PARTE II - A imprensa da Barcelona
Brasileira
Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em
Santos/1879-1927- Análises:
[19] A Dor Humana - 1911
A única referência encontrada sobre este veículo de
imprensa operária foi através do livro de Nazareth Ferreira [1],
que atribui sua direção ao militante João Perdigão Gutiérrez. Sobre ele, outro livro nos fala que foi um imigrante anarquista da Ilha das Canárias,
importante dirigente sindical do período e várias vezes indicado como responsável pelas greves da Doas
[2]. Há dados sobre sua
atuação em Santos em 1911, nas greves do período, pressupondo-se que este jornal tenha sido editado a propósito do movimento reivindicatório.
Na greve de dezembro de 1920, quando pela primeira vez foi usada a lei Arnolpho
Azevedo que regulava a expulsão de estrangeiros, o delegado Ibrahym Nobre prendeu grande número de grevistas, entre os quais Manoel Campos,
Florentino de Carvalho e Deoclécio Fagundes.
Com as notícias da explosão de várias bombas de dinamite, em janeiro
- denunciadas pelos trabalhadores como uma invenção da polícia para justificar o tratamento duro dado aos grevistas -, no processo foram indiciados
16 indivíduos cuja prisão o delegado julgava imperativa, entre os quais João Gutiérrez [3].
Esse ativista era primo de Manoel Perdigão Saavedra, de quem falamos na abertura deste trabalho.
Quanto a Manoel Campos, sabe-se que ele compunha o grupo de redatores
do jornal Na Barricada, do Rio de Janeiro, junto com Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta e outros, sendo o administrador do órgão
anarquista a partir de 1916 [4].
Esteve presente na organização da rebelião anarquista de novembro de
1918 naquela cidade [5],
em meio a uma onda de greves que abalava o país, fazendo parte do "conselho insurrecional", constando que tinha influências junto ao pessoal de
saúde. Preso no dia 18 desse mês - em uma reunião preparatória do levante, junto com José Oiticica e Astrogildo Pereira, entre outros -, fugiu e
permaneceu escondido.
Preso em Santos em setembro de 1919
[6], acusado de
cumplicidade no assassínio de um feitor da Docas, o delegado Ibrahym Nobre estava particularmente interessado em expulsá-lo, pois era espanhol, mas
estava no Brasil desde criança [7].
Preso em São Paulo em dezembro desse ano, Manuel Campos foi
transferido para Santos por ordem de Ibrahym Nobre, espancado e mantido incomunicável a maior parte do tempo. Todos os que conseguiram visitá-lo
ficaram horrorizados com o estado em que ficou seu corpo após as torturas que sofreu [8].
O tribunal, que deliberou sobre o habeas-corpus em favor de Manuel Campos e de
mais dois operários, aceitou a ordem de detenção dos expulsandos, mas decidiu, de acordo com o artigo 5º da Lei Arnolpho Azevedo, que os presos
fossem mantidos em lugar não destinado a criminosos comuns.
Manoel Campos fez parte do grupo que se manteve fiel ao anarquismo
após a lufada bolchevista que arrastou tantos militantes à causa do comunismo autoritário e escreveu com desprezo aos "ex-anarquistas": "Os homens
podem perverter-se - disse -, mas as idéias permanecem. Aos anarquistas de ontem, hoje políticos, damos os nossos sinceros pêsames; eles se
suicidaram, cuspindo sobre um passado de lutas e glórias" [9].
[20] A
Rebelião - 1914
Relacionado como sendo editado em Santos em 1914 por Florentino
de Carvalho, o jornal A Rebelião encontra referências de seu surgimento em São Paulo, em 1º de maio desse ano, como um "pequeno semanário
anarquista" [10].
Tem entre seus colaboradores, segundo esta fonte, Florentino de Carvalho e João Penteado, descritos como adeptos dos métodos de ensino de
Francisco Ferrer.
Nessa época, segundo descrição do líder anarquista Edgar Leuenroth,
o movimento atravessava um período de "animadora atividade" [11],
momento em que diversos agrupamentos libertários atuavam em diversas cidades do país. Além do livro de Nazareth Ferreira, não foram encontradas
outras fontes afirmando que este era um jornal local. Pressupõe-se que, pelas ligações de Florentino de Carvalho com Santos, este jornal
tenha circulado na cidade.
[21] A
Gazeta do Povo - 1917
Encontramos o jornal A Gazeta do Povo no arquivo da Sociedade
Humanitária, onde fotografamos [12]
o seu primeiro e segundo exemplares. Não é um órgão da imprensa operária, mas tinha uma orientação liberal que o levava a apoiar as reivindicações
operárias. Surgiu em 1917, época do recrudescimento do movimento operário em Santos e em São Paulo, e circulava a partir das dezessete horas. Seu
número inicial é do dia 12 de dezembro.
Com a frase "órgão independente" abaixo de seu cabeçalho, que anunciava Cirillo Freire
como seu diretor e suas oficinas e redação na Praça Mauá nº 60, A Gazeta do Povo teve papel importante nas greves de 1919/20, denunciando as
atitudes atrabiliárias do delegado Ibrahym Nobre.
O proprietário do jornal, Cirillo Freire - era sócio de "Castro", conforme anuncia -
foi acusado pelo presidente do Estado, Altino Arantes, de incentivar os operários a assassinar as autoridades constituídas. Este, por sua vez,
advogado que era, foi levar a coleção completa do jornal ao presidente da República, no palácio do Catete, para provar a improcedência da acusação -
feita em meio ao escândalo do assassinato em um bonde do administrador da Docas, Ascelyno Dantas, em 1919, em 29 de julho.
Nessa ocasião, a polícia atribuiu o crime à liderança militante da
cidade e uma multidão que incluía pessoas "das melhores camadas sociais" resolveu fazer justiça com as próprias mãos
[13]. Pilharam a sede
da Sociedade União dos Estivadores e, três dias depois, o jornal A Tribuna noticiava que "O Batalhão Santista das Classes Conservadoras havia
sido formado para prestar à polícia o seu apoio contra a ameaça radical".
Na greve da Docas de dezembro de 1920, os jornais de Santos
noticiaram a explosão de várias bombas de dinamite. Em meio aos conflitos, o delegado Ibrahym Nobre iniciou no relatório 16 indivíduos cuja prisão
considerava imperativa, entre os quais João Gutiérrez, João Domingos Gonçalves, além do diretor da Gazeta do Povo. Todos eles, concluiu o
delegado, estavam implicados no atentado à vida de três pessoas [14].
O nome de Antonio Julião, português e professor de uma escola moderna, encabeçava a lista dos indiciados, acusado de "mentor" que, sem sair de casa,
organizava o trabalho revolucionário.
Colaboraram na Gazeta do Povo o
vereador Heitor de Moraes, defensor de operários como advogado da Sociedade dos Empregados da Companhia City, além de Martins Fontes. A partir de
1923, seria dirigida por Adolfo Borges Galvão [15].
Notas:
[1]
FERREIRA, op. cit., p. 95.
[2]
DULLES, op. cit., p. 30.
[3]
DULLES, op. cit., p. 118.
[4]
DULLES, op. cit., p. 38.
[5]
DULLES, op. cit., p. 66/8.
[6]
DULLES, op. cit., p. 97.
[7]
DULLES, op. cit., p. 117/8.
[8]
O Combate, 18 e 19/1/1921, p. 1., apud DULLES, op. cit., p. 118 e notas, p. 129.
[9]
DULLES, op. cit., p. 134.
[10]
DULLES, op. cit., p. 36.
[11]
LEUENROTH, Edgar. Dados históricos sobre o anarquismo no Brasil, contribuição do autor ao congresso da Federação Libertária Argentina,
reunida em dezembro de 1961, dat., p. 29, apud DULLES, op. cit., p. 36.
[12]
A Gazeta do Povo, 1, 12 e 13/12/1917.
[13]
A Tribuna, 30/7/1919, p. 2/; 31/7/1919, p. 4; 2/8/1919, p.2/; 7/8/1919, p. 4; 16/8/1919, p. 2 e 3. Em dezembro de 1920, três operários eram
condenados a 30 anos de reclusão. Apud MARAN, op. cit., p. 156.
[14]
DULLES, op. cit., p. 118/9.
[15]
RODRIGUES, Olao, op. cit., p. 115. |