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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
História da Estrada de Ferro Sorocabana (4)

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Quando esta matéria foi publicada no jornal paulistano Diário Popular, em 24 de março de 1970, a naquele dia centenária E.F.Sorocabana ainda estava no auge de sua trajetória, antes da encampação pelo governo estadual, para se transformar na Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) em 28/10/1971 e de passar pelo posterior declínio:


Foto publicada na primeira página do segundo caderno do Diário Popular de 24/3/1970

O chefe da estação franze as sobrancelhas e avisa; o trem está chegando. Já se ouve, ao longe, o ruído das rodas deslizando nos trilhos da estrada de ferro. O apito quase chora em cada curva, em cada cruzamento. A máquina vem à frente, puxando carros apinhados de gente que fala, de gente que ri, de gente que grita, de gente que tem um destino certo. É a mesma música que se repete todos os dias. Uma velha sinfonia sob a batuta do "senhor" maquinista; uma rotina sonora que está completando cem anos de existência.

A Estrada de Ferro Sorocabana nasceu à época do Brasil provincial, quando competia, ao governo, estimular, através de concessões, a construção ferroviária. A lei nº 34, de 24 de março de 1870, fez a concessão de uma linha até Sorocaba. Era o começo de uma longa história, repleta de evoluções e glórias.


Foto publicada com a matéria

A centenária Sorocabana

Na biblioteca da Sorocabana existe um quadro colocado em lugar de honra. Está só em meio da parede lisa. É uma fotografia de laboratório fotográfico de Paris, de um homem de meia idade, trajando com requintada elegância. Casaco de peles, aberto, mostrando a sobrecasaca bem talhada. Cartola displicentemente largada em cima da mesa de estilo, com as luvas emergindo. A foto é de Luís Mateus Mailasky, o fundador da Sorocabana, denominado o "estrangeiro misterioso".

Foi um filho da aventura e um bem-amado da fortuna. Nasceu na Hungria em 1838, fora oficial do exército húngaro e um dia chegou a Santos com a roupa do corpo e algumas moedas de cobre no bolso. Recolheram-no, em São Paulo, os padres do Mosteiro de São Bento. Um dia, consertou um descaroçador de algodão, compreendeu as vantagens de tal máquina num País que começava a produzir essa malvácea. Foi para Sorocaba, que se apresentava como um próspero centro produtor. Dedicou-se ao comércio e não tardou a enriquecer. Comprava algodão, beneficiava-o e remetia-o para os centros industriais.

Casou-se. Sua esposa era filha de próspero sorocabano, o major José Joaquim de Andrade. Tornou-se sócio de Manoel José da Fonseca, que negociava com fazendas, e iniciou com o sogro o plantio, em grande escala, de algodão. Em 1868 instalava a primeira fábrica de tecidos.

Dois anos depois, na cidade de Itu, era fundada uma companhia ferroviária para construção de uma linha de ligação de Jundiaí a Itu.

Por essa ocasião, reuniram-se no adro da igreja de Sorocaba os homens ricos da terra, Roberto Dias Batista, Antônio Lopes de Oliveira, Francisco Ferreira Leão, Olivério Pilar, Vicente Eufrásio da Silva Abreu e Ubaldino Amaral. Falavam sobre a conveniência de uma estrada de ferro.

A "S Paulo-Railway" era uma demonstração do que podia ser feito. Mas quanto seria preciso inverter?

Mailasky estava presente. Meteu a mão no bolso e tirou uma moeda. Disse:

- Aqui está o primeiro capital subscrito!

Dizem que a moeda era de 40 réis. E por isso lhe atribuem a frase:

- Com estes dois vinténs levantaremos o capital necessário.

Reunidos, os capitalistas da terra conseguiram um capital de 2.600 contos.


Luís Mateus Maylasky - fundador da Estrada de Ferro Sorocabana
Imagem publicada com a matéria

A Ituana - A história da Sorocabana começa numa indecisa aplicação de capitais antes de tornar-se fascinante aventura. Depois de uma pausa, que pareceu prolongado torpor, atirou-se por sertões despovoados e mal conhecidos e integrou-os fecundamente no surto de povoamento e expansão agrícola que eclodiu no começo do século. O seu trecho considerado linha-tronco e que termina em Presidente Epitácio, detido nas barrancas do Paraná, defronte de Mato Grosso, constituiu uma página épica de penetração nem sempre pacífica e isenta de riscos.

Por aquelas matas fechadas vagueavam hostilmente índios maltratados pelos brancos e que haviam sido tangidos como gado bravio doutros lugares. Por isso conservavam aceso o temor e o ódio e rondavam, de noite, o acampamento dos trabalhadores, dando sinal de sua presença pela troca de pios de inhambu. Então o receio interrompia o sono e determinava vigílias armadas e inquietas.

Rojões subiam, riscando traços de fogo na noite, e estouravam no céu, para afastarem os silvícolas que viam, em tais aplicações festivas da pólvora, terrífico invento. Os foguetes tinham o condão de provocar um pavor pacífico entre os índios que chegavam em som de guerra e intenções mortais.

Seu início fora, porém, bem modesto e seu crescimento fragmentado e indeciso. Seus 2.158 quilômetros presentes começaram em 1870 como conseqüência do projeto de ligar Itu, uma cidade imperial, ao antigo pouso de tropeiros denominado Jundiaí e onde tinha chegado a ponta dos trilhos da "The S. Paulo Railway Company".

O começo - Em 1870, competia, ao governo da Província de São Paulo, o direito de efetuar concessões para estimular a construção de estradas de ferro.

Não era mais o governo imperial que concedia. Tinha sido outorgado às Províncias o direito de iniciar novas estradas de ferro, estimular a sua construção e garantir o juro ao capital aplicado.

A Lei Provincial nº 34, de 24 de março de 1870, fazia a concessão de uma ferrovia até Sorocaba. E em 30 de junho do mesmo ano era constituída a Companhia Ituana com a finalidade de construção de uma linha de Jundiaí à cidade de Itu. Por subscrição dos fazendeiros daquela próspera região, foram reunidos mil contos em ações. A reunião efetuou-se no Paço Municipal da cidade. Meses antes, em março, o governo da Província autorizara o gasto de 40 contos nos estudos prévios do traçado de uma ferrovia de Jundiaí a Itu, e mais 20 contos para prolongamento do traçado até Sorocaba.

Constituída a Companhia Ituana, foi-lhe garantido o juro de sete por cento sobre o capital investido até ao máximo de 2500 contos e mais o privilégio de 90 anos de exploração.

A bitola foi fixada em 96 centímetros. Tal medida revela a indecisão ainda quanto à largura a adotar definitivamente entre os trilhos. A "The S. Paulo-Railway" chegara a Jundiaí com 1,60 e essa fora também a bitola aprovada desde logo pela Companhia Paulista.

Os trabalhos de construção da linha tiveram início em 20 de novembro de 1870 e decorreram sem novidade. A 17 de abril de 1873, com grandes festejos e natural entusiasmo público, chegava o primeiro trem à estação de Itu.

O chefe dos trabalhos fora o eng. Aristides Galvão de Queiroz. O presidente da Companhia era o dr. José Elias Pacheco Jordão.


Conselheiro Francisco de Paula Mairynk - dirigiu a Sorocabana a partir de 1880, dando um impulso em seu desenvolvimento e foi ainda fundador da Vila Mairinque
Imagem publicada com a matéria

Divergências - Tendo sido assegurada zona de privilégio à "Paulista", o traçado da Ituana determinou a existência de estações, que ficavam dentro da área de influência da primeira ferrovia. Conseqüentemente, a Companhia "Paulista" protestou. Seguiu-se um acordo. A "Companhia Ituana" pagaria dez por cento da renda da carga transportada para estações situadas dentro da zona de privilégio da "Paulista", prestando contas anualmente. Mas, devido às dificuldades de contabilização, acabou sendo combinado um pagamento de três contos de réis anualmente, sem mais obrigações, nem necessidade de verificação de contas.

O sucesso que estavam alcançando as estradas de ferro existentes determinou entusiástica aceitação. Os grandes senhores de terras viam nos trilhos elemento de valorização. Não só a produção encontrava escoamento seguro e rápido, como a ferrovia era fator de povoamento.

Assim, ainda não tinham os trilhos atingido Itu e já a Companhia Ituana solicitava e obtinha licença para estender as linhas até Constituição, que era então o nome de Piracicaba, podendo atingir Tietê.

Surgiram, porém, dificuldades financeiras e o governo da Província interveio dando garantia para 600 contos de réis, quantia considerada necessária para conclusão do ramal de Piracicaba.

Só seria entregue ao tráfego em 11 de fevereiro de 1879. Em 26 de abril de 1880, o governo da Província contratava com a Companhia Ituana a construção de um ramal até São Pedro. Seguiu-se a construção da linha de Porto Martins e São Manuel. A inauguração verificou-se em 15 de julho de 1888.

A extensão das linhas da Companhia Ituana era então de 220 quilômetros.

A Sorocabana - Outra estrada de ferro era, no entanto, atacada na mesma época. Essa foi denominada "Sorocabana". Começou com o capital de 1.200 contos de réis. Resultara da mudança do projeto inicial que se propunha estender os trilhos da Ituana até Sorocaba. Tal solução pareceu rodeio excessivo em relação à Capital paulista. A Assembléia Provincial considerou mais vantajoso um trajeto diferente e direto. A nova estrada sairia da Capital, passaria por São Roque e São João do Ipanema, atingindo, por fim, a cidade de Sorocaba.

Por lei de 29 de março de 1871, foi concedida a garantia de 7 por cento de juros ao capital aplicado e cujo máximo foi fixado em 4 mil contos de réis. O privilégio era por 90 anos. A bitola escolhida, de um metro entre os trilhos. Mal um ano tinha passado e era autorizado o aumento do capital em mais 1.800 contos, sob a condição de ser construído um ramal para a vila de Cotia. Assim foi legislado em 5 de abril de 1872. A 13 de julho desse mesmo ano, começava a construção da estrada Sorocabana.

Estava o governo imperial interessado em que a nova ferrovia passasse pelas minas de ferro de Ipanema, onde se processava fecunda tentativa metalúrgica. Ainda se encontram de pé construções que atestam o esplendor passado.

Essa a razão pela qual o governo do Império se mostrou particularmente interessado pela estrada de ferro e determinou todo o auxílio financeiro possível.

Solução - Sucedeu-se um período de lutas e de indecisões que foram enfrentados com decisão. Houve quem estranhasse que confiassem tanto dinheiro a Mailasky, do qual se dizia ser um distinto cavalheiro agraciado com o título de Visconde de Sapucaí, mas que chegara sem vintém e servira como copeiro do Mosteiro de São Bento. Afastou-se da diretoria da estrada em 1880, indo residir em Moji-Mirim. Com capitais franceses fundou a Estrada de Ferro Sapucaí.

A Sorocabana teve influência decisiva na expansão de São Paulo. O panorama ferroviário do último quarteirão do século XIX encontra expressão nos seguintes números:

Anos

Quilômetros

1867

   139

1877

1.007

1887

1.973

1897

3.110

Em 1900, a rede ferroviária paulista media 3.393 quilômetros, dos quais 86 pertenciam à "Paulista", e 905 à "União Sorocabana e Ituana". Em 1905 a "Sorocabana", depois de ter sido arrematada pelo governo da União, era transferida para o governo do Estado que, nesse ano, estendeu as linhas até Bauru, trecho que se ia tornar decisivo para a ligação com Mato Grosso, pois dali partiria a "Noroeste", efetuando-se, assim, a ligação do mais remoto Interior com o mar.

Luís Mateus Mailasky, naturalizado cidadão brasileiro, saiu em 1905 para demorada viagem ao Velho Mundo. Deteve-se em França e foi falecer em Nice, a 15 de fevereiro de 1906. O corpo, depois de embalsamado, seguiu para o Rio de Janeiro, tendo sido sepultado no cemitério de São Francisco Xavier.

De 1905 a 1920, mais setecentos quilômetros de linhas foram construídos. Novas normas técnicas tinham sido introduzidas pelos engenheiros brasileiros. A "Sorocabana" atirou-se a penetrações ousadas no sertão, apressando o desenvolvimento de extensa região que tinha esperado o amadurecimento da civilização litorânea. Foi por essa ocasião que o tenente Manuel Rabelo se viu chamado ao gabinete do secretário da Justiça para ir proceder ao apaziguamento dos índios. Contaria, depois, já como general:

- O secretário apontou para o mapa da região e foi citando nomes de proprietários que eram seus parentes. O nome o demonstrava. Indaguei: mas como pode ser isso, se no mapa oficial dessa região aparece a zona como terra mal conhecida e povoada por índios?

- Trata-se de uma velha sesmaria - respondeu o secretário em tom protetor.


Fac-simile de uma das primeiras ações da Sorocabana, de "duzentos mil réis", emitida em 1872
Imagem publicada com a matéria

O sertão bravio - O engenheiro que teve a cargo grande parte do traçado da Alta Sorocabana já não existe. Foi o eng. João Batista Vasquez. Vivia sonhando com uma grande ferrovia, que articulasse, através do coração do Brasil, o extremo Sul ao extremo Norte. Cortaria os sertões de Goiás e seria a verdadeira Central do Brasil. Recordaria, mais tarde, como diretor do tramway (N.E.: linha de bondes) da Cantareira e com saudades aqueles tempos de sua mocidade empreendedora. Já predominava, então, nova mentalidade ferroviária que era inimiga das curvas de pequeno raio e das rampas fortes, de mais de um por cento. Sabiam os jovens engenheiros que uma estrada sem bom traçado está condenada à ruína por excesso de despesas com pessoas e combustível e desgaste do material.

Quando, em 1905, a Sorocabana deu um passo decisivo avançando em direção a Bauru, entrava na sua fase mais gloriosa.

"Na nossa frente estava a floresta virgem" - evocou o engenheiro João Batista Vasquez ao jornalista. "Era a mata densa, a terrível jungle. E os índios agressivos, irritados por anteriores contatos com os brancos, não constituíam mitos literários. Eram criaturas reais e perigosas. De noite, a gente ouvia-os imitar o pio dos inhambus. Assim se comunicavam uns com os outros. O pessoal que trabalhava na linha prepara-se para os repelir a bala. E para evitar morticínios inúteis, usava-se um recurso inofensivo, que consistia em soltar foguetes. Os rojões subiam, assobiando, na escuridão. O seu estouro punha os silvícolas em pânico e afastava-os do acampamento. A estrada podia prosseguir sem ser assinalada por sepulturas. Assim aconteceu, com freqüência, no trecho em que hoje se encontra Rancharia. Era zona mal conhecida.

"À medida que a estrada avançava, iam-se formando fazendas. Freqüentemente aconteceu que os trens subiram levando material e no seu regresso já encontravam carga à beira da estrada, aguardando transporte. As fazendas recém-formadas em menos de um ano atulhavam os locais reservados para os pátios das estações. Surgiam logo pedidos de transporte. Multiplicavam-se os celeiros ao longo da linha mal acabada de assentar. Foi assim entre Assis e Salto Grande, continuou ainda até Presidente Epitácio".

Em 1927, iniciava-se a nova linha de Mairinque, a mais bela aventura técnica que foi dada a um engenheiro empreender e que se caracterizou por uma revolução nos processos ferroviários de construção de pontes. As antigas estruturas metálicas foram substituídas, com êxito, por viadutos de concreto. Em 1940 abria as propostas para eletrificação do primeiro trecho de suas linhas, então São Paulo e Santo Antônio. Servira-lhe de exemplo o êxito da eletrificação da "Paulista", que, na ocasião, estava conseguindo uma economia de vinte milhões de cruzeiros entre o consumo de carvão e energia elétrica.

No serviço de eletrificação adotara também o sistema novo de postes de concreto A ligação por aderência direta do planalto com o mar, através do ramal de Mairinque, outorgava-lhe uma glória sem par. Representava também uma vitória sobre a asfixiante concessão da "S. Paulo-Railway". Esse trecho da serra ficou sendo considerado uma lição e uma afirmação da existência de uma técnica ferroviária nacional.

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