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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PROCISSÕES - 15
Procissão de Santo Antonio do Valongo

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Para homenagear seu orago, a igreja de Santo Antonio do Valongo promove em junho uma série de festejos, que culminam no dia 13 de junho, com procissão, trezena, quermesse e vários atrativos para a população. O assunto foi tratado, em tom de reminiscências, pelo professor e pesquisador de História Francisco Carballa, em artigo enviado a Novo Milênio em 11 de maio de 2013:


Procissão de Santo Antonio do Valongo, em 13 de junho de 1979 (19 horas)
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Festa de Santo António do Valongo

Dia 13 de junho

A trezena tinha início no dia 1º de junho, com missa, benção com a relíquia de Santo Antonio e a distribuição de pães abençoados.

 

Havia uma quermesse muito simples, mas concorrida pela população, em que Dona Cotinha, da Ordem 3ª de São Francisco, ficava comercializando os lírios com mensagens de fé e os santinhos no adro da igreja, debaixo do arco direito. Também o sr. Lourenço, um senhor negro da mesma Ordem ficava contando histórias antigas do local, como a da mangueira que está ao lado da igreja.

 

Houve um problema em 1978: certo indivíduo estava roubando as esmolas dos cofrinhos de madeira da igreja que ficavam pendentes nas paredes, assim ficara de vigia o senhor Ribela, que o pegou; depois disso, nunca mais se soube desse gatuno.

 

A relíquia de Santo António ficava durante os treze dias da trezena preparatória para a festa em uma espécie de baldaquino pequeno, com forro adamascado e ladeado por dois castiçais com flores de vidro muito coloridas e bonitas. A benção e distribuição de pães era feita, nesse dia, de meia em meia hora, e a procissão sempre ocorria depois da missa das 18 horas, quando a igreja ficava com todas as luzes acesas (tanto os lustres Dona Maria I como as inúmeras lâmpadas que adornavam os altares e seus nichos em profusão).

 

Após a benção da relíquia de Santo António mantida na Igreja, o andor com a imagem antiga do santo lusitano saía pela frente do templo ao som dos sinos repicados por Rivaldo Rivela (Ribela), sendo levada pelos andoristas, ladeados por quatro lanternas processionais.

 

A procissão era aberta pelo cruciferário, igualmente ladeado por duas lanternas, seguido pelos anjinhos de procissão, tão comuns nessa época, além de pessoas portando velas e cantando os tradicionais hinos religiosos daqueles tempos. Deixando a rua lateral (Rua Marquez de Herval), prosseguia pelas ruas Senador Cristiano Ottoni, Visconde do Embaré (ladeando o mosteiro de São Bento) e São Bento, retornando para a Igreja, onde era recebida novamente pelos toques de sino muito graves e secos. Havia então a deposição de muitos ex-votos, entre eles buquês de noivas e roupas.

 

No final da trezena de Santo António de Lisboa, titular do Santuário do Valongo, para agradecer a Jesus Cristo pelo sucesso sem imprevistos da festa, era realizada uma procissão eucarística, que por alguns anos levou a custódia com Jesus Sacramentado, debaixo de uma antiga umbela de damasco dourado, seguindo-se o andor do Sagrado Coração de Jesus conduzido pelas senhoras do Apostolado da Oração e os demais fiéis. Seu percurso estava limitado ao adro da igreja, nos últimos anos de sua realização. Algumas vezes, nessa procissão, foi usado um pálio de quatro varas muito antigo e que, segundo alguns, conduzira o bispo dom David, quando este chegou a Santos.


O pão bento de Santo António recorda o ato bondoso do frade que distribuía pelas ruas pães aos famintos - o povo crente e devoto guarda esse pequeno pão entre os mantimentos para que Deus abençoe e estes não faltem durante o ano.


A imagem antiga de Santo António foi furtada da igreja e seu paradeiro é ignorado, sendo par com a imagem de São Bento que se venera na igreja de Nossa Senhora da Assunção do morro São Bento, que já pertenceu à capela do Monte Serrat de Santos. Essa imagem era muito especial: tinha a tradicional pose estática, o menino nos braços e um pão de cará na mão direita, como quem o oferecesse ao cristão devoto que o observa; seus olhos de vidro eram realistas e seu sorriso era agradável.

 


Mangueira plantada pelo ex-escravo
Foto: acervo de Francisco Carballa, registrada em 5/8/2008
 

Personagens do Valongo

Senhor Lourenço - irmão Terceiro, esse senhor muito alto, negro e de cabelos brancos, voz grave e certa paciência para falar, contava que um ex-escravo da irmandade de São Benedito estaria saboreando uma fruta de manga, quando sobrou a semente; estando sentando sobre uma pedra e faltando um paralelepípedo que fazia a vez do calçamento, enterrou aquela semente e disse: "É para dar manga pra Santo Antônio"; assim, passou a cuidar da mesma, até que brotou frondosa árvore que ainda hoje pode ser vista no lado direito da fachada da igreja.

Senhor Ribela - que morava na encosta do morro São Bento e era o responsável pela ornamentação com pequenas lâmpadas, que ladeavam os detalhes barrocos dos altares, as pinturas que ficam atrás da imagem do orago, bem como a iluminação do seu resplendor e o do menino Jesus. Foi ele que retirou o púlpito, a mando de um franciscano, e o colocou na parte esquerda da nave, onde está até hoje. No lugar do antigo púlpito - que tem ainda a porta - foi colocado o vitral do Milagre dos Peixes, que ainda hoje pode ser visto na igreja.

 

Tinha seu Ribela o seu canto: um quarto com um mezanino feito de madeira onde guardava os objetos para-litúrgicos, ficando as lanternas em um tablado, cobertas pelo pálio que trouxeram sobre o bispo dom David para a Catedral, quando este chegou à estação ferroviária da Sorocabana.

Igualmente nesse quarto havia uma eça funerária que se assemelhava a um túmulo com uma cruz greco-romana e a caveira de Adão com os ossos cruzados; devido ao ataque de cupins, teria ficado somente a caveira.

 

Senhor habilidoso, Ribela guardava as dobradiças coloniais da igreja - note-se que o portal principal tem apenas parte delas. Ele fazia os reparos em tudo o que lhe mandavam os padres, inclusive a cruz que um dia fez parte do frontão da Igreja de São Francisco de Paula da Santa Casa velha (a que se situava acima do túnel): ela ficou guardada detrás da gruta de Santo Antônio. Quando seu Ribela se preparava para encaixá-la num um buraco quadrado que fizera no piso do pátio atrás dessa gruta, veio a ordem para que essa cruz fosse levada para o Hospital da Santa Casa no Jabaquara, onde está até hoje.

 

Outro caso em que o ocuparam foi na decoração do nicho da oraga da Igreja de Nossa Senhora da Assunção do Morro São Bento, pois haviam colocado lâmpadas pisca-pisca antigas dentro da coroa da Virgem e não ficava muito estético; ele usou as pequenas lâmpadas da época e por muitos anos ficou tudo iluminado de forma delicada e apropriada como era no Valongo, com seus milhares de pequenas lâmpadas no altar-mor.

Existiam lindas carpas, grandes e colorido vermelho e branco, laranja e prata, que recebiam toda atenção, sendo conhecidas como as carpas do senhor Ribela. A seu pedido, levei ervas de Santa Luzia e Aguapés (Pistia stratiotes, Eichhornia crassipes), para o lago da fonte artificial que havia na frente da igreja, o que encantava muitas pessoas. Elas recolhiam água de sua pequena queda controlada pelos encanamentos da parte interna da construção, em sistema cuja manutenção era feita por esse senhor. Tais carpas um dia foram apanhadas por maloqueiros que as limparam e assaram ali perto - um desgosto para Ribela, que muito remoia essa história, era visto sempre sacudindo as mãos na água, chamando os peixes para lhes dar alimento, e as pessoas devotas admiravam essa apresentação duas vezes ao dia.

 

Mandaram uma vez que ele retirasse alguns dos entalhes da capela da Ordem Terceira, e a cada entalhe tirado ele era vítima de um tombo, mas assim o fez e colocou alguns na capela do oratório de Nossa Senhora que existe no claustro. Aliás, sobre esse claustro contava-se que, ao final do dia, os escravos e os condenados à forca ali realizavam preces, e no dia 7 de setembro havia uma missa festiva dedicada à Nossa Senhora da Libertação, como era chamada a imagem da Virgem da Conceição com seu manto azul, túnica branca e cabelos soltos, típica do século XVII.

Quando a prefeitura retirou os trilhos de bonde e mexeu na Rua São Bento, novamente apareceu o esgoto que muitos diziam ser um túnel, e o senhor Ribela lembrou: "Esse aí é o esgoto que vem lá do morro de São Bento. Quando eu era criança, ficava com meus amigos na saída dele ali no cais, catando garrafas de remédio; muitas delas eram azuis e os vidros eram vendidos no ferro velho; elas eram trazidas pela força da chuva. Que túnel, que nada! O pessoal fala que saía um túneli daqui do convento para o mosteiro de São Bento, mas é balela!" Quando lhe perguntavam se era um pelourinho que havia no adro, logo falava que eram os batentes antigos do portal de entrada da igreja.

Um dia lhe perguntei o motivo da cruz colocada no rochedo do morro da Penha, que se vê do cemitério da Filosofia. Ele respondeu que os franciscanos haviam fincado essa cruz, pois pretendiam construir ali uma igreja para Nossa Senhora da Penha. Essa cruz foi perdida lá pelos idos dos anos 1980.

Senhor Valdir - homem magro, alto de cabelos escuros e falar agudo, certo estilo dos anos 20, sempre estava limpando os altares e cuidando de coisas da igreja. Igualmente diziam que era um irmão da Ordem Terceira, sempre auxiliando nas coisas da igreja. Era amigo do senhor Ribela.

Dona Cotinha – anciã de cabelos brancos e curtos bem cuidados, falar manso, olhar penetrante e muita paciência sendo Irmã Terceira, não gostava do fato dos Terceiros pararem de usar o hábito negro. Idosa, ficava sentada vendendo (todas as terças-feiras e durante a trezena), os lírios de Santo António, as pequenas bilhas de plástico com água-benta, santinhos, trezenários, lembrancinhas da Igreja etc.

Dona Alsenda – balzaquiana com aparência de árabe inclusive no nariz, alta, de falar moderado e sempre séria, com alguns momentos de sorriso. Figura conhecida da igreja, sempre vendendo as velas para a procissão e os santinhos, garrafinhas ornamentais com água benta e orações, no arco esquerdo da entrada do Valongo. Conta-se que se casou já muito idosa com alguém que amara em mocidade e ficara viúvo, decidindo-se finalmente a se unir a ela pelos sagrados laços do matrimônio na Igreja de Santo António do Valongo. Como Dona Cotinha, de quem era muito amiga, ao passar o andor do padroeiro da igreja, elas juntavam as mãos em oração e respeitosamente cantavam o hino do padroeiro.

Dona Benedita – irmã Terceira e negra, anciã avançando os 90 anos, teve ela, por destino escrito de Deus, que enterrar sua filha Lourdes que igualmente era dedicada à Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. Vendia doces e pães em dias de festa, com muito cuidado e atenção a todos os devotos, e sempre reclamava das cabras dos vizinhos que comiam suas plantas, pois residia nas encostas do morro da Rua Maria Mercedes Féa.

Dona Maria da Bica – senhora de ascendência lusitana, esbelta cabelos curtos e brancos, óculos e sempre sorridente, residia na Rua Maria Mercedes Féa, tendo em sua casa uma bica muito conhecida pela população do Saboó e pela potabilidade de sua água. Muitas pessoas frequentavam o local e ela ficou, por isso, conhecida por aquele apelido.

Todas essas senhoras participavam ativamente na capela do cemitério da Filosofia, sempre limpando, arrumando, colocando as flores da capela em baldes e  trocando sua água, acolhendo o povo e servindo os frades franciscanos tanto no campo santo como no Valongo, até o fim de suas vidas.

FVC
(N. E.: o autor deste trabalho) – devoto de Santo António e frequentador da igreja desde 1977, quando entrando nela no dia 14 de maio fui vítima de um tombo, tropeçando em uma diferença de piso quando olhava para o teto, sendo ajudado pelo senhor Ribela. Comecei a distribuir velas no dia 13 de junho para a procissão ficar bonita e os devotos levarem velas acesas para Deus; ajudei por alguns anos dona Cotinha e dona Benedita a fazerem as bandeirinhas para os festejos, com o material que tínhamos na época; levava a imagem de Santo António familiar de casa em casa a cada três dias, com essa capelinha assim arrecadando dinheiro, dividido para o pão dos pobres e as velas da procissão.
 

Hino de Santo António
 

1

Jubilosos vos saudamos,

Grande servo do Senhor;

Santo António nesta vida

Sede o nosso protetor.

Santo António rogai por nós,

Santo António rogai por nos.

2

Entre os Santos que já reinam;

Gloriosos lá no céu;

Sois constante despenseiro,

Dos mais ricos dons de Deus.

Santo António........

3

Santa foi a vossa vida;

Um portento viva luz;

Vossa arma triunfante;

O sinal da Santa Cruz.

Santo António......

4

Ao menino Deus nos braços,

Nossos rogos transmiti,

Ó valei-nos sempre e sempre

E a Jesus nos conduzi.

Santo António.

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