O Terminal de Conteineres da Margem Esquerda em 1987,
tendo ao centro a ferrovia, já com dois transteineres sobre trilhos em operação
Foto: Codesp, 1987
Conteineres de Santos a Conceiçãozinha, por ferrovia
Carlos Pimentel Mendes
Com a nova escala em Santos do
porta-conteineres Van Dyck, da Cie. Maritime Belge (CMB), atendido em conjunto pelas agências
Dickinson e Hamburg-Sud, foi também iniciado novo serviço intermodal entre as duas margens do porto santista,
pela Transitária Brasileira S.A. (Transbrasa), do Grupo Dickinson. A empresa passou a utilizar a ferrovia da Rede Ferroviária Federal S.A. para
enviar os conteineres da margem direita do porto santista para o Terminal de Conteineres
da Codesp, e vice-versa, obtendo, com isso, além de uma redução nos gastos com fretes, substancial economia de tempo em comparação com o
modo só rodoviário (pois atualmente os caminhões vêm permanecendo até dois dias na fila de espera para
carregamento/descarga no Terminal de Conteineres da Codesp).
Segundo o capitão W. John Mc Lintock, gerente de tráfego da Dickinson, o Van Dyck
chegou a Santos dia 23 à noite, procedente de Buenos Aires e Montevidéu, onde havia embarcado 309 conteineres. Em Santos, recebeu 285
unidades equivalentes a 20 pés, e foi depois ao Rio de Janeiro para receber mais 53, totalizando assim 647 TEUs, a
lotação do navio. Entre os produtos conteinerizados, seguem para a Europa café, carne congelada e resfriada, couro, ferro niobium, autopartes, fios
de algodão e seda e carga geral variada.
Segundo Bayard Umbuzeiro Filho, diretor-superintendente da Transbrasa, a tarifa da ferrovia
é alta, porém há a vantagem de os caminhões não ficarem esperando no terminal especializado da Codesp por um dia ou mais, como ocorre nos casos em
que o conteiner chega àquele local por via rodoviária direta.
As operações intermodais caminhão/trem da Transbrasa - como essa pioneira, realizada dias 21
e 22 - destinam-se não apenas ao atendimento dos clientes do Grupo Dickinson e do serviço conjunto, mas estão à disposição de terceiros, como
explicou Bayard. Um guindaste Joanes de capacidade para içamento de 35 toneladas e pertencente à Transbrasa começou a operar dia 21 no "pátio do
mar" da estrada de ferro (situado junto ao largo Marquês de Monte Alegre, no bairro santista do Valongo), para auxiliar no transbordo dos
conteineres dos caminhões para os vagões ferroviários.
Como explicou o chefe da Unidade de Santos da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), Getúlio
Chinen, o sistema de transbordos vem sendo testado, e, além da operação pioneira da Transbrasa, a ferrovia já opera com a firma Márcio Campos e com
a Paiva & Cia., esta no chamado "pátio Maria Patrícia", no bairro santista do Saboó. Segundo ele, a movimentação de conteineres já é grande e tende
a crescer: só naquele dia, o "pátio do mar" operava 60 conteineres da Transbrasa, e 45 da M. Campos.
Por outro lado, a ferrovia também realiza com essas companhias o serviço intermodal até a
capital paulista, com transbordos em um pátio no bairro paulistano do Pari, de onde os conteineres podem sair ou ser recebidos por ferrovia, tanto
na linha de Santos como na do terminal de conteineres da Codesp em Conceiçãozinha (distrito de Guarujá).
Getúlio Chinen observa que com um bom serviço de transbordo nas três localidades, seria
possível movimentar 200 conteineres/dia, mas o movimento ainda está fraco por falta de equipamento para içar conteineres carregados (guindaste comum
ou de pórtico). Atualmente, é utilizado o guindaste móvel sobre pneus cedido pela Transbrasa, em Santos, o que significa mover esse equipamento para
nova posição e patolá-lo, antes do içamento de cada conteiner para sua colocação no vagão ou retirada. Mover os vagões seria mais oneroso, pois
significaria manter uma locomotiva imobilizada, à disposição do serviço, que demora em média 20 minutos por conteiner.
Depois de lembrar que também a General Motors está enviando por ferrovia todo o seu material
de importação do motor Monza e CKD (veículos desmontados), em conteineres, para a estação de Martins Guimarães (São José dos Campos), ou São
Caetano, Getúlio Chinen falou dos tempos e distâncias de percurso, bem como das locomotivas empregadas e sua capacidade.
Segundo ele, são empregadas locomotivas de 720/750 HP, que levam até 16 vagões com
conteineres (1.500 toneladas), ou de 1.800 HP, com capacidade para puxar até 26 vagões com conteineres (2.500 toneladas), considerando-se que cada
vagão-plataforma pode receber até três conteineres de 20 pés, devidamente fixados e escorados contra quedas.
O percurso total entre Santos e Conceiçãozinha (onde fica o terminal de conteineres da
Codesp) é de 36 quilômetros, sendo que na metade do caminho situa-se o pátio de manobras ferroviárias da Rede em Piaçagüera, onde se interligam os
trilhos. Dali, o trem também pode seguir para a capital paulista, em direção ao terminal rodoferroviário do bairro do Pari.
11h00 - No pátio do Valongo da RFFSA, em Santos, os
conteineres são colocados nos vagões
Foto publicada com a matéria
A viagem - Dia 22, quando a Transbrasa começou a operar o serviço intermodal em
Santos, foi acompanhada uma viagem por trem entre o "Pátio do Mar" e o terminal da Codesp em Conceiçãozinha. Pela cronometragem, fica evidente que,
embora o tempo de viagem seja bom em relação ao atualmente apresentado pelo modo rodoviário (incluindo o demorado tempo de espera no terminal
especializado da Codesp), pode ser muito melhorado, com a colocação de equipamentos mais apropriados e a execução de pequenas obras:
11h50 - Uma composição com oito vagões, tracionada por
uma locomotiva GE de 729/750 HP (construída em fevereiro de 1955 nos Estados Unidos por um consórcio de empresas), está preparada para deixar o
"pátio do mar" da RFFSA no Valongo. A máquina poderia puxar até 16 vagões, mas por questões de tempo foi com meia lotação, enquanto outros oito
vagões permaneciam no pátio em fase de carregamento com os conteineres. Antonio Eduardo Dias, o maquinista, experimenta o radiotelefone da
locomotiva, descobre que não está funcionando. Como o fato foi observado, explica que a locomotiva é bastante antiga, não se encontrando mais peças
de reposição, e que o pessoal da solda vem fazendo milagres para mantê-la funcionando. Na verdade, o aparelhamento de rádio é nacional e bem mais
recente, mas a explicação serviria como uma prévia sobre como seria a viagem.
...o maquinista experimenta o radiotelefone da locomotiva, descobre que não está
funcionando...
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11h52 - Momentos após o trem iniciar a movimentação,
pára por instantes na saída do pátio de manobras para que o agente especial de trem (condutor) Delano Nunes desça e se comunique com o controle de
tráfego por um telefone existente junto à ferrovia, solicitando linha livre para a viagem. Elmo Magalhães (auxiliar de maquinista) observa o sinal
luminoso 5DC, vermelho, que quando apagado e transformado em sinal amarelo significa permissão para o ingresso nas linhas principais.
12h00 - Sinal amarelo, linha livre, começa o primeiro
trecho do percurso, até Piaçagüera, correspondendo a 18 quilômetros ou cerca de 35 minutos de viagem, ou ainda cerca de 10 litros de óleo diesel (se
a composição fosse de 16 vagões, o gasto seria de uns 15 litros). Observa o maquinista a vantagem da ferrovia: por caminhão, seriam 22 quilômetros
de estrada, a um gasto de 3 a 3,5 quilômetros/litro de diesel, multiplicados por uma quantidade de caminhões que varia entre 12 e 24 (conforme a
capacidade do caminhão, para um ou dois conteineres). Até o terminal de conteineres, por rodovia, seriam 47 quilômetros, contra os 36 da ferrovia.
12h22 - A composição chega ao pátio de manobras de
Piaçagüera, defronte às instalações da Cosipa, onde o engenheiro eletricista Antônio Carlos da Silveira e Silva tenta consertar o radiotelefone,
acabando por desistir por falta de condições e de tempo para um exame mais demorado, e leva consigo a fonte de alimentação elétrica do aparelho,
defeituosa.
12h31 - Saída do pátio de Piaçagüera em direção a
Conceiçãozinha, seguindo-se uma freada junto ao canteiro de obras da ponte rodoviária da via SP-55 (Cubatão/Guarujá), pois operários tinham
equipamentos junto à ferrovia e transitavam por ela ("uma insegurança total"). Observe-se que o freio da locomotiva é a ar comprimido, trabalhando a
vácuo, com 80 libras de pressão no encanamento. Ao ser acionado, provoca um ruído bem acima do suportável, na cabina do maquinista. Seguem-se duas
passagens de nível com porteira.
...o que os sujeita
a picadas de cobras...
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12h40 - Funcionários da ferrovia já tinham advertido
para as fortes chacoalhadas sofridas pelo trem nesse momento, ao atingir a passagem de nível do local conhecido como Sítio do Pica-Pau, bem como em
outros trechos até o túnel sob o Morro das Neves, resultantes de desníveis na posição dos trilhos (terreno instável) não compensados pelo setor de
manutenção da ferrovia. De fato, o problema poderia causar o tombamento da carga, no caso de um maquinista não conhecedor da linha passar pelo local
em velocidade maior. Nesse ponto, como em outros ao longo da ferrovia, foi observada a ausência de uma clareira no mato junto à ferrovia, que
permita aos funcionários da ferrovia se deslocarem ao longo do trem, quando este precisa parar para um reparo, o que os sujeita a picadas de cobras.
12h43 - O trem entra no túnel sob o Morro das Neves, com
906 metros de comprimento e nenhuma iluminação. Perto do final, cai a pressão do óleo na máquina, indicada pela paralisação do motor e um tilintar
de alerta na cabina do maquinista. Um a dois minutos para o conserto na mangueira do óleo.
12h52 - Chegada ao deserto pátio da
Ilha de Barnabé, onde se verifica uma falha de engenharia ocorrida ao tempo da construção da ferrovia: o terceiro trilho, para bitola estreita (1
metro), que começara correndo à esquerda, passa a correr à direita, com uma emenda para remediar o erro de projeto. Os postes de iluminação do pátio
apresentam os cabos condutores de energia elétrica quebrados. Só a partir do próximo domingo haverá um funcionário da ferrovia de plantão no local.
12h54 - A locomotiva passa pela cancela da Ilha de
Barnabé, apitando para advertir aos motoristas que não cruzem a ferrovia. começa então a subida da rampa de acesso à ponte ferroviária sobre o Canal
de Bertioga, com inclinação de 45 graus.
...Ainda é horário de almoço dos controlistas da ponte, e, assim, a locomotiva deve
esperar...
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12h56 - A composição chega à ponte, que tem um trecho
central içado para permitir a passagem de embarcações. Ainda é horário de almoço dos controlistas da ponte, e, assim, a locomotiva deve esperar,
parada, que o sinaleiro indique a autorização para a travessia. Atualmente, a ponte ferroviária fica sem funcionários para o içamento do vão central
nos horários de almoço, à noite, nos domingos e feriados, pois a operação da ponte está a cargo da Codesp, e a ferrovia ainda não viu necessidade de
solicitar a manutenção do plantão permanente. Assim, é aguardada a volta dos funcionários da ponte.
Ponte ferroviária no Canal de Bertioga tem seção que se
eleva para a passagem de barcos
Foto por Carlos Pimentel Mendes, em 20/10/1979
13h16 - Os funcionários da ponte chegam ao posto, e
começa a operação de descida do trecho central (são seis minutos para descer e oito para subir, incluindo o travamento na posição correta, com
calços hidráulicos automáticos). Nesse intervalo, dá tempo para notar diversos dormentes apodrecidos, e também que o maquinista que precisar
deslocar-se pela ponte ao longo do trem parado, para algum conserto ou verificação, não conta com proteção lateral contra quedas no mar.
13h23 - Após o próprio maquinista ajustar o sinaleiro
indicativo de linha livre sobre a ponte (que estava apagado em razão de mau contato nos fios), o trem termina a travessia e sai da ponte. Começa o
trecho mais perigoso, pois atravessa uma zona de favela, e crianças brincam no leito despoliciado da ferrovia, atiram pedras, colocam objetos nos
trilhos, enquanto os adultos transformam a ferrovia em depósito de lixo.
...estava apagado em razão
de mau contato nos fios...
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13h31 - A composição chega ao pátio de manobras Codesp/RFFSA
em Conceiçãozinha, onde a locomotiva é desengatada de um lado e a máquina da Codesp engata do outro, sendo feita a transferência da carga da
ferrovia para a Codesp. Conteiner é considerado carga prioritária para efeito de movimentação, devendo ser imediatamente levado para o terminal de
conteineres da Codesp.
14h30 - Após efetuar uma série de manobras de pátio, a
locomotiva da RFFSA retorna a Piaçaguera, sem vagões, pois era necessária em outro local e a carga só seria liberada por volta das 16 horas, em
função da falta de documentos para o transporte e outros detalhes. Normandi Correia Teixeira, agente especial de estação de Conceiçãozinha, explica
que em caso de urgência a RFFSA pode levar o conteiner ao terminal especializado da Codesp, sem intercâmbio de locomotiva, quando a máquina da
Codesp apresenta defeito ou está ocupada em outro serviço. Segundo ele, em caso de urgência, cinco minutos após a chegada ao pátio de manobras de
Conceiçãozinha, o trem pode fazer o retorno no pátio, e em mais dez minutos estaria no Terminal de Conteineres da Codesp, e além disso, desde Santos
o trem seguiria com instrução de urgência, sem paradas.
15h04 - Após envio de aviso ao controle do terminal de
conteineres, por telefone, uma locomotiva da Codesp de 600 HP (que puxa 1.200 toneladas) deixa o pátio de manobras, com os vagões de conteineres,
conduzida pelo experiente maquinista Francisco Lourenço dos Santos (matrícula 9177, classe 1, que se aposenta em agosto), junto com Carlos Artur
Lamoche, do departamento de transportes, e Normandi. Pelo caminho, algumas freadas, em razão de pedras nos trilhos e crianças na linha.
15h22 - Chegada ao terminal de conteineres da Codesp,
pelo "desvio Figueiredo" (assim batizado conforme o costume dos ferroviários, já que na inauguração do terminal o presidente Figueiredo
desembarcou do trem nesse desvio). É apresentada a documentação à Codesp. Começa nova série de manobras, visando suprir a
falta de um cabeção ferroviário e uma linha paralela à "linha dos armazéns".
15h45 - Termina a operação, explicada pelos funcionários
da ferrovia. Era necessário retirar um vagão fechado que estava na "linha dos armazéns" do terminal. Como não há linha paralela a essa, para
manobras, a máquina teve de deixar os vagões com os conteineres no "desvio do Figueiredo", voltar à linha principal e retornar ao terminal pela
"linha dos armazéns", para retirar o vagão. Depois, com ele engatado, voltar ao "desvio do Figueiredo", reengatar nos vagões com os conteineres,
retornar à linha principal e à "linha dos armazéns" para deixar os vagões-plataforma e depois retirar-se, levando consigo o vagão fechado.
15h45 - Terminada a operação, no terminal de
conteineres do porto, a locomotiva da Codesp vai partir, com o vagão fechado de retorno, deixando no local os conteineres
Foto publicada com a matéria
Verifica-se portanto que com uma melhora no traçado das linhas pode-se economizar todas as
operações efetuadas desde as 13h31. Por questões de tração, nos percursos longos a locomotiva deve trafegar à frente dos vagões, e se fosse direto
para o terminal de conteineres, ficaria imobilizada na linha até a remoção dos vagões pelo guindaste Karricon ou um outro equipamento de pátio, já
que, não havendo o cabeção de linha e a linha paralela, não haveria como a locomotiva se retirar do pátio.
Por outro lado, o pátio de manobras de Conceiçãozinha possui quatro linhas férreas partindo
da principal, mas nenhum desvio entre elas, de forma que, para a remoção de um vagão que esteja no meio de uma dessas linhas, torna-se necessário
usar a pista principal por diversas vezes, interrompendo seguidamente o tráfego de caminhões e automóveis na passagem de nível. Também no terminal
de conteineres faltam desvios de pátio que simplifiquem a operação.
Vale lembrar que os atuais maquinistas são experientes nesse tipo de
manobras, mas muitos estão para se aposentar, e seus sucessores não têm ainda a experiência para executar as manobras de forma rápida e segura. Além
disso, o tráfego ferroviário de conteineres tende a crescer rapidamente, exigindo cada vez maior agilização dos serviços ferroviários, e logo
tornando indispensáveis aquelas obras.
Trem passando pela ponte ferroviária
Foto: Codesp, 1987
Normandi
Correia Teixeira refere-se por outro lado à questão dos dormentes apodrecidos, explicando que a ferrovia mantém equipes permanentes de manutenção da
via-permanente, que seguem uma escala de prioridades, preferindo consertar um trecho problemático da estrada que trocar um dormente podre num trecho
onde os dormentes que se seguem estão bons e garantem a segurança da linha.
Para os próximos dias, uma modificação na rotina de trabalho: já estão sendo instalados nas
estações da ferrovia aparelhos de staff, semelhantes aos tradicionalmente usados pela Fepasa. Trata-se de um processo de controle de tráfego
ferroviário que consiste em um conjunto de bastões de ferro com sulcos irregulares e o nome de duas estações gravado.
Transportada pelos maquinistas de uma estação para outra, servem para avisar a estação
seguinte de que a linha vai estar ocupada. Enquanto introduz a peça no aparelho, o responsável pela estação informa à estação seguinte, por
telefone, o código da composição que está saindo. Lá, ao receber o sinal, seu colega retira um bastão de aparelho semelhante, para trocar com o
maquinista, quando o trem passar. Isso evita que duas composições percorram simultaneamente a mesma linha, o que poderia ocasionar uma colisão.
Ponte ferroviária da Codesp sobre o Canal de Bertioga,
em meio a serviços de reparo estrutural na década de 1980
Foto: Arquivo Novo Milênio
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