Com cerca de 200 sócios e uma sede social, o Santa Cecília ainda atrai um bom público aos bailes
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Só amor mantém clubes de bairro
Ainda fiéis às origens, membros das agremiações lamentam mudança de hábitos da população e
perda do encanto
Luiz Fernando Yamashiro
Da Redação
Houve um tempo, muito antes de inventarem a Internet e os
condomínios de luxo, em que as pessoas prezavam os abraços, os apertos de mão, as rodas de conversas olhos nos olhos. E houve um lugar onde tudo
isso se concentrava. Chamava-se clube.
Seu Francisco Margarido tem saudade daquele tempo. Afinal, o nascimento do Clube Atlético Santa
Cecília - do qual é fundador - se confunde com a história de seu casamento. Foi naquele ambiente que conheceu e se apaixonou por dona Jurandir, com
quem construiu um de seus lares, há 57 anos.
O outro lar, ele cultiva desde 1946, quando, junto com um grupo de amigos, ajudou a instalar o
Juvenil Santa Cecília nos fundos de um terreno na Avenida Pedro Lessa. O nome era uma homenagem à dona Cecília, tia de um dos meninos, que lavava os
uniformes. O clubinho era a realização do sonho dos garotos que jogavam futebol em frente à Igreja de Nossa Senhora AParecida,
numa época em que o bairro ainda se chamava Vila Jóquei.
Naquele começo de década de 40, relógio era coisa de gente grande, e os garotos usavam o
bonde para determinar a duração das partidas. "Começava quando ele parava em frente à igreja. Três paradas, vira o campo.
Mais três, acaba", lembra seu Francisco. Mas às vezes o bonde quebrava. "Aí, a gente jogava a tarde toda, até a mãe de alguém vir chamar".
Jogo após jogo, o Juvenil foi atraindo mais gente. Virou Atlético e, com 17 mil cruzeiros
conseguidos com a rifa de um Fusca, os amigos ergueram uma nova sede, na mesma Pedro Lessa. "Dezessete, mais os 3 mil que o Modesto Inácio
emprestou", cita Cecílio de Jesus, outro dos fundadores.
Melhor da várzea - Santo Cecílio. Lateral direito do time, trabalhou para viabilizar o
primeiro campinho, cortou a grama do segundo, mais moderno, "o melhor da várzea santista". Agora, quando sua missão parecia cumprida, incumbiu-se de
escrever as memórias do clube. Teme que, depois da turma dele, ninguém mais se interesse em manter o espaço pelo qual tanto lutaram.
Essa é a angústia da diretoria. Com cerca de 200 sócios e uma boa sede social na Rua Alfaia
Rodrigues, o Santa Cecília ainda consegue atrair um bom público aos bailes que realiza nos finais de semana, garantindo a receita mensal. No
entanto, a paixão que sempre moveu os garotos do Juvenil não sobreviveu às gerações seguintes.
"Essa molecada só quer saber de balada, televisão, Internet. É o tempo do individualismo", resume
o relações-públicas do grupo, Antônio Nascimento.
A número 1 |
Em 1956, o jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney,
demonstrou, com dados municipais, que Santos era a cidade mais esportiva do Brasil. O levantamento foi feito para um
concurso organizado pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e levou em consideração o número de clubes, ginásios, piscinas e competições
promovidas. A Tribuna pediu à Prefeitura a relação dos clubes ainda existentes no Município, mas não obteve resposta
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Aluguel da sede garante sobrevida
No salão do Clube Cunha Moreira, na Encruzilhada,
a faixa avisa: "Solicitamos aos presentes silêncio após as 22 horas". Nos dizeres, uma tentativa de não perder a principal fonte de renda da
agremiação. Sexagenário, celeiro histórico de grandes jogadores e tricampeão santista de bocha, o Cunha agora depende financeiramente do aluguel de
seu espaço para festas.
Só que a vizinhança não quer saber de barulho por ali. "Não fazem festa e não querem que mais
ninguém faça", lamenta o presidente Carlos Ferreira.
Não era esse o desfecho que se imaginava para o clube nos áureos anos 70 e 80, quando os vizinhos,
ao invés de reclamar, participavam das reuniões. Hoje, na tarde de meio de semana, só seu Carlos e Mário Siqueira, diretor de patrimônio, jogam
cartas na mesa solitária, única do salão.
Na pausa entre uma jogada e outra, seu Márcio desabafa: os clubes sociais vivem seus últimos dias.
A criminalidade parece ter convencido a todos de que sair de casa se tornou muito perigoso. Surgiram, então, os condomínios com piscina, academia,
quadras de esporte. "Isso matou os clubes", sentencia ele. "O que está acontecendo com o Regatas (Santista) é o destino de nós todos".
Hora do culto - A diretoria do Botafogo Atlético Clube, no Embaré,
também recorreu ao aluguel do ginásio para sobreviver. E o que era palco de celebração ao esporte virou lugar de pregação para os pastores da igreja
evangélica ali instalada.
"Não tinha outra saída", defende o tesoureiro, Roberto Cavaco, citando os 70 sócios remanescentes,
a maioria remidos. O fundamental, segundo ele, era preservar o ponto de referência para amigos de tão longa data. "Hoje, ainda dá para manter. A
gente só não sabe até quando. Nossos filhos não vão continuar com isto aqui".
Sucumbindo todos? Antônio de Paula Souza, que vivenciou toda essa era, acredita que sim, mas não
ficará assistindo a essa agonia. Após três décadas dividindo-se entre o Vasquinho da Carvalho de Mendonça e a
Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), pensa que, com os clubes, morre também uma parte de nós: a que nos torna mais
coletivos e, portanto, mais humanos. "E isso dói na alma", lamenta.
Cunha Moreira cede espaço para festas para conseguir renda extra
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
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