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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS
Panteão dos Andradas (1)

Em 1970, José da Costa e Silva Sobrinho, reuniu em livro uma série de artigos sobre um monumento santista, o Panteão dos Andradas, que havia publicado no ano anterior no jornal A Tribuna, fruto de minucioso trabalho desse pesquisador da história de Santos. Vinte e dois anos depois, a Prefeitura santista reimprimiu em livrete esse material, já que a obra original estava esgotada. Agora, Novo Milênio coloca pela primeira vez em forma digital essas informações:

Entrada do Panteão dos Andradas, em 1998
Foto: Decom/Prefeitura Municipal de Santos

Um túmulo para o Patriarca da Independência

Existe em Santos, na praça Barão do Rio Branco nº 16, próximo à igreja do Carmo, um pequeno templo consagrado à memória de três insignes santistas, de três santistas que amaram a Pátria com entranhável carinho. É o Panteão dos Andradas. Ali vão ter o ano inteiro, em visitação cívica, brasileiros e estrangeiros. Pulsa-nos alvoroçado o coração quando, perto daqueles jazigos, nos pomos a pensar na vida e feitos dos três vultos imortais.

Construído por iniciativa da Câmara Municipal e com o auxílio do Governo Provincial (hoje Estadual), o Panteão dos Andradas foi inaugurado em 7 de setembro de 1923, um ano após os festejos do 1º centenário da Independência.

Situado, em virtude de desapropriação, na área ocupada pelo antigo claustro do convento do Carmo, para ele foram trasladados os despojos de José Bonifácio e os de seus irmãos, Martim Francisco e Antônio Carlos.

Este último, falecido no Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 1845, fora sepultado no Mosteiro de São Bento daquela cidade e suas cinzas trasladadas para Santos, em 1922. Agora estão na urna, que se acha no Panteão.

Martim Francisco morreu nesta cidade, em 23 de fevereiro de 1844, com 69 anos de idade, fora sepultado na igreja do convento do Carmo, e seus despojos colocados na urna existente no Panteão.

José Bonifácio faleceu em Niterói a 6 de abril de 1838, na idade de 75 anos. Embalsamado, fora o seu corpo transportado, três dias depois, para o Rio de Janeiro, e depositado na Igreja da Ordem Terceira de N. S. do Carmo, onde ficou exposto até o dia 25 do mesmo mês, data em que sua filha, D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, o trouxe para Santos, sendo sepultado na capela-mor da igreja de N.S. do Carmo, segundo sua expressa recomendação testamentária.

Os despojos do Patriarca ali jazeram durante mais de 30 anos, esquecidos de todo mundo, e sem qualquer laje, que protegesse aquele túmulo.

A primeira lousa que o cobriu fora obra de um modesto artista circense, de nome Antônio Carlos do Carmo, natural da cidade de Franca, Estado de São Paulo. De passagem por Santos, no mês de setembro de 1869, fora ele à Igreja do Carmo, ali encontrando, por acaso, o túmulo de José Bonifácio, muito abandonado, e até sem nenhuma lápide funerária, que o resguardasse. Assim, obtivera ele permissão dos frades carmelitas para colocar uma laje de mármore naquele túmulo, com a seguinte inscrição: "Aqui jaz o Patriarca da Independência do Brasil, grande e desinteressado patriota, distinto cidadão, José Bonifácio de Andrada e Silva. Tributo à virtude, honra ao mérito pelo artista A.C. do Carmo. Santos, 7 de setembro de 1869, 47 anos". Essa pedra só foi colocada em 1872, embora nela figure 1869.

Correram vários anos sobre a mudez glacial da singela oferta. Mais cedo ou mais tarde, porém, os ecos daquele gesto piedoso e patriótico haviam de repercutir na órbita do Governo Provincial. Foi o que aconteceu em 1885, quando governava a Província de São Paulo o conselheiro José Luís de Almeida Couto. Aventara ele a idéia da ereção de um túmulo no lugar onde descansavam, na Igreja do Carmo, os restos mortais de José Bonifácio, o Patriarca. Não houve quem não acolhesse, com entusiasmo, a feliz iniciativa. Para a sua realização, entretanto, só no ano seguinte, já na presidência de João Alfredo, foi que o deputado Coronel Joaquim Benedito de Queiroz Teles apresentou projeto de lei autorizando o governo a despender até a quantia de 6:000$000 (seis contos de réis) para aquele fim.

Quando entrou ele em 3ª discussão, o deputado dr. Antonio Cândido Rodrigues, representante, aliás, do 6º Distrito Eleitoral, de que Santos fazia parte, ofereceu uma emenda, que foi aprovada, elevando a 10:000$000 (dez contos de réis) a verba proposta. Esse projeto foi convertido em lei, que recebeu o nº 7 e tem a data de 9 de março de 1886. De acordo com ela, o Governo abriu um crédito de 10:000$000 (dez contos de réis) em 12 de abril do mesmo ano.

Ao presidente João Alfredo parecera insuficiente a dotação votada. Foram, por isso, nomeadas comissões, que por meio de subscrições públicas, apuraram 2:216$000 (dois contos e duzentos e dezesseis mil réis). Viam-se entre os subscritores os nomes de D. Pedro II, da Princesa Isabel e de seu esposo, o Conde d'Eu. A importância apurada, somada à já existente, deu um total de 12:216$000 (doze contos e duzentos e dezesseis mil réis).

Por ato de 21 de abril daquele mesmo ano, o Governo, aceitando o projeto apresentado pelo notável escultor brasileiro Rodolfo Bernardeli, com ele contratava a construção do monumento. Executou-o Bernardeli, na Itália, sendo essa obra, magnífica, uma das mais belas e expressivas que nos legou o seu cinzel.

O serviço, conforme a condição VI.a do referido ato, deveria ficar concluído no prazo de um ano, isto é, até 2 de abril de 1887; no entanto, não foi ele bem observado pelo ilustre artista. Só em 22 de novembro de 1888 é que Angelo Flórita comunicava ao Tesouro Provincial que havia recebido de Gênova, de V. Vaneti, o conhecimento de 19 caixas com o referido túmulo, e pedia o pagamento de Fr. 2.818,95.

Na mesma ocasião, levava o Tesouro ao conhecimento de Angelo Flórita que competia ao escultor fazer tal pagamento; pois assim determinava o citado ato de 21 de abril de 1886. Em suma, todas as despesas relativas à entrega da obra corriam por conta do escultor. Afinal, tiramos por conclusão de tudo isso, que o escultor Bernardeli, por desconhecer a nossa legislação fazendária, não reclamava em tempo a competente isenção de direitos.

Não se trataria, por acaso, de obra contratada em obediência a uma lei?

Infelizmente deixara ele permanecer na Alfândega de Santos, como se fosse mercadoria particular, as 19 caixas com as peças do túmulo de José Bonifácio. Por esse motivo, foram a leilão em 9 de agosto de 1889.

E esse fato causou em Santos indignação e revolta.

A Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio, por indicação de Ernesto Cândido Gomes, teve a feliz iniciativa de impedir "que passassem a mãos particulares, para fins industriais, aquelas notáveis peças de bronze e mármore, nas quais o gênio do artista insigne se enlaçara com o do estadista incomparável, na construtura de uma obra, que honra a cultura estética de nossa geração" (Alberto Souza, Os Andradas, vol. II, pág. 835). Foi então formada uma comissão que se compunha do referido Ernesto Cândido Gomes e mais Antonio de Lacerda Franco, Afonso Vergueiro, Francisco Emílio de Sá, Inácio Penteado e Antônio Carlos da Silva Teles.

A 9 de agosto de 1889, arrematava ela, pela quantia de 3000$00 (três contos de réis), o monumento posto em leilão pela Alfândega.

Rodolfo Bernardeli, de acordo com a honestidade nativa do seu caráter, reembolsou depois a comissão da quantia que ela havia gasto (Cf. Diário de Santos, de 23 de agosto de 1889).

Sendo necessário, para assentamento do mausoléu, transferir-se da Igreja para o claustro do convento do Carmo os despojos mortais do Patriarca, obteve ela a competente licença do cônego Luís Alves da Silva, então procurador do irmão Visitador da Ordem, para a exumação a 7 de dezembro de 1889. Levantada a modesta lápide, foi retirado da sepultura um caixão de chumbo, assaz deteriorado, mostrando vestígios de outro de madeira, que o cobria. Encerrados numa caixa os restos encontrados, foram, em seguida, depostos no mausoléu, observando-se no ato todas as cerimônias prescritas pelo ritual católico. A tudo estiveram presentes os drs. Martim Francisco Filho, Martim Francisco Sobrinho e José Bonifácio de Andrada e Silva, netos do extraordinário varão santista.

O monumento representa José Bonifácio tal qual foi conduzido da rampa do Paço para a eça mortuária da Igreja do Carmo: revestido das insígnias de Cavaleiro de Cristo, dentro do caixão aberto.

Uma idéia singular faiscou na cabeça dos membros da comissão de 1889. Em discordância com o pensamento do artista, entenderam eles que por se achar José Bonifácio no seu féretro, devia ser de novo enterrado. E assim, cometeram o despropósito de colocar o monumento dentro da sepultura.

Não conseguimos reprimir nesta altura, pelo menos uma exclamação de assombro! Meu Deus, que barbaridade!

Ninguém desce à sepultura em caixão aberto. O monumento é para ser posto sobre um pedestal simbolizando uma eça, em exposição constante à veneração da Pátria, e esse pedestal deve ser erguido sobre a sepultura onde repousam os restos do varão preclaro. (Cf. Alberto Sousa, idem, vol. II, pág. 837).

Estamos a caminho do Panteão.Leva para a página seguinte da série


Capa de revista em quadrinhos criada pelo cartunista Alexandre Barbosa (Bar) em 2002 
e distribuída pela Prefeitura Municipal de Santos
Foto: Decom/Prefeitura Municipal de Santos