Imagem: reprodução parcial da matéria original
O teatro no Gonzaga
A cerimônia do lançamento da pedra fundamental - Os discursos - Outras notas
Realizou-se ontem, às 12 horas, a cerimônia do lançamento da primeira pedra que marcará o início da construção de um grande e imponente estabelecimento, destinado a cassino, teatro, skating, bar etc.
O ato revestiu-se de grande solenidade, tendo a ele assistido, além dos diretores da Companhia Teatro e Cassino Parque Balneário, as nossas autoridades, pessoas gradas, senhoras e senhoritas da nossa elite.
O local escolhido para o lançamento da pedra foi o ponto em que funciona atualmente o carrossel Belezinha do Gonzaga.
Antes da hora determinada, era já regular o número de pessoas que ali se encontrava, inclusive a maioria dos artistas da Companhia Leopoldo Fróes.
Num toldo armado na área, tiveram ingresso as autoridades, pessoas gradas e senhoras.
Às 12 horas, o sr. coronel Joaquim Montenegro, prefeito municipal, declarou que, tendo de se proceder ao lançamento da pedra, dava a palavra ao sr. dr. J. Carvalhal Filho, para falar em nome da Companhia Teatro Cassino.
O dr. Carvalhal Filho, em eloqüente improviso, disse, mais ou menos, que um grupo de dedicados amigos do progresso santista, no afã de promover o desenvolvimento desta grande cidade, organizou uma companhia para construir em Santos um grande teatro. Inspirou-se esse grupo de dedicados amigos de Santos no programa patriótico e benéfico das nossas autoridades municipais, que de há muito, desde a fundação do pujante Partido Municipal, vêm votando à nossa terra um carinho inigualável, transformando-a aos poucos numa cidade moderna, à altura do papel importante que o seu posto representa no grande Estado de S. Paulo.
O dr. Carvalhal Filho estendeu-se em referências expressivas à grandeza de Santos, e citou, como atestado vivo de inteligente operosidade, os nomes dos srs. deputado A. S. Azevedo Júnior, coronel Joaquim Montenegro e dr. Roberto Simonsen, cujas figuras se acham ligadas a Santos por serviços que representam um enorme fator de incontestável progresso material santense.
Disse mais, o dr. Carvalhal Filho, que, a despeito dos ataques soezes de que são vítimas os beneficiadores da terra andradina, por parte de um grupelho vesgo e sem propósitos, eles mantêm-se inabaláveis, trilhando com fé e firme vontade a estrada do progresso, que há de crescer cada vez mais.
Uma prolongada salva de palmas cobriu as últimas palavras do orador.
A seguir falou o ilustre ator sr. dr. Leopoldo Fróes, que pronunciou o seguinte discurso:
"Exmo. sr. prefeito.
"Minhas senhoras.
"Meus senhores.
"A subida honra que me foi conferida pelo ilustre dr. Roberto Simonsen, presidente da Companhia do Teatro e Cassino Parque Balneário, de ser eu o primeiro dos que trabalharam para a obra meritória da construção de mais um teatro no Brasil; o prazer que sinto, como artista, de ter sido o escolhido para o símbolo operário da obra gigantesca que vai surgir - como um sonho que os deuses realizassem em pedra, como mais um ninho onde as aves errantes, que somos nós os artistas, encontrem abrigo, fazendo realçar a nossa boemia iluminada de alegria, a mentira das nossas lágrimas, a falsidade dos nossos sorrisos, a miséria das nossas roupas, a ilusão da nossa ventura e a verdade amarga do abandono a que temos sido votados pelos governantes deste país; a grandiosidade deste momento, senhores, toma - para mim, artista da ribalta, desacostumado aos fulgores do sol, às ocasiões solenes, de onde vimos sendo arredados nós, os cômicos - as proporções de uma apoteose, a qual, ultrapassando o meu 'eu' artístico, vai refletir-se, rebrilhando, na classe dos artistas dramáticos, na figura - das maiores da pátria - a figura de João Caetano.
"Foi em S. Paulo, fonte da civilização nacional, a terra das heróicas e remotas 'bandeiras', o berço da Pátria imensa, que é este emaranhado ondulante das florestas, este serpentear de rios, esta harmonia de cores, à luz macia da madrugada, na hora gloriosa do zênite ou na saudade sonhadora dos ocasos - foi em S. Paulo que, pela vez primeira, no Brasil, teve um ator a honra de, deixando as ficções da cena, vir, publicamente, afirmar, no seio dos mais altos expoentes da terra abençoada de Santos - 'sou, como vós, um homem e não uma máquina repetidora e inconsciente dos versos dos poetas, tenho uma alma feita à imagem e semelhança da vossa alma, pulsa dentro de mim um coração que ama esta terra bendita que nos viu nascer, terra pela qual trabalhamos como vós, na medida das nossas forças, ao desamparo, mas com os olhos fitos no grande ideal de uma Pátria forte'.
"Victor Hugo, o poeta que Martins Fontes chamou 'maior que o mar' - Victor Hugo disse que era no teatro 'que se formava a alma pública'. Como constituir um povo sem lhe mostrar as grandezas de um passado? Os monumentos perpetuam os homens, quer os que ficam modelados, quer aquele que os modelou. O povo, porém, passa, repete o nome do herói, admira a obra do artista, mas a estatuária não lhe dá a vibração do teatro - estatuária animada -, tão grande e tão forte, quanto ingrata é para o modelador, que desaparece com a sua obra.
"Paremos um pouco diante da grandeza do teatro.
"Ésquilo foi o precursor de Shakespeare. Ésquilo teve a desproporção das tempestades. Foi imenso e tumultuário. Prometeu é um símbolo - Hamlet é um homem. Vede quão grande é a influência do teatro. Ésquilo, com as suas peças, abalava a Grécia, com mais força que todos os oradores do tempo. Em Inglaterra, enquanto a palavra era livre pela boca dos discursadores, a censura dos Stuarts retalhava a obra de Shakespeare.
"Em França, e quase nos nossos dias, quando se agitou a questão do Divórcio, falaram da tribuna, na Câmara e no Senado, os maiores franceses. Anos durou a polêmica. Eis, porém, que o assunto vai para o teatro. Era a autópsia fria e positiva do caso, e venceu o divórcio, porque o teatro é a mesa anatômica dos casos sociais.
"Mais ainda. Rostand, rebuscando entre os homens do seu país, encontra um poeta medíocre e cavalheiresco, entre os muitos espadachins e brigadores do século XVI. Esse poeta é Cyrano de Bergerac. Se ao invés de Cyrano subir ao palco tivesse subido a um pedestal, se em vez de Coquelin dar-lhe a forma e a alma, o tivessem feito em bronze, Cyrano seria um desconhecido, como desconhecido tem sido o 'Penseur' de Rodin.
"Nos nossos dias, em pleno século XX, neste país de liberdade que é o Brasil, existe ainda, no Rio de Janeiro, e só no Rio de Janeiro, a censura prévia das peças de teatro. Não se põe peias aos jornais para que escrevam o que entendam; não se arranca das mãos dos caricaturistas o lápis crítico-humorístico. E o jornal fica e a caricatura desenhada viverá. Proíbe-se ao teatro, porém, que apresente tipos em cena ou repita o que a imaginação de um autor entendeu.
"No entanto, a crítica, no teatro, é pela palavra falada e verba volant
(N.E.: "Verba volant, scripta manent" - provérbio latino: "as palavras voam, os escritos permanecem"). Porquê, pois, essa censura prévia para com o teatro? É o reconhecimento tácito da enorme influência que ele exerce na alma pública.
"Mais um templo de arte vai surgir no Brasil, e abençoados sejam os que o vão construir.
"Que ao serem abertas as portas desse templo que aqui vai surgir, tenham entendido os governantes do Brasil que o teatro faz parte da civilização de um povo. Que os deuses da Arte inspirem os nossos homens públicos, e que Thalia (N.E.: divindade greco-romana, musa da Comédia), principalmente, seja com eles...
"Quanto a mim, vos direi, como José Bonifácio - 'aqui estou para vos servir e convosco servir à Pátria' - Pátria que se há de afirmar um dia, na obra nobilitadora da Arte, na glória suprema da Perfeição".
As últimas palavras do distinto artista foram abafadas por entusiásticas palmas.
Em seguida, o sr. dr. Leopoldo Fróes, a convite do dr. Roberto Simonsen, procedeu ao lançamento da pedra fundamental.
Da solenidade lavrou-se a seguinte ata, que foi assinada por todas as pessoas presentes:
"Ata do lançamento da pedra fundamental do Teatro e Cassino Parque Balneário
"Aos vinte e quatro de outubro de mil novecentos e vinte, no terreno da Avenida Presidente Wilson, canto da Avenida Ana Costa, de propriedade da Companhia Teatro e Cassino Parque Balneário, pelas doze horas, teve lugar o lançamento da primeira pedra, marco inicial da construção do teatro e cassino, que aqui se vai erguer.
"Ao ato assistiram o exmo. sr. coronel Joaquim Montenegro, prefeito municipal; dr. Benedicto de Moura Ribeiro, presidente da Câmara; sr. Antonio da Silva Azevedo Júnior, presidente da Associação Comercial; autoridades federais, estaduais e municipais, representantes de associações e da imprensa e pessoas gradas da cidade, cujas assinaturas vão feitas, afinal.
"Presidiu à cerimônia o organizador e presidente da Companhia, engenheiro Roberto Simonsen. Em nome da Companhia orou o dr. J. Carvalhal Filho, que convidou para proceder à cerimônia do lançamento da pedra fundamental do edifício o ilustre ator brasileiro dr. Leopoldo Fróes, que proferiu brilhante alocução.
"Finda a cerimônia, lavrei a presente ata, que, com as moedas correntes do país e jornais do dia, foi encerrada em uma urna, que foi colocada ao lado da pedra fundamental, em local que ficará assinalado em uma das paredes do edifício por uma placa comemorativa e que, lida e achada conforme, vai assinada por mim, secretário, e pelos presentes. - Antenor da Rocha Leite, diretor-secretário da Companhia Teatro e Cassino Parque Balneário". (Seguem-se as assinaturas).
Entre outras pessoas, e os artistas da Companhia Leopoldo Fróes, conseguimos tomar nota das seguintes:
Dr. B. de Moura Ribeiro, presidente da Câmara; coronel Joaquim Montenegro, prefeito municipal; dr. Mário de Almeida Pires, juiz criminal; deputado Bias Bueno, procurador judicial da municipalidade; dr. Ibrahim Nobre, delegado regional; Arnaldo Ferreira de Aguiar, dr. José de Souza Dantas, Alfredo Freire e Benedicto Pinheiro, vereadores; Carlos Luiz de Affonseca, tabelião do 5º ofício; dr. Victor de Lamare, engenheiro da Companhia Docas; dr. Leopoldo Fróes, Haroldo Murray, capitão João Salermo, diretor da secretaria da Câmara; dr. Armando de Arruda Pereira e Alfeu de Azevedo Silva, da Companhia Frigorífica de Santos; Raul Junqueira Machado, José Machado, coronel Augusto Filgueiras, delegado seccional do Recenseamento; Frederico Junqueira, dr. J. Carvalhal Filho, sub-procurador fiscal do Estado; dr. Roberto Simonsen, diretor-presidente da Companhia Teatro e Cassino Parque Balneário; Antenor da Rocha Leite, secretário; Carlos Augusto de Araújo, João Coll, gerente do Banco Comércio e Indústria de S. Paulo; Luiz Caiaffa; Antonio Moreira de Araújo, Manuel Fins Freixo, diretor da Empresa Cine-Teatral; dr. F. T. Silva Telles, engenheiro da Companhia Construtora; Esaú Oliveira, major Luiz de Arruda Castanho, Créso Miranda, dr. Albertino Moreira, secretário d'A Tribuna; dr. Olivério do Amaral, correspondente d'O Jornal do Commercio; Decio de Andrade, Francisco de Andrade, pela A Platéa e Francisco Paino, pela A Tribuna.
Finda a cerimônia, que foi abrilhantada pela banda de música do Corpo de Bombeiros, e pela que toca no carrossel, foi servida aos presentes uma taça de champanhe.
Outras notas - Pouco depois de findar a cerimônia, o sr. dr. Leopoldo Fróes e os membros da Companhia Teatro e Cassino do Parque Balneário seguiram, em automóveis, para o Guarujá, onde lhes foi oferecido um almoço, na Pensão Orlandi, durante o qual reinou a mais franca cordialidade.
- A Companhia do Teatro e Cassino distribuiu a todas as pessoas que assistiram ao lançamento da primeira pedra fotografias do novo teatro.
- Conforme os projetos organizados, o teatro será solidamente construído, de matéria incombustível em suas partes essenciais e livre de colunas perturbadoras da visão.
Deve ainda esse teatro ser francamente acessível não só da rua (Avenida Ana Costa), como das demais partes do conjunto, e será isolado quando se torne necessário, para temporadas de companhias importantes.
O terraço, feito em miramar, sobrelevado sobre a rua de modo a permitir a vista do mar, será de maneira a tornar num verdadeiro gozo o descanso distraído por uma boa projeção cinematográfica. Outro conforto e atrativo oferecerá esse alto e amplo terraço, construído sobre um terreno que, hoje, na situação em que está, é, como se sabe, já tão freqüentado!
Esse terraço, como ponto inicial das atrações, deverá ter fáceis acessos para o cassino, para o rink e para o teatro. O rink deverá ser amplo quanto possível, livre de colunas - perigo bastante inconveniente para os patinadores. O cassino deve ser amplo e confortável, com salas bem arejadas, com bilhares e bar.
O terraço terá sua entrada principal pela Avenida Presidente Wilson, o que trará a vantagem de descongestionar o trânsito da Avenida Ana Costa, bem movimentada, como será, pelas entradas do teatro e do rink.
Será este terraço dominado, a um lado, pela elegante cabine cinematográfica, ao outro pelo
buffet-bar, junto ao qual ficará a orquestra e nele poderão, com largueza, ficar 1.000 pessoas. Em sua quase totalidade é descoberto.
O teatro terá sua entrada principal sob um pórtico, sob o qual poderão passar os automóveis.
No hall central ficará a bilheteria, um grande vestiário, sala da direção e serviços anexos. Em posição central, uma ampla escadaria de caráter monumental conduz ao grande vestíbulo foyer, no andar nobre.
Desse vestíbulo se dará a distribuição do público para a platéia, as frisas e as galerias laterais (promenoirs dos cafés-concertos parisienses), que estarão mais ou menos ligados ao grande terraço e onde se poderá, embora assistindo ao espetáculo, sentar-se a uma mesa e tomar qualquer refresco...
Normalmente, estas galerias separam-se do terraço exterior apenas por taipais de madeira, que poderão, entretanto, com facilidade, sempre que se torne necessário, ser retirados.
- A lotação do teatro será de 1.100 lugares sentados, no mínimo, todos com boa visão e acústica e assim distribuídos: platéia 300, frisas 150, galerias 300, dispostos junto a mesas, frisas nobres 10, galerias superiores 200, balcões 150.
Aí têm os leitores, em ligeiras notas, o que será o imponente estabelecimento de diversões em 1922, cuja pedra fundamental foi ontem lançada.
O empreendimento, logo após a inauguração, cerca de 1922 Foto: autor
ignorado
As instalações do então Teatro Casino Parque Balneário, em um anúncio publicado em 1925 Anúncio publicado no jornal santista A Tribuna em 26 de março de 1925
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