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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [15 - Angolanos]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 26 de novembro de 2012, na página A-8:


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Passado que ainda leva ao choro

Guerra civil, partida do país de origem e saudade de épocas mais tranquilas. Tudo isso está no coração dos que vieram de Angola

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

"Vai fazer eu chorar?". Para Maria Branca Sampaio, de 65 anos, falar da terra do seu coração é mexer em algo profundo e não totalmente digerido. Apesar de nascida em Portugal, morou no país africano dos 12 anos até 27 de julho de 1975, quando contava 28 anos. A data é inesquecível: foi o dia em que a guerra civil a arrancou fisicamente de Angola.

Saiu de lá em um navio de cruzeiro levando os dois filhos e mais nada – nem mesmo o marido, Joaquim Braz Sampaio, hoje com 76 anos, que ainda permaneceu por mais um mês, acreditando que os ânimos arrefeceriam e a vida voltaria ao normal. Ele estava certo. Mas isso só aconteceu 27 anos depois, com o fim das guerras, em 2002. "A gente deixava a porta (de casa) aberta. Por essa paz, Angola era tudo", resume Maria o que lhe vai no peito.

Uma paz de que o país não desfrutava desde 1961, quando começou a guerra pela independência. Nesse período, o conflito estava restrito às mais remotas zonas rurais. Enquanto isso, a vida nas cidades seguia seu curso corriqueiro. Somente quando Portugal se retirou do país, em 1975, a guerra mudou de rosto e de geografia: virou uma acirrada luta interna pelo poder e se alastrou por todo o território. Começaram a faltar víveres e combustível. E as batalhas nas ruas se tornaram diárias, sempre com hora marcada. "Avisavam: hoje, às 18 horas, vamos guerrear. Imagine, posicionavam-se de um lado e de outro de uma avenida como a Ana Costa e abriam fogo pela noite adentro", conta um dos filhos do casal, Joaquim Jorge Sampaio, de 45 anos.

A família era proprietária de uma construtora. Tinha carros, bens e morava em uma ótima casa na atual Cidade de Luena, na região do Muchico, ao Leste de Angola. Abandonaram tudo para engrossar o contingente de milhares de pessoas que deixaram Angola naqueles anos.

No Brasil, só com o status de refugiados – o que não inclui a família Sampaio -, viviam 1.688 angolanos até setembro deste ano. O Consulado Geral de Angola em São Paulo estima que os imigrantes, no Estado, "poderiam chegar" a 2.850. Na Baixada Santista, números preliminares do consulado apontam para cerca de mil angolanos.


Os Sampaio, de Angola para Santos. No centro, o casal Joaquim e Maria Branca: nas pontas, os filhos Joaquim Jorge Sampaio (à esq.) e Rui Sampaio (à dir.)
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

Como óleo e água – Se o Brasil tem muitas caras, uma delas é Angola. Afinal, o que separa semba e samba é apenas uma letra. A palavra de lá, derivada do kimbundu (uma das línguas originais angolanas), trazida por escravos, quer dizer requebro e se refere a estilo musical e de dança que seria uma das inspirações do nosso samba verde e amarelo. Da mesma forma, a palavra senzala cruzou o oceano. Mas, ao contrário da conotação triste que recebeu aqui, na língua local significa simplesmente alojamento, sem sombras nem dores.

Por outro lado, a miscigenação brasileira é mais absorvente do que a angolana. Antes de os portugueses aportarem, o território do que viria a ser um único país chamado Angola abrigava quatro grupos étnicos: os Mbumdu, os Lunda Tchokwé, os Ovimbumdo e os Bakondo. "Cada grupo étnico era uma nação estruturada, com exército, hierarquia política e língua própria, cada um com seus subgrupos", explica Filomeno Matias da Silva, assistente de Comunidades e Cultura do Consulado Geral de Angola em São Paulo. Quando os portugueses chegaram e impuseram novas fronteiras e costumes, estabeleceu-se uma relação do tipo óleo e água: convivem, sem se misturar.

Mas, para o bem ou para mal, os seres humanos não são óleo ou água. Se a arquitetura ao estilo ibérico e as kubatas – casas de barro e sapê, dos nativos – seguiram caminhos distintos em Angola, no dia a dia os angolanos de origem portuguesa experimentaram, por exemplo, o pirão: farinha de milho ou de mandioca e água, em bolotas mergulhadas em azeite de dendê – sim, o mesmo azeite de dendê dos acarajés e vatapás baianos.

Com 9 anos, Joaquim Jorge, da família Sampaio já citada, dispensava os pratos portugueses para comer o pirão com os funcionários da sua casa. A um menino na sua idade era uma glória poder se sentar no chão às refeições e comer com a mão – era assim que o pirão era consumido: em uma roda, cada um preparava a sua bolota direto da panela. Para acompanhar, peixe seco ao sol, com molho de dendê.

"O ambiente, a convivência, eram muito puros, de lealdade", diz Maria Branca. E também muito parecidos com os do Brasil. Tanto que, quando saíram de Angola, primeiro voltaram para Portugal, onde ainda tinham família. Só que já não pertenciam àquilo: o clima frio, que contagiava até as relações humanas, os expulsou. "Não conseguia mais me acostumar", conta Joaquim Braz, satisfeito com o calor santista, tão similar ao que deixou a quase 8 mil quilômetros de distância.

 

"Até hoje, só me sinto estrangeiro quando puxo o RG. Para nós, Angola é o pais mais lindo do mundo"

Francisco Gonçalves, contador, um dos milhares que deixaram Angola, na África


Francisco Gonçalves e a esposa, Maria Emília Gonçalves, no dia de seu casamento
Foto publicada com a matéria

Estrangeiro, só no RG – "Até hoje, só me sinto estrangeiro quando puxo o RG (na verdade, o RNE, Registro Nacional de Estrangeiros)", crava o contador Francisco Gonçalves, de 65 anos. A frase é a síntese das raízes em comum que unem Brasil e Angola. E, mesmo com tanta similitude, existem lá as suas diferenças. "Logo depois da chegada, pegamos um ônibus para o Centro. Passando pelo cais, havia um casal se amassando em pleno dia. Isso foi um choque", recorda-se Maria Emilia Gonçalves, de 63 anos, mulher de Francisco.

Para eles, Angola continua sendo o país "mais lindo do mundo", adotado por suas famílias portuguesas quando ainda eram crianças. Mesmo assim, nãochegaram a ser enrolados no kitengue – espécie de sarongue típico, em cores vivas, que as mulheres nativas usavam em volta do corpo e para carregar os filhos pequenos, como sacolas. Mas a saudade dos piqueniques na Ilha dos Amores, um local próximo à antiga cidade de Nova Lisboa (atual Huambo), onde moravam.

Dos sabores locais, o cheiro da Muamba (carne ou frango com muito azeite de dendê) e a simplicidade dos churrascos de lá (apenas um inocente frango aberto, sobre a brasa) ainda lhes perpassam a lembrança. Da época da guerra, as mesmas dores da família Sampaio: as faltas, de remédio e combustível, as milícias pelas ruas – "eram crianças, não tinham nem farda, todos descalços e com fuzis", pedindo "salvos-condutos" a quem passasse.

Na distância do Brasil, uma espécie de volta ao passado: era como se a vida transcorresse como há 30 anos antes, em Angola. "Não tinha diferença quando chegamos. As mesmas frutas, por exemplo. Uma coisa pequena, mas que a gente nota", diz Emília.


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Guerra civil fria – Durante 14 anos, o inimigo comum foi Portugal. Após a conquista da independência, em 1975, os portugueses se retiraram do território e deixaram os angolanos de credos, origens e ideologias diferentes duelando pelo poder. A guerra civil opôs três grandes grupos principais, além de outros menores, separatistas: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que recebia armas, dinheiro e orientação de Cuba e da antiga União Soviética; a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que recebia armas, dinheiro e orientação dos Estados Unidos e do antigo Zaire; e a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), que recebia armas, dinheiro e orientação dos Estados Unidos, da Inglaterra e de vários países africanos.

A guerra terminou em 2002, com o saldo de cerca de 500 mil mortos. Tanto Estados Unidos quanto União Soviética consideravam o conflito crucial, dentro da geopolítica da Guerra Fria. Mas, com o ciclo comunista russo encerrado, o contexto em que a guerra começou modificou-se. Nos anos 90, a MPLA, até então apoiada pelos russos, muda a diretriz para defender democracia multipartidária e a economia de mercado. Em 2002, com a morte do carismático líder da Unita, Jonas Savimbi, em combate, as três facções, até então guerreiras, concentraram-se na luta político-partidária. Sobrevieram eleições e a MPLA continua na prevalência do Executivo, com o presidente José Eduardo dos Santos.


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Riquezas naturais – Com uma área sete vezes menor do que a o Brasil (1.246.700 km²), Angola é abastada em minerais. O item principal, os diamantes, cujas minas estão localizadas em Dundo, no distrito de Luanda. Mas há, também, jazidas de cobre, manganês, fosfatos, sal, urânio, mica, chumbo, estanho, ouro, prata e platina.

Como se não bastasse, a partir de 1996 foram descobertas jazidas petrolíferas ao largo de Cabinda e, mais tarde, de Luanda. Por causa disso, o país é hoje um dos mais importantes produtores de petróleo.

Candomblé – A definição dos 16 orixás principais, que compõem a religião originada inteiramente no Brasil, teve grande influência do povo Bantu, que habitava Moçambique, Congo e Angola.


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Angola

Capital – Luanda

Línguas – português (oficial), quatro grandes dialetos derivados do português (benguelense, luandense, sulista e huambense) e cerca de 20 línguas locais
População – 20.900.000 (estimativa 2012)

PIB – US$ 114,3 bilhões (estimativa 2010)

Renda per Capita – US$ 6.412,00

IDH – 0,403 (2010, baixo)

Data nacional – 11 de novembro (independência de Portugal)

Colônia – cerca de mil angolanos na Baixada Santista, conforme estimativa do Consulado Geral de São Paulo.

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