PARTE II - A imprensa da Barcelona
Brasileira
Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em
Santos/1879-1927- Análises:
[14] A Vanguarda - 1907
A participação ativa na defesa dos interesses operários, postura que provocou a prisão
de seus donos, fez A Vanguarda, órgão da chamada grande imprensa, ser incorporado ao conjunto de jornais aqui analisado. Registrando a voz e
a situação dos operários no mais grave conflito da década, a greve de 1908 no cais de Santos.
Em setembro desse ano, Fernando de Magalhães comprara as antigas
oficinas do Cidade de Santos e convidara Benjamim Motta para dirigir um jornal diário. Advogado de operários, seu nome está presente na
imprensa operária em O Libertário, em 1898, e em A Lanterna, em 1901, ao lado do líder anarquista Edgar Leuenroth
[1].
Em 1905, foi ele quem impetrou habeas-corpus para onze
trabalhadores, presos em uma invasão da Internacional e enviados a São Paulo para evitar julgamento em Santos
[2]. Mas, graças a
Benjamim Motta, eles são "devolvidos" para cá.
O estilo de A Vanguarda é o da grande imprensa, com as colunas
bem separadas por barras ou manchetes e tem o aspecto gráfico mais moderno do que A Tribuna e O Diário, assemelhando-se a estes na
divisão dos artigos. Não escapa ao provincianismo das crônicas dos aniversários, batizados, chegadas e saídas dos ilustres da cidade. Mas tem uma
linguagem irreverente nos artigos políticos, que o diferencia dos demais. Por exemplo,no artigo O orçamento da opressão
[3], fala sobre o
orçamento municipal de 1909 e diz que "Ali, pela Câmara, dinheiro é como manteiga em focinho de cachorro. Fica unicamente o tempo necessário para
ser lambido pelos mais expertos".
Ao contrário dos jornais anarco-sindicalistas, não tem uma posição firmada quanto a
eleições, não relutando em apoiar candidatos que desempenhem papéis ao seu agrado. Como a Antonio Moreira da Silva, chamado pelos
anarco-sindicalistas de Sereia Barbada, por causa dos seus apelos reformistas. Acha importante a luta do senador Alfredo Ellis contra a
Docas.
Seu diretor Benjamim Motta, apesar de seu engajamento, não é aceito
integralmente pelos anarquistas, como mostra uma notícia sobre um meeting que apresenta os oradores, "companheiro La Scala, companheiro
Eládio Antunha e o distinto jornalista Benjamim Motta [4].
Anti-clerical ao extremo, trazia notas sobre o comportamento indecoroso dos padres e
nas próprias notícias policiais dá destaque à crise social como geradora da criminalidade, com base no moralismo anarquista, lembrando sempre a
condição de miséria e exploração do operariado.
O jornal dá espaços a temas como as más condições de vida e trabalho
do operariado, denunciando também o racismo praticado na contratação de trabalhadores [5].
Critica os políticos e a política, mas também os apóia. Apesar disso, critica asperamente o resultado das eleições e o sistema eleitoral. Os
espancamentos e esbofeteamentos de operários por feitores da Docas também são denunciados nas páginas de A Vanguarda, assim como o roubo de
horas trabalhadas por operários da empresa, através da falsificação do ponto, e os preços exorbitantes dos armazéns de alimentos da Docas em
Itutinga, que os vendia podres e bichados e os descontava diretamente nos salários.
A análise das eleições estampada no jornal dá bem um quadro de como
as conceituavam uma parcela importante da sociedade, além dos anarquistas: "...o povo brasileiro, desde que bestificado assistiu à proclamação da
República, bestificado se conservou quando foram nomeados pelos governos ditatoriais dos Estados os membros da Constituinte, e não saiu até agora da
bestificação em se tratando das eleições federais (...) Quando o povo resolverá agir em defesa de seus direitos, enxotando das cômodas posições que
ocupam tantos medalhões inúteis? Quando se lembrará o povo de chamar às contas os patifes?"
[6].
Na greve dos padeiros de junho de 1909, quando três padarias se
recusaram a aceitar a fiscalização do sindicato, e que resulta quase em uma greve geral, a sede da Federação Operária é invadida e Fernando de
Magalhães não só se solidariza com a greve no jornal como consegue um outro local para reunião daqueles trabalhadores, sendo por isso perseguido
pela polícia, tendo de se esconder [7].
No histórico da imprensa santista de Olao Rodrigues
[8], o dirigente de A
Vanguarda é Silvino Martins, vinculado ao Partido Republicano. Foi nesta publicação que conseguimos o logotipo do jornal para fotografá-lo.
[15] A
Aurora Social - 1909
Surgido em 1909, este órgão é porta-voz da Federação Operária Local
de Santos, tendo como responsável J. Rufino e sede na Rua General Câmara nº 83 - sobrado. O número pesquisado comemora o terceiro ano de fundação da
entidade, em 1910 - a FOLS foi fundada em 19/7/1907 - e dirige a sua mensagem notadamente contra a repressão, procurando atingir a consciência dos
soldados [9].
Alexandre La Scala assina um artigo sobre o tema, dizendo que "... O indivíduo que
veste a farda de soldado não tem consciência daquilo que faz; transforma-se em escravo de seus superiores engaloados, até o ponto de ser assassino
de seus próprios irmãos, quando o ordenarem..." Falando da greve de 1908, "para arrancar deste abutre que se chama Docas de Santos a jornada de 8
horas", chama para a luta pela redução da jornada todos os trabalhadores de Santos.
Eládio Antunha assina um artigo intitulado O Sol da Liberdade, onde enaltece o
ambiente puro e humilde da gente do campo, distante da corrupção dos hábitos burgueses no meio urbano. O fantasma da repressão permanece nos
cérebros dos trabalhadores, que durante a greve de 1908 puderam testar o poder do "polvo" (a Docas), de mobilizar gigantescos aparatos repressivos
da Marinha e do exército estadual, esmagando impiedosamente a organização operária.
No artigo Soldados, despertai! Dentro de uma farda não há lugar para um coração,
caracteriza-se muito bem esse sentimento, procurando questionar os soldados sobre os valores que os levam a servir às classes dominantes. A
Federação Operária, que editava este jornal, era composta pelos sindicatos dos pedreiros, pintores, carpinteiros, funileiros, carregadores de café e
tecelões. Trazendo anúncios de vários jornais internacionais, o jornal convida também para uma reunião da "Liga do Livre Pensamento", recém-fundada
na cidade, com sua sede "instalada provisoriamente na Federação Operária".
O Estado e a Religião é outro tema analisado em um texto de Luiz La Scala, onde
ele explica que "O Estado é um inimigo do povo" e que a religião representa "uma pilastra do sustentáculo do regime de exploração". "E todos nós
sabemos - escreve La Scala - quanto é ignominiosa a parte que a religião representa na sociedade presente. Nós sabemos o quanto perniciosa e
prejudicial sua influência é sobre o povo trabalhador, para o manter passivo e resignado ante a opressão..."
A Federação Operária Local de Santos foi anunciada por La Scala e Antunha em novembro
de 1906, quando convidaram a participar da nova entidade os trabalhadores, em uma assembléia da SIUO, e veio dar uma nova orientação à luta
operária, a do anarco-sindicalismo. Eles venceram com suas propostas o Congresso Operário Brasileiro desse ano, apesar de estarem em minoria ante os
representantes do reformismo, trazendo para si os votos indecisos, com propostas como a desvinculação do movimento operário da política oficial ou
da religião.
Seguindo as correntes do anarco-sindicalismo revolucionário francês, eles foram
flexíveis e derrotaram as propostas de envolvimento político, defendidas pelo líder reformista Pinto Machado - recusando-se a diluir a luta operária
no engajamento eleitoral.
O livro
de Maria Nazareth Ferreira atribui o surgimento de A Aurora Social a 1911 [10].
Diante do fato de que a Federação Operária foi fundada em 19 de julho de 1907, reunindo os sindicatos dos pedreiros, pintores, carpinteiros,
funileiros, carregadores de café e tecelões [11],
que resolveram aderir à ação direta [12],
o terceiro aniversário que comemora a edição analisada é em 1910. Encontramos este exemplar no Arquivo Edgar Leuenroth, onde foi por nós
fotografado.
Notas:
[1]
GITAHY, op. cit., p. 263. Os dados sobre Benjamim são de FERREIRA, op. cit., p. 94.
[2]
GITAHY, op. cit., p. 86.
[3]
A Vanguarda, 71, 2/1/1909, p. 1., apud GITAHY, op. cit., p. 263.
[4]
A Folha do Povo, 8/6/1909, apud GITAHY, op. cit., p. 263.
[5]
A Vanguarda, 10, 11, 17 E 18/2/1909, apud GITAHY, op. cit. p. 265.
[6]
A Vanguarda, 1/2/1909, apud GITAHY, op. cit. p. 271.
[7]
GITAHY, op. cit., p. 278.
[8]
RODRIGUES, Olao. História da imprensa santista, p. 112.
[9]
A Aurora Social, número especial em comemoração ao terceiro aniversário da Federação Operária Local de Santos, 19/7/1910, p.1.
[10]
FERREIRA, op. cit., p.94.
[11]
GITAHY, op. cit., p. 101.
[12]
GITAHY, op. cit., p. 102. |