Os equatorianos Enrique Erazo e Erika Tutiven montaram, em Santos, uma empresa
exportadora
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Domingo, 10 de Junho de 2007, 08:38
HISPÂNICOS - População que chega à Cidade vem em busca de melhores oportunidades de
trabalho
Imigrantes latinos constroem suas histórias em Santos
A comunidade na Cidade é de 506 argentinos, 429 chilenos, 144 uruguaios, 65
bolivianos, 60 colombianos e 54 paraguaios, segundo o último levantamento
Flávia Saad
Da redação
Em 1972, o jovem boliviano Walter León Flores assistia o
Santos Futebol Clube vencer seu amado time, Club Bolívar, com placar de 4 a 0. Quando Pelé marcou o último gol, falou brincando a um amigo: "Um
dia, vou morar junto com esse negão".
Apenas dois anos depois, em 1974, viu a profecia se concretizar. O engenheiro de
manutenção de 27 anos visitou o Brasil como turista e, após constatar que a expansão da indústria nacional abriria boas oportunidades na sua área,
resolveu ficar. Conseguiu um emprego na Cosipa e lá permaneceu até a época da privatização da empresa, quando
partiu para a atividade de consultor, na qual atua até hoje.
Quando Flores chegou ao País, já estava casado com uma argentina. Os três filhos
nasceram e foram criados aqui. Por esse e outros motivos (inclusive a feijoada), é apaixonado pela terra que o acolheu. "Gosto
muito da índole do brasileiro. São pessoas muito simpáticas", afirma. Embora admire a cultura brasileira, diz que
sempre tentou preservar as raízes bolivianas dentro da família. "Meus filhos conhecem, entendem e gostam do folclore do
meu país", comenta.
Mesmo sendo estrangeiro, o engenheiro, hoje com 60 anos, fala com orgulho do trabalho
que realizou para ajudar o Brasil a crescer. "Passei minha experiência para muita gente. Coordenei equipes de 600
homens, superando todas as dificuldades de não falar português direito". Flores lembra que, para treinar a comunicação
com seus colegas de trabalho, gravava e ouvia sua própria voz para corrigir as falhas na dicção. Outra ferramenta que usava era treinar em frente ao
espelho. "Apesar de a língua ser parecida, as expressões idiomáticas são diferentes no significado".
Pelo último censo, os bolivianos correspondem a 2,87% da população estrangeira, com
cerca de 14 mil representantes. Para efeito de comparação, a comunidade portuguesa, a maior do País, representa 34,46% do total, com 176 mil
membros.
Segundo o delegado-chefe do Núcleo de Polícia de Imigração da Polícia Federal em
Santos, Luciano Pestana Barbosa, a comunidade de latino-americanos de origem hispânica na Cidade é pequena. São 506 argentinos, 429 chilenos, 144
uruguaios, 65 bolivianos, 60 colombianos e 54 paraguaios.
FRASE |
"Minha intenção era trabalhar por uns cinco ou seis anos aqui e depois voltar, mas
fiquei encantado com o Brasil"
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Walter León Flores
boliviano
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Tudo em família - Os médicos equatorianos Hugo e Patrícia Costa Erazo
desembarcaram no Brasil há 16 anos, com o objetivo de estudar. Ela se especializou em cirurgia plástica, área em que o País representa um centro de
referência mundial, e ele, em oftalmologia.
Como no caso do boliviano Flores, o futebol foi a linha que costurou a trama da
história de Hugo. "Tem uma foto minha em 1970, quando o Brasil venceu a Copa do Mundo, com o uniforme verde-amarelo".
Mesmo com essa estranha coincidência, ele afirma que nunca pensou que acabaria morando aqui.
Patrícia considera que a miscigenação de raças e nacionalidades que encontraram no
Brasil facilitou a adaptação do casal. "Nunca sofri preconceitos. Viemos para ficar temporariamente, mas, de repente,
criamos raízes e não voltamos mais para o Equador". Os dois filhos, Hugo, de 13 anos, e Bianca, de 10 anos, nasceram em
Santos. "Falamos castelhano com eles para abrir portas e também para que eles nunca se esqueçam de suas origens, mesmo
respeitando o fato de que são brasileiros".
Há seis anos, o irmão de Patrícia, Enrique Erazo, também decidiu emigrar de Guayaquil
para Santos junto com a mulher, Erika Tutiven. Formado em engenharia química, Erazo fez pós-graduação em meio-ambiente na Universidade Santa Cecília
(UniSanta) e montou, com as irmãs (Rocio é administradora de empresas e também reside aqui), uma empresa de cosméticos para exportação, que vai
completar cinco anos de existência.
Erika estudou estética e hoje, além de trabalhar na área, é proprietária de um café no
bairro da Aparecida. Ariana, de 6 anos, e Stephan, de 5 anos, também nasceram aqui - os dois estão sendo alfabetizados simultaneamente em português
e espanhol.
Questionado sobre as dificuldades de abrir duas companhias sendo estrangeiro, Enrique
diz que o procedimento foi normal. "O trâmite é burocrático mesmo, até para os brasileiros",
afirma.
Outro fator que agrada à família Erazo é o clima, muito parecido com o do seu país
natal. "Lá é até um pouco mais quente do que aqui", diz Enrique.
Permissão - O Ministério do Trabalho e Emprego concede autorizações temporárias
para estrangeiros que exercem atividades em embarcações ou plataformas, artistas, desportistas, professores, pesquisadores e técnicos.
Caminho inverso - Segundo dados do Censo, os países hispânicos latinos que
concentram maior número de brasileiros são Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia.
Acordo - Desde agosto do ano passado, todos os argentinos que residem no Brasil
(e brasileiros que moram na Argentina) têm direito a trabalhar e abrir empresas próprias.
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Os anos 70 marcaram o aumento na imigração. O número de chilenos passou de 1,4 mil
em 1960 para 17,8 mil em 1980
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Domingo, 10 de Junho de 2007, 08:40
Cadastro de bolivianos é prorrogado
O acordo Brasil/Bolívia de regularização migratória, que começou em setembro de 2005,
teve seu prazo para solicitação de registro prorrogado até o dia 13 de setembro de 2007. A medida da Polícia Federal tem como objetivo solucionar a
questão dos bolivianos que residem ilegalmente no País. Grande parte desses imigrantes - cerca de 60 mil, pelas estimativas do Ministério da Justiça
- está no estado de São Paulo.
Para pleitear a regulamentação, é necessário apresentar original ou cópia dos
seguintes documentos: passaporte ou cédula de identidade, certidão de casamento ou nascimento (apenas para dependentes), certificado de antecedentes
criminais ou policiais expedido pelo país de origem, declaração de próprio punho de que não responde a processo criminal nem foi condenado em
qualquer país, além de prova original de meio de subsistência no Brasil.
Deve levar ainda duas fotografias 3x4 recentes e comprovante de pagamento das taxas de
registro (R$ 35,88) e expedição da identidade de estrangeiro (R$ 69,02) por meio da GRU (Guia de Recolhimento da União).
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173 mil imigrantes são naturalizados brasileiros,
segundo o último censo populacional
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Domingo, 10 de Junho de 2007, 08:39
Naturalização é um processo difícil
Um imigrante de origem latino-americana, que não quis se identificar, se mostra
descontente com a burocracia que tem enfrentado para obter a naturalização. Há vários anos, ele luta pela documentação que comprova sua cidadania
brasileira. Um de seus maiores sonhos é votar nas eleições da nação que o acolheu. "Fiz minha parte. Gostaria de ser
ajudado também".
Na última tentativa, ele mandou a documentação para o Ministério da Justiça, em
Brasília, mas recebeu tudo de volta pelo correio. "Justificaram a negativa dizendo que os papéis haviam passado do
prazo de validade". Não é só a burocracia que desanima os candidatos a brasileiros: segundo ele, o preço de envio e
reenvio encarece o trâmite.
O estrangeiro que deseja se tornar cidadão brasileiro precisa preencher os requisitos
descritos no artigo 112 da Lei 6.815, de 1980. Entre os 23 documentos que o requerente deve apresentar à Polícia Federal, estão atestado de
antecedentes criminais dos estados em que residiu nos últimos cinco anos, cópia da cédula de identidade para estrangeiro permanente atualizada,
certidão negativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem (devidamente traduzido e
juramentado no Brasil), para citar apenas alguns.
Luciano Pestana Barbosa, delegado-chefe do Núcleo de Polícia de Imigração da Polícia
Federal em Santos, afirma que, apesar da burocracia, o processo é similar ao adotado por outros países do mundo, por conta da diplomacia
internacional.
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"Os hispânicos não encontram barreiras na comunicação
quando chegam ao Brasil"
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Fábio Pereira Ribeiro
professor da Unimonte
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Domingo, 10 de Junho de 2007, 08:41
Família que está aqui incentiva viagem
Fábio Pereira Ribeiro (*)
Comentário
A maioria dos latinos de origem hispânica vem para o Brasil à procura de melhores
oportunidades de trabalho. Muitas vezes, os parentes que já estão aqui incentivam a viagem, com promessas de emprego que podem ou não se
concretizar.
Poucos desses migrantes possuem alto valor agregado, ou seja, grande parte deles não
concluiu a formação secundária. É exatamente a situação vivida pelos bolivianos que trabalham nas fábricas têxteis em São Paulo. Acredito que o
brasileiro tenha uma qualificação melhor do que a exigida para essa função; os estrangeiros latinos representam mão-de-obra muito mais barata para o
empregador.
Somos um país com enorme diversidade e com um território extenso, quando comparado à
Colômbia, Venezuela, Bolívia e Guianas. Isso significa que, se a pessoa não encontra o que procura, pode migrar internamente para outro estado ou
região.
Mesmo que o sonho de todo estrangeiro seja voltar à sua terra, a proximidade cultural
e a receptividade do brasileiro contribuem para que eles sejam aceitos e gostem de ficar aqui.
(*) Fábio Pereira Ribeiro é coordenador do
curso de Administração do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), especialista em Relações Internacionais e articulista dos sites
Mundo RI e Jornal da Defesa e Relações Internacionais, de Portugal.
O boliviano Walter León Flores veio influenciado pelo futebol
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
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