PARTE II - A imprensa da Barcelona
Brasileira
Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em
Santos/1879-1927- Análises:
[16] Tribuna Operária - 1909
Nascida dentro do processo resultante da greve de junho de 1905,
quando a Internacional é invadida e tem sua diretoria presa - e a Primeiro de Maio oferece, no dia 17, sua solidariedade moral e material, ainda
assim rejeitada -, o jornal Tribuna Operária surge de uma nova entidade chamada Centro União de Classes 1º de Maio, segundo histórico do
SIndicato dos Carpinteiros e Anexos [1].
Nesta greve de oito dias, no dia 19 de junho a Internacional e a 1º de Maio lançaram
um manifesto juntas, pedindo a volta ao trabalho, e tiraram resoluções conjuntas. Mas, após a traição do tesoureiro da Internacional à greve,
justamente aquele que tinha convocado a reunião para atuação conjunta, sem possibilidade de coligar-se, a 1º de Maio ressurge na nova entidade que
editará a Tribuna Operária, reunindo foguistas, maquinistas e outras classes, fundando a Liga Gráfica, auxiliada por uma comissão de São
Paulo. Mas as duas entidades se unirão, com a integração do novo Centro União de Classes à Internacional.
No relato da imprensa operária de
São Paulo, de Nazareth Ferreira [2],
A Tribuna Operária aparece como fundada em 1909, editada pela Sociedade Internacional União dos Operários. Outro trabalho analisa o aspecto
do jornal dar importância à união dos trabalhadores, combatendo a luta de raças [3]
e denunciando o fato. O jornal A Voz do Trabalhador, do Rio de Janeiro, órgão da Confederação Operária Brasileira
[4], acusa o recebimento
dos dois primeiros números da Tribuna Operária em 1909. Esse dado nos leva a concluir que foi este o ano da edição do jornal.
Lucia Gitahy considera este jornal como um documento chave para se
"tentar aprender alguma coisa" sobre a Internacional. Diz que a sua linguagem é ainda mais popular que a dos jornais anarco-sindicalistas. Em um
artigo com o nome Vilão! [5],
o autor gasta todo um parágrafo para qualificar o ajudante do administrador: "...existe um vilão, puxa-saco, sem-vergonha chamado Joaquim Flórido,
alcoviteiro do sr. Fontes, que à custa de adulações, espionagens e intrigas, ocupa o lugar de ajudante de administrador. Pois este indivíduo é um
ignorante e imbecil, verdadeiramente é um camelo".
O objetivo da organização dos operários é perseguido pela Tribuna
Operária, para romper o monopólio dos empregadores para fixar os preços da força de trabalho e o número de horas da jornada. O passo mais
importante para isso seria seu reconhecimento como representante dos trabalhadores, quando lança um manifesto no editorial do jornal: "/.../ para
que todos os companheiros que ainda não são associados se associem para que, todos organizados em um poderoso núcleo, possamos muito em breve
demonstrar aos burgueses de Santos que o trabalhador tem o direito de fazer o preço e condições sobre seu trabalho e que seja reconhecida pelos
mesmos a Sociedade Internacional União dos Operários" [6].
Há no jornal apelos à união e à organização e até mesmo uma
declaração do grão-mestre da Maçonaria, de que "é necessário que a lei dê ao trabalho do homem a mesma proteção assegurada ao capital"
[7].
Em um artigo contra a desagregação causada pelas desavenças entre as
nacionalidades, em um artigo denominado Aos brasileiros fanáticos, fala que "/.../ os próprios a vos iludir são os descendentes e a maior
parte deles são estrangeiros, os mesmos que há quatrocentos anos iam a África iludir os filhos de lá com espelhos e bonecos, a fim de os roubarem do
seu lar e /.../ conduziam para a América do Sul, onde eram vendidos. Eis aí que depois os mesmos/.../iam à choupana dos legítimos brasileiros e os
matavam ou expulsavam/.../como ainda há pouco deu-se neste estado e no Paraná/.../Unamo-nos como espoliados que também somos, para dar uma bela
lição aos capitalistas de Santos, tanto estrangeiros como nacionais" [8].
Contra o alcoolismo, o jornal diz que ele funciona como "auxiliar da
burguesia", pois desvia os operários da luta econômica [9].
É destacado o fato de que os patrões aproveitam-se destas debilidades, advertindo contra a atuação da entidade "amarela", a Sociedade Progresso dos
Operários Brasileiros, que a pretexto de defender o trabalhador nacional explora a divisão do conjunto operário por nacionalidade. Também as
sociedades beneficentes são atacadas, pois que além de não funcionarem descontavam cotas dos salários dos trabalhadores.
Os acordos entre os empregadores e a repressão também são lembrados,
como por exemplo neste trecho: "Estes miseráveis formados em poderosos trusts fizeram um rateio/.../onde a Companhia Docas de 10.000$000
réis/.../alguns proprietários de veículos outros dez e meia-dúzia de puxa-sacos de comissários/.../outros tantos contos, para que a polícia de
Santos fizesse a obra completa!!!". Denunciam também o suborno à imprensa [10].
Acidentes de trabalho diários, nesta "fábrica de morticínios e
desastres", também figuram no jornal, "originados pela falta de competência de seus feitores/.../carneiros e sem-vergonhas, uma corja de puxa-sacos
do sr. Fontes e do sr. Barreto. É preciso, companheiros,/.../que tenhamos vergonha, que tenhamos dignidade/.../apesar da Companhia Docas ter como
feitores facinorosos, não pense que hão de nos amedrontar/.../quantas mortes se tem dado em seus armazéns e a bordo/.../é preciso que todos nos
associemos para que possamos reclamar a devida indenização/.../se ficar machucado, com uma diária durante o tempo em que não puder trabalhar e se
morrer indenizar as pessoas da família/.../assim terão mais cuidado, porque afeta os lucros dos tiranos!"
[11].
Este artigo mostra as raízes das reivindicações da Sociedade União dos Estivadores: o
pagamento por produção. A importância do jornal nesta cobertura se dá por conta dos princípios que fixou, a exemplo deste, que seriam a razão das
propostas do deputado Maurício de Lacerda no Congresso Nacional anos depois, até seu atendimento global em 1930 - na "permuta" entre as concessões e
a liberdade sindical.
Já nesse tempo o jornal traz notícias do governo, com o ministro da
Justiça pedindo ao presidente a adoção de leis sobre acidentes do trabalho. Este comenta que "o operário está acordando e o governo se vê obrigado a
ir lançando mão de leis que vá atenuando os mesmos" [12].
Não tão radical quanto os anarco-sindicalistas, o jornal diferencia
as publicações da grande imprensa, impondo parâmetros entre A Tribuna e A Vanguarda, por exemplo. Na coluna Movimento Operário
[13], fala que
enquanto outro jornais (como A Vanguarda) são favoráveis às oito horas, e A Tribuna se manifesta contra, a Tribuna Operária
comenta que "A Tribuna, que era um jornal do povo, hoje ela é do polvo", como era conhecida a Docas por suas inúmeras atividades.
A entidade conviveu com a Federação Operária, de posição
anarco-sindicalista, sem se hostilizarem publicamente. Lúcia Gitahy observa que embora não fosse anarco-sindicalista, a Internacional nunca
foi anti-anarco-sindicalista [14].
Presente em momentos importantes do movimento operário santista, o
Tribuna Operária é veículo essencial para a cobertura do período. No campo da pregação ideológica, é importante o artigo Pela Luta, em
mais um "número especial" do jornal [15],
que fala da perenidade da instituição capitalista, comparando-a à monarquia, ao exército e às religiões e seus pontífices.
"Se morre um capitalista - diz o texto -, a herança fica.
Numa palavra, morrem os homens mas não morrem as instituições", diz, atribuindo ao "trono, ao altar e ao dinheiro" o combate da anarquia. Além de
José Lopez Montenegro, que assina este artigo,há colaboradores como Francisco Antunes, A. J. C. e "A Comissão", neste número.
Notas:
[1]
GITAHY, op. cit., p. 85.
[2]
FERRERA, op. cit. p. 85.
[3]
GITAHY, op. cit., p. 110. Este número especial analisado é de 7/8/1909, data de quinto aniversário da Sociedade Internacional. O exemplar
fotografado por nós no Arquivo Edgar Leuenroth, resgatado em Amsterdam, na Holanda, do Instituto de História Social local, também é um número
especial "para o 1º de Maio de 1909". Logo, é anterior.
[4]
GITAHY, op. cit., p. 121.
[5]
Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 4.
[6]
Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 1.
[7]
Idem, ibidem, p. 3.
[8]
Idem, ibidem, p. 1.
[9]
Idem, ibidem, p. 2.
[10]
Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 2.
[11]
Idem, ibidem, p. 3.
[12]
Idem, ibidem, p. 3. O jornal extrai de A Tribuna e de A Vanguarda do dia 27/7/1909 estas informações.
[13]
Idem, ibidem, p. 4.
[14]
GITAHY, op. cit., p. 125.
[15]
Tribuna Operária (número especial), para 1º de maio de 1909. |