Praia do Embaré, situada diante do bairro mais populoso de Santos: em dois terços do período entre janeiro e outubro deste ano, a água esteve imprópria ao banho, devido à alta concentração de
coliformes fecais
Foto: Paulo Freitas, em 20/4/2011, publicada com a matéria
O que o mar esconde?
Nenhum mistério: é a poluição, causada, sobretudo, pelo despejo de esgoto e da poluição dos canais. Fácil solução? Pelo contrário
Leonardo Costas
Da Redação
Quem acessou ontem o site da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para verificar a balneabilidade das praias de Santos não teve nenhuma surpresa. O
resultado da última medição, referente ao período entre os dias 6 e 14 deste mês, indica que todas estavam impróprias para banho.
Infelizmente, essa é a condição mais comum encontrada por turistas e santistas que frequentam o mar na Cidade.
Alguns vilões prejudicam a qualidade da água. Um dos principais é a poluição difusa, oriunda dos canais. Pelo menos, essa é a conclusão de ambientalistas, pesquisadores em saneamento e, até, do prefeito João Paulo Papa
(PMDB).
Entre janeiro e outubro, a praia do Gonzaga foi a que registrou melhor balneabilidade, passando 40% do ano própria para uso.
Do contrário, "a Ponta da Praia é a que mais sofre (veja gráfico), pois recebe a
contaminação das margens do estuário em função das ligações clandestinas e está mais perto do porto", observa a engenheira Alexandra Sampaio, professora da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e
mestre em Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo (USP).
"Esses dez meses foram ruins para Santos. Em períodos de muita chuva, as comportas são suspensas com mais frequência e, quando isso ocorre, as águas dos canais chegam às praias e elevam o índice de coliformes fecais" (bactérias que contaminam a
água através das fezes dos animais), afirma Claudia Lamparelli, gerente do Setor de Águas Superficiais da Cetesb.
Para reduzir a abertura das barreiras, a Sabesp tem um sistema de admissão que leva a água dos canais para um interceptor oceânico. Com isso, boa parte desse líquido vai parar na Estação de Pré-Condicionamento de Esgotos
do José Menino, que despeja o material a 4,4 quilômetros da praia.
Segundo o superintendente da Sabesp na Baixada Santista, João Cesar Queiroz Prado, esse esgoto não influencia a balneabilidade. "Temos estudos de monitoramento que comprovam a eficiência do serviço. O que sai desse ponto não retorna para a orla".
Ele diz, ainda, que a distância foi estudada e estabelecida mediante análises da área e das correntes marítimas.
Porém, é justamente o ponto onde se lança o esgoto que deve ter uma mudança significativa nos próximos anos. A informação é do prefeito João Paulo Papa (veja entrevista), que confirmou haver um projeto para se instalar uma
estação de tratamento convencional de esgoto.
Com o novo processo, haverá redução considerável de matéria orgânica jogada no mar, o que vai permitir mais qualidade para a biota (seres vivos) marinha. A assessoria de imprensa da Sabesp confirma que a empresa desenvolve um projeto para construir
uma unidade do tipo em Santos.
Maioridade e solução – Nelson Rodrigues, ambientalista que há 21 anos estuda as condições das praias santistas, afirma que a poluição do mar atingiu a maioridade e pede punições mais rígidas aos responsáveis.
"Precisamos de soluções punitivas, pois é muito tempo. Não podemos esperar até o final deste século para resolvermos o problema de coliformes fecais", adverte.
O especialista acredita que a solução do problema passe por dois fatores: a necessidade de o Município atingir os 100% de saneamento e a aplicação de um programa mais arrojado de educação ambiental.
"Temos, por exemplo, que eliminar esgoto lançado pelas favelas na margem do estuário. Além disso, devemos alertar para a necessidade de as pessoas se conscientizarem do quanto é importante recolher as fezes dos animais domésticos das ruas e
calçadas de Santos. Essa cultura prejudica a saúde, o turismo e a economia locais", acrescenta Rodrigues.
Estudo divulgado em setembro pelo Instituto Trata Brasil classificou o saneamento santista como o melhor do País, entre 81 municípios acima de 300 mil habitantes. A Cidade atinge índices de 100% de abastecimento de água e 99% de coleta de esgoto.
Mas é justamente por isso, segundo Marcio Paulo, chefe da Seção de Controle da Balneabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que "eu estaria mentindo se dissesse acreditar que, se chegássemos ao índice máximo, melhoraríamos
consideravelmente a qualidade das praias".
Para a maioria das fontes ouvidas por A Tribuna, a solução também passa por despoluir os canais. Mas, de acordo com o prefeito, esse é um objetivo que dificilmente será alcançado.
"Podemos melhorar as condições sanitárias, mas é impossível afirmar que chegaremos a não ter nenhum tipo de poluição dos canais, pois eles são os grandes receptores de toda a água que lava a Cidade em dias de chuva", pondera Papa.
Saúde – Nelson Rodrigues ressalta os perigos dos coliformes fecais para a saúde dos banhistas. "Existe a possibilidade da transmissão de doenças e infecções, principalmente em idosos e crianças ou pessoas com baixa imunidade. Além disso, é
recomendável evitar banhos de mar em dias posteriores a chuvas fortes, devido ao maior índice de poluentes na água.
E há um órgão que, desde 2008, também controla a balneabilidade: o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual.
Em nota, a promotora de Justiça Almachia Zwarg Acerbi, do Gaema, salienta que a questão não pode ser abordada isoladamente. E reforça a importância de Prefeitura, Sabesp, Cetesb e sociedade integrarem ações para coleta, afastamento e tratamento de
esgoto na região.
A Tribuna não esquece |
Março de 1984 |
Quando era prefeito de Santos, em 1985, Oswaldo Justo (1926-2003) fez questão de convocar a imprensa para registrar seu banho de
mar como forma de protesto a uma possível interdição das praias. "Há 58 anos, vou à praia todos os dias e jamais contraí qualquer tipo de doença ou moléstia. Naturalmente que tenho boa saúde, graças a Deus, e até entendo e posso aceitar que
alguém, já doente, possa ficar pior depois de enfrentar as praias. Mas daí a se dizer que estão poluídas e serão interditadas vai uma distância muito grande", ressaltou, na época, em entrevista para A Tribuna. |
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ENTREVISTA
João Paulo Tavares Papa – prefeito de Santos
"Projeto irá atender a Santos e São Vicente"
O que, efetivamente, a Prefeitura está fazendo para despoluir as praias de Santos?
O que afeta a faixa balneável das praias são os canais. Durante as fortes chuvas, o sistema de proteção que temos (as comportas) perde a eficácia nesses momentos. O que se vê desde 1990 para cá é uma variação muito grande de qualidade das praias.
Em outras palavras: tempo seco, praia própria; tempo de chuva, praia imprópria. Neste último caso, as comportas são abertas, e a água acumulada nos canais compromete a balneabilidade. Fora isso, temos outros desafios a vencer, e o principal deles é
a construção de uma estação de tratamento de esgoto da Ilha de São Vicente, evoluindo do sistema atual, que é de pré-condicionamento com lançamento oceânico, para um sistema de tratamento convencional. Temos um projeto para isso, que irá atender a
Santos e São Vicente. Esse investimento será realizado pela Sabesp, e estamos dependendo da assinatura de um novo contrato de concessão, que está em estudo pela empresa. Em Santos, já existe uma lei autorizando o novo
período de concessão.
Há prazos para a instalação dessa estação de tratamento convencional?
O investimento está vinculado ao novo contrato de concessão. No ano passado, fechamos todas as condições para a assinatura do novo contrato, inclusive com autorização do Legislativo. A primeira exigência que fiz para a assinatura do documento foi a
instalação da estação de tratamento de esgotos para Santos e São Vicente, que vai gerar uma evolução ambiental enorme na Cidade e na qualidade da água da baía de Santos. Ainda não finalizamos o processo. Conversei com a presidente da Sabesp (Dilma
Pena), e ela me garantiu que, no mês de dezembro, tudo será concluído.
Desde 2003, segundo o relatório da Cetesb, Santos não tem uma praia considerada regular. Como o sr. enxerga esse dado?
Em alguns momentos as praias são balneáveis, e em outros, estão impróprias. Para uma cidade turística, essa oscilação não é boa, especialmente no verão, quanto temos as chuvas torrenciais. É nessa época que abrimos as comportas mais vezes e as
praias ficam impróprias por mais tempo. E é quando a Cidade está mais cheia, em função dos turistas. A realidade de Santos não é diferente da de outras cidades que têm altos índices de urbanização e adensamento próximos de praias, como
Barcelona e Valência (ambas na Espanha). As praias mais valorizadas são as mais distantes dos centros urbanos.
O que a Prefeitura está fazendo para acabar com os esgotos clandestinos?
Fiscalizando o tempo todo (sua emissão). Cada um dos 170 mil imóveis de Santos foi revisto três ou quatro vezes. A grande maioria das pessoas já corrigiu os problemas internos detectados. O que se percebe hoje é uma incidência muito pequena de
ligações clandestinas. O problema dos canais não está relacionado com as ligações clandestinas no interior dos imóveis particulares. O que afeta muito mais a qualidade dos canais é a poluição difusa (oriunda do despejo de poluentes canalizados).
Um ano difícil para as praias
Imagem: infografia publicada com a matéria |