PARTE II - A imprensa da Barcelona
Brasileira
Capítulo I - Santos Libertária!
A cidade e sua história
A Santos do período descrito, da organização operária nascente que iria se projetar
para o mundo como uma das três mais intensas do país, não inova em explosões libertárias por sua gente: já na época da formação da cidade, nas
primeiras décadas do século XVI, logo após a descoberta, ela investe contra a dominação.
A primeira civilização que se forma não é resultado da colonização oficial, mas
heterogênea nacionalmente - de índios, espanhóis e portugueses. Que será reprimida por Portugal duas décadas após a fundação do Porto de São Vicente
pelo Bacharel da Cananéia em 1510, no remanso da barra, no porto que Braz Cubas mudaria de local por questões de segurança diante dos piratas.
É onde fica hoje o abrigo de barcos em frente ao Clube Saldanha, remanso que
permanece, atrás do que, resume-se, tenha havido algum tipo de fixação - questionando-se a tese de que esta só teria existido do outro lado da ilha,
na atual cidade de São Vicente.
A primeira comunidade européia nas terras chamadas de Enguaguaçu germina independente
da vontade dos donos da terra. Vem pelas mãos de seus opositores degredados, como o Bacharel da Cananéia, Cosme Fernandes Pessoa. Deixado em
Cananéia pela Expedição Denominadora em 1502, a que deu o nome de "Rio de São Vicente" ao braço de mar fronteiriço ao local onde hoje fica a Ponta
da Praia, ele deu as bases de nossa primeira organização social, com produção de barcos e atividade comercial de exportação de escravos índios.
Em 1532, ano oficial da fundação de Santos por Braz Cubas, a esquadra de Martim Afonso
de Souza - e que tem Cubas, o futuro fundador santista, como agregado - vem, na verdade, reprimir por ela a comunidade do Bacharel, em nome do
direito de propriedade, que este assumia ao revés da metrópole portuguesa. Uma civilização dissociada do poder colonial, reforçada em suas raízes na
terra com o casamento do Bacharel com uma das filhas do chefe indígena goianá Piquerobi. Cosme fundara, em 1510, como porta de sua produção local
inclusive de barcos e alimentos, o primeiro porto de Santos - denominado "Porto de São Vicente" - pois aqui é esta região -, já presente em mapas
internacionais. Este também foi o "Porto dos Escravos", que mandava índios para a Europa nessa condição, e que mudaria para o outro lado da futura
cidade.
O desafio da instalação de uma sociedade autônoma ameaçava a posse da terra pelos
portugueses, e para isso vem a esquadra fortemente armada de Martim Afonso de Souza, o que iria provocar a que ficou conhecida como "Guerra de São
Vicente", em 1537, envolvendo as forças invasoras de ocupação aportuguesa e a comunidade do Bacharel, que seria devolvido ao seu lugar original de
degredo, Cananéia.
Na época de sua deposição, esse era o local limite da posse portuguesa pelo Tratado de
Tordesilhas, cogitando-se que o degredado teria sido mandado para lá com objetivos de expandir esta posse. Membro da maçonaria judaica e graduado
intelectual, teria sido expulso por agir contra as formas políticas vigentes em Portugal, como se faria aqui com os anarquistas, o método da
deportação transposto.
É simbólica esta ligação entre os fatos da primeira civilização e os que procuramos
relatar, visto que envolveram diferentes contingentes e gerações, como única ligação a área geográfica. Mas depois de resistir aos piratas nos
primeiros anos de sua existência, de ter a primeira Santa Casa do Brasil - "porta aberta aos povos do mar" -, Santos impunha sua vocação libertária.
No desejo de conquistar o ar, com uma das primeiras experiências em navegação aérea do mundo, em agosto de 1709. Feita pelo padre Bartolomeu de
Gusmão, o "Padre Voador", perseguido pela Inquisição.
A "Revolta de Chaguinhas", em 1821, mostra uma insurreição contra o domínio português
e seu despotismo digno daqueles tempos. Santos logo seria vila: em 1823, éramos 4.700 habitantes, 2 mil escravos e o restante livres. Em 1836, chega
o novo prédio da Santa Casa - nascida junto com a cidade. Em 1839, Santos torna-se cidade - na homenagem ao patriarca José Bonifácio. Expande-se na
medida de suas possibilidades, sem terras para agricultura ou indústrias.
Ao aproximar-se a última década do século XIX, a evolução do movimento portuário será
a substância para a fixação de milhares de pessoas em Santos, engajadas em sua construção e operação. É uma cidade localizada em área inóspita,
constantemente alagada. Que só será viabilizada como local de moradia em virtude de seu potencial econômico, o porto. Sem bueiros, sarjetas ou
coleta de lixo, os novos habitantes se instalam aqui de qualquer forma, em casebres.
Em 1854, Santos tinha 7.855 habitantes, sendo 3.956 livres e 3.189 escravos, 4.199
homens e 3.656 mulheres. O café, que em meados do século XIX tinha tomado a dianteira no porto, assume a partir de 1867 um novo caminho,
aproximando-o daqui: a estrada de ferro São Paulo Railway é inaugurada, aumentando o volume do produto que chega para exportação. O mercado de
trabalho se amplia, atraindo novos contingentes.
No eco do republicanismo e do abolicionismo, que são expressões nacionais aqui, surgem
expoentes como o advogado santista Joaquim Xavier da Silveira, precursor da agitação republicana e abolicionista na província. ALém de Augusto Fomm,
que funda na capital do Império o primeiro partido republicano do País, fechado com violência em 1871. Em 1884, em dezembro, ocorre a "Noite
dos Quebra-Lampiões", como expressão de uma revolta popular, semi-organizada, pela precariedade dos serviços públicos da
City.
Em 1888, ano da Abolição, que em Santos já fora extinta em 1886 - na exigência da
mobilização popular -, começam as obras do porto, abrindo uma nova etapa para a cidade, mas afrontando a burguesia santista com a destruição dos
antigos trapiches, sua propriedade. Em 1890, realiza-se o primeiro recenseamento do regime republicano. Constata-se que Santos tem 13.012
habitantes, menos 3 mil que em 1886. O socialista reformista Júlio Conceição, homem de posses, começaria a instalar na antiga chácara de Carneiro
Bastos - na praia do Boqueirão -, o maior orquidário ao ar livre do mundo na época, o "Parque Indígena".
Em 1900, seria o segundo censo, contando 50.389 habitantes. Com o inchamento
populacional resultante da imigração, disseminam-se as sub-moradias "abafadas e insalubres", como a elas se refere o relatório do inspetor da saúde
local, dr. Guilherme Álvaro - construídas pelos que chegam atraídos pelo trabalho no porto.
A característica eminentemente patronal da ocupação do território dava lugar à suprema
exploração da mão-de-obra. A desordem da ocupação de espaços nesse período resulta na degradação da qualidade de vida para maciças parcelas
populares. Ao contrário do empreendimento capitalista, que crescia verticalmente. É nesse clima que chegam as pestes, que entre 1891 e 1893 levam
quase metade da população, 22.500 pessoas. Febre amarela e varíola, entre outras doenças, fazem mortes sem fim. O clima é de pânico e revolta.
O esvaziamento populacional resultante prejudicou o desenvolvimento das obras do porto
e trouxe a necessidade de viabilizar a área santista para o crescimento populacional. O governo estadual intervém na questão e, a partir de 1892,
encampa o serviço de esgotos - entregando-o à recém-formada Comissão de Saneamento de Santos. Que irá, a partir de 1907 - quando foi inaugurado o
canal 1 -, dotar a cidade de uma rede de canais, secando o território com o rebaixamento de seu lençol d'água.
O ano de 1889 tinha assistido, além da agitação da campanha republicana, ao término da
velha rivalidade entre o Valongo e os quartéis, que por várias vezes chegara à violência. Assistira também ao crescimento da febre amarela, agravada
pelo revolvimento do lodo junto ao antigo Porto do Bispo, nas obras do novo cais. Essa epidemia duraria de março a maio e teria mais de 700 vítimas.
O governo imperial havia sido indiferente para com a cidade republicana, este era o
fato. E este foi o motivo para a radicalização da campanha na cidade. Enquanto o governo da província enviava um conto de réis a título de ajuda, a
Câmara devolvia a "verba", considerada ridícula, e o Partido Republicano Santista organizava o combate à peste com recursos próprios. A partir de
1893, essa situação vai se inverter, com a intervenção do estado. Que designa a primeira Comissão de Desinfecções, responsável pelo controle de
cortiços, lavanderias públicas, cocheiras, armazéns - possíveis focos de peste - e vacinações.
A convivência entre habitantes e animais no mesmo espaço aumentava a incidência das
doenças. Assim como o movimento portuário provocava a ampliação dos trabalhadores. Ocupando precários espaços em cortiços feitos de qualquer jeito,
a necessidade de ter animais para o transporte de cargas fazia nascer cocheiras junto a estas "residências", às vezes no mesmo cômodo. Além das
condições de trabalho serem as piores possíveis, longas e extensas, com acidentes diários que marcavam para sempre os operários. Que quando não os
matavam, condenavam-nos a morrerem na miséria, na inexistência de serviços sociais de assistência.
A primeira fase do cais de pedra é inaugurada em 1892, 260 metros. Sete meses depois,
o primeiro armazém é entregue. Em 1893, mais 400 metros de cais. O ano de 1894 é o ano da fundação, em março, do jornal Tribuna do Povo. O
polêmico jornal de Olímpio Lima, que se elegeria vereador em Santos e polemizaria com o ex-comandante do Jabaquara, Quintino de Lacerda, na Câmara.
Também é o ano da ousada e progressista constituição municipal, posteriormente revogada.
O maranhense Olímpio atira contra um setor da elite - o que patrocina a eleição de
Quintino - e é literalmente bombardeado, sob tiros. O episódio é reflexo do golpe do presidente Floriano Peixoto, fechando o Congresso, e da Revolta
da Armada. Olímpio investe em oposição a Floriano, ao revés ao apoio das forças dominantes. Torpedeia a "política de campanário" - das elites - e
tem seu jornal destruído ("empastelado") três vezes em um ano. Sem a Tribuna do Povo, em 1895 fundará A Tribuna, a 19 de dezembro,
ainda tiroteando. Em 1907, com sua morte, o órgão vai a leilão. Em outras mãos, abandona sua postura panfletária.
O século se iniciara com o estabelecimento do confronto entre o projeto urbano das
elites dominantes e o da ciência: Saturnino de Brito, rasgando vias e interesses contrariados dos donos da terra. O debate dura toda a primeira
década do século XX, quando a elite santista é acusada por Saturnino, através do jornal O Estado de São Paulo, por impedir a evolução urbana.
Essa elite olha de cima e com o nariz torcido, quando ouve falar da realidade proletária, que não vê.
No universo dos trabalhadores santistas, há queixas
constantes quanto à alimentação e vestuário, durante toda a primeira década do século [1].
Estes são fatores contribuintes para greves e turbulências - nos difíceis anos de 1908 e 1909
[2].
Queixa-se um comentarista que "...os
gêneros alimentícios são caros, do mesmo modo que são caros os produtos de vestuário. A carne é um artigo de consumo que está escandalosamente
monopolizado, em detrimento de todos, especialmente do pobre; é um gênero cujo fornecimento e cujo preço depende de meia dúzia de indivíduos,
combinados entre si e que exercem severa obediência ao conluio sobre os pequenos açougueiros (...) O monopólio estende-se à farinha de trigo, ao
açúcar. O peixe é vergonhosamente monopolizado por atravessadores, que impõem preços pagando aos miseráveis pescadores o que entendem..."
[3].
Em 1896, os reformistas se uniam aqui para fundar o Partido Operário-Socialista de
Santos (POSS). Era apenas um ensaio da ação que mudaria seu caráter ideológico e assumiria a "ação direta", engajando o proletariado na luta social,
provocando os mais graves conflitos que o país conheceu. É esta a nossa história, a que mostra a conquista da jornada de 8 horas já em 1907 ("para
uns 600", diz o jornal A Terra Livre, de 26/11/1907). Conquistas que seriam rasgadas no refluxo do movimento portuário e, conseqüentemente,
do poder da organização operária - mas que marcariam essa reivindicação da luta operária.
O relatório da Federação Operária Local de Santos ao Segundo
Congresso Brasileiro, realizado em 8/9/1913 [4]
traz informações sobre as condições econômicas e higiênicas das oficinas onde trabalha o operariado de Santos, dizendo-as "péssimas" como as
habitações operárias. "Estas - diz o
relatório -, nada mais são do que cubículos de três ou quatro metros quadrados, 'faltos' de ar
e de luz, onde se vêem obrigados a alojar-se três a quatro pessoas (...) quando nos subúrbios ou arrabaldes são casas de operários construídas em
lugares anti-salubres, feitas de tábuas e chapas de zinco, com paredes de barro puro..."
O porto bate recordes de produção e se amplia até o armazém 18. Mas a realidade
operária não é o empreendimento capitalista. A exploração da mão-de-obra é o elemento-chave da acumulação e da multiplicação da iniciativa
empresarial. E esta vai se aprofundar sempre com auxílio do governo federal, que envia tropas para cá a simples boatos de greve. Sempre em confronto
com os comerciantes locais, inclusive, que queriam o controle do processo de embarque. Um conflito que se ampliará e se repetirá nos episódios desta
história.
População santista
[5] |
1823 |
4.700
habitantes |
1854 |
7.855
habitantes |
1872 |
9.191
habitantes |
1881 |
12.000 (São
Paulo tem 40 mil) |
1888 |
20.000 (2
mil casas) |
1890 |
13.012
(menos 3 mil do que em 1886) |
1893 |
30.000
(3.234 casas, casebres e cortiços) |
1900 |
50.389 (5
mil casas, incluindo vargedos do Macuco, morros e Vila Mathias, para os quais foram os que moravam nos cortiços demolidos entre 1896 e 1900,
na campanha sanitária) |
1901 |
52.000
habitantes |
1912 |
45.000
habitantes |
1913 |
88.967
habitantes (85% brancos, 23 mil portugueses e 8.281 espanhóis), dividida em 8 distritos nas zonas urbanas e suburbana (6.790 prédios) e 9 na
zona rural (3.788 prédios) |
1918 |
100 mil
habitantes (80 mil doentes de Gripe Espanhola, 853 óbitos) |
Aqui, a
primeira greve geral do país
No ano de 1891, em que ocorre em Santos a primeira greve geral do país, de 11 a 21 de
maio, com 4 mil grevistas, o movimento operário mundial vive uma época de ascensão. No eco do Congresso de Paris, que havia se reunido em 14 de
julho de 1889, no centenário da Revolução Francesa. Nele, seria fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores - a segunda -, com 400
delegados de diversos países, representando 3 milhões de operários.
É nesse encontro que se define a comemoração do Primeiro de Maio como
data internacional dos trabalhadores, a ser comemorada em 1890 em todo o mundo. Pleiteando a jornada de trabalho de 8 horas, entre outras resoluções
a serem exigidas. Vinte e cinco anos antes deste histórico 14 de julho de 1889, a 28 de setembro de 1864 havia sido fundada a Internacional, que
reafirmaria em 1866, em Genebra, as exigências do proletariado mundial [6].
Já podemos sentir, em 1891, o grau de organização da classe operária. Pelo sucesso da
manifestação programada, com enorme êxito do espírito internacionalista, ampliam-se os conflitos em todo o mundo. No ano em que o papa publica a
encíclica Rerum Novarum, já com atenção ao problema operário, é que vai realizar-se o congresso da segunda Internacional, de 16 a 23 de
setembro. E em maio, vai se promover a maior manifestação reivindicatória do país, aqui. São nítidas as influências européias, lugar de onde veio a
quase totalidade dos trabalhadores, então submetida a cruéis condições de vida e trabalho.
A greve nasce entre os trabalhadores do porto (pranchas), exatamente
como em 1877 e 1889 [7].
Mas, que se estende aos que prestam serviço na Inglesa (a São Paulo Railway), cemitério, matadouro, obras do cais, Companhia de Melhoramentos,
empresa Mayrink, Companhia Industrial, curtume Vila Nova, carroceiros e toda a construção civil.
Alfândega, Mesa de Rendas, comércio e bancos também estão nesta greve, além dos
armazéns e ferrovia. Representantes da Associação Comercial, autoridades locais e representantes das ferrovias telegrafam ao governador e ao chefe
de polícia, irritando-se com a chegada destes últimos sem as forças policiais solicitadas. A esta altura, 2 mil trabalhadores estão parados.
Assim descreve um jornal paulista, da capital
[8]: "...Trabalhadores
das pedreiras, empresa do cais, incorporados, caminham em direção à cidade, forçando os que se encontravam ocupados a acompanhá-los. O número chega
a 600 homens, armados de paus, revólveres etc. (...) um grupo se dirigiu às obras do cais, armado, tendo à frente bandeiras brancas e vermelhas.
Dirigiu-se também ao escritório do órgão do governo, onde estava o chefe de polícia. E aí declarou, categoricamente, que não faria desordens. Não
admitindo, porém, que os demais trabalhassem..."
Nesse ano - em que desaparecia tragicamente no Vesúvio o republicano Silva Jardim -, o
primeiro da grande epidemia que teria nos dois anos seguintes seu pico, eliminando metade dos aqui residentes, a reivindicação do movimento é
salarial. Os trabalhadores pedem 6$000 por 10 horas de trabalho.
Com os exportadores reunidos na Associação Comercial e em meio a
ampla mobilização, ocorreram seis incidentes e manifestações. Na repressão, atuaram 411 homens, - reunindo destacamento local, guarnição dos vasos
de guerra enviados e força pública. Para cá vieram o encouraçado Bahia e dois cruzadores, o Primeiro de Março e o Liberdade
(!). Ocorreram 20 prisões e igual número de feridos [9].
O tenente da Marinha e líder do Partido Operário do Rio de Janeiro,
Augusto Vinhaes, veio para Santos para servir como mediador. Responsabilizando-se ela calma dos grevistas depois que a polícia se retirasse da área.
Mas, como não houve acordo com os empregadores, ele decidiu apoiar a greve, inclusive financeiramente. A Associação Comercial pediu sua retirada da
cidade, a pretexto de um incidente entre ele e Quintino de Lacerda - que trouxe 100 krumiros (ex-escravos, fura-greves) para substituir os
grevistas [10].
Esta greve resulta do fim dos pontões - com a Docas absorvendo o serviço de entrada e
saída das mercadorias, com grandes prejuízos patronais. Há carência de mão-de-obra, inclusive com a Docas mandando buscar trabalhadores no Norte e
Nordeste, que fogem do Porto da Morte. Acabou fracassada, com duas mil demissões e algumas conquistas.
Assim se refere um jornal da capital paulista
[11]: "A
greve terminou, houve apenas um ou outro fatorzinho sem importância, como a tentativa de impedimento do trabalho alheio por parte de alguns
grevistas. Encontrando pela frente a polícia, que soube manter o direito dos que queriam trabalhar. Como é natural
(SIC), a coisa não se fez sem algumas prisões e rifladas..."
Foram presos nesta greve um português e um
espanhol, considerados chefes da revolta, que deveriam ser deportados [12].
Na década final do século XIX, "...Santos já se apresenta como a segunda área de greves, com
dez ocorrências, entre as quais a primeira de caráter generalizado local"
[13].
A época
O inciso oitavo do artigo 72 da Constituição de 1891, que trata vagamente da questão
trabalhista (mas detalhava o capítulo sobre a locação de casas...), tornava lícita a associação operária. Mas ressaltava indiretamente a
possibilidade de intervenção policial, como escreve José Albertino Rodrigues em seu livro Sindicato e Desenvolvimento no Brasil, à página 47.
Evaristo de Moraes, em seu livro Apontamentos do Direito Operário, precursor do Direito do Trabalho em nosso país, diz à página 28 que a
legislação dedicada ao trabalho, na época, "... não vai além das ordenações do reino, nem das
leis do império".
O próprio Evaristo, nesse livro, escreve sobre as pressões de um recém-criado partido
operário em 1890, para o decreto legislativo 1.162, atenuando e abrindo para o direito de greve. Mas vigia a "autonomia dos estados". E o direito de
legislar sobre a questão só passaria a ser do Congresso Nacional em 1926.
A Barcelona
Brasileira
A cidade seria conhecida internacionalmente - inclusive porque o movimento operário
dessa época era fértil na comunicação entre as organizações de trabalhadores em todo o mundo - como a Barcelona Brasileira, comparada ao
centro mundial do anarco-sindicalismo como forma de luta operária. O porto espanhol sediava a Confederação Nacional dos Trabalhadores,
anarco-sindicalista, fundada em 1888, com um milhão de membros.
Nas décadas finais do século XIX, Barcelona era o viveiro do anarquismo, tendo
lá encontrado rápida disseminação as idéias de Bakunin, o famoso teórico e militante anarquista russo, de atuação em toda a Europa. Principal centro
comercial e industrial do país, densamente proletarizado e mobilizado, Barcelona é o maior porto da Espanha em extensão. Localizada entre os rios
Besós e Llobregat, seu porto movimentou, em 1927, 5 milhões de toneladas.
Paralela geograficamente, Santos foi como Barcelona, ativa sindicalmente. Produto de
entidades de trabalhadores associadas ao patronato ou eqüidistantes dele, um processo de crescimento ideológico frutificado do clima
reivindicatório, a imprensa operária santista espelhou um momento crucial de afirmação das classes subalternas, inexorável naquele momento em que
vigiam os códigos escravocratas - então abolidos apenas na lei.
Essa raiz da imprensa militante local, firmada em um passado de intensa agitação
abolicionista, mostra como foi homogênea a constituição do pensamento democrático e libertário na cidade, em diferentes momentos e com diferentes
posturas ideológicas. Da Abolição à República, tivemos em Santos movimentos radicais, dissociados do modelo pelo qual foram instituídos pelas
elites. Não seria diferente com o movimento operário, como resultado de fatores econômicos e étnicos presentes - produzindo sua radicalização.
Santos
anarco-sindicalista
No movimento operário santista não seria diferente: aqui se verificaria a maior
organização anarco-sindicalista do País, a partir da primeira década do século XX, na contagem de filiados aos sindicatos adeptos dessa corrente,
integrados à FOLS, definindo-se claramente a independência de classe e a separação entre o patronato, seu parlamento e a luta dos trabalhadores. Os
fatores econômicos e conjunturais levariam às condições básicas para que isto se verificasse.
A natureza do componente imigrante e fatores concretos indicaram nesse sentido. Na
seqüência do processo que, nos últimos anos do século XIX, mostrava um socialismo anterior à separação entre libertários e autoritários. Ainda
formulando antepostos ao papel do estado, considerando-o agente patronal e de opressão e propondo sua substituição pela federação livre, na proposta
dos anarquistas - em 1895, no jornal A Questão Social.
A imprensa
operária
Tomando-se como marco da imprensa operária santista o jornal O Caixeiro, de 1879, nas
batalhas pela superação da contradição social, perceberemos a evolução rumo às formas de enfrentamento da classe operária organizada. De início, nas
épocas abolicionista e mutualista, em uma ação supervisionada e sob controle de setores da classe dominante solidários à causa.
Depois, assumindo-a diretamente.
A imprensa operária tem diferentes processos, analisados aqui sob o ponto de vista do
conteúdo ideológico manifestado, a causa dos trabalhadores. Muitas vezes tratam-se de associações secretas, disfarçadas sob o nome de um único
editor. São também produzidas por entidades e debatidas em reuniões, em um processo de formulação paralelo ao desenvolvimento da organização para a
luta, parte inerente dela.
Neste estudo, convivem desde os órgãos da imprensa mutualista às manifestações
sindicais e da grande imprensa, engajadas nos interesses dos trabalhadores, uma constante na cidade em que o grande capital - da Companhia Docas, o
"polvo" - atua nos limites máximos de exploração, na ótica do pensamento liberal.
A missão do jornalismo não foi só difundir idéias, mas a de organizar - como na
assertiva leninista. E compôs a mais importante documentação primária da história operária, graças ao farto material reunido pelo militante Edgar
Leuenroth. Reunindo uma importante parcela da grandiosa rede de comunicação montada pelo movimento operário brasileiro, que não encontra paralelo na
história desse período, de intensa organização associativa e de grande mobilização popular. Que ideologizava na transmissão dos intelectuais
militantes, que traduziram para o proletariado a ideologia anarquista - nos jornais que instituíram -, abrindo a perspectiva de transformação.
Ação cultural
Na intensa atividade revolucionária do período, a ação cultural promovida pelas
lideranças da época enfrentava o problema do analfabetismo e das múltiplas nacionalidades, entre outros quase intransponíveis empecilhos para a
mobilização. Mas que foram superados, através de uma estratégia de organização que incluiu a tentativa de se ensinar esperanto - a língua universal
- aos operários, aliada aos cursos de alfabetização, promovidos por quase todas as entidades dessa época.
A fundação de centros de cultura, grupos teatrais e musicais, procurava preencher no
espírito do conjunto operário perspectivas de uma nova sociedade, sem exploradores ou explorados - com temáticas desenvolvidas nesse sentido.
Bibliotecas e jornais sobre teoria social estavam disponíveis em cada sindicato ou associação. Na alfabetização de adultos encontraram dificuldades.
Carlos Escobar, que junto com Silvério Fontes e Sóter de Araújo fundou o Centro Socialista de Santos, escreve no jornal A Questão Social sua
"frustração" por ver fracassado um plano para alfabetizar operários paulistas, em uma das escolas racionalistas que fundou em Ribeirão Pires.
Escobar demonstra essa decepção ao ver que seus doze alunos da escola obreira não
conseguiam aprender "...a leitura e as contas, trabalhando que estavam 12 horas por dia.
Cansados, à noite, não agüentavam meia hora de explicações. Lembro-me dos escritores anarquistas, provando que a instrução não será para os
trabalhadores enquanto não houver redução nas horas de trabalho. Chego à conclusão que o proletariado se conservará inculto enquanto predominar o
capitalismo", conclui o educador anarquista, na edição de 1 de maio de 1896 de A Questão
Social.
Espetáculos como teatro, conferências, palestras, debates e os famosos "festivais",
reunindo vários tipos de espetáculo, ocorriam semanalmente nas associações operárias, sempre divulgadas pela imprensa. O poeta Martins Fontes, filho
de Silvério Fontes, foi autor de textos sobre estes temas - interpretados por grupos saídos da organização operária. Peças que atacavam frontalmente
o sistema, com cenas de reivindicação e protesto, sátiras ao clero e aos velhos costumes, educação rígida e desigualdade social. Que angariavam
fundos para as famílias dos deportados, presos, doentes e desempregados, na perspectiva da formação de mentes humanitárias e abertas.
O grupo teatral e musical Amor e Arte, criado em 1909 - citado por Nazareth
Mota Ferreira, na página 59 de seu livro sobre a imprensa operária -, em que surgiu o cantor Vicente Celestino, é um exemplo dos métodos de
transmissão oral. Também existiram os "centros de estudo social", com cursos em nível popular e de lideranças, de conscientização e de formação. Nos
jornais e boletins aparecem as obras disponíveis na biblioteca e as programações culturais.
A universidade
popular
A Universidade Popular de Ensino Livre do RIo de Janeiro foi fundada pelos
trabalhadores organizados, inaugurada em 24 de julho d e1904. Tinha cursos de Filosofia, Higiene e História Natural, entre outros. O jornal O
Amigo do Povo, de 6 de agosto de 1904, fala desta iniciativa. Que ministrava ainda aulas de História aos sábados, com o professor Rocha Pombo.
Aulas de Geografia eram ministradas também aos sábados, com o professor Pereira da Silva. E seriam iniciados os cursos práticos de Línguas,
Aritmética, Escritura Mercantil, Desenho, Modelagem, Arte Decorativa e Mecânica - além de conferências de interesse geral.
O Congresso Operário de São Paulo, em 1908, sugere a criação pelas entidades de
escolas livres e universidades populares, assim como centros dramáticos, sugerindo a exclusão dos bailes ou jogos da programação. Antes, em 1906, no
II Congresso Operário Brasileiro, o delegado do sindicato dos pedreiros de Santos - Luiz La Scala - propôs o ensino de anarquismo nas escolas dos
sindicatos.
As datas marcantes para o operariado, como o 1º de maio e o aniversário da Comuna de
Paris, eram comemoradas com conferências e recitais musicais. A intensa campanha pela criação de uma cultura proletária foi acompanhada de alertas
contra o perigo da ignorância e do obscurantismo. Inicialmente em recintos fechados, ao final do período descrito os trabalhadores realizaram
gigantescos eventos públicos - inclusive palestras e os "festivais". Também piqueniques e excursões, ocupações massivas de lugares públicos pelo
proletariado, geralmente organizados por grupos da imprensa operária. Essas práticas "assustaram" o regime instituído nos anos fiscais da época
descrita.
No início do século XX, as "invasões" operárias a locais públicos eram proibidas,
restringindo-se a locais fechados. Após o período do auge da organização dos trabalhadores, a ação repressiva não se fez tardar, a partir de 1919.
Foram várias as intervenções contra as entidades do movimento operário e seus eventos, alegando que elas não obedeciam "as normas em vigor".
Educação
popular em Santos
Meta dos socialistas e dos anarquistas, a educação popular era também a "ideologia do
progresso", na ótica das correntes liberais e positivistas. Que acreditavam na necessidade de criar eleitores para assegurar uma base social para a
nova ordem republicana. Dizia Iguatemy Martins, presidente da Câmara de Santos em 1898, que "...
instruir o povo é emancipar o indivíduo, é preparar o município para uma maior soma de conquistas autônomas. É plantar no País as bases de uma
instituição legitimamente democrática". É o que transcreve a professora Maria Aparecida Franco
Pereira, em seu trabalho Mentalidade liberal da elite paulista e instituições de ensino de Santos na primeira República, publicado pela
revista Leopoldianum em 1989.
A partir de 1909, são criadas escolas para os filhos dos operários em São Paulo,
ligadas às fábricas. Em Santos, em 1910 - quando a maioria dos alunos é filha de imigrantes -, a FOLS tem escolas operárias de Desenho e grupos
dramáticos. Em 1918, Santos é a cidade de maior número de estabelecimentos educacionais no estado. Em 1911, eram 37 as classes municipais; 40 em
1913; 48 em 1916 e 52 em 1920.
Os problemas sociais decorrentes da conjuntura da época se refletem diretamente no
ensino. A média de freqüência é pequena, poucos alunos prestam exame final, é grande o número de repetências e as instalações são precárias. Em
1908, dos 670 alunos, 467 são reprovados no grupo escolar Barnabé, 65,3%. E em 1920, das 7.371 crianças em idade escolar, 4.195 não freqüentam
escolas. Há castigos por indisciplina, dormida em classe, evasão e mau aproveitamento escolar.
O ensino
racionalista
Os métodos racionalistas de ensino, adotados pelos anarquistas, foram sintetizados
pelo educador espanhol Francisco Ferrer & Guardia. Um tipo de educação totalmente desvinculado das idéias religiosas, fundamentado basicamente na
espontaneidade e na independência entre os alunos. Por estes métodos opostos aos da escola católica, Ferrer foi preso e fuzilado na Espanha
tradicionalista e religiosa, em 13 de outubro de 1909 - no forte Montjuich. O fato foi reportado por toda a imprensa operária brasileira, com
destaque.
As escolas modernas ou racionalistas se disseminaram pelo Brasil, propagando a
necessidade de se dissolver a ideologia da classe dominantes. Foram fechadas pelo governo a partir de 1919. O jornal operário A Lanterna, em
1914, transcreve uma declaração de Edgar Leuenroth, seu diretor, publicando um anúncio da escola moderna: "Esta
escola servir-se-á de experimentação nas afirmações científicas e raciocinadas, para que os alunos tenham uma idéia clara do que lhes quer ensinar".
Com raízes em Rosseau e nos grandes educadores mundiais, a
educação racionalista propunha-se a libertar a criança do progressivo envenenamento moral das escolas tradicionais, liberando-as das deformações do
ensino vinculado a modelos sociais e religião. Contra a fé e os dogmas, criando um indivíduo autônomo e capaz de determinar as próprias idéias.
Considerando que a educação deveria ser permeada de idéias de solidariedade, fraternidade - eliminando a separação de sexos e classes sociais.
Instaurando os princípios da solidariedade comunitária dos anarquistas.
Notas
[1]
GITAHY, Maria Lucia Caira. Os trabalhadores do porto de Santos, 1889/1910, p.53.
[2]
A TRIBUNA, 28/3/1908 - A questão das carnes verdes; 15/5/1908 - A eterna questão das carnes verdes; 22/9/1908 - A vida em
Santos; 22/6/1909 - A questão das greves; 3/9/1910 - Queixas e reclamações - o leite.
[3]
A TRIBUNA, 22/9/1908
[4]
A VOZ DO TRABALHADOR, 1/3/1914, nº 50, p.2.
[5]
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos.
[6]
ROIO, José Luiz del. 1 de Maio, cem anos de luta, p. 83/4.
[7]
GITAHY, Maria Lucia Caira. Os trabalhadores do porto de Santos, 1889/1910, dissert. de mestrado, Unicamp, p.49.
[8]
CORREIO PAULISTANO, 17/5/1891, apud GITAHY, M.L.C., op. cit.
[9]
GITAHY, op. cit., p.48
[10]
Um ponto fundamental para compreensão destes fatos é que a razão para a derrota operária é a presença dos krumiros, ex-escravos fura-greves
trazidos pelo seu ex-comandante no Quilombo do Jabaquara, Quintino de Lacerda. É um exército de mão-de-obra de reserva que vai atuar ao lado do
patronato. Quintino será vereador patrocinado por um setor da elite, nomeado major e chefe da limpeza pública. É personagem importante das
batalhas da Abolição recente.
[11]
CORREIO PAULISTANO, 22/5/1891, apud GITAHY, op. cit. p. 67
[12]
CORREIO PAULISTANO, 19/5/1891, apud GITAHY, op. cit., p. 68
[13]
RODRIGUES, Edgar. Trabalho e Conflito: pesquisa/1906-1937, p. 45/6. Apud GITAHY, p.68. |