente, o esforço para conter a impaciência dos patriotas
fluminenses que procuravam imprimir ao movimento iniciado uma velocidade que as circunstâncias atuais contra-indicavam.
No meio de tantas preocupações e anelos cívicos rebenta a bernarda paulista - fruto de
divergências doutrinais e políticas que já vinham de longe desarmonizando o Governo Provisório e criando fundas incompatibilidades entre seus
diversos membros componentes.
Não nos devemos esquecer de que a política dos Andradas era fortalecer a Regência de D. Pedro; ao
passo que a de Oeynhausen e Francisco Ignácio aparentava prestigiar as Cortes, cujo programa constitucionalista seguiam, embora mantendo para com o
príncipe toda a deferência e protestando-lhe adesão e solidariedade, dentro das regras do novo regime.
Quando foi da representação de 24 de dezembro, Oeynhausen recusou-se a subscrevê-la e, apesar de
sua índole cordata, teve com José Bonifácio um atrito violento a esse propósito. E por quê? Porque o Governo de S. Paulo aconselhava o príncipe a
desobedecer às Cortes, que eram o Poder Soberano do Estado, e às quais tinham os paulistas jurado inteira submissão; e ainda mais porque a rebeldia
de d. Pedro importava na proclamação da independência brasileira, o que se tornava claro nos termos em que a famosa representação fora redigida. Em
caso tal os portugueses de S. Paulo e seus amigos não poderiam acompanhar os planos do primeiro-ministro contra a mãe-pátria.
Do ponto de vista em que se colocara, o presidente da Junta de S. Paulo tinha toda a razão para
divergir de José Bonifácio e ninguém pode censurá-lo por isso. Era ele constitucionalista, desde o momento em que, pela mão do velho Andrada,
entrara para a Junta aclamado pelo povo; mas não queria de forma alguma a desunião dos dois reinos ou a sua fragmentação em pátrias diversas.
É natural, por isso, que a política andradina o desgostasse profundamente, pois à sua reconhecida
inteligência não escapava o perigo que, para a integridade da Nação Portuguesa, representava a marcha do pensamento de José Bonifácio através da
evolução dos fatos que se sucediam vertiginosamente.
A essas razões de não pequena monta, junte-se a humilhação que constantemente sofria o seu
orgulho, vendo-se, de antigo capitão-general e governador supremo, nivelado a simples colega de governação de outros homens, com os quais tinha de
partilhar sua antiga autoridade; e ainda mais o irritava sentir-se reduzido na Junta à função decorativa de presidente honorário, pois que a direção
dos negócios, tanto administrativos como políticos, dependia essencialmente do impulso que lhe davam José Bonifácio, a princípio, e Martim
Francisco, depois.
Francisco Ignácio, que tinha todos os defeitos do ricaço ignorante e presunçoso e que não se movia
guiado por convicções, mas unicamente pela soberba pessoal, não se conformava com a atitude dos Andradas, os quais, com sua áspera independência,
iam desgostando os amigos e partidários do velho comandante das Milícias e, portanto, diminuindo progressivamente seu prestígio e popularidade.
Costa Carvalho, seu futuro padrasto, por querer casar-se com a mãe de sua mulher
[52],
tendo por escopo tão somente adquirir fortuna e à custa dela galgar altas posições políticas no País - e galgou-as de fato - explorava os
ressentimentos de ambos, concitando-os à luta contra o predomínio dos Andradas, insuflando o orgulho de um e a grosseira arrogância de outro.
Em tais circunstâncias, José Bonifácio só enxergava, na agitação paulistana, a grave complicação
que ela poderia trazer para a causa nacional, transformando-se de um momento para outro num movimento de adesão à política das Cortes em oposição à
do príncipe regente. Era seu dever, portanto, reprimi-la com a máxima prontidão e severidade - não para firmar a posição de sua família e de seus
amigos na política da Província, como pensava Francisco Ignácio, mas para que a causa comum não sofresse por parte de S. Paulo um golpe fatal.
Se houve quem provocasse e mantivesse o conflito, unicamente por amor aos postos de comando, foi o
coronel Francisco Ignácio, que não via em política além do campanário natal: desde que seu prestígio se conservasse íntegro e que seus amigos e
partidistas vivessem contentes, tudo corria muito bem e não havia que pensar no Brasil, nem nos sonhos autonomistas que iluminavam patrioticamente a
alma da nova geração brasílica.
Encerremos, entretanto, nossa resenha sobre a bernarda de Francisco Ignácio - porventura a mais
completa que se tem publicado até agora sobre esse acontecimento - com o que por essa ocasião ocorreu nos mais importantes municípios do interior da
Província.
O protesto ituano
Achava-se por acaso nesta Capital um cidadão de Itu, quando se deram os sucessos relativos à
deportação de Martim Francisco e fatos subseqüentes. Causou-lhe viva impressão o estado de anarquia que reinava aqui: Francisco Ignácio, à testa das
Forças Armadas, era o único Poder subsistente em S. Paulo. Nada se fazia sem ser ele ouvido e só se fazia o que ele determinava, depois de ter
confabulado em quartel com a oficialidade e soldados das tropas que ao seu lato comando obedeciam.
O patriota ituano, vivamente chocado com o deprimente espetáculo que a seus
olhos então se deparava - o despotismo da Força revoltada, ainda pior que o absolutismo do regime colonial - recolheu-se para sua vila, onde pôs
Francisco de Paula Soua e Mello ao correr do quanto se passava, em todos os seus mais miúdos pormenores
[53].
O insigne paulista, que honrou, pelos seus talentos e pelas suas virtudes, a notável geração da
Independência pátria, tratou logo de reunir seus amigos, que ram todos os seus conterrâneos, a fim de deliberarem sobre o que lhes cumpria fazer, em
circunstâncias tão críticas para a Província e sobretudo para a causa nacional que os elementos retrógrados da Capital de S. Paulo comprometiam com
sua atitude, com suas palavras e com seus atos.
Em Paula Sousa a energia mental e moral formava um verdadeiro contraste com a debilidade de seu
organismo físico, esgotado por enfermidade crônica depauperante. Naquela conjuntura, com a decisão de um verdadeiro condutor de povos, não teve
perplexidades, irresoluções ou desfalecimentos: reuniu a Câmara, reuniu o clero, reuniu a nobreza, reuniu a tropa, reuniu o povo e levantou com eles
a voz de protesto contra o governo sedicioso que administrava a Província, em desacordo flagrante com a vontade e as aspirações de seus habitantes.
E nessa histórica assembléia, realizada a 28 de maio
[54],
resolveram: oficiar à Junta de S. Paulo, verberando-a por não ter sabido impedir a deposição revolucionária de dois de seus membros mais conspícuos,
por parte de uma tropa insubordinada e de alguns maus elementos apanhados na escumalha da população; representar ao príncipe sobre o estado a que S.
Paulo estava reduzido pela fraqueza e incapacidade de um Governo que agia dominado pela pressão discricionária da Força Pública e pedir-lhe que
paternalmente interviesse em nossos negócios para o fim de restabelecer a ordem e dignificar o verdadeiro princípio de autoridade, menoscabado por
uma lamentável sedição de quartéis, que arruaceiros apoiavam; e solicitar das Câmaras circunvizinhas seu pronunciamento no mesmo sentido, o que tudo
se executou com a mais patriótica solicitude.
Portadores foram mandados ao regente, ao Governo Provisório, e às câmaras municipais de S. Carlos,
Sorocaba, Porto Feliz, Mogi-Mirim e Constituição (hoje Piracicaba), levando ofícios acompanhados de cópias da representação a d. Pedro e do ofício
dirigido à Junta.
A de S. Carlos (atual Campinas), antes mesmo de receber qualquer participação da de Itu, lavrara o
seu protesto contra os atentados paulistanos, em vereança de 3 de junho, a que estiveram presentes o 2º juiz ordinário António Francisco de Andrade,
presidente; os vereadores Raymundo Álvares dos Santos prado Leme, Ângelo Custódio Teixeira Nogueira e Joaquim da Silva Leme e o procurador José de
Sousa Campos.
A 7 de julho, respondendo a um ofício de 25 do mês anterior, que lhe enviara a Câmara ituana,
comunicando-lhe as medidas de resistência que tinha resolvido adotar contra os atos ilegais da Junta Provisória, assegura-lhe que "este
povo é em tudo e por tudo uniforme aos judiciosos passos dessa Comarca, de que temos a honra de ser uma parte... Queiram contar com as nossas
cooperações e votos".
À sessão extraordinária, em que foi assinado esse ofício, compareceram, além do
procurador, os vereadores Teixeira Nogueira, Prado Leme e Bernardino José de Senna Mota; e presidiu-a o 1º juiz ordinário Ignácio Caetano Leme
[55].
E quedaram-se as Municipalidades, contemporizando com os acontecimentos consumados, até que do Rio viessem instruções respeitantes à grave situação.
A 23 de julho
[56], e não a 24, como por engano informa JOÃO
ROMEIRO [57],
tendo a Câmara ituana notícia dos entraves que à posse do marechal Arouche estava pondo a Junta, sob a pressão de Francisco Ignácio e dos soldados
sob seu comando, reuniu-se de novo em sessão extraordinária, presidida pelo desembargador ouvidor geral e corregedor da Comarca, dr. João de
Medeiros Gomes, para o fim de "assentar-se de comum acordo com as autoridades militares"
da vila, também presentes à reunião, para a qual tinham sido convidadas, sobre a segurança pública, não só da mesma Comarca, mas igualmente da
capital da Província que se achava em convulsões.
E foi resolvido então: 1º) oficiar ao comandante militar para mobilizar com a maior brevidade a
tropa que pudesse, a fim de seguir com destino a esta Capital, ao primeiro aviso que daqui chegasse; 2º) não permitir que da Comarca saísse Força
alguma a não ser à requisição do marechal Arouche; e 3º) oficiar às Câmaras compreendidas nos limites da Comarca para terem prontas as tropas de
seus respectivos distritos, a fim de operarem em comum com as de Itu, se houvesse necessidade.
Coligação dos municípios
Não tardou que as câmaras se manifestassem de acordo com a nobre iniciativa ituana, formando-se
então a famosa coligação de municípios que viria dentro em pouco forrar-se completamente à obediência ao governo de São Paulo, gesto que muito
contribuiu para desacreditá-lo irremediavelmente aos olhos da opinião sensata.
Este governo, que já começara a compreender a precariedade de sua triste
situação, limitou-se a responder à Municipalidade ituana, censurando-a por se ter dirigido diretamente a d. Pedro que não por intermédio do mesmo
Governo, como lhe cumpria; persuadido, porém, de que a aludida Municipalidade assim procedia por zelo cívico, esperava da parte dela a mais estreita
união com ele, a fim de se "evitar a anarquia, e a desordem popular"
[58].
É então que aparece na Capital, decidido a tomar posse de seu cargo, o novo comandante das Armas,
nomeado interinamente, o marechal Arouche, e daí a três dias sabe o Governo, sabem as tropas e sabe a população pacífica que, procedente de Santos,
à testa de numerosas e aguerridas Forças, o marechal Cândido Xavier marchava sobre S. Paulo.
A Junta, ao mesmo tempo que providenciava, como já vimos, para evitar o choque iminente das
facções armadas, dirigia-se também aos comandantes de Milícias de cada município, ordenando-lhes, por ofício, que estivessem com suas praças nesta
Capital no mês de agosto, isto no intuito evidente de preparar uma temerosa resistência, caso o príncipe persistisse nos planos que tinha confiado à
prudência de Arouche e à energia de Cândido.
A Câmara de Itu, ao ter conhecimento de semelhante ordem, revoltou-se contra ela e determinou ao
comandante da Milícia local que a não cumprisse, e oficiou às câmaras vizinhas sobre a conveniência de expedirem idêntica determinação aos
respectivos comandantes.
O Governo, informado do que se passava, além de oficiar àquela
Municipalidade, verberando-a de incompetente na matéria, despachou para Itu o sargento-mor do Regimento de Sertanejos, Francisco de Paula de Macedo
[59],
que lá chegou a 26 de julho, com a missão especial de convencer o comandante interino do mesmo regimento, o tenente-coronel Pedro José de Brito
Caminha, que seguisse imediatamente para a Capital com as 119 praças de que se compunha seu Corpo, colocando-se às ordens do Governo
[60].
Respondeu-lhe Caminha que não faria tal, porque seria provocar desordens e
motins na Vila, além de julgar-se desligado de qualquer obediência àquele Governo, em vista do decreto real de 25 de junho, que o dissolvera
[61].
Realizado o seu intento, passaria logo o major Macedo aos outros municípios, com o mesmo
impatriótico fim. Amigo pessoal do comandante ituano, hospedou-se com ele; mas, apesar do segredo em que buscou envolver sua inesperada visita, o
fato logo transpirou publicamente, enchendo da mais profunda indignação os habitantes da vila, de modo tal que poucas horas depois era grande a
massa popular postada em frente à casa onde se aposentara, reclamando em altas vozes o seu imediato regresso para S. Paulo, o que se realizou sem
perda de tempo.
Macedo, apesar de protegido em sua atarantada fuga por alguns respeitáveis
cidadãos, que trataram de acalmar a delirante excitação do povo, não pôde escapar a uma tremenda manifestação de antipatia popular, sendo
furiosamente apupado e atropelado pelos elementos mais exaltados e até por meninos de 9 a 11 anos de idade
[62].
Nobres damas da alta sociedade local, reunidas em sobrados existentes nas ruas
por onde teria ele forçosamente de passar, na sua triste e inglória retirada, patrioticamente o lapidaram
[63].
"Apesar da sisudeza e
seriedade de caráter de seus habitantes - informava ao príncipe, em sua representação de 11 de
agosto, a Edilidade de Itu -, não puderam eles conter sua indignação ao sair o dito major
(da casa onde se achava hospedado); e em massa o lançaram fora da vila, entre gritos e
alaridos..." [64].
A Câmara de Sorocaba, uma das primeiras a receber o apelo inicial da de Itu, foi
mais longe que esta nas medidas que tomou contra o Governo Provisório. Reunida a 26 de julho, e não no mês de junho, como, sem aliás precisar o dia,
informa AMÉRICO BRASILIENSE [65],
resolveu, de comum acordo com as corporações mais influentes e os mais prestigiosos repúblicos locais, o seguinte:
1º) convidar as Câmaras da Comarca de Itu, da qual era parte integrante, para, no caso de
continuarem as desordens reinantes na capital da Província, nomear cada uma delas um de seus habitantes para a organização de um governo temporário
na sede da dita Comarca, incumbido de tomar todas as providências necessárias para se restabelecer a tranqüilidade geral, debaixo da mais estrita
obediência ao príncipe, podendo esse governo declarar-se instalado logo que se achassem eleitos e juntos três membros, escolhendo-se dentre eles o
presidente e o secretário;
2º) oficiar ao Governo Provisório, manifestando-lhe sua estranheza e repulsa pelos atos que vinha
praticando abusivamente;
3º) dar a conhecer aos povos os motivos por que assim procedia;
4º) uma vez instalado o governo proposto, dar este parte imediata de tudo a d. Pedro e pedir-lhe
um perdão geral para todos os culpados;
5º) oficiar aos comandantes das Tropas Milicianas da vila, sob responsabilidade para com o
príncipe regente e as Cortes Legislativas que se iam instalar no Rio, ordenando-lhes que não fizessem marchar uma só praça para a Capital, enquanto
nela não se achasse restabelecida a paz;
6º) oficiar aos comandantes e ordenanças para que, ao primeiro aviso, seus
comandados se reunissem aos regimentos de seus distritos, a fim de atenderem a qualquer serviço urgente que lhes fosse exigido
[66];
7º) finalmente, providenciar junto às câmaras das vilas coligadas para que se abastecessem de
pólvora e chumbo e de munições de boca para inferiores e soldados, na expectativa de uma ordem de mobilização.
Estiveram presentes à vereança extraordinária, além de 39 cidadãos qualificados,
o juiz de fora dr. Alexandre Caetano Tavares, os vereadores Manuel Joaquim de Almeida Mello, Ignácio Dias Baptista e António José de Madureira e
Sousa e o procurador do Conselho João Leite do Canto. Da ata respectiva, que foi lavrada pelo escrivão Luís Pedroso de Almeida, remeteram-se
autênticas ao Governo do Rio e ao de S. Paulo e a todas as municipalidades adesas à Coligação
[67].
De posse das comunicações que lhe enviou a Câmara de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba, convocou
a de Itu nova reunião para 4 de agosto, à qual compareceram 51 pessoas gradas que assinaram o termo que se lavrou, além do juiz de fora dr. António
Pacheco da Fonseca, dos vereadores António Victoriano de Azevedo, Lourenço de Almeida Prado e Carlos José Nardi de Vasconcellos e do procurador
municipal Joaquim José de Mello. Era escrivão da Câmara José Mendes Ferraz.
Nessa memorável assembléia, que se efetuou à 1 hora da tarde, achando-se presentes "os
republicanos, a nobreza e o povo", foi apresentado e lido o decreto do Regente, de 25 de
junho, cassando o mandato do Governo Provisório. Submetido à apreciação do povo o referido decreto, e exigindo a Câmara seu parecer a respeito,
foi-lhe unanimemente respondido que devia ser ele exatamente observado e, em virtude de seus dispositivos categóricos, reconhecido e declarado por "nulo
e cassado o Governo Provisório da Província", ficando todos os cidadãos isentos de prestar-lhe
obediência de então por diante.
Resolveu-se mais que, sendo imprescindível manter a unidade do movimento de reação legal, no meio
da desordem imperante e das opiniões divergentes, se nomeasse um procurador, com os necessários poderes, para, conjuntamente com os das outras vilas
coligadas, tomarem as medidas que a situação reclamava e formularem as atribuições que lhes competissem, a fim de serem dadas ao conhecimento do
público.
Foi eleito, por 30 votos, Francisco de Paula Sousa e Melo - a alma da Coligação - e para seu
suplente designou-se o que obtivera a maior votação em segundo lugar - Cândido José da Mota -, os quais foram empossados ato contínuo,
passando-se-lhes os respectivos diplomas.
Deprecou-se "ao comandante
militar e ao de Ordenanças reforço de tropas; e aos cidadãos, apresentarem-se com armas e munições",
e contribuições voluntárias para o soldo dos destacados; mandou-se postar uma guarda avançada nas estradas do município e participar todas as
deliberações aprovadas às demais câmaras e ao Governo Geral [68].
A 7 de agosto, em sessão extraordinária, a que, além dos vereadores, concorreram
a nobreza, o povo e as diferentes autoridades, o procurador eleito na sessão de 4, Francisco de Paula Sousa e Mello, para entrar em combinações com
os municípios comarcões, que se quisessem coligar com Itu, propôs, "a bem do serviço nacional,
e utilidade da Pátria", as seguintes medidas que foram unanimemente aprovadas:
1º) que ficasse o mesmo procurador com os necessários poderes para que a ele se subordinassem
todas as autoridades da vila;
2º) que, tão depressa se achassem reunidos dois procuradores, se instalasse a Junta Governativa
Temporária, agregando-se-lhe o suplente de cada vila, até que três efetivos comparecessem;
3º) que a Junta se organizasse imediatamente, apresentando o plano de suas atribuições, que seria
observado provisoriamente até que o povo o aprovasse, prestando-se depois os necessários juramentos;
4º) que o povo conferisse à dita Junta poderes para escolher livremente um secretário; e
5º) que se procurassem para as precisões do momento, os cidadãos abastados, que emprestavam
dinheiro a juros, ou contra compras de açúcares, até que se organizasse um plano financeiro, a cargo do cidadão Salvador Pereira de Almeida, que
ficou investido nas funções de tesoureiro [69].
Dois dias depois - a 9 - novamente houve sessão extraordinária com o comparecimento, não só dos
vereadores, como também dos procuradores eleitos pelas outras câmaras, para os fins que já expusemos. Ai se achavam o padre José Francisco Aranha,
deputado pela câmara e povo de Campinas (então S. Carlos), e seu suplente, capitão Júlio César de Cerqueira Leite, mandados para deliberar sobre a
situação, e o sargento-mor José Custódio de Oliveira, procurador de Porto Feliz, enviado para fazer parte da Junta projetada, o qual, com Paula
Sousa, de Itu, formava o número suficiente para a respectiva instalação; mas, sob proposta do último, foi aprovado que se aguardasse a chegada dos
deputados sorocabanos a fim de se proceder àquela instalação em caráter definitivo.
Como, porém, necessário se tornava entrar logo em exercício um centro geral que congregasse todas
as operações da Comarca, ficou, após demorada discussão, assentado o seguinte:
1º) que o aludido Centro seria obedecido de todos até que legalmente entrasse em funções o novo
Governo Provincial, mandado criar pelo príncipe, ou se recebessem ordens diretas deste;
2º) que tomaria a seu cargo promover, por todos os meios ao seu alcance, o restabelecimento do
sossego na Capital, a segurança na Comarca e a tranqüilidade na Província, com a fidelidade devida à Regência;
3º) e que, enquanto Campinas não mandasse um procurador efetivo, ficaria
interinamente com assento no Governo o deputado capitão Júlio César de Cerqueira Leite
[70].
A Câmara de Porto Feliz realizou sua primeira vereança extraordinária, para tratar da relevante
matéria, no dia 24 de julho. Presentes o juiz ordinário capitão Manuel Leite de Moraes - em cuja casa de morada se efetuou a sessão -, os vereadores
António Leme da Silva, António Fernandes Leite e António de Arruda e Sá, o procurador António de Arruda Paes, o capitão-mor comandante das
Ordenanças da Vila, e os comandantes das três companhias de Milícias locais, Manuel Martins Bonilha, Manuel Fernandes Teixeira e Matheus Teixeira da
Silva, assentaram, à vista das notícias chegadas, de que a Capital se achava em convulsão, "com
propósitos sinistros de desobedecerem às reais determinações do príncipe regente", em tomar as
seguintes providências:
1ª) as autoridades militares mobilizariam prontamente as tropas sob seu comando,
para atenderem ao primeiro aviso que lhes mandasse o comandante das Armas marechal Arouche;
2º) sob pena de responsabilidade perante o mesmo príncipe, nenhuma tropa sairia da localidade para
S. Paulo, enquanto durasse a agitação na mesma cidade, salvo a requisição da autoridade competente
[71].
A 5 de agosto houve nova sessão extraordinária, desta vez em casa do outro juiz ordinário, o
alferes António Leme da Silva, para tomar conhecimento da proposta sugerida pela Câmara de Sorocaba em relação ao estabelecimento de um governo
temporário em Itu, sede da Comarca.
Resolveu-se então, unanimemente:
1º) aderir a essa proposta;
2º) dar ao projetado Governo todas as funções executivas em nome de S.A.R., até que se instalasse
na Capital o futuro governo mandado criar pelo decreto de 25 de junho;
3º) obedecerem todos - povo e autoridade - à Junta de Itu, enquanto não fosse dissolvida pelo
príncipe ou não se formasse a nova na Cidade de S. Paulo;
4º) eleger-se imediatamente um procurador para fazer parte da referida Junta, tendo recaído a
escolha, por maioria de votos, no sargento-mor José Custódio de Oliveira [72].
Essas medidas despertaram o mais intenso entusiasmo na patriótica população
local. Os moços da principal nobreza organizaram um brilhante e garboso Esquadrão de Cavalaria, denominado Voluntários da Sereníssima Senhora
Princesa Real, comandado por Manuel Alves de Lima [73].
Marchou essa Força para Itu, a defender a vila ameaçada pelos facciosos, mas os heróicos ituanos prescindiram do leal auxílio do vizinho povo, por
contarem fortes elementos de resistência armada dentro de seus muros.
É azada a ocasião de contestarmos formalmente VARNHAGEN
[74] que,
freqüentes vezes, sobretudo quando se referia a S. Paulo e aos Andradas, substituía, sem a menor cerimônia, a verdade histórica pelos devaneios de
sua imaginação, aliás pouco brilhante. Para ele, os partidários de Martim Francisco, tendo fracassado a reação que haviam tentado em Itu, "promoveram,
com alguns amigos que contavam em Porto Feliz, que a Câmara dessa pequena vila se pronunciasse no dia 24 de julho, lavrando um acordo de
que não cumpririam as ordens do Governo de S. Paulo e convidando a se coligarem a ela outras vilas vizinhas, para formarem outro governo. Certos do
apoio que este pronunciamento encontraria de parte dos dois irmãos Andradas no Ministério, não resistiram mais os ituanos que defendiam a Junta de
S. Paulo, e Itu se pronunciou também, e se iam pronunciando, mais ou menos manifestamente, outras povoações".
Nada disso é exato. Itu não se pronunciou depois e sim antes de Porto Feliz, e esta vila não teve
iniciativa alguma na organização do movimento, limitando-se, aliás galhardamente, a aderir às resoluções das outras, como demonstramos em nossa
documentada narrativa.
A marcha observada pela reação foi a seguinte:
1º) a Câmara de Itu, em sessão de 28 de maio, protestou contra a deposição de Martim Francisco e
do brigadeiro Jordão, seguindo-se-lhe a de Campinas, antes, porém, de conhecer a atitude da primeira;
2º) em reunião de 23 de julho, a mesma Câmara de Itu deliberou, por unanimidade, manter de
prontidão as Forças locais para, ao primeiro aviso, marcharem em direção à Capital; impedir a saída de tropas da localidade sem ser por ordem do
novo comandante militar, o marechal Arouche; e oficiar a todas as corporações congêneres da Comarca para terem prontas as respectivas Milícias;
3º) no dia seguinte, 24, a Câmara de Porto Feliz, recebendo cópia da ata da
sessão realizada na véspera pela de Itu, toma idênticas resoluções e redige a sua ata quase que inteiramente nos mesmos termos da que recebera desta
vila [75];
4º) a 26, a Câmara de Sorocaba adota a arrojada deliberação de convidar todas as municipalidades
da Comarca para a organização de um governo temporário na respectiva sede, constituído de procuradores eleitos por cada uma das ditas
municipalidades, a fim de substituir o Governo da Capital, dissolvido pelo príncipe, e resolve mais comunicar a um e outro, as medidas que vai pôr
em prática;
5º) a 4 de agosto a Municipalidade de Itu, e a 5 a de Porto Feliz, aderem à proposição da de
Sorocaba relativa à constituição de um Governo Provisório na cabeça da Comarca e elegem seus procuradores para dele fazerem parte;
6º) a 7 do mesmo mês, finalmente, a Edilidade de Itu toma providências para a instalação do
Governo.
Pelo que se vê, o início do movimento partiu de Campinas e Itu, não transpondo, porém, os limites
de um justo e varonil protesto. Depois, Itu promoveu medidas de reação contra o centro governamental paulista, Sorocaba propôs, energicamente, a
criação de um Governo Provisório na Comarca, subordinado diretamente ao Rio, e sem ligação alguma com o da Capital; e a Câmara de Porto Feliz, assim
como as outras da mesma circunscrição judiciária, acompanhou-as solidariamente nessas arriscadas deliberações, não tendo tomado, pois, a dianteira
às demais como pretende VARNHAGEN. Decididamente, a sua História da Independência, crivada de erros e eivada de opiniões malignas, precisa
ser cuidadosamente refeita.
Em conseqüência das resoluções assentadas pelas diversas vilas da Coligação, o
comandante geral do Regimento de Milícias de Sorocaba, João Floriano da Costa, em ofício de 5 de agosto, e a Municipalidade local, em ofício do dia
seguinte, declararam ao Governo Provisório que não mais cumpririam suas ordens quaisquer
[76]; a de Itu, também a 6, oficiou longamente à
da Capital, declarando-lhe que, em face do decreto real de 25 de junho, considerava nulo e cassado o Governo, pois quem de outra forma procedesse
tornar-se-ia réu de rebelião e perjúrio; que se ia constituir imediatamente um centro geral de operações na Comarca, e, além das Milícias, "armar
todo o povo em massa sem reserva, para sustentar-se dignamente nessas justa causa, à custa de todos os sacrifícios",
e que sem demora as vilas vizinhas tinham aderido a esse espontâneo e irresistível movimento popular.
Conjura os vereadores paulistanos, "em nome
da Pátria, ou Província, do Brasil e da Nação; em nome de nosso Adorado Defensor; em nome do Supremo Árbitro do Universo",
a que tomassem medidas quaisquer que fossem e que melhor parecessem, no sentido de se conseguir o bem geral e se não presenciarem cenas de
horrorosas lutas, mormente quando não deveriam tardar as "saudáveis e paternais providências
de Sua Alteza Real".
E termina textualmente: "...
e se não tivermos o resultado que desejamos, restar-nos-á ao menos o testemunho de nossas consciências de que fizemos todo o possível para o bem
geral" [77].
O Governo Provisório, a quem, para seu conhecimento, a Municipalidade ituana
remetera em original o ofício endereçado à de S. Paulo - ao enviá-lo à destinatária, fê-lo acompanhar também de um ofício no qual explicava a razão
por que, apesar de cassado o seu mandato, ainda permanecia no exercício dele. O decreto mandando "instalar
novo governo não tira a ação a este... senão quando o novo for instalado, tanto assim que S. A. R. se está ainda correspondendo com ele"
[78],
explicação afinal que não passa de um grosseiro sofisma logicamente insustentável.
Em primeiro lugar - não podendo o Governo do Rio saber prontamente quando suas ordens tinham sido
executadas, e tendo de atender continuamente a objetos de serviço público referente a S. Paulo, comunicava-se com o Governo Provisório existente de
fato e que devera ser, desde a chegada do decreto de 25 de junho a esta Capital, o que o alvará de 1770 determinava, segundo já vimos.
Depois, sabendo que não fora cumprido seu decreto, mandou o príncipe que os marechais Arouche e
Cândido Xavier lhe dessem inteiro cumprimento, lançando mão da Força armada, mas a timidez do primeiro inutilizou a ação enérgica do segundo, e o
Governo continuou a funcionar contra a vontade do Regente, e apesar de expressamente dissolvido por ele.
O Governo do Rio não tinha outras autoridades a quem se dirigir, porque não conseguira instalá-las
no Poder; e, por isso, ainda se comunicava, para as necessidades públicas, com o Governo que ele cassara e que teimava em não se considerar extinto,
o que não importava em reconhecer a legitimidade que o decreto de 25 de junho anulara imperativamente.
Passasse o Governo Provisório, como lhe competia, as suas funções aos seus substitutos, na
conformidade do Alvará Régio citado, e com toda a certeza o Regente se não comunicaria mais com ele, por tê-lo declarado insubsistente. Alegar que o
fato de se corresponder Sua Alteza com o Governo que extinguira e que, em franca atitude de rebelião, se mantinha no poder, contra suas ordens
positivas - equivalia a admitir a ação do dito Governo, era alegar um absurdo.
"Os deveres da primeira
autoridade da Província - continuava assim a justificativa -
não podem ser interrompidos, mas deve suceder um Governo a outro, sendo toda a medida em contradição desta, inimiga, e prejudicial à boa ordem"
[79].
De acordo: mas então porque os usurpadores facciosos não fizeram suceder um governo a outro governo, transmitindo ao bispo, ao comandante da Armas e
ao ouvidor da Comarca as atribuições de que tinham sido legalmente destituídos?
A Junta de S. Paulo, que, por portaria de 4 de julho, havia
mandado instaurar processo à Municipalidade de Itu [80],
logo que o seu protesto, lavrado em sessão de 28 de maio [81],
se fizera sentir contra a deposição de Martim Francisco e Jordão, limitou-se a proceder da mesma forma com a de Sorocaba, apesar de se ter esta
insurgido abertamente, antes de qualquer outra, contra sua autoridade, recusando-lhe obediência e considerando-a definitivamente extinta pelo
decreto de 25 de junho.
A Junta Governativa Provisória, estabelecida em Itu, era constituída de procuradores desta Vila,
de Porto Feliz, de Campinas (então S. Carlos), de Piracicaba (que se chamava Constituição), e de Itapetininga, mas nenhuma providência punitiva mais
enérgica foi aplicada a qualquer dessas municipalidades coligadas em franca oposição ao governo que na Capital funcionava aliás ilegalmente.
É que a situação piorava cada vez mais e o Governo Provisório cada vez mais se enfraquecia. A seu
lado só tinha as Forças do arrogante coronel Francisco Ignácio. As do interior, instigadas pelos patriotas, recusavam-se a marchar para S. Paulo.
Oeynhausen e Costa Carvalho, influentes chefes da malograda sedição, já se achavam na Corte, dando contas de seus atos ao Regente e a seu
primeiro-ministro.
Se estes, ao conhecerem o pronunciamento das vilas coligadas, mandassem que as Forças nelas
destacadas e as da Praça de Santos marchassem ao mesmo tempo sobre S. Paulo, não mais sob o comando do fraco Arouche mas do valente Cândido Xavier -
como resistir com êxito a esses elementos numericamente superiores aos da guarnição paulistana?
D. Pedro projeta sua viagem a S. Paulo
Não teve o Governo outro remédio senão dar por perdida a
batalha e mudar de atitude, reiterando a d. Pedro, em data de 12 de agosto, a anterior solicitação que lhe dirigira em ofício de 6, para que viesse
pessoalmente, "com prontidão à Província para com sua desejada presença sossegar estes
tumultos" [82].
E o príncipe assim o fez, mas não para atender, como assevera inexatamente VARNHAGEN
[83], "ao
pedido que lhe fizera a Junta de S. Paulo", pois ele não poderia aceder à rogativa de um Poder
que já não existia porque fora extinto, em virtude de sua conduta rebelde e gesto infido.
A sua resolução de vir a S. Paulo datava de mais longe,
porquanto desde abril, pelo menos, se falava nessa visita como quase certa. Segundo se vê da ata da Câmara Municipal, em sessão realizada a 17 de
abril [84],
recebera ela do Governo Provisório, em ofício do dia 15 , determinação para fazer preparar os aterrados da Penha e Carmo, de modo a que Sua Alteza e
sua Sereníssima Esposa pudessem entrar na Cidade em sege, sem o menor incômodo ou risco
[85].
Outras providências, aliás, deu na mesma ocasião a Municipalidade, no intuito de serem os
príncipes recebidos com o maior conforto e esplendor possível, como se colhe nos editais que fez publicar e nos ofícios que dirigiu a respeito às
diversas autoridades constituídas.
É natural que d. Pedro já tivesse projetado a viagem desde que as lutas no seio da Junta
Provisória se acentuavam dia a dia, refletindo-se desastrosamente no seio da população, que se dividia em grupos rivais, conforme suas simpatias,
seus sentimentos ou suas aspirações políticas.
Em abril essas lutas haviam atingido a sua culminação, tanto assim que no mês seguinte explodia a
sedição comandada por Francisco Ignácio. A José Bonifácio, informado pelo irmão e outros amigos e partidistas, da agitação que, a princípio latente,
estava prestes a retumbar declaradamente pelos quartéis das Milícias e pelas ruas da Capital, não teria sido difícil convencer o príncipe do quanto
seria conveniente a sua presença nesta Província, para harmonizar os povos e firmar decisivamente sua régia autoridade sobre eles.
A 26 de junho havia novamente a quase certeza de que d. Pedro, por aqueles dias,
sairia da Corte do Rio de Janeiro, com destino a S. Paulo, o que o Governo PRovisório se apressou a comunicar à Câmara para que ela desse "as
mais enérgicas providências para o melhor e mais aparatoso recebimento do mesmo Augusto Senhor, que há de ser debaixo de rico pálio"
[86].
A notícia espalhou-se pela Capital dias após o fracasso da missão que a S. Paulo viera desempenhar
o marechal Arouche, e, provavelmente, a deliberação do príncipe fora tomada em virtude das informações que a respeito recebera daquele militar e
outras pessoas de conceito.
Somente a 31 de julho, depois que várias câmaras de municípios importantes, com
a de Itu à frente, se tinham pronunciado contra o Governo, recusando-0lhe obediência, é que a Municipalidade desta Capital resolveu oficiar a d.
Pedro, suplicando-lhe "com toda a energia para que pessoalmente"
viesse "conhecer dos corações fiéis dos leais paulistas, que ansiosos esperam pela sua real
presença" [87].
Assinaram a ata da vereança, além dos vereadores Manuel Lopes Guimarães, António de Siqueira e Moraes e Caetano Pinto Homem, o procurador do
Conselho Luís Manuel da Cunha Bastos e numerosas pessoas do clero, militança e povo.
Compreende-se que esta solicitação foi dirigida, com o máximo empenho, ao príncipe, porque sua
visita, prometida havia tantos meses, estava sendo continuamente adiada, com grande decepção para os paulistas e perigo para a tranqüilidade da
Província.
O Governo Provisório só rogou a vinda do Regente, a 6 de agosto, reiterando sua súplica seis dias
depois - a 12 -, e isto porque se debatia sem esperanças nas vasas da procela que ele próprio desencadeara, e apenas confiava na presença do
príncipe para safar-se das dificuldades insolúveis em que se encontrava.
Não foi, pois, como pretende VARNHAGEN, para corresponder ao apelo do governo sedicioso, que d.
Pedro veio a S. Paulo; sua viagem estava deliberada muito antes disso e só se não efetuou logo, porque a luta em que se achava empenhado contra as
Cortes Portuguesas lhe não tinha permitido até então ausentar-se do Rio de Janeiro.
O sucesso que coroara sua vitoriosa excursão a Minas Gerais incitava-o a
conquistar novos louros na Província de S. Paulo, em cuja população encontrava partidários extremamente dedicados e cooperadores leais de sua
política de franca simpatia pela causa do Brasil.
***
[...]
NOTAS:
[1] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 148.
[2] Docs. Interessantes,
vol. XXXVII, págs. 319 a 320.
[3] Actas do Govêrno
Provisório, pág. citada.
[4] Carta citada, de 1º de
junho (Chronologia Paulista, 2ª parte do 2º vol., pág. 311, col. 1ª).
[5] Docs. Ints., vol.
XXXVII, págs. 320 a 321.
[6] Carta de Francisco
Ignácio a Estêvão de Rezende, em 11 de junho (Chronologia Paulista, vol. cit., pág. 312).
[7] Carta de Francisco
Ignácio a Estêvão de Rezende, em 11 de junho (Chronologia Paulista, vol. cit., pág. 312).
[8] Actas do Govêrno
Provisório, págs. 148. a 149.
[9] Idem, pág. 149.
[10] Contava então 66 anos
e não mais de 70, como pretende o dr. JOÃO ROMEIRO (Obr. cit., pág. 112).
[11] E não Lima
como lhe chama erroneamente o dr. JOÃO ROMEIRO (Obr. cit., págs. 113 e 117).
[12] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 113.
[13] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 150.
[14] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, págs. 327 a 328. Certamente por erro tipográfico, o dr. JOÃO ROMEIRO (obr. cit., pág. 115) data de 11 de julho este ofício.
[15] Idem, ibidem, pág.
326.
[16] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 150.
[17] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, págs. 328 a 330.
[18] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, págs. 330 a 331.
[19] Docs. Ints.,
vol. cit., págs. 326 a 335; Chronologia Paulista, 2ª parte do 2º vol., págs. 311 (col.
2ª) a 312 (col. 1ª); Actas do Govêrno Provisório, págs. 150 a 151.
[20] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, págs. 334.
[21] Quadro Histórico,
1ª edição, pág. 276.
[22] Docs. Ints.,
vol. cit., pág. 333.
[23] Chronologia
Paulista, 2ª parte do 2º vol., pág. 316, col. 1ª.
[24] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 152.
[25] Chronologia
Paulista, parte e vol. cits., pág. 312, col. 1ª.
[26] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 151.
[27] No anexo ZZ à
Bernarda de Francisco Ignácio (pág. 92), vem transcrito integralmente este aviso, no qual se lê textualmente: "...marche
o Corpo de Artilharia com suas peças de três ou de calibre mais ligeiro". É engano de cópia ou de
impressão. Em vez de suas deve-se ler duas, pois a questão da quantidade de peças originou uma queixa de Francisco Ignácio a Estêvão
de Rezende, como se lerá no texto.
[28] A Bernarda de
Francisco Ignácio, 1ª edição, pág. 92.
[29] Docs. Interes.,
vol. XXXVII, págs. 93 a 95.
[30] Quadro Histórico,
1ª edição, pág. 268.
[31] Idem, págs. 274 e
282.
[32] A Bernarda de
Francisco Ignácio, anexo N, pág. 47.
[33] O sr. OLIVEIRA LIMA
(obr. cit., pág. 323) diz que o príncipe saiu desta Capital, em regresso para o Rio, na madrugada de 9, o que é engano do ilustre historiador, pois
em tal caso não poderia o príncipe ter feito baixar o decreto dessa data, relativo à substituição do Governo. Efetivamente, sua partida se efetuou,
na madrugada de 10, como bem informa o sr. ROCHA POMBO (Obr. cit., vol. 7º, pág. 750).
[34] Os vários
historiadores datam de 1710 o alvará de que se trata. Entretanto, no livro, onde se copiava toda a correspondência do Governo Geral com o
Provincial, existente no Arquivo Público deste Estado, está transcrito o decreto de 9 de setembro, nomeando o triunvirato que devia substituir a
Junta Provisional, "como ordena o Alvará de doze de Dezembro de mil sette centos e settenta",
por extenso. Também na coleção de documentos publicados pelo BARÃO HOMEM DE MELLO, sob o título de História Política do Brasil, o alvará é
datado de 1770.
[35] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 153.
[36] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 181.
[37] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 151.
[38] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 154.
[39] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, pág. 356.
[40] Terceira carta, de 1º
de agosto, de Francisco Ignácio a Estêvão de Rezende (loc. citato).
[41] Afluente do Rio dos
Pinheiros. Corre no Município de S. Bernardo.
[42] FRANCISCO IGNÁCIO -
Carta citada.
[43] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 155.
[44] Terceira carta, de 1º
de agosto, de Francisco Ignácio (loco citato).
[45] Docs. Ints.,
vol. XXXVII, págs. 359 a 360.
[46] A Bernarda de
Francisco Ignácio, pág. 94.
[47] A respeito da data
deste alvará, vide nossa nota nº 3 da pág. 575.
[48] Terceira carta, de 1º
de agosto (loco citato), pág. 317, col. 2ª.
[49] Idem, pág. 316, col.
2ª.
[50] Docs. Ints., vol.
XXXVII, pág. 92.
[51] Obr. cit., págs. 164
e 171.
[52] O dr. JOÃO ROMEIRO
(obra citada, pág. 105) diz que Costa Carvalho tinha, nessa ocasião, contratado casamento com uma cunhada de Francisco Ignácio, "na
expectativa da grande fortuna que lhe prometia esse casamento".
[53] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 138.
[54] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 141.
[55] B. OCTÁVIO -
Campinas e a Independência, págs. 25 a 29.
[56] HOMEM DE MELLO -
Hist. Polít. do Brasil, págs. 168 a 169.
[57] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 141.
[58] Actas das Sessões
do Govêrno Provisório, pág. 149.
[59] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 156.
[60] Ofício do capitão-mor
comandante das Ordenanças da Vila do Itu, Vicente da Costa Taques Góes e Aranha, ao príncipe regente, em data de 10 de agosto de 1822 (Na
História Polít. do Brasil, págs. 173 e 174).
[61] Parte que ao príncipe
regente deu o te.-cel. Pedro José de Brito Caminha sobre os sucessos em que esteve envolvido o Regimento de Sertanejos, de que era comandante (Idem,
pág. 175 a 176).
[62] Representação ou
ofício do capitão-mor Vicente Taques, já citado.
[63] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., págs. 143 a 144.
[64] Na Hist. Polít. do
Brasil, pág. 166.
[65] Lições de História
Pátria, 1ª ed. (1876), pág. 242.
[66] As Ordenanças eram a
Guarda Nacional daquele tempo.
[67] HOMEM DE MELLO -
História Política do Brasil (Documentos), págs. 86 a 89.
[68] Termo de vereança
extraordinária (na História Política do Brasil, págs. 91 a 92).
[69] Idem, ibidem, págs.
169 a 170.
[70] Termo de vereança
extraordinária (na História Política do Brasil, págs. 170 a 172).
[71] Termo de vereança
extraordinária (na História Política do Brasil, pág. 147).
[72] Idem, ibidem, pág.
151.
[73] Representação da
Câmara ao príncipe, a 14 de agosto de 1822 (na obra citada, págs. 144 a 147).
[74] Obra citada, págs.
177 a 178.
[75] Assim começa a ata da
Câmara de Itu: "Aos vinte e três dias do mês de julho de mil oitocentos e vinte e
dois, nesta vila de Itu, e Casas da Câmara, Paços do Conselho, onde compareceram... para tratar-se e assentar-se, de comum acordo com as autoridades
militares desta Vila, que também foram presentes, sobre a segurança pública desta Comarca, e da Cabeça da Província, e que, pelas notícias que têm
chegado a esta Vila, se acha em convulsão com pretextos sinistros a desobedecerem às reais determinações do príncipe regente, Perpétuo Defensor, e
às ordens do Governo Provisório desta Província, e sendo todos reunidos a este ato, assentara, e ponderaram pela maneira seguinte, etc.".
Mutatis mutandis, reza a ata da Câmara de Porto Feliz: "Aos
vinte e quatro dias do mês de julho de 1822 anos, nesta Vila de Porto Feliz, Comarca de Itu, e casas... onde foram vindos... para tratar-se de
comum acordo com as autoridades militares desta Vila, que também foram presentes, sobre a segurança pública desta Vila, e da Cabeça da Província,
que, pelas notícias que têm chegado a esta Vila, se acha em convulsão com pretextos sinistros a desobedecerem às reais determinações do príncipe
regente, nosso Perpétuo Defensor, e às ordens do Governo Provisório desta Província, e sendo todos reunidos neste ato, assentaram e ponderaram o
seguinte, etc.". A ata de Porto Feliz, de 24, é copiada da de Itu, que é de 23. Como,
pois, aquele Município poderia preceder a este na decretação de medidas contra o governo rebelde da capital de S. Paulo?
[76] Actas do Govêrno
Provisório, págs. 156 a 157.
[77] Registro Geral da
Câmara de S. Paulo, vol. XVI, págs. 451 a 456.
[78] Idem, págs. 450 a
451.
[79] Registro Geral da
Câmara de S. Paulo, vol. XVI, pág. 451.
[80] AMÉRICO BRASILIENSE -
Obr. cit., pág. 243.
[81] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 141.
[82] Actas do Govêrno
Provisório, pág. 156.
[83] Obr. cit., pág. 171.
[84] Actas da Câmara de
S. Paulo, vol. XXII, págs. 573 a 575.
[85] Registro Geral da
Câmara de S. Paulo, vol. XVI, págs. 360 a 361.
[86] Registro Geral da
Câmara de S. Paulo, vol. XVI, pág. 418.
[87] Actas da Câmara de
S. Paulo, vol. XXII, págs. 619 a 624. |