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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Rua Tiro Onze, casa 11 (B)

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Considerada o prédio público mais antigo de Santos, a Casa do Trem Bélico tem esse nome devido ao sentido popular da palavra "trem", significando "diversos materiais". Nela esteve sediada (desde 4/7/1910 até sua extinção em 1945) a corporação militar Tiro de Guerra nº 11, criada em 25/1/1908 e que acabou sendo homenageada pelos importantes serviços prestados à Cidade, passando em 21/3/1919 a denominar a Rua Tiro Onze (onde funcionava, no histórico casarão do número 11).

Na edição de 15 de junho de 1980, o antigo jornal diário Cidade de Santos publicou este artigo do pesquisador J. Muniz Jr.:


O velho casarão colonial serviu de quartel do Tiro 11 em toda a sua existência
Foto publicada com a matéria

Há 72 anos, o 1º Tiro de Guerra de Santos

No início deste século (N.E.: século XX) - quando era grande o entusiasmo pelo militarismo - foi decretado o Serviço Militar Obrigatório, isso durante o governo do presidente Afonso Pena. E, visando atrair a juventude para as fileiras do Exército, sem prejuízo para o seu desenvolvimento intelectual, comercial, industrial ou agrícola, foram então criadas as chamadas linhas de tiro que, sem dúvida alguma, eram centros patrióticos, que prepararam gerações inteiras no cumprimento dos seus deveres cívicos, formando reservistas de segunda categoria.

De fato, os velhos tiros de guerra eram verdadeiras linhas da reserva do Exército, ministrando ensino técnico e prático das evoluções militares, bem como o conhecimento perfeito das armas regulamentares. Constituíam-se mesmo, na sua concepção de civismo, num dos mais sólidos alicerces de defesa nacional, indispensável para o adestramento dos jovens no manejo das armas, com o objetivo de proporcionar êxito quando de uma convocação para o caso de guerra.

Em Santos, a exemplo de outras cidades brasileiras, também existiram linhas de tiro, destacando-se entre todas essas sociedades de civismo o Tiro de Guerra nº 11, que foi o primeiro, e que durante quarenta anos de atividade deixou o seu nome gravado com letras de ouro nos anais da história militar de nossa cidade. O "Onze" congregou uma verdadeira plêiade de jovens de todas as camadas sociais, em alegre confabulação social e cívica, conforme rezava o seu próprio hino: "...Quando o clarim tocar, avançar, avançar/Com o fuzil em pulso forte/Haveremos de lutar, de lutar/Combatendo até a morte,/Obrigando o inimigo a recuar, a recuar,/Avançaremos a gritar/Somos os peitos de bronze/Soldados do Tiro Onze..."

Fundação e diretoria - Nos moldes das sociedades filiadas à Confederação do Tiro Brasileiro, o Tiro Brasileiro de Santos foi fundado no dia 25 de janeiro de 1908, durante uma assembléia que teve lugar às 19h30, nos salões do Palacete da Sociedade Humanitária, contando com a presença de 381 cidadãos, e que foi presidida pelo engenheiro-militar Conrado Muller de Campos. Após ter assumido a presidência dos trabalhos, dr. Muller expôs, através de vibrante alocução, o motivo do encontro e congratulou-se com a juventude de Santos pela brilhante idéia da criação de uma sociedade de tiro, e das vantagens que a mesma viria trazer para a cidade. Em seguida, declarou oficialmente fundado o Tiro Brasileiro de Santos.

No decorrer da reunião, foi feita a leitura de um ofício do Clube Internacional de Regatas, pondo à disposição da recém-fundada organização um terreno junto da sua garagem náutica, que havia sido adquirido para a instalação de uma linha de tiro, mas que não fora concretizada. Também o Clube Atlético Internacional oficiou, oferecendo o seu "ground" da Avenida Dona Ana Costa, para o funcionamento do tiro.

Ao fazer uso da palavra, o advogado José Pires Domingues Júnior, um dos secretários da reunião, e que já havia proposto a aclamação do engenheiro Muller de Campos para a presidência dos trabalhos, voltou a indicá-lo para presidente provisório, alegando que o mesmo era um dos seus fundadores e tinha grandes conhecimentos militares para dirigir uma sociedade civil-militar como o Tiro Brasileiro de Santos. A proposta foi então aprovada com uma salva de palmas.

Logo após a sua indicação e aclamação para a presidência da sociedade, o engenheiro Conrado Muller de Campos sugeriu que fosse enviado telegrama ao sr. Antônio Carlos Lopes, diretor da Confederação do Tiro Brasileiro, dando ciência da fundação do primeiro tiro santista. Foram igualmente apresentadas propostas para a convocação de sócios através dos órgãos de imprensa da cidade, bem como da realização de conferências públicas de propaganda, mostrando as vantagens oferecidas pelas linhas de tiro, chamando a mocidade de Santos e adjacências para as fileiras do recém-fundado tiro de guerra.


A banda de música da corporação foi organizada em 1917
Foto do arquivo de Jaime Mesquita Caldas, publicada com a matéria

Diretorias - A primeira diretoria (provisória) do Tiro Brasileiro de Santos, aclamada durante a assembléia de fundação, ficou integrada pelos seguintes membros: presidente - dr. Conrado Muller de Campos; vice - dr. Florisbello Leivas; secretário - dr. José Pires Domingues Júnior; tesoureiro - Manoel Pompílio dos Santos; diretor de Tiro - Carlos Caldeira. Vogais: dr. Izidoro José Ribeiro de Campos, Joaquim Fernandes da Silva, João Marcos de Araújo, Fernando Sauerbronn de Souza, e Benedito Ernesto Guimarães.

Instituída posteriormente, a segunda diretoria provisória ficou assim constituída: presidente - Benedito Ernesto Guimarães; vice - dr. José Pires Domingues; 1º secretário - Alberto Chasseraux; 2º secretário - Arlindo Bienestein; tesoureiro - Manoel Pompílio dos Santos; diretor de Tiro - Vicente Pires Domingues.

No dia 5 de novembro daquele ano, foi eleita a diretoria efetiva da organização: presidente - Guilherme Aralhe; vice - dr. José Pires Domingos Júnior; 1º secretário - Estevâo Lisbôa; 2º secretário - Arlindo Bienestein; tesoureiro - Benedito Rodrigues; diretor de tiro - dr. Conrado Muller de Campos; vogais - Alberto Chasseraux, João Colleto dos Santos, Domingos Penna, Vicente P. Domingos, Odilon Bezerra, Altamir Pimenta, Ascendino Moutinho, Arnaldo Alcover e Joaquim H. Rosa. Comissão de Contas: José S. Santiago, Alberto Fernandes Marques e Laércio Marques Leite.

No dia 4 de maio de 1909, o Tiro Brasileiro de Santos tornou-se confederado, recebendo então o número onze da Confederação Brasileira de Tiro, época em que contava com 514 sócios, era presidido pelo sr. Cincinato Costa e tinha como diretor de tiro o capitão José Leite da Costa Sobrinho.

O quartel do Tiro Onze - O Tiro Brasileiro de Santos, nº 11 da Confederação Brasileira de Tiro, instalou-se no antigo e histórico edifício da Casa Real do Trem no ano de 1910, onde permaneceu até meados da década de 1940, quando se extinguiu. E foi tão famoso, que até a antiga Travessa do Rio Branco (local do velho casarão colonial) veio a receber a denominação de Rua Tiro Onze.

Eis o termo de cessão provisória, do então ministro do Estado e Negócios da Guerra, passando para o Tiro Brasileiro de Santos o edifício que havia servido de depósito de artigos bélicos, documento que faz parte do acervo do historiador Jaime M. Caldas, e que transcrevemos a seguir:

"Aos dez dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e dez, no escritório da Comissão de Defesa de Santos, presentes o sr. tenente-coronel Augusto Ximeno Villeroy, por parte do Ministério da Guerra e por delegação do sr. general inspetor permanente da Décima Região Militar, compareceu o sr. coronel Cincinato Martins Costa, presidente da Sociedade Tiro Brasileiro de Santos, nº 11 da Confederação do Tiro, e declarou que, de acordo com a alínea A do artigo 19 do regulamento para as Sociedades de Tiro Confederadas e consoante a notificação que no sentido recebe, vinha assinar o presente termo, pelo qual se obriga a cumprir as condições estatuídas no aviso do Ministério da Guerra, número cento e sessenta e oito, de quatro de julho findo, para a cessão provisória que para este é feita à Sociedade de Tiro nº 11 da Confederação, do edifício que serviu de depósito de artigos bélicos, nesta cidade de Santos, à Travessa Visconde de Rio Branco, para nele ser instalada a sede da mesma Sociedade, cessão que é feita mediante as seguintes condições estabelecidas no citado aviso do Ministério da Guerra...".

E mais adiante: "Primeira - As despesas de asseio e conservação do edifício já mencionado correrão por conta da Sociedade concessionária; Segunda - A Sociedade se obriga a desocupar e entregar o citado edifício, logo que ele se torne necessário ao Ministério da Guerra, e o fará independente de qualquer indenização pelas obras que houverem sido feitas, qualquer que seja a sua natureza. E para constar e produzir os efeitos legais, eu Joaquim Henrique de Rosa, que, depois de lido e achado conforme, é assinado pelos representantes em começo designados".

Seguem-se as assinaturas do tenente-coronel Augusto Ximeno de Villeroy e do coronel Cincinato Martins Costa, que respondia pela presidência do Tiro.


O Tiro Onze foi ovacionado por uma verdadeira multidão que compareceu ao cais do porto na hora da partida do Macau em 1917
Foto do arquivo de Jaime Mesquita Caldas, publicada com a matéria

Viagens e campanhas - Além de executar a sua tarefa altamente patriótica, ministrando instrução militar para os jovens santistas e formando atiradores para a reserva do Exército, o Tiro Onze realizou memoráveis excursões, tendo participado da parada de 7 de setembro de 1916, em São Paulo, recebendo os aplausos e elogios do público e da imprensa paulistana, devido ao garbo e à cadência dos seus atiradores.

Em março de 1917, foi organizada a sua banda de música e no dia 8 daquele mesmo mês, a convite da prefeitura de São Bernardo, formou durante a chegada do poeta Olavo Bilac ao vizinho município, voltando à capital bandeirante no dia 21 de abril para participar da cerimônia de juramento à Bandeira dos conscritos do 43º Batalhão de Caçadores. E, ao som da sua banda de cornetas e tambores, também desfilou em Jundiaí, levando, além dos atiradores, seus corpos de ciclistas e de sinaleiros, tomando parte ainda no festival promovido pela Cruz Vermelha de Santos no mês de outubro.

Devemos ressaltar que aquele ano de 1917 foi memorável para o Tiro Onze, devido à famosa viagem ao Rio de Janeiro, quando embarcou no navio Macau para a capital da República, onde participou brilhantemente da grandiosa parada militar comemorativa do 95º aniversário da Independência do Brasil, cuja viagem foi descrita por Edison Teles de Azevedo na sua obra denominada Viagem do Tiro Onze ao Rio de Janeiro a Bordo do Macau.

De regresso da capital federal, a corporação santista foi recepcionada pelas autoridades e pela população da cidade, pois, apesar dos obstáculos, soube honrar as tradições de nossa terra, desfilando garbosamente ao lado de outros militares. Dias depois da brilhante recepção, o conselho do "Onze" fez publicar através da imprensa local o seguinte manifesto:

"Tiro Brasileiro de Santos - Sociedade Nº 11 da Confederação do Tiro Brasileiro - Esta associação patriótica, pelo seu Conselho Diretor infra-assinado, cumpre o dever de, publicamente, manifestar a sua profunda gratidão, o seu eterno reconhecimento, ao povo e ao comércio de Santos, à imprensa, aos dignos representantes do Município, às conspícuas autoridades, a todos enfim que a auxiliaram eficazmente para que a companhia de atiradores santista representasse condignamente esta altruística e benemérita cidade, na parada militar de 7 do corrente, na capital da República.

"Este público agradecimento é extensivo aos próprios atiradores pelo garbo com que se apresentam às paradas e formaturas, pela disciplina e compreensão nítida de seus deveres, dando assim o maior realce à instrução militar que recebem, e evidenciando a competência e os esforços de quem dirige essa instrução...".

No seu trecho final, o manifesto dizia: "E com este agradecimento, o Tiro 11 relembra, como relembrará sempre, o conforto que recebeu, quer ao partir, quer ao regressar da memorável parada; pois a manifestação, tão espontânea quão delirante, de um povo tão digno e nobre, é o apoio animador e profícuo que o impelirá para, cada vez mais tenaz na luta, propugnar com todas as forças, sem vacilações de espécie alguma, em prol do ideal que abraça - o preparo do cidadão-soldado como elemento de defesa da nossa cara e adorada Pátria".

No ano de 1918, cerca de 250 atiradores do "Onze" estiveram em Campinas e, em dezembro daquele ano, houve a solene entrega da nova Bandeira a cargo de uma comissão integrada pelas seguintes senhoritas da sociedade local: Jandira Andrade, Georgina Requião, Maria do Carmo Martins, Delta Azevedo Marques, Eliette Millon e Argentina Pires.


O grupo que iniciou o raide Santos-Canadá em 1924: da esquerda para a direita (sentados) o sargento Camarto e Aurélio Aurelli. Em pé: Arthur S. Castro, Luiz S. Palmieri e Francisco Assis Correa
Foto do arquivo de Jaime Mesquita Caldas, publicada com a matéria

No decorrer de 1919, a Companhia de Guerra do Tiro 11 excursionou a Piracicaba, onde participou de uma parada militar e em 1924 viajou para Ribeirão Preto, onde acampou de desfilou. Em outubro daquele ano, os atiradores Milton Camargo Santos (sargento), Francisco dos Santos Assis Correa, Arthur de Souza Castro, Luiz Salvi Palmieri e Aurélio Aureli, iniciaram uma marcha dispostos a alcançar a cidade de Otawa, no Canadá. Apesar da coragem, abnegação e o patriotismo dos bravos rapazes santistas, o raide não foi concretizado devido aos inúmeros obstáculos e às doenças que surgiram no caminho. Mesmo assim, dois deles, Milton Camargo e Souza Castro, conseguiram chegar à Bolívia.

Outros jovens do Tiro Onze se empenharam noutras aventuras, como a do raide pedestre entre Santos-Rio de Janeiro, que foi cumprido em 1926, e que foi levada a cabo pelos atiradores Hildeberto Queirós, João Madeira, José Fonseca, Antônio Gouveia e José Antonio Bevevino.

Vale relembrar que durante a epidemia da gripe espanhola que se alastrou rapidamente pela cidade, em 1918, ceifando muitas vidas, o Tiro Onze participou da nobre e altruística cruzada de combate à enfermidade, quando mereceu elogios das autoridades municipais. Também tomou parte nas revoluções de 1924, de 1930 e 1932, participando ainda de inúmeras outras campanhas cívicas e filantrópicas, principalmente durante o período da II Grande Guerra Mundial.

Em conclusão, para se falar do glorioso Tiro Onze, seriam necessárias páginas e páginas por tudo que representou na terra santista no campo do civismo. E parece que ainda hoje ecoa pelos velhos edifícios, da Praça Antônio Teles até o histórico Outeiro de Santa Catarina (o que resta dele), a canção daquela inesquecível organização cívica, que era cantada em voz alta pela sua brava rapaziada:

"Ao partir, ao partir, ao partir/Desta bela cidade,/Eu vou sentir/Vou sentir/Vou sentir/A mais terna saudade;/Quando eu voltar, si eu voltar, si eu voltar/Recoberto de glória/Hei de trazer-te ó querida/A palma da vitória".

(Pesquisa e texto de J.MUNIZ Jr.)
 


Entre as linhas de tiro que existiram em Santos, o "Onze" foi o pioneiro
Foto da revista Flama, publicada com a matéria

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