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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
Greve em 1980 (3)

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No dia 19 de março de 1980, uma quarta-feira, enquanto as tropas federais continuavam mantendo o controle do porto, a manchete do jornal santista A Tribuna assinalava um recuo do governo, que tentava um acordo com os grevistas:


Fuzileiros chegaram pela manhã a bordo de um contratorpedeiro
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 19/3/1980

Governo recua e tenta acordo com portuários

Ao contrário do que afirmou o ministro do Trabalho, o Governo, ontem mesmo, decidiu reiniciar as negociações com os dirigentes da federação, confederação e dos sindicatos portuários de Santos, na tentativa de estabelecer um acordo para pôr fim à greve iniciada na segunda-feira. Por causa disso, aqueles dirigentes, já no aeroporto com destino a Santos, foram convidados a permanecer em Brasília, não podendo comparecer à assembléia que o Comando de Greve promoveu à noite, no Ginásio Municipal Antônio Guenaga, com a presença de um número bastante superior de participantes em relação à reunião que decretou a paralisação, no domingo.

Ao chegar ao ginásio, onde foi aplaudido com verdadeiro delírio pela multidão de portuários, Arlindo Borges Pereira, que está no comando do movimento paredista, divulgou a informação recebida minutos antes dos dirigentes sindicais que estão em Brasília, propondo, em seguida, a continuação da greve. Votada por aclamação, a proposta de Arlindo foi aprovada pela unanimidade da categoria portuária, que passou a entoar, no ritmo das torcidas esportivas, o seguinte refrão: "Macedo, de ti ninguém tem medo! Delfim, nós vamos até o fim!"

Ainda sob delírio, e em coro, os seis mil portuários que se comprimiam no ginásio municipal aplaudiram a presença da representação da Unidade Sindical do Estado, formada pelos dirigentes David de Morais (Sindicato dos Jornalistas), Hugo Peres (Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas), Afonso dos Santos (Sindicato dos Padeiros) e José Francisco de Campos (Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo), os quais reafirmaram o "apoio moral, amplo e irrestrito", aos grevistas do porto santista. A Unidade Sindical congrega atualmente 80 sindicatos no Estado de São Paulo.

Exibindo cartazes citando "Cr$ 3.300,00 ou nada", "Cr$ 3.300 é tudo"; "Chega de papo-furado"; "A fome é ilegal" e tantos outros, os portuários, muitos acompanhados das esposas, entoaram o Hino Nacional, na abertura e no encerramento da assembléia. Durante o encontro, e enquanto o comando geral da greve se reunia antes de levar ao plenário a decisão pela seqüência da greve, os trabalhadores interpretaram músicas que falavam de seus problemas, suas angústias. E assim, aplaudiram de pé Eronides Brás Pereira, o Carcará, cantando Unidos Todos na Mesma Barca, e também o puxador de samba da Império do Samba, Diniz de Jesus, que foi bisado diversas vezes. Cantaram ainda, em várias oportunidades, o conhecido estribilho: "Olé Olá, o portuário está botando prá quebrar".

Do lado de fora, em volta do ginásio municipal, na Praça José Rebouças, cerca de três mil portuários acompanharam os lances da movimentada assembléia.

Às 22h20 de ontem, a agência noticiosa AJB, em despacho de Brasília, informou que "o Governo, a Cia. Docas de Santos e dirigentes sindicais de portuários chegaram a um acordo hoje à noite, no Ministério do Trabalho. Contudo, nenhuma das partes quis revelar a proposta que será levada aos portuários de Santos". Por seu lado, o Comando Geral de Greve, em contato com dirigentes portuários em Brasília, às 23h15, não confirmou a notícia sobre o acordo.


Portando cartazes alusivos à campanha salarial, milhares de trabalhadores portuários
participaram na noite de 18/3/1980 da assembléia
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 19/3/1980

Títulos do noticiário de 19 de março de 1980, em A Tribuna:

"A certeza do prefeito, de que a greve acabava" (Paulo Gomes Barbosa prognosticou, às 16h30 do dia 18, que a greve dos portuários terminaria naquela noite. O prefeito havia encerrado sem sucesso seu papel de mediador e já se mostrava claramente a favor das autoridades governamentais do Estado e da União, defendendo a presença de tropas federais "para preservar as coisas do porto e as instalações esvaziadas pelo movimento paredista", além de comentar os efeitos negativos da greve sobre a economia local e nacional. Acrescentou: "Ao Governo cumpre agir, em casos tais, de forma que seja preservada a sua autoridade, autoridade essa absolutamente indispensável ao cumprimento de seus desígnios. Aqueles que reivindicam seus interesses, sejam eles de que nível forem, é que devem ter a sensibilidade necessária para que as suas pretensões sejam atingidas, sem o ferimento do inarredável prestígio das autoridades públicas").

"Trens e caminhões não foram afetados ainda" (mais 27 vagões carregados chegaram no dia anterior ao porto, pela Rede Ferroviária Federal, cujo pátio já reunia cerca de 950 vagões destinados ao porto, perto do limite de capacidade de 1.100 vagões). A Fepasa estava retendo em percurso as cargas despachadas antes da eclosão da greve, para não congestionar os pátios santistas. O Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de Santos temia que a continuidade da greve levasse os armadores a desviar caminhões para Paranaguá ou São Sebastião, embora isso implicasse em substancial majoração nos fretes. A Dersa confirmou estar retendo na Via Anchieta e talvez na BR-116 os caminhões destinados ao porto, em operação com apoio da Polícia Rodoviária).

"Polícia Civil não interfere" (só se forem cometidos excessos que perturbem o sossego da população).

"Renato Freitas Levy teme prejuízos para café comercializado" (se a greve perdurar mais dez dias, pois os importadores podem quebrar contratos. Dois milhões de sacas de café já estocadas para embarque dão prejuízo de Cr$ 2,00 por saca, totalizando Cr$ 4 milhões diários, segundo esse presidente da Associação Comercial de Santos).

"Comércio já sente os reflexos negativos da greve no porto" (fato observado pelo apreensivo presidente do Sindicato do Comércio Varejista, Joaquim Faro Aguiar, explicando que o efeito da greve sobre o comércio é imediato, pois quase 100 mil pessoas estão envolvidas, entre trabalhadores e dependentes).

"PM intensifica vigilância e restringe as informações" (concentrou as informações para a imprensa no quartel-general da Polícia Militar, na capital paulista).

"Bombeiros em alerta, apesar do menor risco de sinistros" (a defesa da área portuária é feita pelo Plano de Auxílio Mútuo - PAM - que engloba não apenas os bombeiros e a Companhia Docas, mas diversas indústrias e empresas de Santos e Cubatão. A Guarda Portuária também colabora numa emergência, e nesse caso também os fuzileiros navais que ocuparam o porto seriam chamados a ajudar).

"União das oposições nas críticas à CDS e ao Governo" (políticos oposicionistas criticaram que enquanto os aumentos de preços chegam sem necessidade de qualquer autorização, no caso do aumento para os trabalhadores surgem dificuldades de todo tipo).

"Fuzileiros já ocupam pontos estratégicos" (capitão dos Portos, Cezar de Andrade, conversou com o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, informando-lhe da estratégia montada no cais para permitir que os portuários não grevistas trabalhem normalmente a partir das 7 horas do dia 19/3. Mas foi à tarde, em dependências do antigo Grupamento de Fuzileiros Navais, tomado pelos militares no dia 18/3, que se traçou o plano de ocupação dos pontos estratégicos pelos quase 200 fuzileiros navais com metralhadoras, chegados a bordo do contratorpedeiro Santa Catarina. O capitão dos Portos informou ainda que a fragata Niterói, que partiu de Santos no primeiro dia da greve e retornou no dia 18, tinha voltado a escalar em Santos "por coincidência", sem relação com a greve, e seguiria no dia 19 para o Rio de Janeiro).

"Boatos não conseguem quebrar tranqüilidade" (na manhã do dia 18, circulavam boatos de que a CDS já preparava uma lista para a dispensa em massa de doqueiros grevistas, e que os sindicatos sofreriam intervenção).

"Para os grevistas, nem as pombas foram ao cais" (exagerando o fato de poucas aves serem avistadas no dia 18/3 junto ao Armazém Frigorífico, o comando de greve minimizava a existência de fura-greves, como os que mantiveram em operação um navio do tipo roll-on-roll-off, junto aos armazéns 29 a 31. Ainda assim, às 18 horas do dia 18/3, já havia na barra de atracação 30 navios aguardando chamada para entrar no porto, com tendência a chegar a 40 navios no dia 19 - mas ainda assim número comum em comparação com alguns dias de chuva, quando o acúmulo de navios fundeados chega a 50 embarcações).

"Os navios continuam entrando e saindo" (entraram seis navios, saíram cinco e mais um entrou e saiu do porto no dia 18. É que só os operários portuários estão em greve, num total de cerca de 12.276 trabalhadores paralisados, mas 23.000 outros trabalhadores também ficaram parados, por falta de serviço. Explicava-se ainda que alguns navios poderiam interromper a movimentação de mercadorias e seguir viagem, e outros não eram afetados pela greve, por usarem terminais privativos).

"Estivadores trabalham mas não furam greve" (era desmentida pelos estivadores a nota de um jornal paulistano que afirmava terem eles aderido à greve dos portuários: na verdade, eles apoiavam a atitude dos portuários, mas estavam a postos para a chamada ao trabalho a bordo das embarcações).

A notícia explicava mais: "Os estivadores, por força da legislação do Ministério da Marinha, são elementos integrantes da 3ª reserva da Marinha do Brasil. A 1ª reserva é formada pelos marinheiros da Armada, e a 2ª reserva, pelos tripulantes dos cargueiros ou outros tipos de embarcações, inclusive de passageiros, componentes da Marinha Mercante.

"Como força de reserva, os estivadores estão assim classificados, inclusive documentados, conforme registro na cambada (um documento de inscrição do profissional na Capitania dos Portos). Com esta classificação, estão sujeitos a convocação militar em caso de emergência, para ação de retaguarda, na hipótese do País entrar em estado de guerra.

"Em tempo de paz, os estivadores têm participado já do esforço para atendimento de unidades da Armada, prestando a seus navios serviços de estiva e desestiva, isentos de contraprestação salarial".


O cais permaneceu novamente vazio no segundo dia do movimento
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 19/3/1980

No dia 19/3/1980, circularam entre os trabalhadores grevistas folhas de papel datilografadas, com cópia carbono, apresentando esta letra musical:

A graninha
(O lencinho)
Mineiro e Virgílio

Aquela graninha, que não querem dar
foi a gota d'água, fez doze mil parar.

Era uma atrocidade, que fizeram pro doqueiro
todos entrarem em greve enquanto não deram o dinheiro

B
I
S
A graninha, que não querem dar
foi a gota d'água fez doze mil parar
a coisa ficou quente, começou a apertar
não teve outro jeito, o Governo tem que dar

Sem a grana não dá prá trabalhar
Se não vier aumento não dá prá voltar
arroz e feijão lá em casa começa a faltar
a água e a luz já me foram até cortar

A graninha...

.-.-.-.-.-.-
19.03.1980.-


A estratégia: permitir que não-grevistas trabalhem
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 19/3/1980

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