O servo de Deus Frei Gregório da Conceição
Nas localidades em que os franciscanos fundaram
[...] Conventos e por toda a parte onde os levava o seu
[...] desde que iniciaram a sua expansão pelas costas do Brasil
[...] sempre os queridos do povo. Não era só o hábito de [...]
Cristo que atraía: era principalmente a vida de penitência e de zelo pelas almas. Além disso, não raro existiam entre eles religiosos cuja
extraordinária santidade Deus testemunhava com dons especiais.
Também o Convento de Santo António do Valongo teve a
felicidade de possuir na comunidade, desde a fundação e durante longos anos, uma dessas almas privilegiadas. É o servo de Deus Frei Gregório da
Conceição. Referem-se a ele os alfarrábios do antigo arquivo da Província e Frei Apolinário da Conceição lhe dedica algumas páginas em seu
Epítome e no seu livro Pequenos na Terra, Grandes no Céu.
Faltaria, pois, uma página neste esboço histórico do Convento de Santo António de
Santos se deixássemos de dizer, embora sumariamente, qual foi a vida deste servo de Deus.
Português de nascença, Frei Gregório serviu como soldado tanto em sua terra natal como
no Brasil, na restauração de Pernambuco. Da Bahia passou-se para o Rio de Janeiro, "deixando [a milícia]
do rei da terra, para seguir a mais nobre milícia, qual [...] Rei do Céu, e se alistou
debaixo das bandeiras do nosso [...patriarca], tomando o nosso santo estado no Convento de
Santo António do Rio de Janeiro, aos 4 de agosto de 1640".
Depois de professo, foi transferido para Santos, que Deus lhe destinara para ser o
teatro de suas heróicas virtudes e o candeeiro para nele deixar brilhar a sua luz diante dos homens.
Ocupava-se comumente na coleta das esmolas. Nas suas jornadas ia freqüentemente
descalço de todo e não usava de chapéu por maior que fosse o rigor do sol. Nas casas que lhe ofereciam hospedagem, não rejeitava a cama mas
deitava-se no chão ou sobre uma esteira. Quando chegava a alguma casa todo molhado e dava o hábito para enxugar, os seculares observavam-no pelo
buraco da fechadura e viam, então, o seu corpo superior todo coberto de cilícios.
Retornando ao Convento, Frei Gregório passava horas a fio de joelhos em devota oração,
corria a Via Sacra, ajudava o maior número possível de missas ou, conforme se fazia necessário, ajudava na portaria e na cozinha, no refeitório e na
horta.
Freqüentemente vinham os seculares ao Convento para consultar o religioso sobre
negócios ou viagens que pretendiam fazer e confessavam que, seguindo os seus conselhos, eram sempre bem sucedidos.
Não faltam tão pouco fatos extraordinários atribuídos a Frei Gregório. Um dia
ofereceram-lhe de esmola um boi, [...] bravo que todos o temiam. O frade chamou-o em nome
de Santo António e o animal veio mansamente, deixou que se lhe lançasse a corda e sem relutância seguiu até ao Convento.
Em outra ocasião, e foi também no distrito da cidade de São Paulo, foi chamado a uma
casa onde os pais choravam a morte de seu filhinho. Frei Gregório passou toda a noite em oração e na manhã seguinte entregou a criança viva aos
pais, dizendo que ela dormira.
Um caso interessante deu-se em Santos. Era véspera de São Francisco, dia de jejum.
Frei Gregório saiu do Valongo em busca de peixe. Chegando ao lugar das pescarias, achou os pescadores aborrecidos e soube então que em todos os
lanços que fizeram só colheram lixo nas redes. A pedidos, porém, do servo de Deus e pelo respeito que lhe tinham, lançaram de novo a rede e esta vez
foram felizes, pois apanharam tantos peixes que encheram os dois cestos de Frei Gregório. Este disse então aos pescadores que primeiro tirassem para
o seu jantar, o que, porém, não quiseram fazer, na esperança, naturalmente, de terem outro lanço abundante. Arrependeram-se logo, pois, lançando
outra vez a rede, nada apanharam, e Frei Gregório já se achava em caminho para o Convento.
Frei Gregório morreu no Convento de Santos em 1704, com
[...a] anos de idade e sessenta e quatro de Religião franciscana, reconfortado com todos os Sacramentos. Espalhando-se
a notícia de seu falecimento, enorme multidão de povo, entre os [...] o Governador da
Praça, compareceu no convento. Todos desejavam possuir qualquer coisa do servo de Deus ou tocar no corpo os objetos que traziam. Foi preciso vestir
o corpo duas vezes e por isso o Guardião mandou fechar as portas e deu sepultura ao corpo.
Disto não gostou o povo e, como nada podia fazer, deu largas ao seu descontentamento,
alcunhando o Guardião, trocando o seu nome de Frei Maurício para Frei Maligno. Compreende-se a atitude do povo, tão familiarizado com o humilde
Irmão, que durante mais de 60 anos, perambulando pelas ruas da vila, lhe dera o exemplo de um discípulo fiel de São Francisco.
Refere ainda Frei Apolinário da Conceição que o cordão do santo frade, aplicado a
pessoas em perigo de morte ou a senhoras em partos difíceis, operava prodígios.
Igreja e Convento do Valongo em 1840
Quadro pintado por Benedito Calixto
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