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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (21)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em Santos/1879-1927- Análises:

 

[17] O Proletário - 1911

Apesar de ser considerado um reflexo do Congresso Operário Brasileiro de 1906, que expandiu o anarco-sindicalismo - unificando o debate sobre seus rumos,incluindo reformistas e adeptos do sindicalismo revolucionário anarquista -, pois que foi anunciado em novembro de 1906 [1] em uma reunião na sede da Internacional, o jornal O Proletário surge em 1911, como prova o exemplar por nós encontrado e fotografado no Arquivo Edgar Leuenroth (microfilmado), de agosto desse ano, no quarto número [2]. Seu administrador é Gregório Rodrigues, um pintor.

Os oito números consultados por Lúcia Gitahy, abrangendo os anos de 1911 e 1912 são, segundo a autora, declaradamente, anarco-sindicalistas [3]. Com letra miúda, carregado de matérias, com pouca chamada, utiliza uma linguagem "ilustrada", principalmente se comparada a jornais portuários. Trata-se de um veículo fundamental para se acompanhar o movimento operário santista nesse período.

As matérias literárias e "bacharelescas" freqüentam as páginas de O Proletário no início, com várias expressões anarquistas - como, por exemplo, falando de uma noite "lúquebre e tenebrosa", fala de "nuvens espessas como as consciências burguesas e pesadas como os crimes clericais" [4].

Mas, pouco a pouco, as notícias do dia-a-dia do movimento operário vão tomando espaço, com as colunas Linha de Combate, Movimento Operário, Notícias, Comentários, trazendo informações sobre a organização de uniões de estiva, entre os lancheiros de areia, os metalúrgicos - além das greves conjuntas dos pedreiros de São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, pelas mesmas reivindicações.

As denúncias das condições de vida e trabalho e manifestações coletivas também têm lugar, junto com acontecimentos nacionais ("A Revolta da Chibata") e internacionais (a revolução mexicana), amplamente comentados. Artigos de Kropotkin e Malatesta são divulgados [5].

Todos os militantes da Federação Operária escrevem aqui: Eládio Antunha, Luiz La Scala, Primitivo Soares, Manuel Rodrigues - que será diretor nos últimos números do jornal, utilizando o pseudônimo Iris.

Presente nas lutas da Federação Operária, que reúne os trabalhadores da construção civil, na campanha pelo reconhecimento do sindicato eles passam a fiscalizar as obras, só permitindo o trabalho a quem estivesse sindicalizado, exigindo recibo [6]. Os patrões se opõem, mas através de greves eles se impõem. As primeiras empresas a reconhecerem o sindicato são a Oliveira Capelache & Cia., Antonio Covas e outras. O objetivo é garantir o cumprimento da jornada e das condições de trabalho dos operários, assim como os salários.

Mas, enquanto os pedreiros, carpinteiros e pintores eram organizados na Federação Operária, em áreas como saneamento as condições são muito diferentes, merecendo um artigo de O Proletário [7]:

"/.../Enquanto nas obras particulares se trabalha oito horas, lá sendo uma repartição pública os trabalhadores são forçados a trabalhar onze ou doze horas por dia. Quem conhece aquele serviço sabe perfeitamente o quanto ele é nocivo à saúde/.../e quanto é repugnante/.../mais revoltante é o salário mesquinho/.../ enquanto engenheiros e chefes recebem somas fabulosas/.../os trabalhadores comem um muito rude pedaço de pão, para não morrer de fome/.../são insultados pelos feitores, que são canalhas. A imprensa de grande formato se desfaz em elogios a esta comissão/.../esquecendo-se que estes serviços estão sendo prestados por todos os que lá trabalham, vegetando na mais negra miséria".

A Federação Operária era composta pelos sindicatos de pedreiros e serventes, carpinteiros, pintores, funileiros e pelo Sindicato de Ofícios Vários. Assim que o grau de organização de uma determinada categoria o permitia, esta constituía um sindicato autônomo, pertencente à Federação. Antes disso, integrava o Ofícios Vários, que incluía metalúrgicos, calceteiros, serralheiros, ferradores e outros, além dos padeiros que nessa época se constituem em sindicato próprio [8].

Com sede na Rua Senador Feijó, 63, o jornal, em seu primeiro número [9], mostra que pertence a uma linha diferente dos demais jornais operários, dizendo que pretende ser feito a partir de reuniões de todos os interessados, a quem convida.

Logo chama para um comício na Praça José Bonifácio [10], falando sobre o movimento da estiva - "já era tempo dessa categoria, aliás numerosa, acordar dessa letargia a que esteve sempre submetida". Publica ainda a carta de um carroceiro, lamentando a falta de organização da classe e descrevendo seus sofrimentos, sugerindo a organização de um sindicato. Chama para a assembléia da Inglesa e fala das greves dos colonos de Bragança, que se recusavam a trabalhar como assalariados explorados. E da preparação para a paralisação dos pedreiros de Campinas.

[18] A Revolta - 1914

O exemplar encontrado e fotografado para este trabalho de A Revolta foi o de número sete, de 1º de maio de 1914, retirado do acervo do Archivio Storico del Movimento Operario Brasiliano - ASMOB -, de Milão, reproduzido em um livro sobre esta data [11]. Na relação de Maria Nazareth Ferreira [12], onde também figura A Revolta, este jornal aparece como sendo editado por Florentino de Carvalho. Mas, abaixo do logotipo do jornal fotografado, uma linha pede que toda correspondência seja enviada para Maurício de Andrade, na Rua Amador Bueno, 25 - sobrado. Concluímos que fosse este seu editor.

No referido livro, consta que este jornal é uma publicação de 1914, o que se confirma na foto - que atribui o sétimo número a 1º de maio desse ano. Logo, seu surgimento foi mesmo em 1914,  o que também garante a relação de Nazareth Ferreira.

Intitulado "órgão de propaganda emancipadora", segue a prática dos jornais anarquistas com frases no cabeçalho, como "As liberdades não se dão, tomam-se". Em um artigo de Sílvio Floreal, intitulado Infâmias sobre infâmias [13], é denunciado o "canibalismo desenfreado da classe média", dizendo que Santos é o lugar onde mais se tem cometido violências e se atentado contra a liberdade individual e a liberdade coletiva. Também se diz que o lugar onde as reivindicações operárias atingiram maiores conquistas, no terreno das lutas travadas contra o capital, é aqui em Santos. "É lógico, pois, que a violência organizada, a defensora do capital, estende em Santos as suas garras, na convicção astuta de querer reprimir e extinguir a marcha encetada pelo proletariado".

Nesse período, ao qual se atribui o porvir do anarco-sindicalismo em Santos e tendo aqui a maior expressão do país pela força de seus sindicatos, é clara a vinculação deste jornal com adeptos desta postura ideológica, que leva aos extremos a luta operária, momento em que participou Florentino de Carvalho. Expulso do país em 1911, fez uma série de viagens clandestinas a Santos, no objetivo de organizar movimentos reivindicatórios, tendo atuado na greve de 1912, quando foi preso e novamente deportado [14].

Usando o pseudônimo de Florentino de Carvalho, Primitivo Raimundo Soares converteu-se ao anarquismo ao ler a obra de Kropotkin A Conquista do Pão, em um exemplar encontrado em uma livraria de São Paulo, em 1902 [15].

Deu baixa imediata da Força Pública, indo trabalhar como estivador e tipógrafo em Santos, onde se tornou um sindicalista bastante procurado pela polícia. Também conseguiu tempo para ser autodidata, escrever e ensinar: um admirador o descreve "flamejante e às vezes dramático na tribuna", a "cabeleira espessa e os olhos fulgurantes no pináculo da eloqüência, lembrando a de Nietzsche" [16].

Fundou escolas modernas para trabalhadores em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Argentina, durante algumas de suas inúmeras deportações [17].

Florentino de Carvalho, que foi um dos mais brilhantes e destacados líderes operários desse período no Brasil, tem inúmeros registros de sua participação no movimento dos trabalhadores brasileiros, como em 1º de maio de 1919 no comício-monstro do RIo de Janeiro, quando chegava da Ilha de Barbados [18].

Antes, em outubro de 1917, havia sido deportado junto com uma dúzia de anarquistas a bordo do Curvello, aportado em Santos [19]. Preso na greve de 1920 da Docas de Santos, em dezembro [20], foi intérprete radical das cisões entre anarquistas e comunistas nesse ano. Em maio, ele havia fundado A Obra, veículo para debates sobre anarquismo e sindicalismo [21], onde se declarava que "o sindicalismo não é marxista", que se este cumprisse sua missão histórica, haveria de abrir as portas da anarquia, dizendo ainda que de maneira nenhuma o sindicalismo pode usar o Estado à maneira do marxismo - recusando a idéia da ditadura do proletariado, ainda que temporária.

Em setembro de 1920, Florentino de Carvalho denunciou os "libertários militantes" do Rio de Janeiro que, segundo ele, propunham a formação de um partido para substituir pelas urnas o estado burguês pelo estado bolchevista. Dizendo que o regime russo era contrário aos "nossos princípios" e que seria um absurdo isto no Brasil - onde a intenção era derrubar o estado burguês como o bolchevista. Para ele, a formação de um partido socialista ou maximalista seria "uma traição à causa da emancipação humana [22].

Na coluna intitulada Rápida, de A Revolta, há um artigo repudiando a repressão que tenta sensibilizar os seus agentes, assinado por um "...de la Vega" [23]:

"Eu não posso conceber que um ser racional, que além disso tenha filhos, mãe e esposa, seja arrastado por paixões, por debilidade ou por incompetência no desempenho de suas funções, a ponto de cometer um crime de lesa-humanidade como o que o senhor, simulado gentleman, culto e ...justiceiro, cometeu com vários pais de família, cujo único crime tinha sido reclamar um pouco mais de pão para seus filhos famintos".

Nas vésperas do 1º de maio de 1914, há propostas de transformar a data em feriado para evitar os conflitos costumeiros que se ampliam. Os anarco-sindicalistas protestam contra a manobra: "os governos, que sempre tratam de desvirtuar as coisas, já cogitam de fazer do 1º de Maio um feriado", diz A Revolta [24].

E segue dizendo que "quando isto for verdade, trabalhadores, então não se abandona o trabalho neste dia, porque ele terá perdido completamente o sentido e já não será mais um dia de protesto: é o dia 1º de Maio sancionado pela lei".


Notas:

[1] GITAHY, op. cit., p. 95/6.

[2] O Proletário, 4, 1/8/1911.

[3] GITAHY, op. cit., p. 96.

[4] GITAHY, op. cit., p. 96. A autora não cita o número do jornal, nem a data.

[5] Idem, ibidem, p. 96.

[6] Idem, ibidem, p. 273.

[7] O Proletário, 2, 15/6/1911.

[8] GITAHY, op. cit., p. 276. Veja no episódio onde é analisado o jornal A Vanguarda o resultado da organização dos padeiros, com a greve que causou a prisão de seu diretor.

[9] O Proletário, 3/6/1911.

[10] O Proletário, 1, 5, 1º/9/1911.

[11] ROIO, José Luiz del. 1º de Maio, cem anos de luta, 1886-1986, p. 26.

[12] FERREIRA, op. cit., p. 94.

[13] A Revolta, 7, 1º/5/1912, apud ROIO, op. cit., p. 26.

[14] A Plebe, 33, nº 26, 10/3/1950, apud DULLES, op. cit., p. 20.

[15] Ação Direta, 2, nº 34, 1/5/1947, apud DULLES, op. cit., p. 21.

[16] MARAN, op. cit., p. 85/6.

[17] DULLES, op. cit., p. 72.

[18] DULLES, op. cit., p. 60.

[19] DULLES, op. cit., p. 117.

[20] DULLES, op. cit., p. 132.

[21] A Obra, I, nº 2, SP, 13/5/1920, apud DULLES, op. cit., p. 132.

[22] A Obra, I, nº 13, SP, 15/9/1920, apud DULLES, op. cit., p. 134.

[23] A Revolta, 7, 1º/5/1914, p. 1.

[24] A Revolta, 7, 1º/5/1914, apud ROIO, op. cit., p. 130.