A sede da Codesp é um dos cenários das histórias fantasmagóricas
Foto: Alberto Marques
FOLCLORE
No Dia das Bruxas, mistérios do cais
Portuários revelam casos de fantasmas que marcam a história do Porto de Santos
Leopoldo Figueiredo
Editor
Para muitos, eles não passam de "causos" inventados.
Outros, mais céticos, os consideram frutos do cansaço, imaginações férteis e superstições de alguns trabalhadores. E há aqueles que os levam a sério
e até evitam fazer qualquer comentário, pois "com essas coisas não se brinca". Não importa a explicação; hoje, Dia das Bruxas, os relatos de
fantasmas e assombrações parecem tão presentes na história do Porto de Santos quanto os sucessivos recordes de movimentação e as estratégias
comerciais.
Os casos surgem nos mais diversos locais, da Ilha Barnabé e
o Terminal de Granéis Líquidos da Alemoa, a armazéns e os prédios da presidência da Codesp (na Avenida Rodrigues Alves) e da
Alfândega (na Praça da República). E, em sua maioria, fazem referência a fatos ocorridos há mais de 50 ou 60 anos,
uma época em que "as pessoas eram mais supersticiosas e essas crendices eram muito comuns", segundo o jornalista e funcionário aposentado da Codesp
Rubens Fortes, um colecionador de histórias do cais.
Nessas décadas, por exemplo, havia funcionários da estatal que não gostavam de
trabalhar de madrugada na Ilha Barnabé ou nas instalações da Alemoa, onde vultos eram vistos com freqüência.
Mas, apesar de mais raros - ou, talvez, menos divulgados - esses mistérios ocorrem até
hoje. Em um dos casos mais recentes, o cenário foi a sede da Codesp, onde alguns vigias afirmam escutar vozes e barulhos durante a noite. Segundo
funcionários da estatal que pediram para não serem identificados, no ano passado (N.E.: em 2002),
um estagiário da Superintendência Jurídica encontrou em sua sala (no andar térreo do edifício) um administrador da estatal que não conhecia. O
estudante o observou por alguns instantes, se distraiu em seus afazeres e, ao procurá-lo novamente, não mais o encontrou.
O aluno questionou seus superiores na Superintendência sobre quem era aquele
funcionário, sem obter resposta. Passou então a descrevê-lo. Foi quando um dos técnicos, que acompanhava o relato, se assustou com as
características apresentadas e procurou uma foto, tirada em uma festa da equipe há alguns anos.
Quando o estagiário viu a imagem, reconheceu nela o homem encontrado momentos antes. O
funcionário que entregou a foto afirmou que não seria possível, apesar do jovem insistir que estava certo. Foi quando o estudante ficou sabendo que
o administrador em questão havia falecido dois anos antes. Até hoje, o caso não foi explicado.
Fantasma holandês - Outro local com fama de mal-assombrado é o Armazém 30, nas
proximidades da Bacia do Macuco. A história, contada por um superintendente da Codesp (que prefere permanecer anônimo),
surgiu nos anos 70, quando um marinheiro holandês morreu em um acidente a bordo de seu navio. A família do marítimo pediu que o enterro ocorresse em
sua terra natal, mas a embarcação não retornaria de imediato à Europa.
A solução encontrada foi embalsamar o cadáver, colocá-lo em um caixão e deixá-lo no
armazém até a próxima passagem de um cargueiro com destino à Holanda. Na época, quando a Codesp era a única responsável pela operação portuária e as
escalas de navios para o Norte da Europa não ocorriam semanalmente, era lá que permaneciam as cargas que seriam exportadas para este país. Portanto,
os técnicos da estatal decidiram que seria melhor deixar ali o caixão, para que não fosse esquecido, explicou o superintendente.
O mistério surgiu quando, uma noite, o fiel do armazém, tido como médium, viu o
espírito do holandês andando entre as cargas, como se procurasse por uma saída dali. A história se espalhou e, nas duas semanas seguintes, até o
embarque do cadáver para a Europa, as pessoas evitaram andar pelo Armazém 30 à noite.
Carga em armazém pegava fogo 'sozinha'
Outro armazém evitado pelos portuários é o VII-A (7-A externo), em frente ao 23, como
conta o ex-presidente da Codesp, Hélio Nascimento. Apesar de afirmar não acreditar nos boatos, ele lembra de relatos sobre o medo de muitos
trabalhadores, acreditando que ali, antes da construção do cais, havia um cemitério indígena.
Segundo a lenda, fantasmas circulavam pelo armazém ateando fogo nas cargas. "As
pessoas ficavam muito assustadas. Mas a verdade é que lá estavam armazenados os fardos de juta e de algodão, de fácil combustão", explica. Segundo
Nascimento, o poltergeist não passava de chamas provocadas, muitas vezes, pela fricção das cordas dos fardos com a carga ou pontas de cigarro
jogadas no local.
As histórias de assombração do porto não envolviam somente fantasmas. Também há
relatos de feras que rondavam os armazéns. Um desses mistérios ocorreu no Armazém Frigorífico, em 1961, quando a instalação passou a ser espreitada
por "um bicho peludo, que assustava os trabalhadores", lembra o ex-presidente da Codesp.
Segundo Nascimento, que chegou a ver o animal, ele não passava de uma ratazana "maior
que um gato e muito peluda, possivelmente por viver no frio do armazém. E assustava, isso eu posso afirmar".
Ex-presidente relembra o "rato do gelo", do
Armazém Frigorífico
Foto: Alberto Marques
Motorista viu assombração na Alfândega
As histórias e superstições que envolvem aparições no Porto de Santos não são
privilégio da Codesp. Décadas antes de instituir sua operação Caça-fantasmas, voltada para coibir a ação de empresas "de fachada", criadas somente
para facilitar a sonegação de impostos em importações e exportações, a Alfândega tinha seus relatos de assombrações. É o que conta o motorista
aposentado da Aduana, Vauhirton Carmelo, o Catu, de 73 anos.
Nos anos 70, Carmelo se recorda de ter "reencontrado" colegas de serviço já falecidos,
que vagavam pelos corredores da sede do órgão, na Praça da República. A maior parte dos casos ocorreu na garagem do edifício, localizada em seu
porão, onde ele aguardava os pedidos para levar os agentes aduaneiros a terminais do porto.
Uma noite, quando o motorista estava de plantão, surgiu na sua frente a figura do
antigo encarregado do setor de transporte, falecido no final dos anos 60. "Nas vezes que o vi - umas três ou quatro - ele estava sempre agachado,
arrumando sua moto em um dos cantos da garagem, como fazia tradicionalmente. Ele não falava comigo, só ficava lá, trabalhando nela. Permanecia
alguns instantes e depois desaparecia", narra.
Catu ficou assustado no início, mas depois "passou a não ligar", admite. "Falavam que
ele era uma pessoa muito apegada ao trabalho, que vivia para suas obrigações". Quando comentava com seus colegas, muitos não acreditavam, mas
mudavam de opinião quando outros relatavam experiências parecidas.
Segundo o motorista, as aparições eram raras. Mas freqüentemente, durante seus
plantões, ele escutava pessoas lhe chamando ou barulhos pelo prédio, apesar de ficar vazio à noite.
As histórias de fantasmas no prédio da Alfândega ganharam reforço quando surgiu o
boato da existência de cemitérios no terreno do prédio. Esse detalhe foi revelado pelas jornalistas Caroline Bueno, Fernanda Matos e Maria Carolina
Gonçalves. Em seu trabalho de graduação da faculdade, no ano passado, elas fizeram um livro-reportagem sobre a atuação da Aduana em Santos.
Em um dos capítulos, junto com os relatos de Carmelo, elas destacam uma entrevista com
a arqueóloga da Universidade Católica de Santos, Eliete Pitágoras Maximino. A pesquisadora confirmou que, nas proximidades do edifício, entre os
séculos 16 e 19, ficavam o Colégio de Jesuítas e a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, que abrigavam cemitérios para
padres e pessoas ilustres da sociedade da época.
De acordo com Vauhirton Carmelo, que começou a trabalhar na Aduana em 1951, com 18
anos, as assombrações não se limitavam à sede do órgão, em Santos. Ele afirma que também havia boatos de vultos e fantasmas no estaleiro, no Farol
de Itapema, em Vicente de Carvalho, Guarujá. "Tinha colega que nem gostava de ir trabalhar lá, à noite. Falavam que, de madrugada, era comum ver
vultos andando pelas torres do forte".
Motorista aposentado conta sobre lenda na garagem
da Alfândega, na Praça da República
Foto: Alberto Marques
Superstição origina brincadeira
A crença em história de fantasmas não originou apenas sustos e suspeitas entre os
trabalhadores do Porto de Santos. Ela também foi motivo de piadas e brincadeiras entre os portuários. O funcionário aposentado da Codesp e
jornalista Rubens Fortes conta um desses casos, que ficou conhecido no cais como a "Loira do China".
Entre os anos 50 e 60, um vigia de bordo comentou com seus colegas sobre seu medo de
assombrações. Logo, começaram a lhe contar sobre a lenda de uma misteriosa mulher loira, que surgia de madrugada, vagando pelo porto, vestida com
roupas do século 19, sempre perguntando sobre um navio de nome estranho. Segundo Fortes, outros portuários, participando da brincadeira, confirmaram
o boato, dizendo que há mais de 100 anos uma passageira teria morrido afogada ao cair de um veleiro atracado em Santos e, desde então, sua alma
"vagaria pelo mundo à procura do navio".
Na madrugada seguinte, o vigia estava de serviço em um navio de bandeira liberiana e
tripulação chinesa. Seus colegas, aproveitando o cais vazio (o porto só teve todos os navios operando 24 horas por dia na década passada, com o
processo de modernização), prepararam um deles para fazer o papel da loira fantasma, com direito à peruca e à roupa de época. A "aparição" foi até o
navio liberiano, subiu a bordo e começou a procurar pelo vigilante para assustá-lo. Foi quando se deparou com um dos oficiais do navio.
De cordo com Rubens Fortes, o chinês estava embriagado e, vendo a "dama antiga"
andando por seu convés, a agarrou e a arrastou para seu camarote.
Foi necessária a intervenção de seus colegas, que estavam escondidos esperando pelo
final da brincadeira e o susto do vigia, para ajudar na fuga do "fantasma", que desde então ganhou o apelido de "Loira do China". |