Dos primórdios da propaganda republicana ao 15 de novembro de 1889, em Santos
Formação do "Núcleo Republicano" - O primeiro jornal republicano - Os republicanos
eleitos vereadores - A jornada de 15 de Novembro em Santos - Primeiro governo republicano em Santos
Seis anos passados da Convenção de Itu, em 1878, surge o
"Núcleo Republicano", formado pelos seguintes correligionários: Alexandre Martins Rodrigues, Antonio Carlos da Silva Telles, Victorino Porchat,
Garcia Redondo, Américo Martins dos Santos, Henrique Porchat etc.
Sempre foi assim: surgindo um novo credo, uma nova doutrina ou teoria, fatalmente era
publicado um jornal para a sua defesa escrita, porque nem sempre era possível e nem mais perturbável é a oratória, cujas palavras o vento leva.
Aparece, fulminante, como o próprio nome indica, o "Raio", órgão fundado pelo padre e célebre professor Francisco Gonçalves Barroso e
coadjuvado pelos republicanos Hyppolito da Silva, Antonio Manoel Fernandes e José André do Sacramento Macuco. Muito influiu esse jornal no ânimo do
povo e com isso crescia, embora lentamente, o número de adeptos.
A verdadeira arrancada, levada a cabo de princípio a fim, teve começo no ano de 1883.
Desde essa época, Santos caminha mais convicta e esperançosa, conseguindo eleger um vereador, dois anos antes, Francisco Emílio de Sá, e para o
triênio de 83 a 86 dois vereadores, Francisco de Paula Ribeiro e Joaquim Manoel Alves de Lima. Findo este período, procede-se a novas eleições para
renovação de mandato e conseguem ser votados os republicanos padre Francisco Gonçalves Barroso, Américo Martins dos Santos, Antonio Carlos da Silva
Telles e Guilherme José Alves Souto.
Aspectos da propaganda - Sem a menor intenção de empanar o brilho de todos os
propagandistas da República, nesta cidade, justo se torna salientar duas figuras que, por seu arrojo, astúcia e destemor, contribuíram sobremaneira
para a reforma do regime governativo. São eles: Joaquim Montenegro (que alguns anos depois desempenhou o cargo de prefeito desta cidade com raro
descortino) e Antonio Augusto Bastos.
A atuação desses dois homens, sob a égide de Silva Jardim, atingiu o máximo do ardor
pela causa. Penetravam a bordo dos vapores surtos no porto (naquela época chamado "praia", pois o cais não estava ainda construído), espalhavam
boletins, e, mesmo quando a vigilância era rigorosa, chegavam a ingressar nos camarotes dos oficiais e deixavam, debaixo dos travesseiros, muitos
panfletos em favor da causa a que se expunham. E, cada vez que eram presos, os seus correligionários, tomados de grande exaltação, iam libertá-los.
Não pairava dúvida alguma, daquela época em diante, sobre a vitória da idéia
republicana. Nas assembléias públicas ouvia-se a palavra convincente de Silva Jardim, o ardor de Rubim Cesar, o destemor de Vicente de Carvalho, o
entusiasmo de Antonio Bento. Fulgurando ao lado desses luminares republicanos e dos já mencionados, impõe-nos a justiça acrescentar as figuras
ardentemente sinceras em seus princípios: Cesário Bastos, Léo de Affonseca, Júlio Backeuser, José Moreira Sampaio, Bernardino de Lima, Ricardo Pinto
de Oliveira, Theóphilo de Arruda Mendes, Bento Teixeira da Silva, Narciso de Andrade, Benedicto da Silva Carmo, Francisco Cruz, Antonio Lacerda
Franco, Manoel Franco de Araújo Vianna, Galeão Carvalhal etc.
A imprensa partidária, comungante da mesma causa, foi de uma eficácia poderosa, e não
se pode deixar de mencionar os periódicos, os jornalistas profissionais e colaboradores que muito batalharam em prol da mudança de regime. Assim,
como uma homenagem e como um subsídio para a História, apontamos A Evolução, O Patriota, A Procellaria, A Idéa Nova,
O Piratiny, Cidade de Santos, Diário de Santos, O Alvor, onde deram o máximo do seu entusiasmo e das suas convicções
Silvério Fontes, pai do sempre lembrado poeta Martins Fontes, Júlio Ribeiro, o consagrado gramático, Martim Francisco, o destemido orador, Alberto
de Sousa, Cândido Mesquita, Aprígio de Macedo, João Guerra, Guilherme Mello, Antonio Augusto Bastos, Félix Carneiro etc.
Como a cidade de Santos soube do golpe republicano - Conquanto a campanha
republicana recrudescesse cada vez mais, não só aqui como em todo o país, o golpe militar surpreendeu o povo e a grande maioria dos políticos,
porque os maiorais, não ousando seguir os conselhos de Silva Jardim, não queriam passar de uma propaganda teórica e, conseqüentemente, jamais se
conseguiria chegar à prática do objetivo.
Testemunhas da época dizem que o dia 15 de novembro de 89 (sexta-feira) amanheceu
lindamente; sol brilhante e ardente num céu azul e branco iluminando de um modo todo especial a terra. Tenha sido um céu azul e branco ou nublado,
sol brilhante ou encoberto, o fato é que pelas 10 da manhã surgiram boatos inquietadores. Certa firma comercial desta cidade recebera um telegrama,
no qual era comunicada uma grande revolta militar. O assunto era por demais sério, e toda prudência se tornava precisa. Mas o comércio foi o
barômetro marcando a oscilação da atmosfera carregada: fraquejou primeiramente para depois encerrar suas atividades.
Já não era uma firma comercial que havia recebido comunicação telegráfica, porém duas.
Um dos telegramas dizia: "Revolta militar, ministros presos", e outro anunciava: "Revolta
militar. Ladário gravemente ferido". Num espaço curto de tempo, determinado banco desta praça recebe o seguinte
despacho telegráfico: "República declarada. Deodoro proclamado presidente". Um outro banco
recebia, na mesma ocasião, este comunicado telegráfico: "Negócios suspensos, posição séria".
Foram essas as primeiras e únicas notícias que circularam rapidamente pela cidade,
pois o Telégrafo Nacional, como medida preventiva, paralisou o seu trabalho, Quando maior era a ansiedade popular pela confirmação ou desmentido do
que se propalava, o chefe da estação telegráfica, às 13 horas, comunicava à Praça do Comércio a proclamação da República e o governo provisório
constituído do marechal Deodoro da Fonseca, tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães e jornalista Quintino Bocayuva.
Algo de positivo tinha a população santista; entretanto, a confirmação absoluta
deu-nos Ruy Barbosa, com os seguintes telegramas: "Rio, 15 (3,40 da tarde) República proclamada, todas as forças
acompanham revolução, cidade tranqüilíssima, população adere"; "Rio 15 (3,50 da tarde)
Força Militar unida dirigiu quartel general. Ladário ferido, não houve luta, povo levanta vivas, exército vai organizar governo provisório. Tudo
calmo. Deodoro e Benjamin confraternizam, povo grandes aclamações".
Finalmente, as notícias, confirmadas, davam a formação do governo da República
Federativa dos Estados Unidos do Brasil nas pessoas de Quintino Bocayuva, Deodoro da Fonseca e Ruy Barbosa.
Governo provisório da cidade de Santos - O regozijo dos republicanos era
indescritível ante as notícias favoráveis ao movimento militar operado na Corte.
Mal são confirmados os despachos telegráficos, os próceres republicanos desenvolveram
o máximo de suas atividades para a ocupação dos cargos diretivos da cidade. Dentro de poucos instantes foram espalhados boletins convidando a
população santista para uma reunião popular e, dentro dos moldes democráticos, organizar o governo provisório.
De fato, às 16 e meia horas, o povo se concentrava no Paço Municipal, sob delirantes
demonstrações de entusiasmo, realizando-se a reunião popular, para a qual foram aclamados o dr. Martim Francisco Filho, presidente, e os drs. Leão
Ribeiro e Constantino Faro, secretários.
E, sob insistentes aclamações, foi constituído o governo provisório da cidade de
Santos, composto de dez membros, a saber: Antonio Lacerda Franco, Antonio Carlos da Silva Telles, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, José Azurém
Costa Júnior, Ernesto Cândido Gomes, Leão Luís Ribeiro, Walter Wright, Guilherme José Alves Souto, Henrique Porchat e Manoel Franco de Araújo
Vianna.
Ata da reunião popular - Para maior conhecimento do que se passou nessa célebre
reunião popular, transcrevemos, na íntegra, a ata assinada não só pelos membros do governo provisório desta cidade, como por todas as pessoas
presentes, sem distinção de nacionalidade.
Ei-la:
"Aos 15 dias do mês de novembro de 1889, no Paço
Municipal desta cidade de Santos, em virtude de notícias telegráficas sobre a proclamação da República, o povo reunido e aclamando seu presidente o
dr. Martim Francisco Filho, que convidou para secretário o dr. Leão Luís Ribeiro, deliberou:
"Constituir provisoriamente o governo da cidade, para o que foi eleita uma comissão
composta de 10 membros, sendo aclamados os cidadãos: Antonio de Lacerda Franco, para presidente; Antonio Carlos da Silva Telles, para
vice-presidente, e dr. Martim Francisco Filho, os quais deliberaram com os demais membros, dr. Leão Luís Ribeiro, Ernesto Cândido Gomes, José Azurém
Costa Júnior, Manoel F. de Araújo Vianna, Guilherme Alves Souto, Henrique Porchat e Walter Wright. A esse governo provisório foram dados amplos
poderes no sentido de ser mantida a ordem e o respeito devido às pessoas e propriedade dos cidadãos.
"Entender-se com todas as autoridades no sentido de reconhecerem a autoridade do
governo provisório e amplos poderes para deliberarem em caso de reação.
"Do governo provisório, constituído na capital da República, foi recebido um telegrama
anunciando a proclamação e adesão à mesma, procedendo-se à leitura do mesmo; o povo recebeu o feliz advento por aclamações e congratula-se com a
pátria, pela solução pacífica da questão social, para ela mais poderosa no momento atual.
"Para boa marcha dos negócios públicos, foram expedidos ofícios a todas as autoridades
judiciais e administrativas, no intuito de entenderem-se com o governo provisório eleito, no que concernir ao ramo de negócios que lhe estiver
afeto.
"Tomadas outras deliberações atinentes à regularidade dos trabalhos, foi encerrada a
presente ata, que, lida e achada conforme, foi assinada pelo governo eleito e por todos os cidadãos presentes.
"Adendo à ata: o governo provisório, em resposta ao telegrama do governo constituído
na capital da República, respondeu-lhe: 'Povo de Santos reunido congratula-se pela República. Completa ordem'.".
Manifesto do governo provisório - Constituído, como vimos acima, o governo
provisório da cidade de Santos, este, após a sua posse, no seguinte manifesto, dirigiu-se
"Ao povo santista:
"O governo provisório da cidade de Santos, organizado por indicação popular, dirige-se
ao povo santista e garante-lhe que empregará todos os esforços compatíveis com o dever, com a honra e com o civismo para que seja mantida a ordem
pública em Santos e estabelecendo em sólidas bases a forma republicana na direção do país.
"Recebida entre festas e aclamações populares, a República manter-se-á, trazendo
consigo a paz e o progresso.
"Dispostos a viver em um regime mais adiantado do que o decaído há horas; dispostos a
todos os sacrifícios inerentes ao encargo que aceitaram da vontade do Povo, os membros do governo provisório firmam sob juramento a promessa de que
não duvidarão arriscar pelo futuro democrático da Pátria a sua vida, o seu sangue, a sua tranqüilidade e bem estar.
"Povo santista! Ordem e liberdade!
"Viva a Pátria!
"Antonio Lacerda Franco - Antonio Carlos da Silva Telles - Martim Francisco Ribeiro de
Andrada - José Azurém Costa Júnior - Ernesto Cândido Gomes - João Luís Ribeiro - Walter Wright - Guilherme José Alves Souto - Henrique Porchat -
Manoel Franco de Araújo Vianna".
Comunicação aos representantes das nações estrangeiras - Várias nações
estrangeiras mantinham, nesta cidade, seus cônsules e vice-cônsules, e a eles o governo provisório, na impossibilidade de transmitir de viva voz a
transformação por que acabava de passar a nação brasileira, fê-lo através de um aviso circular.
A primeira reunião do governo provisório - Pela primeira vez, após a sua posse,
o governo provisório reúne-se no dia imediato ao da proclamação da República. Motivou essa reunião o fato das autoridades policiais da
cidade, não concordando com a nova forma de governo operada no país, resignarem os respectivos cargos.
Além de ter sido a primeira vez que se reuniam, pela vez primeira fazem as primeiras
nomeações públicas. Assim, dentre outras deliberações, designam os cidadãos Francisco Cruz e Antonio Augusto Bastos para substituírem as autoridades
policiais demissionadas. No mesmo dia, as novas autoridades assumiam o exercício de suas funções e prestavam o juramento de bem servir e manter a
ordem e tranqüilidade públicas.
Nessa ocasião haviam sido nomeados chefes de polícia o dr. Bernardino de Campos, na
cidade de São Paulo, e na do Rio de Janeiro o dr. Sampaio Ferraz.
As autoridades recém-empossadas recebiam, do governo provisório de São Paulo, o
seguinte telegrama urgente:
"Foi hoje (16) empossado o governo provisório do Estado
de São Paulo, composto dos doutores Prudente de Moraes, Rangel Pestana e coronel Mursa. Já entraram em palácio e estão dirigindo o expediente. Faça
público. Perfeita ordem e paz".
No dia seguinte, no teatro Guarany, era festejada solenemente a proclamação da
República, em sessão noturna.
Dissolução do governo provisório - Reuniu-se, no dia 19, às 19 horas, o governo
provisório para ouvir a comissão incumbida de se entender com o governo provisório de São Paulo sobre a continuação ou outra forma de governo da
cidade de Santos.
A comissão declarou que São Paulo opinava pela organização de uma comissão consultiva
composta de alguns membros componentes do atual governo provisório, sendo escolhido para delegado junto à mesma o dr. Martim Francisco Filho.
O dr. Martim Francisco Filho, porém, usando da palavra, declina da honra que lhe
querem conceder, mas, argumentando com precisão e senso, faz ver a necessidade da formação de uma comissão consultiva. Atendendo aos conceitos e
argumentos emitidos, o sr. Manoel Franco de Araújo Vianna pede a palavra para indicar os nomes que devem figurar nessa comissão, os quais são
aceitos, e o povo presente, consultado pela voz do dr. Martim Francisco Filho, apóia a indicação sob as mais delirantes ovações. Ficou assente que a
nova comissão não tomaria quaisquer providências sem auscultar a opinião pública.
A comissão consultiva, pois, ficou assim constituída: Antonio de Lacerda Franco,
presidente; Constantino Faro, secretário; Antonio Carlos da Silva Telles e Henrique Porchat.
Antes, porém, de terminar a sessão, o dr. Martim Francisco Filho, secretário do
governo provisório, leu um manifesto sobre o desempenho que ele e seus companheiros tinham dado aos cargos. A comissão consultiva organizou um
regimento, para limitar as suas atribuições.
A última reunião da Câmara Municipal do império - Era presidente da última
Câmara Municipal do império o saudoso Júlio Conceição. Mas, na antevéspera da proclamação da República, por motivos de força imperiosa, Júlio
Conceição transmitira a presidência, que veio recair na pessoa do sr. Américo Martins dos Santos, por impedimento legal dos vereadores Oliveira
Pinto e Vianna Souto, incursos no artigo 19 da lei de 3 de dezembro de 1841 e decreto n. 2.012, de 4 de novembro de 1857.
Com essa reunião, ficou positivamente assentado que a população inteira da cidade de
Santos se achava ao lado da República, pela adesão total da Câmara Municipal à causa republicana.
À sessão estiveram presentes, além de enorme massa popular, os vereadores Júlio
Conceição, presidente; João da Silva Oliveira, Guilherme José Alves Souto, Américo Martins dos Santos e José Torre Rossmann. Estavam presentes,
também: Joaquim Pereira Moraes, secretário; João Alves Corrêa do Amaral, advogado; Antonio Manoel Bueno de Andrade, engenheiro; Giovanni Eboli,
médico; capitão José Antonio Vieira Barbosa, procurador; Antonio Ludgero dos Santos, amanuense; e outros funcionários municipais.
O presidente, ao abrir a sessão, apresentou uma moção de solidariedade à República
Federativa dos Estados Unidos do Brasil, sendo estrondosamente aclamado todos os vereadores, repercutindo uma prolongada salva de palmas. Publicamos
na íntegra a
Moção de Solidariedade
"Nenhum dos meus colegas ignora o grande acontecimento
que se manifestou na Corte no dia 15 do corrente, operando a destituição do governo monárquico representativo que determinou o estabelecimento da
República em nosso país, aclamado pelo Exército e Marinha e províncias do Brasil, com a denominação de República Federativa, constituindo-se as
províncias em Estados Unidos do Brasil.
"Acha-se instalado na capital do Estado de São Paulo o Governo Provisório, conforme
ofício que a esta Câmara foi dirigido e que dele passo a dar-vos conhecimento.
"Nesta cidade, como sabeis, foi a notícia desse acontecimento recebida com grande
entusiasmo por parte da população, como foi observado por ocasião da instalação do Governo Provisório de Santos, sendo a sua ata assinada por grande
número de cidadãos nacionais e estrangeiros.
"Tenho convicção plena de que a Câmara Municipal de Santos, reunida neste momento,
cumprirá seu dever, não só aderindo à nova ordem de coisas, como concorrendo com seus esforços para que seja mantida a tranqüilidade pública, a
segurança, a liberdade e os direitos de todos os cidadãos.
"Reproduzo aqui o que disse o ilustre sr. visconde de Tamandaré:
'É um ato consumado: não se pode e nem se deve voltar atrás. É preciso que cada um trate agora de mostrar-se cidadão digno e
redobre esforços, para engrandecer este país'
"Esta presidência, tendo recebido comunicação oficial, do Governo Provisório de São
Paulo, o meu ilustre colega, cidadão Américo Martins dos Santos, então na presidência, deu a resposta, que também vos passo a dar conhecimento,
esperando merecer de vossa parte inteira adesão". |