Monumento funerário de José Bonifácio
Imagem: captura de tela, TV Mar, em 16/6/2003, 13h54
Os painéis de Bronze e o dr. Antonio Carlos
Quando, em 7 de setembro de 1923, foi inaugurado o Panteão dos
Andradas, concorreram às solenidades inúmeras pessoas de fora. Muitas eram sobretudo de S. Paulo e do Rio. Tornou-se digno de atenção o grande
comparecimento de deputados federais Apontaremos alguns deles: César Lacerda de Vergueiro, Efigênio Sales, Costa Rêgo, Domingos Barbosa, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada, Dionísio Bentes e outros.
Destacava-se, proeminentemente, no meio daqueles parlamentares, o nome de Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada. É que nele estava um bisneto do Patriarca, que viera representar os seus ilustres ascendentes. Era magro, esgalgado, elegante no
vestir e nas maneiras. Fazia lembrar o primeiro Antônio Carlos, em especial pela cabeça volumosa, testa escampada, nariz pontudo, olhos vivos e
sagazes, sorriso voltaireano. No físico, um perfeito Andrada.
A assistência começou a retirar-se pouco depois da inauguração e, meia hora mais tarde, só
duas pessoas permaneciam naquele pequeno templo: César Lacerda de Vergueiro e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Primeiro que saíssem, procuraram
examinar detidamente tudo. As inscrições em bronze mereceram-lhes especial atenção. Assim, a sala que se seguia ao vestíbulo tinha o seu chão de
mármore de diferentes cores e formosos desenhos, com as paredes revestidas de mármore verde, onde se abriam três nichos com as urnas das cinzas dos
três irmãos Andradas.
Ao alto do paramento de mármore salientavam-se vários painéis de bronze, em baixo-relevo.
Representavam o seguinte:
1) Partida dos Andradas para o exílio (1823). Numa canoa, são transportados os três
irmãos para o velho navio português Luconia, que os levou, com outros patriotas, para o exílio.
2) Antônio Carlos e os rebeldes de 1817 chegam à Bahia (10 de junho de 1817). Antônio
Carlos desembarca à noite, com lanternas, ao lado dos companheiros de desdita - Domingos José Martins, José Luís de Mendonça e o padre Miguelinho -
sob assuadas, insultos e ameaças da multidão furiosa.
3) José Bonifácio no acampamento da Praia Grande (Rio de Janeiro). A divisão lusitana
de tropas, comandada por Jorge Avilez, insurgira-se em janeiro de 1822. Ao fundo, o morro do Castelo, ocupado pelas aludidas tropas. José Bonifácio,
seguido de Gonçalves Ledo, Frei Sampaio, José Clemente Pereira e José Joaquim da Rocha, adianta-se ao encontro do príncipe regente, que está
acompanhado dos marechais Cutado e Oliveira Álvares.
4) A carta de 7 de setembro. José Bonifácio entrega a carta que determina a cena de 7
de setembro, no Ipiranga (agosto de 1822), ao correio Paulo de Bregaro, que está de poncho, ao lado do cavalo, prestes a partir, na presença da
princesa Leopoldina, de Martim Francisco e Gonçalves Ledo.
5) José Bonifácio combatendo os franceses (1808). O capitão José Bonifácio comanda um
batalhão de estudantes de Coimbra, ao lado de José Clemente e Fernandes Pinheiro, incitando os seus comandados a combater os soldados de Junot.
Pelos seus feitos em Nazareth e Ponte da Figueira, José Bonifácio foi promovido a major e depois a tenente-coronel.
6) Aclamação do Governo Provisório de São Paulo (1821). No fundo, o edifício da velha
Câmara Municipal de S. Paulo e a igreja de S. Gonçalo, José Bonifácio, Martim Francisco e o brigadeiro Jordão caminham sob as aclamações do povo,
indo à frente o cônego Ildefonso Xavier Ferreira e outros patriotas. A um canto, os chefes reacionários Francisco Inácio de Souza Ferraz e Daniel
Pedro Muller contemplam a cena.
7) Coroação de Pedro II (18 de julho de 1840). Neste ato e no primeiro plano, estão
Antônio Carlos e Martim Francisco, ao lado de Bernardo de Vasconcelos, Sepetiba, Paraná, Itaboraí, Valença e outros.
8) Projetos de Repressão do Tráfico (maio de 1823). Conferência dos três irmãos
Andradas com o embaixador da Inglaterra sobre a extinção do Tráfico. Numa sala do paço, sentados à mesa, Lord Anhers, José Bonifácio e Martim
Francisco. De pé, à janela, Antônio Carlos aponta um navio negreiro que entra no porto.
Na primeira edição do festejado livro A Beneficência, do acadêmico santista Jaime
Franco, encontram-se também as explicações dos painéis. Entretanto, cometeu ele uma ligeira distração quando copiou "maio de 1817", quando a data
correta é 10 de junho de 1817.
O saudoso Hipólito do Rêgo, que foi representante de São Paulo na Constituinte de 1934, e
amigo de Antônio Carlos, contava-nos certa vez que uma das grandes aspirações afetivas do inolvidável estadista era rever esta cidade, senti-la em
todas as suas vibrações de terra fadada a ter influência decisiva nos destinos da nacionalidade.
Ao ilustre representante paulista, ele manifestara ainda o desejo intenso de passar aqui uma
larga temporada. Mas, como dizia, queria hospedar-se nas proximidades do Panteão, conviver com estas grandes figuras e reforçar na meditação dos
seus feitos memoráveis e seu devotado amor ao Brasil e particularmente a Santos.
Antônio Carlos, tão devoto das tradições avoengas, possuía grande amor à cultura e
interessava-se imenso pelas coisas da nossa Pátria. Nele o senso amável da vida harmonizava-se admiravelmente com o gênio político. Por isso, na
Câmara Federal, os seus colegas o apelidaram de Florentino, modo delicado de dizerem Maquiavélico. Político solerte, manhoso, gostava
das belas frases e dos bons ditos.
Foi presidente de Minas de 1926 a 1930. Sobre a personalidade do presidente e a gênese da
sua candidatura, assim se enunciou Passos Maia, médico e senador mineiro, nas suas interessantes Reminiscências, aparecidas em 1933:
"No fim do biênio Melo Viana, o senador João Pio mostrou-me uma carta do dr. Afonso Pena
Júnior, pedindo-lhe para insinuar no seio do Congresso o nome do dr. Antônio Carlos para a presidência do Estado. Senti um frio no coração. Aquele
homem era inteligente demais. Esses talentos que tangenciam pela fronteira do gênio são perigosos nas culminâncias do poder... O dr. Antônio Carlos
era um gentleman, um aristocrata de raça. Oriundo de uma família que ajudara a Independência, credora, portanto, da estima de todos os
brasileiros que se orgulham da trindade de Santos, tinha, há muito, conquistado a minha admiração, com a sua brilhante, corajosa e eficiente
liderança da presidência Bernardes.
Foi eleito presidente. Ninguém subiu as escadas do Palácio da Liberdade cercado de uma nuvem
mais espessa de incenso. Em Juiz de Fora, um septenário de festas brilhantes, e em Belo Horizonte, sua investidura, assistida por toda a alta
prelazia do Estado, revestiu-se de um esplendor só comparável à coroação de um rei, ou à recepção de um general romano...
"O novo presidente era um feiticeiro emérito, conquistava todos os corações. A primeira vez
que lhe falei, com os braços abertos e aquela maestria consumada em se dirigir aos visitantes, foi logo dizendo: 'Você é o meu homem do Sul de
Minas. Entrego-lhe o Sul de Minas. Vigie-o'."
Nascido em Barbacena a 5 de setembro de 1870, desde menino os seus conterrâneos previam,
para ele, os mais altos destinos. O notável Andrada, com efeito, foi tudo em seu país, até presidente da República, muito embora apenas por alguns
dias, isto é, durante a visita de Getúlio Vargas ao Uruguai e Argentina.
Veio, enfim, a falecer no Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 1946, aos 75 anos de idade,
morte sempre prematura, como é a dos grandes homens.
Foi ele o único Andrada recolhido ao Panteão sem ser em urna; pois, está no bronze de uma
herma oferecida pelo embaixador Macedo Soares e ali inaugurada no dia 25 de novembro de 1946. Modificou, destarte, a frase que está no alto da porta
do Panteão: "Glória aos irmãos Andradas". Glória, pois, a mais um! |