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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 246 a 267): 
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PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA

Capítulo IV - Acontecimentos em S. Paulo (cont.)

[...]

Palácio do Governo Provisório de S. Paulo, em 1822 (antigo Colégio dos Jesuítas)

Imagem publicada com o texto

A revolta do Chaguinhas

Estava a Junta Provisória governando a província havia apenas cinco dias, quando uma grave revolta militar, ocorrida na nossa terra, encheu das maiores apreensões o ânimo dos membros do governo e o espírito público da capital e das localidades mais próximas, até onde as notícias de tais sucessos puderam chegar com relativa brevidade.

O juiz de fora de Santos, dr. José Eugénio Pacheco e SIlva, recebera no dia 25 de junho o ofício em que o governo lhe comunicava sua aclamação e posse e ordenava que mandasse proceder ao juramento das Bases da Constituição, e de obediência ao rei, ao príncipe regente e ao referido governo.

No dia 28 reuniu ele a vereança, a cujo edifício foram chegando todas as autoridades eclesiásticas, civis e militares, que prestaram o juramento determinado, seguindo-se-lhes crescido número de cidadãos qualificados e de populares, do que se lavrou o termo competente [1].

A população folgou ruidosamente até mais tarde que de costume, em comemoração do auspicioso fato, e, com a alma bafejada das mais ridentes esperanças, recolheu-se afinal aos seus penates. Mas, cerca da meia noite, foi violentamente despertada por um toque de rebate dado pelo sino da Matriz, a que se seguiu pouco depois o rumor pesado de carretas de metralhadoras pelas ruas da vila e um marche-marche de tropas correndo em diferentes direções.

Os mais animosos, que se atreveram a sair à rua para sindicar do que se passava, vieram logo ao conhecimento de tudo e voltaram apressadamente para casa, com o espírito suspenso e o coração aos pulos. De que se tratava, pois? Da sublevação dos inferiores e soldados do Batalhão de Caçadores 1, composto em sua totalidade de brasileiros natos.

O exemplo do Batalhão de Caçadores 2, estacionado na Capital, cujos inferiores e praças, no dia 3 de junho, se rebelaram de armas na mão, exigindo que lhes fosse paga a equiparação de soldo decretada por d. João VI antes de partir, o que foi feito sem demora, em vista de sua atitude ameaçadora, estimulou os seus camaradas de Santos a agirem de modo idêntico, mas foram menos felizes que os da guarnição paulista.

Efetivamente, estes, além de pagos e benignamente punidos, tomaram parte saliente nos sucessos revolucionários de 23, apoiando os chefes civis que queriam estabelecer na província um governo provisório, de caráter genuinamente constitucionalista.

Os de Santos, porém, foram punidos com desapiedado e exagerado rigor, quando as causas da sublevação tinham sido originariamente as mesmas. É que, triunfante o movimento insurrecional paulistano, aclamado e empossado o governo que dele surgiu, os pronunciamentos militares, longe de serem benéficos à causa da liberdade, passaram a constituir sério perigo à ordem social e à economia pública.

Continuemos, porém, a nossa narrativa. Vendo os Caçadores da terra, destacados em Santos, que os Caçadores estacionados em São Paulo tinham sido pagos de seus aumentos depois que os reclamaram de armas na mão, entenderam que também deviam proceder assim, visto como até então o governo da província permanecia quedo perante eles a propósito de tão interessante assunto, como se porventura d. João VI não tivesse equiparado, antes de partir, a situação dos oficiais e soldados brasileiros à dos oficiais e soldados portugueses, conforme já relatamos noutro lugar deste volume [2].

Dado o toque de rebate, partiram do Quartel, em direção à Casa da Pólvora, que lhe ficava próxima, arrombaram-na e obrigaram o almoxarife a entregar-lhes a chave do Trem Real, edifício contíguo àquele. Armaram-se de espadas e pistolas, municiaram-se de balas e de pólvora, ocupara, militarmente vários pontos da vila e colocaram nas proximidades do Quartel peças de artilharia carregadas.

Grupos de soldados, tocando cornetas e rufando tambores, percorreram com grande alarido as ruas principais, causando às sobressaltadas famílias o mais justificado terror.

Embalde o governador militar da Praça, tenente-coronel Bento Alberto da Gama e Sá, tentou persuadi-los a que recolhessem a quartéis, a fim de formularem suas reclamações pacificamente. A nada quiseram atender; e, cerca das 3 horas da madrugada, bateram estrepitosamente à porta do juiz de fora, obrigando-o a abrir e a sair com eles apressadamente até a casa do governador, onde levaram também, não se sabe com que fim, o reverendo padre-capelão.

Lá, já se achavam o tenente-coronel José Vicente de Oliveira, o sargento-mor Manuel Gomes, o capitão André Alves, o alferes Joaquim António, o alferes Lima e o coronel Bento Thomás Vianna. Instados pelo tenente-coronel José Vicente para que se acomodassem e voltassem de recolhida aos quartéis, responderam que se convocassem a Câmara, os homens principais da terra e o Corpo de Milícias e que todos jurassem em como lhes seria pago o aumento do soldo, desde a data em que fora publicado o decreto d'El-Rei, tal qual tinham jurado na véspera as Bases da Constituição.

Foi-lhes prometido que tudo se faria pela manhã, pelo que se retiraram para a Casa do Trem, na qual se entrincheiraram. Aos presentes, após a retirada dos insurretos, ponderou o juiz de fora que o juramento não podia ser prestado; e o que cumpria era arranjar dinheiro para satisfazer as reclamações dos sediciosos.

Logo que amanheceu, saíram de novo para a rua os soldados, não consentido que se abrissem lojas nem armazéns; nem que a população fizesse compras no Mercado ou se abastecesse de carne verde no açougue, de onde retiraram toda a que quiseram; ou que os escravos fossem buscar água às fontes ou levar peixes à casa de seus senhores.

A sumaca Aurora que, aproveitando a vazante, pretendia sair barra afora, foi intimada a fundear de novo no canal, sob pena de ser posta a pique pela artilharia.

Logo, porém, que apareceu o dinheiro e foi-lhes feito o pagamento devido, declararam que voltavam à sua antiga obediência e disciplina, entregaram as armas que haviam tirado da Casa do Trem e descarregaram de suas metralhas as peças que tinham levado para a rua.

Como se vê, os acontecimentos de Santos, na noite de 28 para 29 de junho de 1821, não tiveram maior gravidade do que os que se deram na capital da província, vinte dias antes. Por quê, pois, foram punidos com um rigor que o juízo dos contemporâneos e o dos pósteros timbrou sempre em considerar excessivo?

Já o dissemos há pouco: o descontentamento dos Caçadores de S. Paulo serviu ao bom êxito do plano organizado para a mudança que se operou revolucionariamente no governo; ao passo que a explosão dos de Santos não tinha outro objetivo que não a exclusiva defesa de um direito pessoal. Estes, portanto, para que se não repetissem os fatos, deviam ser exemplarmente castigados; enquanto que os de S. Paulo, por terem sustentado, embora com patente quebra da disciplina, a causa da liberdade constitucional, tinham que ser tratados como libertadores da Pátria...

É verdade que vários historiadores, apoiados ou não em documentos, acrescentam ao que narramos, pormenores que tornam a sedição militar de Santos aparentemente mais criminosa que a da Capital. A narração que acabamos de fazer, baseia-se num documento oficial fidedigno, escrito e assinado por quem, em razão de seu cargo e da parte que tomou pessoalmente nas ocorrências, devia estr no inteiro conhecimento de tudo quanto então se passou nessa tormentosa noite de revolta.

Referimo-nos ao ofício em que o doutor José Correia Pacheco e Silva, juiz de fora do Termo de Santos, dá ao governo provisório conta minuciosa dos desgraçados acontecimentos e pede providências enérgicas para que eles se não possam repetir [3].

Entretanto, o que nos informa o dr. ANTONIO DE TOLEDO PIZA, nos seus comentários à Bernarda de Francisco Ignácio, do dr. PAULO DO VALLE [4], os soldos dos Caçadores de Santos não eram pagos havia já muitos anos; e no seu opúsculo - O Supplício do Chaguinhas [5] - explica que esse atraso era de cinco anos; e AZEVEDO MARQUES também diz mais ou menos a mesma coisa [6].

Mas o juiz de fora de Santos é muito claro e muito positivo na justificação do motivo que levou a amotinarem-se os Caçadores: foi o não pagamento, por parte do governo, do aumento de soldo decretado por d. João VI, havia apenas três meses, no seu decreto de equiparação.

Quer isso dizer que não havia atraso algum na satisfação desse pagamento, que fora feito pela tabela antiga, como se o decreto real não tivesse entrado em execução, injustiça que muito revoltou a ludibriada guarnição de nossa Praça.

Os mesmos historiadores, e mais o dr. JOÃO ROMEIRO [7], contam-nos que os sediciosos assaltaram a cadeia e soltaram os presos que lá se achavam; que invadiram casas de famílias e repartições públicas, praticaram atos brutais, puseram a vila a saque e prenderam vários capitalistas que tiveram de obter a dinheiro o seu resgate.

AZEVEDO MARQUES [8] e A. PIZA [9] aditam que houve rixas entre marinheiros e soldados, das quais resultaram alguns ferimentos e duas ou três mortes; e o último [10] narra-nos a mais que os revoltosos, com a sua artilharia, fizeram fogo contra um navio de guerra português e várias embarcações mercantes fundeadas no porto.

No relatório do juiz de fora, escrito quando os fatos eram ainda recentes - dois dias depois deles acontecidos -, não se encontra confirmado nenhum desses detalhes novos, exceto a prisão das autoridades, pois o próprio magistrado foi constrangido a sair de casa pela madrugada e acompanhar os amotinados até a residência do governador; mas das Atas das sessões realizadas pela Junta Provisória consta que houve conflitos entre os soldados insurretos e marinheiros de navios surtos no porto, que a isso foram instigados por pessoas do lugar, e talvez pelas próprias autoridades tomadas de terror, e de tais conflitos resultaram mortos e feridos.

Ora, se em vez de insuflarem contra a soldadesca, que pugnava por seu direito, os embarcadiços estacionados na localidade, tivessem as pessoas gradas e homens públicos de Santos providenciado calmamente, como se fizera na Capital, para o cumprimento da lei reclamado pelos revoltosos, é certo que os acontecimentos não teriam tomado uma feição mais grave que os de S. Paulo.

Coube, pois, aos que armaram os marinheiros contra os Caçadores, grande parte de responsabilidade na agravação dos delitos praticados por aqueles, e tanto assim que o próprio governo, em sessão de 1º de agosto, determinou ao juiz de fora que abrisse devassa para se conhecer quem foram tais insufladores e que motivos tiveram para isso [11].

E se não se ultimou a "inteira ruína desta vila, como projetavam nossos inimigos", conforme se exprime o Corpo do Comércio de Santos, em ofício que, sobre as ocorrências da fatídica madrugada de 28 de junho, endereçou ao governo provisório em 11 de julho - foi porque a isso se opuseram, por seus "arriscados feitos e honrada conduta", os 2ºs sargentos Carlos José Pinheiro [12] e Manuel Archanjo, e o sargento de brigada Sebastião Xavier de Sousa, todos inferiores do próprio batalhão revoltado e cujos serviços a supracitada corporação recomendava ao reconhecimento e à atenção do referido governo.

O ofício do Corpo do Comércio Santista é redigido em linguagem escandecente, inspirada e até sublime: os signatários, depois de ratificarem o juramento, que a 28 de junho tinham prestado, de obediência às Bases Constitucionais e fidelidade aos poderes organizados em resultância delas - oferecem todos os seus haveres, suas pessoas e sua honra como penhor de completa lealdade ao serviço público da Nação.

E terminam os "comerciantes da pacífica e mansa Praça de Santos, entreposto da província de S. Paulo", ajoelhando-se aos pés dos membros do governo, "com o maior dos respeitos e submissão", e beijando as mãos de Suas Excelências.

A 16, respondeu-lhes a Junta, agradecendo a coletiva manifestação de classe tão importante e assegurando-lhe que tomaria em consideração o pedido feito em favor dos três inferiores pertencentes ao extinto Batalhão de Caçadores 1 [13].

Primeiras notícias. Providências tomadas

A primeira comunicação que chegou ao conhecimento do governo foi a que lhe enviou o governador da Praça de Santos. Resolveu imediatamente a Junta constituir-se em sessão permanente para a expedição das providências necessárias, até que "terminasse aquela desordem" [14].

A sessão permanente durou de 30 de junho a 2 de julho, mas da ata respectiva, redigida mui laconicamente, não consta quais fossem as medidas adotadas para reprimir uma desordem que já estava afinal de contas terminada desde o dia 29, segundo consta da comunicação do juiz de fora, pois os amotinados, depois de satisfeitos em sua justa reclamação, tinham reentregue as armas às autoridades e descarregado as peças de artilharia, recolhendo-se a quartel.

Sabe-se, porém, por vários historiadores, que o primeiro cuidado do governo foi substituir o comandante da Praça, tenente-coronel Gama e Sá, pelo coronel Francisco António Nogueira da Gama, fazendo outrossim marchar contra os rebeldes já acomodados o Batalhão de Caçadores 2, da guarnição desta capital.

Por ordem do governo desceram com essa tropa a Santos o coronel Lázaro José Gonçalves, secretário dos Negócios da Guerra e comandante geral do Regimento de Caçadores da Província; e o coronel Daniel Pedro Müller, que era deputado pelas Armas no seio do mesmo governo [15].

Levavam eles a incumbência de dominar a revolta e de instaurar o Conselho de Guerra a que tinham de responder os revoltosos. As Forças chegaram a seu destino a 6 e, apesar de terem encontrado já repostos na antiga disciplina e inteiramente desarmados os infelizes rebeldes, que não podiam, portanto, resistir a um ataque regular, os dois membros da Junta, em ofício que, na mesma data expediram para S. Paulo a essa corporação, gabaram-se de ter surpreendido os "infames rebelados, prendendo a maior parte deles, e neste número muitos dos seus cabeças, expondo o valor, unidade e obediência das tropas que comandavam" [16].

E assim os Caçadores de Santos foram esmagados por aqueles mesmos Caçadores de S. Paulo que, antes deles, e por iguais motivos, se tinham insurgido contra os poderes legais, dando-lhes o pernicioso exemplo que imitaram com menos felicidade e ainda menor proveito.

A Junta, ao tomar conhecimento do gratulatório ofício de seus valentes colegas, determinou, na sessão do dia seguinte, que se desse publicidade por bando a tão fausta notícia, declarando-se beneméritos da Pátria os comandants, oficiais e soldados da Trapa, "que tão heroicamente tinham terminado aquela rebelião" [17]; e que por outro bando se mandassem aos habitantes de Santos felicitações por estarem restituídos à sua tranqüilidade de outrora.

Na sessão extraordinária do dia 12, à qual compareceu o deputado pela Agricultura, dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que tomara posse na sessão ordinária do dia 9 [18], foi lido um extenso ofício dos deputados comandantes das forças de Santos, propondo ao governo que os soldados culposos do extinto Batalhão de Caçadores daquela Praça fossem dispersos pelos países que melhor parecessem, a fim de não infeccionarem os habitantes desta província", para o que julgavam conveniente que se pedisse à Corte do Rio de Janeiro uma embarcação que os levasse a seus destinos.

A Junta, "depois de madura reflexão", resolveu que se passasse a julgar os menos culpados, requerendo-se ao príncipe regente que lhes comutasse em carrinho temporário a pena última a que estavam sujeitos pelo artigo 15 do regulamento do conde de Lippe; e que os malvados que cometeram assassinatos ou roubos, assim como os cabeças da insurreição fossem, para exemplo, condenados à morte.

Os atingidos pela benignidade de d. Pedro, em número de 110 [19], foram, em fins de agosto e em razão desse acórdão, divididos em magotes de 5, 10, 15 e 20, e condenados a trabalhar na reparação das estradas públicas da província, entre as quais, a de Curitiba para Paranaguá, a de Mogi das Cruzes para S. Sebastião, e a de Santos para a Fábrica de Ferro de Ipanema; e também nos consertos das estradas do Rio de Janeiro.

Se, com o correr dos tempos, se mostrassem regenerados e arrependidos, iriam, os solteiros, para a campanha do Sul, substituir os soldados casados que seriam recolhidos a esta província, a cuja guarnição pertenciam; os já casados, ou que estivessem em condições de casar, seriam empregados como colonos nas povoações de Guarapuava e Araripa, na marinha, e na antiga colônia de Iguatemi, destruída pelos espanhóis [20].

Processo e julgamento

Além do Conselho de Guerra, que estava funcionando em Santos para apurar as responsabilidades dos militares na sedição, o juiz de fora do Termo foi encarregado de tirar uma escrupulosa devassa, não só quanto à sobredita sedição, para esclarecimento completo das causas e circunstâncias que a motivaram [21], com também quanto à reação dos marinheiros contra o Batalhão de Caçadores, a fim de se conhecer quais os civis que influíram para que aqueles se armassem contra estes e as razões que a isso os compeliram [22].

Terminada a tarefa do conselho, que remeteu os volumosos autos do processo ao governo provisório, nomeou este a comissão militar que devia estudá-los e que ficou constituída por José Bonifácio, pelo chefe de esquadra Miguel José de Oliveira Pinto, secretário da Marinha; pelos coronéis António Leite Pereira da Gama Lobo e Francisco Ignácio de Sousa Queirós, respectivamente deputados das Armas e do Comércio no seio do dito governo, e pelo juiz de fora da capital, que era então o dr. José da Costa Carvalho [23].

Confirmação da sentença

Em sessão de 10 de setembro, a que não compareceram Nicolau Vergueiro e Oliveira Pinto [24], foi unanimemente confirmada a sentença do Conselho de Guerra, condenando a padecerem morte natural na forca os seguintes réus: soldados José Maria Ramos, José Joaquim Lontra, e Joaquim José Cotintiba; cabos Floriano Pires e Francisco José das Chagas (conhecido por Chaguinhas); furriel Joaquim Rodrigues e sargento José Correia.Ao todo, 7 [25].

Os coronéis Lázaro e Müller, por se acharem no desempenho de sua comissão militar em Santos, também não estiveram presentes àquela sessão, mas, tendo feito parte do Conselho de Guerra que condenou à pena última os infelizes réus, é claro que votariam com seus colegas de governo pela confirmação da sentença.

Dos condenados, deviam sofrer a imposição da pena em Santos os que tivessem nascido em qualquer localidade da marinha, para escarmento dos respectivos conterrâneos; e os que fossem naturais de serra-acima seriam, por idêntica razão, executados nesta Capital [26].

Execuções capitais em Santos

Na tarde de sábado, 15 de setembro, entraram em Santos para o Oratório, que, segundo ouvimos, era na Igreja de Santo Antonio, no altar de Nossa Senhora dos Aflitos, os réus Lontra, Ramos, Pires, Rodrigues e Correia; e à uma hora da tarde da segunda-feira, 17, foram justiçados "com ordem, aparato e sem novidade", segundo se lê na fria, seca e lacônica participação mandada ao governo pelos deputados coronéis Lázaro Gonçalves e Daniel Mulller [27].

Pelos serviços prestados por estes, assentou o governo, em sessão de 22, em pedir a Sua Alteza Real, para o primeiro a patente de brigadeiro efetivo e para o segundo a de brigadeiro graduado [28].

O suplício do Chaguinhas

O cabo Francisco José das Chagas (o desgraçado Chaguinhas, em torno de cujo horroroso suplício a imaginação popular teceu piedosamente fábulas simpáticas) e o soldado Joaquim José Cotintiba vieram para esta Capital a 15 do mesmo mês, "escoltados por um furriel, quatro praças e seu comandante, o tenente João Vicente da Fonseca" [29], e no dia 20 foram executados no Campo da Forca, atual Largo da Liberdade, na presença do juiz de fora, dr. José da Costa Carvalho, e dos tabeliães do Público, Judicial e Notas e escrivães do Crime, Joaquim Rodrigues Goulart e Francisco José Barbosa, em cumprimento de ordens que àquele magistrado transmitira, por ofício de 17, o desembargador dom Nuno Eugênio de Lócio e Seiblitz, ouvidor e corregedor da Comarca de S. Paulo [30].

Durante a execução de Chaguinhas deram-se lances que emocionaram profundamente os circunstantes e moveram o ânimo da população paulistana num impulso unânime de piedade para com o desgraçado.

A corda, que o devia estrangular, partiu-se por várias vezes, ao que narram alguns cronistas; pelo que foi lançada sobre o executando, de acordo com os costumes tradicionais, a bandeira da Misericórdia, cuja Irmandade, revestida de seus balandraus, era obrigada a comparecer às cerimônias desse jaez, para lhes realçar o fúnebre aparato, acompanhando processionalmente os pacientes, desde a cadeia, situada no Largo Municipal, atual Praça João Mendes, até o local onde se erigia a forca, no espaço em que se acham hoje o Largo da Liberdade e o quarteirão compreendido entre esse Largo, a rua do mesmo nome e as de Américo de Campos e Galvão Bueno [31].

Rota pela primeira vez a corda, estendida a bandeira da Misericórdia sobre Chaguinhas, o povo implorou ao governo a comutação da pena, que foi negada. Sobe o infeliz pela segunda vez os degraus do patíbulo, e pela segunda vez rompe-se a corda, como que a protestar contra a iniqüidade daquela bárbara sentença. Novamente a bandeira da Misericórdia o acolhe sob a indulgência de suas generosas dobras; novamente o povo se dirige a Palácio a pedir, agora com fundamentada esperança, que seja poupada pelos homens a vida daquele que os próprios objetos inanimados recusam-se a sacrificar.

Debalde apelou a multidão para o governo; este, inflexível no seu propósito de impedir, por meio de um exemplo decisivo, que novos pronunciamentos militares viessem a por em perigo a ordem pública na província, desatendeu ao apelo, e mandou que o laço de corda fosse substituído por um laço de couro, que se foi buscar ao açougue.

Depoimento do padre Feijó

Pois bem: ainda este laço, por absurdo que pareça o fato, rompeu-se como os outros, segundo o depoimento do padre Diogo António Feijó, que foi testemunha presencial da execução, com todas as suas emocionantes peripécias; o corpo do desventurado cabo do dissolvido Batalhão de Caçadores de Santos caiu pesadamente por terra, ainda semi-vivo, e, ao que nos afirma o mesmo sacerdote, dez anos depois, em frase repassadas de horrorosa recordação, no discurso proferido a 22 de maio de 1832, na Câmara dos Deputados Gerais do Império, a execução foi terminada no solo, onde acabaram de matá-lo [32], o que prova que eram de uma terminante e desusada energia as ordens passadas às autoridades e ao carrasco executor da alta justiça...

O cadáver de Chaguinhas foi em seguida sepultado no já não existente cemitério geral da Rua da Glória [33], conhecido por Cemitério dos Aflitos, "primeira necrópole pública instituída em S. Paulo, situada entre a primitiva Rua dos Estudantes e o Largo da Glória" [34].

***

Acusação contra Martim Francisco

Ora, a pena imposta, consideraram-na os paulistas como desproporcionada ao delito, de maneira que a simpatia pública geralmente se fez sentir em favor do mísero Chaguinhas, cuja família, embora de origem modesta, era estimada e respeitada nesta Capital, onde residia à Travessa das Flores, beco que comunica a rua deste nome com a da Boa Morte.

A circunstancia de se ter partido a corda do suplício por três vezes contribuiu para que na alma popular aumentasse a convicção de que a sentença fora exagerada de fato, se não formalmente injusta. E a relutância em atender, o governo, ao voto da população, encheu-a de revolta e explodiu em manifestações de franca antipatia contra algumas das principais figuras componentes do referido governo, dantes sempre acatadas e queridas sempre.

Não sabemos porque as prevenções populares se fixaram especialmente em Martim Francisco, servindo até de pretexto para uma conspiração política que deu em resultado a sua deposição de membro do governo, oito meses depois daquela execução, como circunstanciadamente se verá quando tratarmos da bernarda de Francisco Ignácio.

Entretanto, a sentença foi lavrada por um Conselho de Guerra de que ele não fizera parte, revista por uma Comissão Militar de que era presidente José Bonifácio e confirmada unanimemente pelos onze deputados do Governo Provisório, presentes à sessão de 10 de setembro em que se tratou do caso, deixando, como dissemos, de pronunciar-se apenas Vergueiro e Oliveira Pinto, que nao tinham comparecido, e os coronéis Lázaro e Müller, que estavam ausentes, mas cujos votos seriam forçosamente confirmativos da penalidade pela qual eles tinham votado no aludido conselho, de que eram membros...

É preciso, pois, que Martim Francisco se tivesse destacado mais do que seus colegas na repulsa ao apelo popular em favor do réu, depois das cenas ocorridas no cadafalso, para que a animosidade pública se manifestasse de preferência contra ele e se mantivesse irredutível durante perto de oito longos meses...

O dr. ANTÓNIO DE TOLEDO PIZA, venerador da trindade histórica, sustentou em jornal paulista animada polêmica para defender Martim Francisco da acusação que lhe fizeram seus contemporâneos, agravada pela revelação parlamentar do padre Diogo Feijó.

Aquele saudoso historiador, ouvindo a voz da tradição oral, sustentou que o secretário do Interior e Fazenda do governo provisório reconhecera com seu irmão a injustiça da sentença, e entendeu por isso que era preciso salvar Chaguinhas a todo o transe, mas de modo a não melindrar o elemento português que queria vê-lo punido para escarmento dos soldados nacionais. Tratou, pois, de adiar indefinidamente a execução até maio do ano seguinte.

Uma lenda ingênua

Rebentada por duas vezes a corda amiga, indeferida energicamente a petição do povo em prol do réu, para se manterem em calma os lusos odientos, mandou-se buscar ao açougue um laço de couro, e recomendou-se ao carcereiro e ao carrasco que substituíssem Chaguinhas por um boneco bem confeccionado. Como, com tantas peripécias, tantas reuniões, tantas idas e vindas entre o Campo da Forca, o açougue, a cadeia e o palácio, acontecesse cair a noite, aproveitou-se a escuridão respectiva para se proceder habilmente à execução do boneco.

Esta ingênua história, que o dr. PIZA colheu da tradição, é por ele narrada e arquitetada com grande cópia de pormenores interessantes e em linguagem viva, animada e pitoresca, através da qual se percebe o seu sincero propósito de defender de tão grande mácula a honrada memória do paulista ilustre, não olhando para a incongruência das datas, para a inverossimilhança dos episódios, para os absurdos de lógica, e a fraqueza patente dos argumentos invocados [35].

Contra a lenda popular, a que a sua imaginação quis dar um cunho de verossimilhança, levantava-se o depoimento de Feijó... Mas Feijó não poderia ter testemunhado o suplício de Chaguinhas, porque nessa ocasião se achava na Europa, com assento nas Cortes Portuguesas, como deputado por S. Paulo.

Para o velho historiador paulista, tendo sido aquela execução o mais forte pretexto determinante da bernarda de Francisco Ignácio, ocorrida em 23 de maio de 1822, era fora de dúvida que Chaguinhas fora enforcado poucos dias antes desse fato, não lhe passando pela cabeça que uma causa verificada oito meses antes só produzisse seus fatais efeitos oito meses depois...

E como não descobrira ele até então documento algum comprovante de que a execução se realizara no ano anterior, não havia, pois, que duvidar: Feijó fora vítima de uma ilusão ótica, ou não conservava boa memória dos acontecimentos passados; e n fundo de seu procedimento contra Martim Francisco latejava o seu ódio contra os Andradas [36].

Não achava possível o dr. PIZA que, sendo o Campo da Forca distante do Palácio um quilômetro, houvesse tempo para se levar ao conhecimento do governo o rompimento do laço de couro e virem de lá ordens para acabarem de estrangular o sentenciado caído semi-morto por terra [37].

Mas esqueceu-se o ilustre historiógrafo de que ele mesmo nos conta que a execução começara entre as 11 horas da manhã e uma da tarde e se prolongara até noite fechada, por causa dos incidentes que se deram.

Pois se houve tempo para se levar por três vezes a notícia de tais incidentes ao governo; se houve tempo para que o povo, por três vezes, corresse a palácio para implorar a benignidade da Justiça em favor do réu; se houve tempo para que, reunido três vezes no mesmo dia, o dito governo indeferisse implacavelmente por três vezes a súplica da multidão ansiosa; se houve tempo finalmente para se confeccionar um boneco para substituir o paciente; porque não haveria tempo para ir um próprio a palácio levar um aviso e trazer uma ordem?

Além disso, da mesma forma que, na ficção adotada pelo saudoso escritor, Martim Francisco tinha combinado previamente com o carcereiro e o carrasco a substituição do réu por um boneco com aparência de figura humana, assim também, quando chegou a Palácio a participação da ruptura do laço pela segunda vez, podia ter ele passado ordens ao executor para que, no caso de nova repetição do incidente, completasse por suas próprias mãos a obra da forca.

A inflexibilidade moral de Martim Francisco

Nunca nos conformamos com a opinião sustentada pelo nosso respeitável e saudoso amigo. Achamo-la sempre inconciliável com a integridade moral de Martim Francisco, que era a austeridade em pessoa, na opinião unânime, tanto de adversários como de partidaristas seus. "Granjeou sempre reputação da mais ilibada probidade", escreve a respeito dele o mais feroz inimigo dos célebres irmãos - o inaplacável, o orgulhoso visconde de Porto Seguro [38].

"Caráter extremamente severo - diz Mello Moraes Pae, na sua História das Constituições [39] -, Martim Francisco não tinha consideração com ninguém; traçava uma linha reta que devia percorrer, quebrando todos os obstáculos que encontrasse no caminho, até chegar ao seu destino. Nem com o príncipe admitia sair desta regra, e não lhe fazia a vontade na coisa mais insignificante, uma vez que não estivesse na rigorosa condição da Lei" [40].

Ora, ANTÓNIO PIZA confessa que Martim reconhecera a injustiça da sentença e estava resolvido a salvar Chaguinhas a todo o custo [41]. Se assim fosse de fato, se efetivamente sua convicção fosse tal e fossem tais os seus propósitos, ele não apelaria para uma farsa ignóbil, com a cumplicidade de empregados públicos de categoria subalternos, para ir direto a seus fins. Com a franqueza, a lealdade, e o conhecido destemor com que sempre afrontou, plácida e intrepidamente, as situações mais perigosas de sua longa vida acidentada de perturbações, tomaria a peito sem hesitar a cusa da pobre vítima, pleitearia a revisão do processo ou imploraria para ela a graça do príncipe real, mandando suspender a execução da sentença.

O que nunca faria, porém, era gritar asperamente das janelas do palácio, para o povo, estacionado no Pátio do Colégio, declarando-lhe, em altas vozes, que o governo não atenderia ao seu pedido; e, depois, conluiado com o carcereiro e o carrasco, pôr na forca um boneco em vez do réu e facilitar a fuga deste para Porto Feliz e daí para Cuiabá, de onde nunca mais deveria regressar à terra de seu berço [42].

Quem, através da história, conhece a inflexibilidade quase ríspida da têmpera moral de Martim Francisco, para logo se convence de que foi ele, nas reuniões da Junta, o voto que preponderou para que se não deixasse de justiçar Chaguinhas e se indeferissem as reclamações dos paulistas compadecidos de seu conterrâneo.

Para ele, a sedição de que o ex-cabo fora um dos chefes revestira-se da maior gravidade, não só pelo iminente risco que correra a honra, a propriedade e a vida da população de Santos, como também pela violação da disciplina militar, calamidade que se estava tornando freqüente no Brasil e que era preciso evitar a todo o transe, por meio de um exemplo severo que calasse fundo no espírito das guarnições militares propensas então a revoltar-se por qualquer motivo.

A sua atitude no seio do governo foi conhecida prontamente cá fora e, provavelmente, agravada pelos seus adversários políticos nos comentários públicos que a semelhante respeito faziam por toda a parte. Seus amigos, vendo-o prestes a cair nos abismos da impopularidade, sentindo-o alvejado pelos anátemas do povo, cujos apelidos ele rejeitara decididamente, tiveram então a idéia de recorrer à fábula do boneco e da fuga para Cuiabá, no generoso propósito de limpá-lo da culpa que lhe atribuíam.

Foi essa lenda, na qual, através das idades, acreditaram almas ingênuas do passado, que o dr. ANTÓNIO PIZA entendeu de perfilhar para defender a conduta de Martim Francisco em relação ao chefe da revolta dos Caçadores de Santos.

Quanto ao testemunho do padre Diogo António Feijó, está ele integralmente de pé, porquanto os documentos oficiais que citamos comprovam que a dupla execução de Chaguinhas e Cotintiba realizou-se a 20 de setembro de 1821, e não em princípios de maio de 1822, como buscou demonstrar aquele erudito investigador da história pátria, no opúsculo que escreveu, com vigor e eloqüência, em defesa de Martim Francisco.

Em 25 de setembro de 1821 Feijó ainda não tinha partido para Lisboa; porquanto, nessa data, expedia-lhe o governo provisório um ofício, no qual precisamente se aludia à recente execução de Chaguinhas e de seu desafortunado companheiro de rebelião, a propósito do depoimento que o ilustre sacerdote prestara na devassa aberta para se apurarem certas erronias profissionais e prevaricações praticadas pelo ouvidor d. Nuno Eugénio de Lócio e Seiblitz no exercício de seu ministério.

Eis o ofício, cujos passos mais interessantes vão grifados por nós: "Constando ao Governo Provisório que V. S., por decência, calara em sua deposição que o desº. d. Nuno Eugénio de Lócio e Seiblitz lhe afirmara que este governo era composto de pessoas ignorantes e mais dignas de forca do que os facinorosos que de próximo foram justiçados em razão do motim, roubos e mortes perpetrados em Santos, o governo exige que V.S. lhe afirme se é verdade o referido, em ordem a poder, com verdadeiro conhecimento de causa, participar a S. A. R. o comportamento deste ministro. - Deus Guarde a V. S. - Palácio do Governo de S. Paulo, 25 de setembro de 1821" [43].

É certo, pois, que o seu discurso de 1832, na Câmara temporária, versava indiscutivelmente sobre o suplício do infeliz Chaguinhas.

[...]


NOTAS:

[1] Ofício do mencionado juiz de fora ao governo provisório (Docs. Interes., vol. 1º, 3ª edição, pág. 105).

[2] D. João estendera aos oficiais do Exército do Brasil, de alferes a major,a s vantagens que fruíam os do Exército de Portugal; e, pouco depois, as generalizara aos inferiores e praças daquele exército, equiparando-os em tudo aos inferiores e soldados das tropas do Reino. Esta equiparação não tinha sido cumprida; daí a revolta dos batalhões de S. Paulo e Santos.

[3] A Bernarda de Francisco Ignácio, 3ª edição, pág. 105.

[4] Anexo A, página 20.

[5] Página 39.

[6] Apontamentos Históricos, 2º vol., pág. 165, 1ª col.

[7] De D. João VI à Independência, pág. 74.

[8] Obr., pág. e col. citadas.

[9] A Bernarda de Francisco Ignácio, pág. 20; O Supplício do Chaguinhas, pág. 40.

[10] A Bernarda de Francisco Ignácio, pág. 20.

[11] Actas do Govêrno Provisório, pág. 31.

[12] Deve ser antepassado de nosso conterrâneo, o saudoso cidadão Carlos José Pinheiro, que ocupou vários cargos públicos em nossa terra natal, entre os quais o de vice-prefeito do Município.

[13] O Ofício do Corpo do Comércio, documento que um velho negociante da Praça de Santos cedeu a B. Calixto, e este publicou no vol. XVII da Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo, pág. 461, foi assinado pelos seguintes cidadãos, quase todos com respeitável descendência atual em Santos e fora de Santos: José António Vieira de Carvalho, José Carvalho da Silva, Caetano António Pereira de Barros, Venâncio António da Rosa, José Toríbio Martins, Bernardino António Vieira Barbosa, Manuel António Alves de Paiva, Romão José Florindo, João Xavier da Costa Aguiar, Bento Thomás Vianna, Francisco Xavier da Costa Aguiar, Francisco Xavier da Cota Aguiar Filho, Cypriano da Silva Proost, Januário José da Silva e Manuel de Alvarenga Braga.

A publicação é precedida de alguns comentários de B. Calixto que necessitam de reparos e retificações. Diz ele, por exemplo, discorrendo horrorizado sobre o suplício de Chaguinhas, o seguinte, que transcrevemos na íntegra: "... não querendo o chefe do Governo Provisório (MARTIM FRANCISCO) atender aos clamores do povo e dos irmãos da Misericórdia, que suplicavam o perdão dos pacientes - mandou-se buscar no Matadouro um forte laço de couro, etc.".

Ora, da própria resposta do Governo Provisório ao Corpo do Comércio Santista, a qual B. Calixto publica no mesmo lugar, se depreende o visível engano em que labora o equivocado investigador. Martim não era chefe do Governo Provisório, mas apenas secretário do Interior e Fazenda; chefe era Oeynhausen, que tinha José Bonifácio por legítimo substituto, na qualidade de vice-presidente da Junta.

Outro lapso do mesmo amigo da brasílica história encontra-se no seguinte período que também transcrevemos textualmente: "Um desses documentos diz que no conflito os revoltosos cometeram muitas mortes e roubos, quando os historiadores afirmam que APENAS houve depredações, roubos e grande pânico".

Os próprios historiadores que B. Calixto cita nominalmente em seus comentários - Machado de Oliveira, Azevedo Marques, António Piza, J. Jacintho Ribeiro - narram que houve conflitos e mortes, e não apenas depredações e roubos. ANTÓNIO PIZA, por exemplo, em substancioso estudo publicado cerca de 20 anos antes dos comentários do pintor itanhaeense (A Bernarda de Francisco Ignácio, 3ª edição, pág. 20), já dizia que "de algumas rixas entre marinheiros e resultados resultaram alguns ferimentos e mortes". AZEVEDO MARQUES (Apontamentos Históricos, 2º vol., págs. 164, 2ª col., e 165, 1ª coluna) também refere que "das rixas entre soldados e marinheiros resultaram poucos ferimentos e duas ou três mortes"; e MACHADO DE OLIVEIRA, transcrito integralmente por J. J. RIBEIRO (Chronologia, vol. 1º, pág. 691), informa: "Algumas rixas e conflitos houve entre os soldados revoltados e a maruja, do que resultou serem alguns mortos ou feridos".

[14] Documentos Interessantes, volume 2º, 3ª edição, pág. 12.

[15] Estes membros da Junta tinham tomado posse de seus cargos, juntamente com o chefe de esquadra Miguel José de Oliveira Pinto, secretário da Marinha, no próprio dia em que se recebeu em S. Paulo comunicação da revolta (Actas da Câmara Municipal de S. Paulo - Vereação de posse e juramento - páginas 483 e 484).

[16] Actas das Sessões do Govêrno Provisório de S. Paulo, 3ª ed., págs. 14 e 15.

[17] Idem, pág. 15. O dr. ANTÓNIO DE TOLEDO PIZA, narrando este sucesso militar no seu opúsculo - O Supplício do Chaguinhas (pág. 40) -, diz, textualmente: "Participada no mesmo dia para S. Paulo esta importante notícia, o correio viajou toda a noite e chegou a esta Capital no dia 7 cedo, e como o governo estava em sessão permanente, publicou logo por bando essa festival nova".

Enganou-se o ilustre historiador paulista na afirmativa que intencionalmente sublinhamos na transcrição: a 7 de julho, o Governo Provisório não estava mais em sessão permanente, porquanto esta durou somente de 30 de junho até 2 daquele mês, conforme já dissemos no texto. A sessão do dia 7 foi uma das três sessões semanais ordinárias, que a Junta costumava celebrar, de acordo com o aprovado na reunião inicial de 23 de junho (Actas do Govêrno Provisório, ed. cit., pág. 5). Aliás, num trabalho anterior - o longo Anexo A, juntado à Bernarda de Francisco Ignácio, do dr. PAULO DO VALLE - o dr. PIZA, em harmonia com os documentos, conta-nos que a Junta "declarou-se em sessão permanente, que durou 48 horas, e tomou todas as providências que o caso exigia para o restabelecimento da ordem e do sossego público naquela Vila" (pág. 20).

[18] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. 22, pág. 491; Actas das Sessões do Govêrno Provisório, pág. 16.

[19] Actas do Govêrno Provisório, pág. 39. O dr. JOÃO ROMEIRO (obr. cit., pág. 74) eleva, por equívoco, a 115 esse número.

[20] Actas do Govêrno Provisório de S. Paulo, sessões de 12 de julho a 18 de agosto de 1821, págs. 19 e 39.

[21] Actas do Govêrno Provisório de S. Paulo, sessão de 30 de julho, pág. 30.

[22] Idem, sessão de 1º de agosto, pág. 31.

[23] Idem, sessão de 1º de setembro, pág. 48.

[24] Idem, pág. 54.

[25] A. DE TOLEDO PIZA - O Supplício do Chaguinhas, pág. 42.

[26] Idem, ibidem.

[27] DJALMA FORJAZ - Senador Vergueiro, 3ª conferência (Jornal do Commércio, de S. Paulo, de 20 de fevereiro de 1922).

[28] Actas do Govêrno Provisório, pág. 60.

[29] Idem, ibidem.

[30] Idem, ibidem.

[31] A. DE TOLEDO PIZA - O Supplício do Chaguinhas, pág. 44.

[32] Idem - Martim Francisco e a Bernarda, págs. 65 a 66.

[33] No lugar onde Chaguinhas foi sacrificado, o povo, em sua memória, erigiu uma cruz, a cujo lado foi colocada uma mesa, sobre a qual se acendiam velas de cera que, segundo a tradição popular, nunca se apagavam sob a ação dos ventos ou dos temporais, consumindo-se até o final. O patíbulo fora erguido sobre um morro que se foi arrasando pouco a pouco para dar lugar à construção de prédios e aberturas de ruas; de modo que a cruz - conhecida com o correr dos tempos pela denominação de Santa Cruz dos Enforcados - ia sendo mudada de um ponto para outro pelos devotos, conforme as circunstâncias, até ficar definitivamente no local onde, há cerca de trinta anos (N.E.: portanto, desde cerca de 1892), existe uma capelazinha sob aquela sacra invocação (ANTONIO EGYDIO MARTINS - S. Paulo Antigo, 1º volume, pág. 85).

[34] AFFONSO A. DE FREITAS - Tradições e Reminiscências Paulistanas, págs. 17 a 19. A primitiva Rua dos Estudantes era a atual Rua de Galvão Bueno.

[35] O Supplício do Chaguinhas, págs. 42 a 47; Martim Francisco e a Bernarda, págs. 55 a 59.

[36] Martim Francisco e a Bernarda, págs. 67 e 68.

[37] Idem, ibidem.

[38] Hist. da Independência, pág. 169.

[39] Vol. 1º, pág. 372, 2ª col.

[40] Basta lembrarmos o conhecido caso do dinheiro que José Bonifácio perdera no teatro ou dele fora despojado por algum ladrão. Recebendo os seus vencimentos mensais de ministro, da importância de 400$000 réis, acondicionou-os no fundo do chapéu, foi a um espetáculo no Teatro de S. João, e aí dinheiro e chapéu lhe desapareceram, ficando sem recursos para as despesas domésticas do dia seguinte, que foram custeadas por seu sobrinho Belchior Fernandes Pinheiro. O imperador, ao ter conhecimento do fato, e sabendo quão embaraçosa se tornara a situação de seu ilustre primeiro ministro naquele mês, deu ordem, em reunião de Conselho, a Martim Francisco para pagar novamente a seu irmão a quantia que este perdera, ao que retrucou o ministro da Fazenda, pedindo a retirada da ordem, por ser absolutamente inexeqüível, pois que o Estado não podia tornar-se responsável pelos descuidos de seus empregados quaisquer; e que repartiria com José Bonifácio os seus próprios vencimentos, vivendo ambos com mais parcimônia até o mês seguinte, o que seria muito mais proveitoso e mais digno do que dar à Administração e ao País o exemplo de se pagarem em duplicata ao funcionário descuidado seus vencimentos mensais (VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Annotações á sua Biographia, separata dos Annaes da Bibliotheca Nacional, do RIo de Janeiro, página 87.

O dr. JOÃO DE MORAES, em trabalho que só conhecemos através de uma citação autorizada (LELLIS VIEIRA - José Bonifácio, pág. 67), referindo-se a este fato verídico, troca, entretanto, o papel dos principais personagens envolvidos nele, pois atribui a Martim Francisco exatamente o que se passou com José Bonifácio - e vice-versa. Assim também diz que o chapéu fora deixado na ante-sala do Conselho, em dia de despacho, quando furtaram o dinheiro que dentro se achava escondido. É pouco verossímil que se praticasse contra um ministro, e no próprio palácio, um delito de tal natureza.

Outro fato que dá a medida exata da inflexibilidade moral de Martim Francisco é-nos relatado ainda pelo mesmo Drummond, que foi o protagonista deste. O Clube da Resistência decidira que o jovem patriota fosse a Pernambuco entender-se com os elementos de lá sobre a reação que no Rio se preparava contra Portugal. Requereu ele uma licença de 6 meses, no cargo público que exercia, o de contador da Chancelaria-Mor, e esqueceu-se de falar em vencimentos. Sua ausência prolongou-se por tempo excedente àquele período, caso em que a lei não admitia licenças com vencimentos. Ao voltar, após uma excursão trabalhosa e arriscada, na qual prestou os mais dedicados serviços à causa da Independência, encontrou seu amigo Martim Francisco à testa do Ministério da Fazenda.

Entendendo que os seus ordenados lhe deviam ser pagos, visto a razão de ordem pública que o levara a deixar o exercício do emprego por tempo assim dilatado, requereu o respectivo pagamento; e qual não foi a sua surpresa quando, ao indagar do despacho, soube que o ministro lhe indeferira secamente a petição.

Falou então a Martim Francisco, que reconheceu o valor inestimável de seus recentes serviços e declarou que, se Drummond requeresse uma recompensa pecuniária, seria ele o primeiro a votar uma quantia vultosa, apesar das péssimas condições do Tesouro. Mas, quanto ao pagamento do ordenado pelo tempo em que estivera ausente, nada podia fazer porque era contra a Lei. Queixou-se então Drummond de ter sido publicado o indeferimento, pois sendo seu amigo o ministro, não faltaria quem supusesse que a pretensão era excessiva ou talvez ilegal e injusta; ao que lhe retorquiu Martim, que em coisas de ofício falava o dever e não a amizade, que ele lhe fizera um requerimento e que esse requerimento devia ter um despacho (VASCONCELLOS DE DRUMMOND, Annotações citadas, pág. 17).

[41] Martim Francisco e a Bernarda, pág. 55.

[42] A. DE TOLEDO PIZA - Martim Francisco e a Bernarda, pág. 58.

[43] Documentos Interessantes, vol. 37º, pág. 369.

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