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Do berço da civilização ocidental
Eles deixaram um país de seis mil ilhas por uma única: a de São Vicente. Mas o apreço pelo mar continua o
mesmo
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Da janela de seu
apartamento na Ponta da Praia, Panajota Vassilopoulos vê um pedaço do mar que lhe é tão caro. O apreço pela imensidão azul está incrustado no sangue
que corre em suas veias: Panajota veio ainda menina da Grécia, o país das 6 mil ilhas e de 3 mil anos de História que moldou boa parte da identidade
ocidental.
Como a maioria de seus compatriotas em Santos e no Brasil, a família de Panajota chegou na terceira e maior onda
imigratória grega. Foi durante a guerra civil entre comunistas e monarquistas (1946-1949), eclodida na esteira da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945).
"Na verdade, íamos para a Argentina. O navio fez uma parada no Rio de Janeiro, meu pai ficou extasiado e encontrou
um amigo grego, que deu o empurrãozinho: 'Você vai pra lá pra quê?'. Ficamos".
A família acabou se estabelecendo em São Paulo. O pai de Panajota, que fora major do exército monárquico e tinha
até uma vindima (colheita de uvas) na região do Peloponeso, deixou tudo para trás e aprendeu marcenaria. A mãe se dedicou às artes plásticas,
pintando quadros por encomenda. E assim criaram Panajota e os quatro irmãos, mas sem nunca esquecer as tradições e a cultura de seus antepassados.
Panajota e o calendário, em que cada dia da semana corresponde a um santo da Igreja Cristã Ortodoxa. Como todos os
gregos têm nomes de santos, os aniversários são comemorados junto com o dia do santo que os batiza
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
O dia do santo – "Português era só na rua. Em casa, falávamos apenas em grego.
Meu pai não queria que esquecêssemos". Panajota não esqueceu. Também não esqueceu muitos costumes trazidos na bagagem. Como o das sagradas reuniões
em família, na hora do almoço.
"A mãe serve o marido, os filhos, depois se serve. Todos fazem o sinal da cruz e rezam antes de comer. É nesse
tempo também que o pai conversa com a família".
No país de origem, a hora do almoço precedia a da sesta, a famosa soneca do início da tarde. Muito comum na porção
mediterrânea da Europa, é impossível de ser reproduzida no Brasil: na Grécia, se estende das 13 às 17 horas.
Mas a culinária se pode manter. Na mesa de Panajota, não faltam o tzatziki – pasta de pepino com iogurte –
e a moussaka – espécie de escondidinho, com berinjela e carne.
Já outras tradições, nem que queira, Panajota conseguirá apagar de si.
É o caso do próprio nome que carrega. Pana quer dizer tudo; jota quer dizer pura. Ou
seja, ela é Toda Pura – uma alusão à Virgem Maria. Como Panajota, todos na Grécia tem nomes inspirados em santos. E isso desemboca em um
costume, no mínimo, curioso: "Ninguém comemora o aniversário no dia em que nasce, mas no dia do santo de seu nome".
Confuso? Para entender melhor: imagine alguém, chamado João, nascido em 10 de novembro, organizando a festa de
aniversário em 24 de junho – o dia de São João. Como ele, todos os joões do país fazem o mesmo. "Isso tem um efeito bom: ninguém esquece o
aniversário dos amigos…", brinca.
Essa tradição é calcada na Igreja Cristã Ortodoxa, nascida de uma cisão da Igreja Católica Romana, no século 11.
Atualmente, é professada por mais de 90% dos gregos.
Mesmo assim, a cosmogonia (teoria filosófico-religiosa) grega ainda reflete a sua rica – e famosa – mitologia.
Os deuses Zeus, Hera, Apolo e Afrodite continuam habitando o imaginário e as casas dos gregos, seja em seu país ou
no exílio. Assim, em sua sala de estar, Panajota mantém um quadro do Centauro, um ser meio homem, meio cavalo, símbolo da busca por um sentido maior
à existência.
Quebrar pratos: despojamento – Quem nunca ouviu falar dos grandes
quebradores de pratos que são os gregos? Já houve até um filme com Gérard Depardieu, cujo clímax envolvia a quebradeira geral. Ao contrário do
que possa parecer à primeira vista, o costume é adotado em festas e, em última instância, simboliza a mais pura alegria.
Diz-se em última instância porque a origem da tradição já se perdeu nas brumas do tempo. Há quem creia que
tenha 4 mil anos e represente o despojamento material.
Outros apostam na alegria nacional, após a independência da Turquia, em 1832. Seja como for, o costume é proibido
por lei em lugares públicos da Grécia – fruto dos ferimentos causados pelos cacos que se projetam por todos os lados.
Em Santos, a tradição segue firme e forte nas festas da colônia. "Mas os pratos são de terracota, feitos
especialmente para isso, e não de porcelana", avisa Panajota.
Em nome da alegria, ela já quebrou muitos pratos em sua vida. Aos 73 anos, chegou ao Brasil quando tinha 8.
Professora universitária na área cultural, mudou-se para Santos após a aposentadoria e um divórcio. Tem dois filhos adultos crescidos na cultura
grega. Ela ainda é a atual presidente da Associação Helênica de Santos, que presta serviços para o governo grego.
Mesmo assim, o coração é dividido. Quando vai para a Grécia, cai em êxtase diante de tanta beleza, como diz. Dez
dias depois, já sente saudades do Brasil e de sua gente. "Os brasileiros têm uma maneira especial ao sorrir".
Kombolói – espécie de rosário, mas sem qualquer significado religioso. Tem entre 16 e 20 contas. É usado para se
brincar nas mãos, principalmente dos homens, como uma forma de aliviar o estresse. Sua origem pode ser no komboskini, cordão de oração da
Igreja Ortodoxa, usado principalmente pelos monges.
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Olho grego – Um pingente em forma de olho azul, muito
comum atrás das portas das casas gregas ou nos carros, para absorver o mau olhado. É na cor azul, pois se acredita ser essa a cor do mau olhado. Foi
disseminado na Europa pelos árabes, chegando à Grécia, um país cristão, via dominação turca.
Ânfora – Vasos típicos gregos, com formato ovóide e duas asas simétricas. Na
parte externa, recebiam afrescos com cenas mitológicas. No passado, eram utilizados para o transporte e armazenamento de víveres, como vinho,
salmoura, mel, cereais e azeite. Hoje em dia, como na casa de Panajota, têm uso decorativo.
A receita – Tzatziki (pasta de pepino com iogurte)
2 pepinos
1 dente de alho amassado
1 copo de iogurte natural de consistência firme
2 colheres de sopa de azeite
Sal a gosto
Descasque e rale os pepinos (ralador grosso). Coloque-os em uma peneira e deixe escorrer bem. O iogurte deve ser
coado em coador de pano, para separar o soro. Junte os pepinos, o iogurte, o azeite e o sal e misture bem. Sirva com pão e torradas.
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Zorba, o brasileiro – A boina, a camisa listrada, em tudo ele se parece com o
personagem Alexis Zorba, de Zorba, o Grego, livro de Nikos Kazantzakis, adaptado para o cinema com Anthony Quinn no papel principal. Mas
Sílvio Luciano, de 61 anos – o homem da boina -, na verdade, nasceu em Maceió (AL) e veio cedo para Santos. Ou seja, em sua origem, de comum com a
Grécia, só o mar.
A vida, porém, tratou de agregar Sílvio. Aos 14 anos, foi trabalhar no consulado grego aqui na Cidade, e a paixão
despertou. Hoje, ele conhece a cultura helênica do alfa ao ômega (do princípio ao fim). A começar pelas 24 letras do alfabeto grego.
"Kalimera", saúda-nos com um sonoro bom dia e conta que o brinde à mesa teve origem nas festas do deus do
vinho, da insânia e do excesso, Dionísio. Então ergue o seu copo de cerveja e nos diz: "Yassu!". Saúde para ele também.
República Helênica (Hellas)
População - 10.787.690 (2011)
PIB – US$ 318,1 bilhões (2010)
Renda per Capita - US$ 29.600 (2010)
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,855 (muito elevado)
Datas nacionais – 7 de março (Dia da Purificação), 25 de março (Dia da Independência) e 28 de
outubro (Dia do Não, em que a Grécia não permitiu à Itália e às forças do Eixo controlar lugares estratégicos em seu território, em 1940,
durante a 2ª Guerra).
Colônia na região – 250 famílias, conforme estimativa da Associação Helênica de Santos, a
principal entidade nascida a partir da colônia.
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