Linha de ataque do selecionado rubro-verde santista, em 1940/41:
Vega, Armandinho, Carabina, Guilherme e Beristein
Foto: revista especial do 57º aniversário do clube, 1974
Beristein, um craque como poucos
Hermes Barsotti (*)
Vega, Armandinho, Carabina, Guilherme e Beristein
formaram uma irresistível linha de ataque que deixou saudades aos apreciadores do eletrizante futebol, que se praticava nos idos tempos de 1940/41.
Convém salientar entretanto que se todos praticavam um senhor futebol, uma
figura marcou de forma indelével sua passagem pela A.A. Portuguesa e - por que não dizer? - no futebol brasileiro: Beristein.
Para mim, que acompanho o futebol de longa data, foi ele um dos mais completos
extrema-esquerdas que vi atuar, convindo notar que em sua época havia outros extraordinários jogadores naquela posição.
Beristein firmou contrato com a A.A. Portuguesa acidentalmente - este é bem o termo -
e pela argúcia esportiva do saudoso dinâmico presidente Alberto de Carvalho, como veremos adiante. Dirigia-se o atleta para a Europa, vindo da
Argentina, sua terra natal, isto em meados de 1940, quando, ao atracar o vapor em Santos, desejou tomar contato com a bola e fazer exercícios
físicos. A viagem prendia-se a um contrato que ele iria firmar com um dos mais categorizados clubes europeus.
Tendo lhe sido indicado o campo da Portuguesa, para lá se dirigiu Beristein. No Ulrico
Mursa, assistindo o treino do clube estava Alberto de Carvalho, que repentinamente começou a ficar maravilhado com a forma com que Beristein
aplicava suas fintas, batia faltas e dominava completamente a pelota, deixando seus companheiros de treinamento atônitos com o malabarismo incrível
praticado pelo famoso craque argentino.
Diretoria em 1974: Armando Travassos (E), Hermes Barsotti, Mário Santos Silva,
José Inácio, Nelson Barbosa Duarte, Antonio Rodrigues, José Augusto Alves,
José Ribeiro, Oswaldo dos Santos e Manoel Mata (D)
Foto: revista especial do 57º aniversário do clube, 1974
Alberto de Carvalho, com aquele seu linguajar irreverente, porém sincero e de
homem autêntico que era (suas palavras ásperas eram ditadas mais pelo seu temperamento, pois era conhecedor profundo do nosso vernáculo, não tivesse
sido ele um brilhante jornalista da época) chamou seus diretores de esportes e exclamou: "Contratem esse homem, custe o que custar, pois é um
verdadeiro e portentoso craque".
Como o vapor saísse à noitinha, poucas horas tinha a diretoria para providenciar as
demarches (que não foram poucas). A primeira providência de Alberto de Carvalho, e a principal, foi fazer o craque perder o vapor, permanecendo
em Santos. Contando também com o valioso auxílio de um outro atleta da Portuguesa, também argentino, o lateral direito Baigorrya, conseguiu que o
fenomenal craque firmasse contrato por um ano com a nossa Associação. O contrato terminou em meados de 1941, para grande desolação da torcida
rubro-verde que tinha por Beristein verdadeira adoração.
Beristein tornou-se, na época, até atração na praia. Residindo na Pensão São João,
localizada então na Avenida Vicente de Carvalho, quando fazia sua recreação na areia, com uma pequena bola de borracha - "pelota de goma", como ele
dizia -, um elevado número de assistentes de ambos os sexos (mais feminino, é claro) ficava em torno dele, enquanto a turma ficava de boca aberta,
pelo que ele conseguia fazer com tão pequena bola.
Beristein já havia se consagrado um verdadeiro craque na acepção da palavra, tanto na
platéia santista como na paulistana (pena que não houvesse na época televisamento dos jogos), fosse torcedor de que clube fosse.
Uma das mais brilhantes atuações de Beristein foi na partida disputada pela
Portuguesa contra o Corinthians e tenho a certeza de que os que tiveram a ventura de assisti-la ainda conservam viva a imagem dessa partida em suas
retinas. Na partida contra o valoroso S.C. Corinthians Paulista - em memorável tarde, quando a Associação Atlética Portuguesa conseguiu vencer seu
aguerrido e leal adversário pelo significativo escore de 5x2, tendo Beristein marcado nada menos do que 3 tentos, com mais um injustamente anulado
pelo árbitro (consignado de forma magistral de bicicleta, a umas 30 jardas), o que lhe valeu a maior consagração prestada a um craque no
tradicional Estádio Ulrico Mursa.
Tive a felicidade de ver tão famoso craque preso a contrato durante apenas 3 meses,
sob a minha presidência, isto em meados de 1941, quando substituí o saudoso presidente Alberto de Carvalho. Beristein não renovou contrato porque
teve que regressar à pátria, pois nesse ano a II Guerra Mundial recrudescia de violência e ele foi chamado por seus familiares, que o queriam junto
deles.
A diretoria, tendo que aceder diante dos motivos expostos, ofereceu-lhe um jantar na
noite de sua partida de regresso à Argentina. Beristein, durante o jantar, afirmou que jamais se esqueceria de Santos e que se porventura um dia
voltasse a jogar no Brasil, poderíamos estar certos que somente o faria na A.A. Portuguesa.
(*) Hermes Barsotti assumiu a presidência do
clube em 1941 no lugar de Egas Muniz de Moura, sendo reconduzido ao cargo em 1942, em 1959, em 1960 (junto com o dr. Arthur Alves de Amorim Jr.),
além de ocupar diversos cargos em outras diretorias. Em 1974 era o segundo-secretário da diretoria presidida por José Augusto Alves.
Capa da revista especial do 57º aniversário do clube, em novembro de 1974
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