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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (9)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Prefácio

Mais do que um modo informativo, a imprensa é um agente de organização social. Essa definição do papel da imprensa foi oferecida por um líder revolucionário - Lênin -, como elemento vital da luta dos trabalhadores para inverter a pirâmide social, pela elevação das suas condições de vida. Antes de ser colocada como síntese essa forma de incorporar o coletivo nas causas comuns, em Santos a tese já era colocada em prática. E os jornais já eram motores da transformação social.

"A missão do jornalismo não se limita a difundir idéias, a educar politicamente e atrair aliados. O jornal não é somente um agente coletivo de propaganda, mas um organizador social". (Lênin-Vladimir Ilich Ulianov. Arte, literatura e imprensa).

A imprensa operária da mundialmente conhecida Barcelona Brasileira cumpriu esse papel como na definição leninista, o de unir e disseminar a causa da classe operária. Plantando reivindicações e conquistas que alteraram o panorama escravagista - expressando a voz dos trabalhadores organizados, nesta fase de surgimento do movimento organizado da classe trabalhadora, na ótica do conflito capital x trabalho no porto do café.

Uniram-se aqui líderes operários deportados de seus países de origem, entre os milhares de imigrantes. Seu amálgama com militantes trabalhadores intelectuais e gráficos, alfabetizados obrigatoriamente, possibilitou os primeiros jornalistas operários. No início, à época abolicionista, eram intelectuais da elite que faziam os jornais. Depois, intelectuais adeptos da causa das maiorias, hábeis transmissores ideológicos, comprometidos com a evolução humana - como aqueles. Mas que viviam as pressões, não apenas abraçavam as causas humanitárias, como os abolicionistas, em um outro estágio da luta pela evolução social.

Em outubro de 1999 completaram-se 120 anos do lançamento, nesta cidade, de uma imprensa que encaminhava, pela primeira vez, a defesa dos direitos dos operários assalariados. Era a voz que faria nascer uma entidade de socorros mútuos. Como na formulação leninista, ela cumpre o papel de aglutinar, reunir vontades solidárias.

A organização em torno da idéia e do jornal antecede a entidade e a faz surgir, incorporando cidadãos em torno da classe caixeiral - como se denominavam os trabalhadores em estabelecimentos comerciais. A Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, produzida nesse processo, foi uma das primeiras entidades do gênero no País. Era a semente da Barcelona Brasileira. Mas era apenas o início de uma prodigiosa imprensa operária, de amplo e forte conteúdo ideológico, que manifesta.

Essa nascente, que traduzia o início da organização dos trabalhadores, a essa altura supervisionada e com a solidariedade do patronato dos caixeiros de loja, dava prosseguimento a uma expressão de luta social que se inaugurara com o abolicionismo. Momento em que a cidade teve uma vigorosa imprensa e com a qual ainda convivia. Era 1879 e a Abolição só viria em 1888, dali a nove anos. Mas já havia trabalhadores pagos - o porto teria uma greve em 1877 - na cidade que recusava a escravidão.

A imprensa operária santista, que prosperaria como motor e espelho do movimento social, atravessaria diferentes estágios, na cidade que seria um dos três maiores pólos da organização operária no Brasil. Determinada por suas condições econômicas específicas, alterando seu caráter ideológico, mas mantendo o perfil da conquista de direitos às maiorias.

A organização mutualista - entidades de socorros mútuos, suprindo a ausência de assistência - vai desde 1870 até o final do século. Quando nasce o sindicalismo de resistência, iniciado nos primeiros anos do século XX com a chegada dos imigrantes e a aceleração do processo de desenvolvimento, na construção do porto. Nesse processo, percorreria-se um caminho em que a disseminação reivindicatória pela imprensa se expandiria - registrando-se, através dela, essa trajetória.

Santos se expande. Em 1896, surge na praia do Boqueirão o Miramar, a maior casa de diversões da América do Sul. É a tentativa de adensar a classe média que surge no outro lado da cidade, entre as chácaras da elite nas praias. Enquanto o proletariado se concentra ao lado do porto. Unido geograficamente, coeso ideologicamente e sob as mesmas pressões, isto fará com que se amplie sua capacidade de mobilização. Que tenha o "seu" universo de classe, sem cooptações. Reproduzindo o fenômeno da Abolição da Escravatura, determinando a evolução das condições de vida e trabalho através de uma estratégia.

No momento do confronto dos trabalhadores com o neo-liberalismo, tem atualidade o resgate do também negador do Estado, o anarco-sindicalismo - na ordem inversa -, a ideologia operária dos primeiros anos do século XX. Chegamos a ela através de um processo de pressões e a resgatamos, viajando factualmente por este universo. Reportando momentos exatos da crueza do ambiente, que apesar disso foi extremamente rico e ativo culturalmente na meta, nos objetivos da transformação social, nas reivindicações que plantou.

Há apenas 70 anos (N.E.: texto escrito em 1996), em maio de 1926, a Constituição Brasileira foi modificada, após intensos debates sobre a mensagem do presidente Delfim Moreira. Retirava dos estados o poder de legislar sobre o trabalho, atribuindo-o privativamente ao Congresso Nacional. Dando uma guinada na "política dos governadores" e na autonomia dos poderes provinciais, que se transformara em uma barreira da evolução social no campo legislativo.

Era a superação do vago tratamento dado ao trabalho na Constituição de 1891. E um reflexo da luta operária que procuramos descrever, resgatando uma importante página da história santista e brasileira. Em que a imprensa, do individual para o coletivo, significou a intervenção das massas no processo histórico.

A pesquisa

Para a elaboração deste trabalho, consultamos os jornais da época, a maioria dos quais cuidadosamente reunidos pelo líder anarquista, militante e teórico Edgar Leuenroth, gráfico e jornalista. Que seu filho, Germinal Leuenroth, entregou para a Universidade de Campinas, a Unicamp. A universidade criou, com esse material, o Arquivo Edgar Leuenroth, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - o maior centro de documentação libertária do País.

Quando estivemos lá em pesquisa, há dez anos (N.E.: em 1986, portanto), alguns dos jornais não haviam sido microfilmados, como A Questão Social, de Silvério Fontes, Centro Socialista de Santos - desmanchando-se a um simples toque das mãos. Mas nos rolos de microfilme pudemos seguir a história do período através destes órgãos. Localizando, pela relação publicada no livro do jornalista Olao Rodrigues e pelo da historiadora Nazareth Mota Ferreira - no seu trabalho Imprensa Operária no Brasil -, os jornais publicados em Santos. Fomos além, ampliando a pesquisa, mas oferecendo o panorama da imprensa operária brasileira permitido por estes autores, introduzindo a questão.

A biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, uma das três primeiras entidades mutualistas no Brasil, também nos auxiliou com exemplares de A Gazeta do Povo e A Questão Social, também nos originais, bastante fragilizados. O primeiro, embora da grande imprensa, engajado em causas do operariado; o segundo, incorporando a ideologia do proletariado. Só na Biblioteca da Humanitária é que encontramos o jornal O Caixeiro, que - mais do que ser o jornal da entidade - a antecedeu.

Foi indispensável, nessa recuperação histórica, a consulta de alguns livros, nos quais encontramos informações sobre o jornal O Solidário, de 1923, e A Verdade, de 1927 - os últimos do período analisado -, assim como suas fotos. E no livro Primeiro de Maio, cem anos de luta, de José Luiz del Roio, organizado pelo Centro de Memória Sindical unido ao Archivio Storico del Movimento Operario Brasiliano (Asmob), de Milão, à Fundazzione Giacomo Feltrinelli e a duas outras editoras brasileiras, a Global e a Oboré. Neste, encontramos referências sobre o jornal A Vanguarda (1907), O Operário (1892) e A Revolta (1911).

Inúmeros dados frutificaram de nossa pesquisa no trabalho de Maria Lúcia Caira Gitahy, encontrado por nós no Arquivo Edgar Leuenroth, intitulada Os trabalhadores do porto de Santos/1889-1910, apresentada em 1983 na Unicamp. Nessa dissertação, encontramos dados sobre os jornais O Proletário (1911) e A Vanguarda (1907), cuja foto obtivemos em outro veículo, já citado. Também encontramos informações sobre A Tribuna Operária (1920), além de localizações históricas sobre greves e entidades do período.

Nos livros também encontramos elementos básicos para a composição deste estudo, recolhendo dados acerca das greves ocorridas em Santos e os jornais editados, como em Sheldon Leslie Maran (Anarquistas, Imigrantes e Movimento Operário Brasileiro - 1889/1910), também como fonte das bases ideológicas do anarco-sindicalismo. E em John Foster Dulles (Anarquistas, imigrandes e movimento operário brasileiro - 1900/1935), que nos levou à análise de O Solidário (1923), órgão do nascente PCB, desenhando os conflitos que se travaram entre libertários e autoritários.

Assim como autores santistas, como Olao Rodrigues, foram pesquisados, outros dois Rodrigues foram buscados: Edgar (Trabalho e Conflito: pesquisa/1906-1937) e José Albertino (Sindicato e desenvolvimento no Brasil). Outro Edgar, este Leuenroth, criador do arquivo que leva seu nome na Unicamp, em seu livro Anarquismo, roteiro de libertação social, também foi consultado, além da República Velha, de um outro Edgar, este Carone. E a História de Santos, no livro de Francisco Martins dos Santos, de 1938 - fonte de informações fundamentais sobre a história local.

O livro de Aziz Simão, Sindicato e Estado, serviu à análise do período, além de artigos diversos citados na bibliografia. Alguns dos veículos citados no livro de Nazareth Ferreira só lá foram encontrados. E outros, dela ausentes, foram por nós localizados.

São estes os caminhos pelos quais se avançou na redescoberta da Barcelona Brasileira, no resgate do papel da imprensa operária como centro motor da transformação e da mobilização que possibilitou nesta cidade-porto. Plantando a maioria das conquistas que a classe trabalhadora tem até hoje e que constituem a essência de nossa formação enquanto sociedade. Uma senha para o futuro da organização popular, contraposta ao poder do capital, é o que procuramos traduzir nesta reportagem histórico-didática de um tempo distante e desconhecido.