Prefácio – O Teatro em Santos
Estas linhas, escritas à guisa de prefácio, foram
produzidas no início de outubro de 96. Sublinhamos o período, significativo já que próximo ao término das comemorações dos 450 anos de elevação de
Santos à condição de vila, portanto já sensível a um balanço de um ano de atividades neste sentido.
Entendemos que o sentido e a potencialidade das
festividades propostas pelo prefeito municipal, dr. David Capistrano Filho, foram sob todos os aspectos mais que
alcançados; afinal de contas, os 450 aniversários não se resumiriam, nem contemplariam um simples apagar de velas, com direito a fogos de artifício,
apitos, assovios, línguas-de-sobra, bolo gigantesco e tudo o mais. Muito diferente disso, o que se sonhou e o que se esperava da velha
aniversariante é que revelasse as cicatrizes, as feridas de guerra que a ditadura e seus prepostos tanto se esforçaram por apagar no longo período
em que tentaram silenciar a cidade guerreira.
Nunca é demais lembrar que foi por aqui que se iniciou a
derrota da escravidão, foi também daqui que partiu a lição à pátria de caridade e liberdade e que a história de luta dos trabalhadores brasileiros
deve muito à organização da beira do mar.
Este universo é o que veio à tona no bojo dos 450 anos:
entre livros, óperas, depoimentos de velhos personagens, recuperação de imóveis históricos, espetáculos dos mais diversos, o que se resgatou e
recuperou de forma perene e indestrutível foi essa nossa face vincada, as rugosidades do nosso corpo, nossa carapaça marinha. E o que vamos
assistindo hoje é o efeito multiplicador que se espraia por toda a cidade da pedra lapidar atirada.
Isso devíamos à cidade, como devem em geral ao país, as
Administrações Democráticas e Populares; a convicção profunda, ancorada na prática diária, que as enormes conquistas levadas a efeito no campo da
saúde, da habitação, da educação, pediam também um trabalho revolucionário no campo da cultura; um trabalho que comportasse as manifestações
artísticas em sua multiplicidade, que privilegiasse a difusão do conhecimento, que andasse à margem das modas e das mídias, e que por seu caráter
permanente se colasse como uma segunda pele ao cidadão, iluminando e enriquecendo o imaginário artístico da cidade. Cultura como obrigação e
prioridade do estado que tem o homem e seu bem-estar como obsessão maior.
Num momento em que à beira do ano 2000, a cidade, a
partir inclusive de sua vocação turística, reflete sobre o que quer ser, esses conteúdos são fundamentais no sentido de politicamente orientar a
discussão: duas grandes linhas se antagonizam ainda de forma subterrânea, mas identificáveis. Uma, projetando a cidade com monorailways,
equipamentos sofisticados que se projetam sobre o mar, autopistas velozes, viadutos e pontes monumentais cortando o céu chuvisquento, quem sabe até
uma ou outra linha de metrô submarino, uma metrópole jetsoniana, um grande cabaré cósmico.
Outra, sem abrir mão do turismo, ou da modernidade,
ancorada em sua tradição de vanguarda das culturas, recanto privilegiado para reflexo e democratização do conhecimento, da arte, palco e tribuna das
grandes questões humanas.
Uma tem a sedução da fachada metálica, polida e
descartável. A modernidade modernosa.
Outra, a sensualidade do espírito, a transcendência da
alma...
É fácil perceber de que lado estamos: e é dentro deste
espírito, da contribuição permanente e da importância absoluta que o teatro da cidade sempre teve desta forma de pensar e lutar a cidade que se
situa esta valiosa publicação contada por seus protagonistas e reunida num trabalho minucioso e apaixonado por Carmelinda Guimarães e seus
colaboradores.
No viés do resgate histórico dos 450 anos, não poderia
faltar esta obra que presta também um tributo ao talento e à valentia destes artistas que de forma definitiva contribuíram e contribuem na
construção do melhor da nossa cena brasileira. A assertiva pode parecer bairrista, mas não os fatos que a atestam: "Fando e Lyz", de Arrabal
peça chave do teatro de resistência, teve sua estréia nacional aqui, montagem do povo da terra. "As Confrarias", de Jorge Andrade, dramaturgo
maior do nosso tempo, teve até hoje uma única montagem em todo o território nacional: em Santos, sim senhor. Além de outras glórias, como "A
Resistência", "O Beijo no Asfalto", que a censura proibiu.
Estas empreitadas ambiciosas vinham cercadas de enormes
cuidados artísticos, obras-primas, objeto de análises e registros nas melhores publicações do país. É por esta estrada que caminha "A História do
Teatro Santista", que temos o privilégio de trazer a público – e que coroa, em nosso entender, os fazeres relacionados à questão cênica com que
se comprometeu a Administração Democrática e Popular no campo da cultura. O registro desta arte maior é uma ferramenta fundamental no sentido de
salvaguardar a excelência e a qualidade, caracteres genéticos do teatro da terra.
Marco Antonio Rodrigues
Secretário municipal de Cultura. |