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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
Greve em 1980 (2)

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Na greve de março de 1980, a situação se complicou a partir da decisão do governo de ocupar o porto de Santos com tropas federais. O fato foi destacado em manchete pelo jornal A Tribuna em 18 de março de 1980:

A greve mantém paralisados 35 mil trabalhadores de 24 categorias profissionais

Capitão dos Portos anuncia presença de tropas federais

"Tropas federais do Rio para Santos", foi o comunicado lacônico e sem maiores detalhes, feito ontem à noite pelo Capitão dos Portos do Estado de São Paulo, Antônio Eduardo Cezar de Andrade, no gabinete do prefeito Paulo Gomes Barbosa. Segundo o capitão Cezar de Andrade, as tropas já estavam sendo deslocadas para Santos, mas assegurou que não se cogitam medidas de repressão contra os trabalhadores.

A greve decretada pelos portuários da Companhia Docas de Santos, que entra hoje em seu segundo dia, está sendo considerada como uma das maiores de toda a história do País e a mais efetiva em termos de adesão, e mantém paralisados 35 mil trabalhadores pertencentes a 24 categorias profissionais. As primeiras conseqüências do movimento começaram a ser sentidas de forma acentuada, pois as ferrovias suspenderam fretes com destino a Santos, há 200 caminhões parados com cargas e 42 navios ao largo. Os prejuízos de ontem foram calculados em Cr$ 16 milhões, e se a greve continuar por mais três dias haverá super-congestionamento.

É de muita calma o ambiente entre os grevistas e nenhum incidente foi registrado até agora nos piquetes. Na sede dos sindicatos os portuários jogam cartas, discutem a greve, lêem revistas, fazem palavras cruzadas e dormem nas cadeiras, enquanto os bares localizados nas proximidades da faixa do cais permanecem sempre lotados, numa movimentação só comparada aos tempos anteriores de 1964. As autoridades fazem seguidos apelos solicitando calma aos portuários e alertando para que evitem infiltração de elementos estranhos ao movimento.

O prefeito Paulo Barbosa assumiu a função de mediador do movimento, transformando a Prefeitura Municipal de Santos numa espécie de "QG da Greve", mantendo um telex ligado diretamente com Brasília. O superintendente geral da CDS, José Menezes Berenguer, viajou para Brasília e os responsáveis pela companhia não falam à imprensa. E até as primeiras horas de hoje não era ostensiva a presença de forças militares.


Greve está sendo considerada como uma das maiores da história do País
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 18/3/1980

Títulos do noticiário de 18 de março de 1980, em A Tribuna:

"Ferrovias cortam fretes" (para reduzir o previsto congestionamento de cargas nos pátios ferroviários da Baixada Santista causado pela greve).

"Cerca de 200 caminhões estão parados em Santos" (informava o Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários).

"Depois de três dias, o resultado será um super-congestionamento" (nenhum dos 42 navios atracados no dia anterior ao longo do cais público pôde operar, apenas os atracados em terminais de uso privativo, que usam funcionários das próprias empresas operadoras - Cosipa, Dow Química e Ultrafértil).

"Até aqui, prejuízo dos armadores chega a Cr$ 16 milhões" (estimativa feita pelo presidente do Conselho do Centro Nacional de Navegação Transatlântica, Joveniano Cruz, referente ao primeiro dia de greve).

"Subdelegacia do Trabalho acompanha a movimentação" (mas o caso já saiu de sua esfera de atuação, como explicou o subdelegado Félix Ballerinni).

"Capitão dos Portos: um pedido e uma advertência" (ele lamentou a precipitação da greve, decidida antes que o governo pudesse encontrar uma solução para o caso. O capitão acumulava também a função de delegado local do Trabalho Marítimo e já acompanhava os acontecimentos. O comandante recomendou que os portuários evitem aglomerações e fiquem em casa ou nas sedes dos sindicatos).

"Na Prefeitura, um QG de comunicações para os grevistas" (o prefeito assumiu a condição de mediador da greve, para evitar radicalismos, e cedeu as instalações da prefeitura às lideranças sindicais porque elas estavam tendo dificuldades de comunicação com o pessoal em Brasília)

"Companhia Docas não fornece informações" (e o superintendente-geral, José de Menezes Berenguer, viajou no dia 17 para Brasília, em busca de solução para a greve).

"Piquetes sem ação, pois ninguém quis trabalhar de manhã" (ambiente "absolutamente calmo em toda a faixa portuária e nos sindicatos").

"Operários querem manter o índice de paralisação" (o comando de greve advertia sobre a necessidade de todos participarem das ações de piquete, pois na manhã do dia 17 a adesão foi de 100%, mas após o almoço verificou-se a presença de policiais militares em pontos vitais do porto, enquanto funcionários das chefias tentavam aliciar os grevistas para que voltassem ao trabalho).

"Paralisado o pessoal de 13 classes portuárias" (além das quatro categorias assalariadas da Cia. Docas - operários, empregados na administração, guindasteiros e rodoviários -, a greve envolveu mais quatro sindicatos de profissionais com vínculo empregatício com a CDS - taifeiros, foguistas, arrais e marinheiros que conduzem embarcações pertencentes à CDS. Também apoiaram o movimento os estivadores, conferentes e consertadores de carga e descarga. Por conseqüência, pararam também os trabalhadores privados em rebocadores e o Serviço de Praticagem. Outros grupos profissionais ligados ao porto teriam de parar também nas horas seguintes, totalizando mais de 35 mil trabalhadores parados).

"Maluf disse que agiria se o movimento fosse considerado ilegal" (o governador paulista Paulo Maluf disse em São Paulo que a paralisação dos portuários de Santos é um problema de competência federal, mas que tomaria providências caso ela fosse declarada ilegal, pois a greve já atingiu um ponto além do desejável).

"Murilo Macedo afirma que o Governo não negocia com grevistas" (posição do ministro do Trabalho, em Brasília, pouco antes de declarar ilegal a greve).

"Deputados não vêem maiores perigos à luta pela autonomia" (posições dos deputados federais Athié Jorge Coury e Joaquim Carlos Del Bosco Amaral e dos estaduais Antônio Rubens de Lara e Emílio Justo, todos favoráveis à greve dos portuários e unânimes em afirmar que ela não interfere com a questão da autonomia política do Município".

"Tropas federais guardam o porto" (informação dada na Prefeitura pelo capitão dos Portos, Antônio Eduardo Cezar de Andrade, e pelo novo comandante designado da unidade, capitão-de-mar-e-guerra Adhemar Soutinho - que assumiria o posto no dia 26/3/1980. O deslocamento das tropas era em função de ter sido declarada a ilegalidade da greve, mas eles afirmavam que não se cogitava então de medidas de repressão aos trabalhadores).


Cada navio parado no porto significa prejuízo diário de cerca de 10 mil dólares
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 18/3/1980

Nessa edição de 18/3/1980, uma das matérias na cobertura jornalística da greve era este artigo do jornalista José Rodrigues, editor de Economia de A Tribuna:


Situação é de calma absoluta e não se registrou nenhum incidente nos piquetes
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 18/3/1980

Passado o ímpeto, é hora de negociar

José Rodrigues

Havia um grito contido na garganta há 16 anos. E ele pôde ser dado à meia-noite de domingo. Esse fato não é histórico apenas para o Porto de Santos, apesar de envolver 35 mil trabalhadores de 23 categorias profissionais e praticamente acumpliciar vastas unidades produtivas da região Centro-Sul do País. Ele está no centro de transformações políticas que a Nação tem por atravessar, após o toque inicial do presidente Figueiredo, cuja marcha há de ter que enfrentar desafios iguais a este.

Na verdade, após o quadro caótico pré-64, o sindicalismo brasileiro inexistiu, porque se lhe subtraíram os canais mais importantes da mobilização e do exercício, instalando-se no País o sistema super-concentrado de decisões. As fórmulas de reajustes salariais, então, sem consentir reparos partidos dos mais interessados, os trabalhadores, foram responsáveis por perdas irreparáveis nos seus ganhos. Greves foram proibidas na prática, e a inflação, cuja causa básica fora atribuída aos salários, não parou de crescer.

Mas eis que aos primeiros esboços de abertura, a elite sindical do País, gerada no ABC, justamente a área que concentra a indústria sem vínculos com o passado, adianta-se em testar o novo Governo. Surge o fenômeno Lula, que com muita habilidade consegue separar os "bodes" das "ovelhas" e dá um caráter nitidamente sindical ao seu movimento. Há muita surpresa com o fato novo, mas ao mesmo tempo, aceitação. Lula consegue não ser acusado de "comunista" e outras classificações cunhadas no tempo da luta sindical, e abre um caminho. Afinal, Governo e sindicatos parecem reconhecer que a luta de classes é um fenômeno natural em todas as sociedades. É assim que um Luiz Inácio da Silva serve.

Em outubro do ano passado (N.E.: 1979), a nova lei para os salários dá importante passo corretivo, inserindo-os no sistema de reajustes a prazos menores que um ano, conforme a inflação, quase igualando-os a vários outros setores da economia. Mesmo assim, verifica-se não uma falha, mas uma insuficiência - o conceito de produtividade. E é justamente neste ponto que os portuários de Santos tropeçam, vale dizer, exigem definições claras, renegando a oferta de 3% da Cia. Docas de Santos. Em seu lugar lutam por Cr$ 3.300,00 para cada empregado, ou o equivalente a 15% sobre a folha de pagamento do mês de janeiro último.

Desta vez, como outras já vividas por categorias que decidiram pela greve, a impressão que fica é a de que os trabalhadores atiram no que vêem para acertar no que não vêem. Pois parece evidente que aquela pretensão deve merecer aperfeiçoamentos. Por seu lado, o Governo deve reconhecer que ainda dá passos muito tímidos na política do emprego e nas relações empresas-empregados.

É assim que vemos o grito de greve dos portuários, a carta de alforria que a tecnocracia manteve engavetada por 16 anos, fenômeno a ser compreendido pelas autoridades. Algo como um desabafo, uma quebra de tabu, que se entendido, não desvirtuado, levará a todos ao caminho da solução. Afinal, negociar não é sinal de fraqueza. Antes, de inteligência e maturidade.


Barbosa dialoga com os líderes sindicais Borges Pereira e Amaro Costa
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 18/3/1980


Arlindo, comandante da greve, com o capitão dos Portos e o prefeito
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 18/3/1980

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