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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
História da São Paulo Railway (15)

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A história da São Paulo Railway foi marcada por alguns acidentes, alguns deles antes mesmo de sua inauguração, sendo este registrado pelo jornal paulistano Diário de São Paulo de quinta-feira, 7 de setembro de 1865, na página 3 da edição 32/ano 1 (acervo da Memória Digital da Biblioteca Nacional - acesso em 8/10/2012 - ortografia atualizada nesta transcrição, e lembrando que a inauguração oficial da ferrovia só ocorreria em fevereiro de 1867):

Imagem: reprodução da página 3 do Diário de São Paulo de 7/9/1865

 

Gazetilha

Ontem, ao meio dia, achava-se o Largo da Luz coberto de povo, que contente desejava ver a chegada do primeiro trem de nossa estrada de ferro.

Uma catástrofe terrível veio causar a maior decepção e espalhar a consternação em toda a capital.

Ao aproximar-se o trem da ponte do Tamanduateí, a 2ª locomotiva que o conduzia, pois vinham os vagões puxados por duas, precipitou-se do aterrado, levando consigo 3 vagões e os trilhos. Este desastre deu morte instantânea ao maquinista Peregrino Lodi, e feriu algumas pessoas das mais importantes desta cidade, como sejam:

Os srs. dr. Joaquim Justo da Silva, exmo. barão de Itapetininga; dr. João Ribeiro da Silva; dr. Joaquim Ignacio Ramalho, um cunhado do exmo. presidente da província, coronel Estanisláo José de Oliveira, Fidelis Prates, coronel Joaquim Floriano de Toledo, engenheiros Ramsay e Madley que vinham no trem, e escaparam felizmente, os seguintes srs.: coronel Ozorio, dr. Fidencio Prates, exmo. presidente da província; dr. Rego Freitas, dr. João Carlos da Silva Telles, dr. Falcão Filho, Joaquim Roberto de Azevedo Marques, Thomaz Luiz Alvares, Antonio Pinto Cardozo Malheiros, conselheiro Pires da Motta, Malaquias de Salles Guerra, Sebastião Azevedo, Vicente Mamede, Vicente Queiroz, Antonio Francisco de Aguiar e castro, dr. Callazans, João Ribeiro dos Santos Camargo, Bento Azevedo, Celestino Bourroul, Custodio Fernandes da Silva, tenente de engenheiros, Azevedo Marques, e outros cujos nomes ignoramos. Vinha também a música do 1º batalhão de Guardas Nacionais. Somos informados por profissional, que os ferimentos havidos não são graves.

Não podemos deixar de notar o desvelo com que trataram dos doentes os srs. dr. Calazans, dr. Fidencio Prates, dr. Honorato e dr. Lemos. A maior dedicação pelos feridos mostraram os reverendíssimos padres do seminário episcopal!

O sr. dr. delegado de Polícia, e muitos do povo, que difícil fora enumerar, muito serviço prestaram.

Devemos observar que este acontecimento, aliás tão lastimável, em nada deve alterar o bom conceito que merece a nossa linha férrea.

Ela não está acabada porque ainda falta colocar-se a maior parte dos dormentes, e o lastro que muito concorre para a solidez da obra. Apenas houve alguma imprudência em supor-se que aquela ora, sem estar acabada, seria capaz de suportar tão grandes pressões, fato este resultante do bom êxito que em geral têm tido tais temeridades.

[...]


Post-Scriptum

Catástrofe da estrada de ferro

A quem é que se deve atribuir o desastre, que ontem aconteceu?

1º Será culpa dos engenheiros da companhia?

2º Dos empreiteiros?

3º Ou do engenheiro fiscal?

1º Da companhia é, sem dúvida, em parte porque, como se vê do relatório do sr. Viriato de Medeiros apresentado ao ministro d'Agricultura e Obras Públicas, na ocasião em que veio examinar as obras dessa estrada, disse que era mau o sistema da via permanente.

Eis o que diz aquele engenheiro:

"É mau o sistema da via permanente; por que empregam-se os dormentes de ferro do privilégio de Greave, sistema que não pode ser usado com alguma vantagem em leito arenoso ou sobre lastro de mui fino cascalho: estas condições não se dão, nem na primeira seção, nem na segunda e terceira. Na estrada de ferro de S. Paulo só serviram os dormentes de Greave para comprar-se ferro sem necessidade, pagando-se os direitos de privilégio, quando na província há boa madeira em abundância; e demais para sobrecarregar as despesas de manutenção da linha, como sucede na estrada de ferro de Pernambuco, em que tais dormentes são empregados.

"É mau o lastro da 1ª seção. As culotes esféricas, sobre que assentam-se os carris, repousam em pedaços de pedra de grandes dimensões, e o interior daquelas culotes é cheio de terra tirada das que cobrem as pedras de uma excelente pedreira de granito junto à cidade de Santos.

"O resto da via é todo lastrado de igual modo: sempre as mesmas grandes pedras e a terra. Se a via permanente é por si só má, pior ainda torna-se com semelhante lastro, em mui pouco tempo os dormentes têm de ser mudados por quebrarem-se com os choques que recebem durante o movimento dos trens e uma grande parte da renda será absorvida por isso, e pela necessidade constante de levantar os carris pelas inevitáveis depressões nas juntas que hão de sobrevir".

Pelo que temos visto e pela desgraça que ontem aconteceu e que estamos lamentando, aquele ilustre engenheiro tinha toda a razão; o que sentimos é ter de dizer que não nos consta que nenhuma providência a este respeito se tem tomado. De que serviu o governo ter obtido a respeito das diversas obras desta estrada de ferro a opinião do distinto engenheiro se nenhum caso fez dela?

Se se tivesse empregado em nossa estrada de ferro dormentes de madeira, não teríamos de lamentar semelhante desastre.

Portanto, nesta parte os engenheiros da companhia, que dizem ser tão célebres, merecem ser muito censurados, por que deviam ter escolhido para uma estrada de ferro da primeira qualidade um sistema de via permanente que com ela correspondesse, em lugar de um que pelo relatório do sr. Medeiros se vê que é mau.

2º Os empreiteiros têm sem dúvida culpa e muita culpa. Por que a razão do sinistro foi sem dúvida o seguinte:

O lastro que estava debaixo das panelas não estava em muitos lugares bem socado e muitas delas estavam sem lastro nenhum, suspensas no ar.

Ora, se semelhante sistema de via permanente, mesmo quando esteja bem acabado, oferece tantas desvantagens, muito mais quando está no estado em que se acha o da linha.

Demais, sabendo eles que a via permanente estava neste estado, não deviam - depois de terem convidado tantas pessoas gradas - ter conduzido um trem tão pesado. A velocidade com que iam era sem dúvida admissível, por que, adiante da ponte, tinham que vencer um plano inclinado de quase 2 por cento. Porém, sabendo eles que tal plano íngreme existe e que com a velocidade precisa para o vencer, mais risco se corre, deveriam, ao menos, ter acabado aquela parte da via permanente com a maior solidez possível.

3º O engenheiro fiscal merece também alguma censura. Não devia permitir que os empreiteiros continuassem a empregar o lastro que estão usando, e que já foi reprovado pelo sr. Medeiros. Também não devia consentir que os empreiteiros conduzissem por uma via permanente, que está provisoriamente assenta e sem a necessária solidez, trens tão pesados como este que veio hoje, e como os que nos consta que eles têm ultimamente conduzido.

É de esperar que antes que se empreenda outra excursão pela via férrea, todos cumpram o seu dever, para não termos que lastimar outro desastre.

Com vagar voltaremos à matéria.

Imagem: detalhe da página 3 do Diário de São Paulo de 7/9/1865

Esse acidente foi relembrado um ano depois pelo mesmo Diário de São Paulo, em uma quinta-feira, 6 de setembro de 1866, página 1 e página 2 da edição 322/ano 2 (acervo da Memória Digital da Biblioteca Nacional - acesso em 8/10/2012 - ortografia atualizada nesta transcrição): 

Imagem: reprodução da página 1 do Diário de São Paulo de 6/9/1866

O acidente do dia 6 de setembro no caminho de ferro

O dia de hoje traz consigo bem tristes recordações para a população desta capital!

Comemora um fato bem negro nos anais das experiências; qual seja o da catástrofe do dia 6 de setembro do ano próximo passado no caminho de ferro.

Em vez de prazer, tivemos luto; em vez de riso, lágrimas!

mercê de Deus! Sirva esta lutuosa lição a futuras experiências!

Nunca mais a precipitação deverá cegar os espíritos calmos e tranquilos, expondo-os a funestas e desastrosas consequências!

Nunca mais o prazer do momento deverá comprometer preciosas vidas, nem o engrandecimento futuro de empresas úteis!

Vamos tratar do acidente ocorrido no caminho de ferro desta província, que parecera querer roubar as caras vidas de seus mais distintos filhos.

Examinemos, agora, as causas que o motivaram.

Um motivo, qual fosse o da chegada da locomotiva à estação da Luz, houvera feito com que a Câmara Municipal da capital convidasse várias pessoas gradas para um almoço, que ela resolvera oferecer aos empregados da estrada, testemunho dos esforços por estes envidados para que aqui se ouvisse (muito antes do tempo do contrato) o sibilo da locomotiva, trazendo consigo o progresso moral e material da província.

Nos dias antecedentes ao designado para a festa, várias experiências foram feitas com carros bastante carregados, sem que, todavia, se tivesse de lamentar um só acidente!

Infelizmente, porém, o dedo da fatalidade marcou com o seu cunho o dia 6, que para esta capital devera ter sido de glória, enlutando-a de dor!

No dia marcado para a festa, acharam-se na Moóca o exmo. sr. presidente, engenheiro fiscal, engenheiros da companhia, superintendente e várias pessoas gradas, que ao meio dia deviam embarcar no trem vindo de Santos, e daí seguir com direção à Luz, termo da viagem.

Pouco depois do meio dia, chegou o trem à Moóca sem a menor novidade, por se achar a parte da linha férrea, entre Santos e o lugar do embarque, em sofrível estado.

Chegado o trem, embarcaram na primeira locomotiva (pois o trem, daquele ponto, seguia rebocado por duas) o exmo. sr. presidente, engenheiro fiscal, engenheiros principal e em chefe da companhia, e empreiteiros, e o superintendente da diretoria.

Na segunda locomotiva iam o ajudante de ordens do exmo. presidente, dois engenheiros ajudantes da companhia com os respectivos empregados da locomotiva; e nos vagões iam os covidados.

Tendo o trem seguido viagem, ao passar pela cancela do Braz, o maquinista que o conduzia, levado por um mal entendido entusiasmo, deu velocidade demasiada; tanto assim, que os engenheiros da companhia o advertiram, sem que pudessem ser ouvidos senão ao momento de quebrarem-se as panelas e abaixarem-se os trilhos.

Logo que o maquinista da primeira locomotiva ouviu o estalar das panelas e pressentiu o arrebentamento da corrente que a prendia ao trem, não se importou de parar, por ser ele o responsável pelas vidas que trazia consigo, e tratou de colocar-se à distância de não poder ser alcançado pela segunda locomotiva, que impreterivelmente viria sobre a primeira, sendo a catástrofe muito mais fatal!

À perícia e sangue frio do maquinista deve-se o ter evitado a morte da primeira autoridade da província.

Tratemos, agora, de analisar a quem competia a responsabilidade do acidente ocorrido; e se responsabilidade houvesse, deveria ela recair no engenheiro fiscal do governo?

Certamente, não!

Idêntico fato ao ocorrido no dia 6, consta-me ter-se dado na estrada de ferro de D. Pedro II com o infeliz engenheiro fiscal, capitão Moret, que querendo passar à grande velocidade por um alinhamento reto, onde o terreno não era bastante consistente, e sendo ele o próprio condutor do trem, viu, já tarde, o efeito da sua experiência, e no momento em que, pressentindo o descarrilamento, procurou saltar, foi apanhado pela locomotiva que o esmagou.

Devia a culpabilidade do fato recair sobre os engenheiros da estrada, que não podiam prever tal temeridade da parte do engenheiro fiscal competente na matéria?

Não!

Seria o acidente consequência do estado da linha, ou efeito de uma temeridade imprevista?

Foi certamente uma temeridade, que roubou-nos a preciosa vida de tão ilustre engenheiro!

Este fato tem bastante analogia com o ocorrido no dia 6 de setembro do ano próximo passado.

Assim, não podemos fazer recair a responsabilidade do acidente do dia 6 sobre o engenheiro fiscal e engenheiros da companhia, porquanto estes não podiam prever que o maquinista, extremamente temerário, tentasse passar com uma velocidade de 40 milhas por hora por uma estrada que não comportava mais de 8 a 10.

Tratemos mais minuciosamente do fato alusivo à responsabilidade do agente do governo em semelhantes emergências.

Em primeiro lugar, diremos: nenhuma parte da linha férrea tinha ainda sido aberta ao tráfego público com a sanção imperial, porquanto não estando aquela de todo acabada, não podia obter esta.

2º - Nada tendo o engenheiro fiscal com a maneira pela qual se fazia a condução de materiais para a construção da estrada, por conta dos empreiteiros, não podia fazer-lhes observação alguma, tanto mais que se tornaria ele responsável pela demora do adiantamento dos trabalhos que sobreviesse às observações, e poderia com isto trazer graves questões entre a companhia e o governo, que era conveniente evitar.

3º - A festa do dia 6 era meramente particular, e o engenheiro fiscal não podia vedar a qualquer pessoa de oferecer, sem o consultar, um almoço aos empregados da estrada, e estes, por deferência, permitissem-lhe passear em seus vagões.

Consta-me mais que, no contrato celebrado entre o governo e a companhia, não há cláusula alguma que proíba aos empreiteiros de transportarem grátis quem bem lhes aprouver, por isso que a linha em construção é sua propriedade!

Por consequência, qualquer acusação que se queira fazer ao ex-engenheiro fiscal é não só improcedente, como até injusta.

Desgraçadamente, foi ele a única vítima!

Tratemos, agora, dos engenheiros da companhia.

Os representantes da companhia e empreiteiros, certos do bom êxito que tinham obtido na estrada de ferro, com trens bastante carregados, nas diversas experiências feitas nos dias anteriores ao da festa, não duvidaram aceitar o almoço que lhes fora oferecido pela Câmara Municipal. Tanto assim que, se eles soubessem de haver um acidente, não seriam tão imprudentes de exporem as suas vidas e, ainda mais, tão malvados, a ponto de sacrificarem as vidas preciosas das pessoas que procuraram obsequiá-los.

Eles conheciam perfeitamente o estado da linha, e sabiam que por ela não se podia transitar sem grande precaução; mas não previam que um êxtase de momento degenerasse em acerba dor!

Direi, pois, que os agentes da companhia receberam em seus carros as pessoas que os obsequiaram, certos de que nada lhes aconteceria, e por conseguinte se acham isentos de qualquer responsabilidade em que se os queira incorrer; porque fatos análogos se dão em todas as estradas de ferro, sem que se possa conhecer os culpados.

Hoje deverá entoar-se um Te-Deum em ação de graças pelas vidas poupadas a tantos cidadãos prestantes.

Às suas preces, junto eu as minhas!

S. Paulo, 6 de setembro de 1866.

O Imparcial.

Imagem: reprodução da página 2 do Diário de São Paulo de 6/9/1866

Na sua edição de 5 de fevereiro de 1867, o jornal Correio Paulistano, da capital paulista, registrou este comunicado oficial em sua primeira página (acervo do Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 6/10/2012 - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagens: reprodução parcial da primeira página do jornal Correio Paulistano, da capital paulista, número 3.208/Ano XIV, de terça-feira, 5 de fevereiro de 1867 (acervo do Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 6/10/2012)

 

PARTE OFICIAL

Estrada de ferro de Santos a Jundiaí

Repartição fiscal - S. Paulo, em 20 de janeiro de 1867

Ilmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. excia. um acidente que ontem deu-se no 1º plano inclinado da serra, e do qual resultou ficar ferido um empregado da estrada.

O cabo de tração nesse plano rompeu-se na parte próxima à extremidade à qual estavam ligados, além do carro de freio-tenazes, três vagões carregados de terra que desciam do patamar n. 1 para o aterro n. 12 situado cerca de 230 metros abaixo do mesmo patamar.

Abandonado em seu próprio peso em um declive de 1:9,75, começou o trem a correr rapidamente, descarrilando logo o carro de freio sobre o dito aterro, onde a via estava muito irregular em consequência dos trabalhos de reparação que ali se estão executando. Creio que por isso não teve provavelmente o guarda tempo suficiente para apertar os freios, pois examinei atentamente os trilhos meia hora depois do ocorrido e não vi neles sinal algum de fricção das tenazes dos freios.

Dois homens somente estavam no trem e ambos colocados no carro de freio. Um deles, o feitor da turma de trabalhadores do aterro pulou do carro antes do descarrilamento e não sofreu coisa alguma; o segundo, que era o guarda-freio, saltou no momento do descarrilamento e caiu infelizmente sobre algumas peças de madeira, que o contundiram no rosto e no peito.

O trem continuou a correr com o carro de freio fora dos trilhos até uma certa distância, em que este carro ficou atravessado sobre a via e parou um pouco abaixo das linhas de encontro.

Um dos três vagões ficou preso ao mesmo carro; os outros dois se separaram por terem se quebrado algumas peças de madeira de um deles, e foram esbarrar violentamente no trem de contrapeso, que estava um pouco acima da raiz do plano, e constava de um carro de freio e de dois vagões carregados de carvão mineral.

Deste choque resultou ficarem completamente estragados os dois vagões de aterro que desceram e o carro de freio do trem de contrapeso, tendo também sofrido avarias consideráveis os dois vagões deste trem.

O outro carro de freio e o vagão que pararam mais acima ficaram igualmente bem estragados.

A via permanente sofreu também não pequenos danos sobre cerca de 480 metros de extensão; alguns trilhos foram arrancados, e muitas roldanas e cilindros foram quebrados.

Observei que, não obstante ter tido que resistir a um grande esforço no momento do choque, não se quebrou a porção do cabo ligada ao trem inferior, que separou-se dele por ter-se partido uma haste de ferro de 45 milímetros de diâmetro, que fica colocada debaixo do carro de freio e recebe o cabo em uma de suas extremidades.

Observei ainda que no lugar da ruptura mostrava a haste ter resistido a um esforço de torção, e que o segundo carro de freio ficou também em posição um pouco oblíqua em relação aos trilhos e inteiramente fora destes.

Este fato prova que o cabo, não obstante estar servindo há cerca de 3 anos nos trabalhos de construção dos planos inclinados, oferecia ainda geralmente bastante resistência, e só pôde se romper no trecho que há mais de um mês trabalha debaixo das terras e pedras desabadas no patamar n. 1.

Convém notar que esta porção do cabo tinha sofrido ontem de manhã uma avaria considerável: rompera-se um dos toros de que se compõe o cabo, e a parte quebrada foi arregaçada ao passar sobre as roldanas de transmissão ou nas golas da roda da máquina, ficando os seis fios que formam o toro ouriçados em volta do cabo, o que provavelmente produziu a ruptura de outros fios, e por consequência maior enfraquecimento do todo.

Para não interromper por muito tempo o serviço de reparação do aterro n. 12, mandara o chefe de tração fazer um conserto provisório no cabo até que se pudesse fazer uma emenda melhor; e pouco depois das duas horas da tarde continuou o trabalho.

O cabo rompeu-se na porção mergulhada nas terras desmoronadas no patamar n. 1 e no lugar proximamente em que já tinha sofrido avaria. O acidente deu-se com o primeiro trem que descia depois do conserto, e quando os vagões já se achavam cerca de 40 metros acima do ponto em que descarrilou o carro do freio.

Eu chegava justamente alguns momentos depois à raiz da serra de volta de uma inspeção nas obras da 1ª seção.

Fiz imediatamente levar o homem ferido para Santos na máquina em que eu tinha vindo, e recomendei que da estação o conduzissem à casa da Misericórdia daquela cidade.

Dos exames a que logo depois procedi na parte quebrada do cabo e no lugar do acidente, e das informações que colhi em relação ao fato, cheguei ao conhecimento do que acabo de referir a v. excia.

Julgo conveniente declarar aqui que este cabo, assim como os dois do 2º e 3º planos, que são os que têm constantemente trabalhado nas obras de construção da estrada, deviam ser e serão substituídos antes da abertura da linha por outros três novos que já estão depositados na raiz da serra há alguns dias, e que ainda não foram empregados para não serem estragados nos trabalhos atuais de reparação dos cortes e aterros.

E recordo-me mesmo de já ter verbalmente dito a v. excia. que eu declarara positivamente ao engenheiro residente da companhia que considerava a substituição destes três cabos uma das condições indispensáveis para a abertura da linha.

Os novos cabos são do mesmo diâmetro do que foi colocado há cerca de oito meses no 4º plano inclinado, isto é, mais fortes do que os outros, como informei em meu relatório do mês de outubro último.

É quanto sobre o ocorrido ontem no 1º plano inclinado da serra cabe-me levar ao conhecimento de v. excia.

Deus guarde a v. excia. - Ilmo e exmo. sr. desembargador José Tavares Bastos, digníssimo presidente da província etc. etc. etc. - O engenheiro fiscal, Francisco Pereira Passos.

Na sua edição de 5 de abril de 1868 (ano III/nº 790), o jornal paulistano Diario de S. Paulo reproduziu um abaixo-assinado contra a S. Paulo Railway, em sua primeira página (acervo do Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 23/5/2013 - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da página 1 do Diário de São Paulo de 5/4/1868

Diario de S. Paulo

O abaixo assinado, que adiante publicamos, mostra o desconceito em que tem caído a administração da estrada de ferro desta província.

Temos reclamado providências, temos denunciado fatos que revelam o maior desleixo e pouco caso que se faz do nosso público; e tudo tem sido em vão, porque esta companhia constituiu-se um verdadeiro Estado no Estado.

Dizem que a diretoria de Londres não tem meios para melhorar o estado atual das coisas. Não dispondo, presentemente, nem de crédito nem de capitais, não pode aumentar o trem rodante e realizar os melhoramentos necessários para o bom e regular movimento da estrada.

Se assim é, cumpre ao governo tomar as providências que julgar acertadas para tirar-nos de semelhantes embaraços, que terão de continuar por muito tempo, porque dificilmente a diretoria encontrará recursos que a salvem de tão difícil situação.

Não nos parece aceitável o inquérito proposto no abaixo assinado como meio de solver as dificuldades.

Os fatos de que se trata têm sido confessados pelos agentes da companhia, nesta província, e pela própria diretoria, em Londres. A sua causa já é conhecida; ela está consignada em documentos oficiais há mais de um ano. Para que, pois, o inquérito?

Se o governo não tem força para chamar a companhia ao cumprimento de suas obrigações, o inquérito serviria apenas para patentear fatos que ninguém ignora, continuando as coisas no status quo.

Voltaremos a este assunto:

A companhia da estrada de ferro de S. Paulo

Senhor.

Os abaixo assinados, proprietários e negociantes, residentes nesta capital, chamam a atenção do governo para a marcha irregular da diretoria da nossa estrada de ferro. Parece incrível que uma companhia, que tem merecido do Estado e da província os mais largos favores, barateie por tal modo o cumprimento dos seus deveres, que tenha dado lugar à crença de que ela não preenche, na letra do art. 295 § 3º do código do comércio, o intento e fim social.

Não pensam os abaixo assinados que a companhia tenha assim chegado à crise de sua dissolução; mas tantos são os fatos que revelam a incúria da diretoria na gestão do seu mandato, que, senão no interesse do comércio e do público em geral, ao menos no da garantia de juros prometida ao capital da companhia, deve o governo proceder a um inquérito severo sobre os desvios apontados da administração da estrada de ferro, e tomar as providências que o caso exigir. Entre outros, denunciamos os seguintes:

1º. A estrada de ferro de S. Paulo está e sempre esteve sem vagões suficientes para o tráfego, e sem locomotivas que bastem para metade, ao menos, do serviço. As poucas, que existem, não são apropriadas para esta via férrea, em razão das curvas de certo raio; o que tem ocasionado desmanches frequentes e consertos repetidos das rodas das locomotivas, e portanto deficiência ainda maior do trem rodante da estrada.

2º. Não tem breaks, que acompanhem os trens. Estas utilíssimas máquinas são substituídas por trancas de pau, de cujo emprego há resultado desastres.

3º. As estações da estrada, à exceção da de Santos, são de tal acanhamento que ninguém dirá que foram construídas para o mister a que são destinadas. Não há quem não tenha presenciado o fato de ficarem cargas expostas por dois dias ao tempo, até que haja possibilidade de serem recolhidas aos armazéns!

4º. Na entrega das cargas reina completa desordem. Os negociantes recebem os conhecimentos das suas cargas, procuram logo por elas, e as não encontram por dois e três dias.

5º. A companhia recebeu a estrada de seu empreiteiro cmo pronta para o tráfego há mais de um ano; obrigando ao público a pagar generoso prêmio, pelo avanço do tempo estipulado do contrato primitivo - 1º de janeiro de 1868 - e entretanto, 15 anos depois, ainda não tem o material rodante preciso para o serviço!!!

6º. No intuito de lucrarem-se os fretes de Jundiaí a S. Paulo, a companhia demora a condução para Santos das cargas que são remetidas para S. Paulo por outras vias, que a estrada de ferro, quando é do seu dever carregar em qualquer estação, sem preferência para os carregamentos que têm de percorrer toda a linha.

Temos informações de que o digno sr. Aubertin, superintendente da companhia, e o engenheiro residente o sr. Fox, funcionários de reconhecido zelo, têm feito à diretoria enérgicas reclamações por essas e outras faltas, que os vexam, colocando-os em posição desvantajosa para com todos que entretêm relações de comércio com a empresa da via férrea. Tais solicitações, porém, quebram-se como ondas frágeis, ante a granítica impassibilidade do engenheiro em chefe, o sr. Brunlees, que por acreditar-se perante a companhia, ou com a boa fé que provém da ignorância dos fatos, taxa de exageradas as reclamações destes distintos cavalheiros.

É sabido que os engenheiros fiscais hão levado ao conhecimento do governo fatos que demonstram a incúria da companhia, ou então, sintoma não menos grave, a deficiência de meios em que está para desempenhar seus encargos.

Qualquer que seja a origem do mal, cumpre que o governo trate de remediá-lo. Interesses importantíssimos abalam-se com este estado de coisas. A lavoura e o comércio da província não podem olhar com indiferença para o descrédito em que vai caindo a empresa da via férrea, sobre que tantas esperanças nutria; muito mais quando semelhante abatimento resulta do desleixo da companhia, ou, quem sabe, da pouca referência com que somos tratados.

S. Paulo, 30 de março de 1868.

(Seguem-se as assinaturas).


Parte oficial

Relatório da presidência

Acidentes

No dia 19 de janeiro do ano findo quebrou-se o cabo de tração no 1º plano inclinado da serra, e os três vagões de materiais, que estavam presos no mesmo, foram de encontro ao 2º trem de contrapeso, ficando por isso gravemente ferido o guarda-freio, e muito estragados 2 vagões de lastro e 2 carros de freios-tenazes.

A 6 de fevereiro, um trem que descia o 4º plano inclinado passou sobre as pernas de um trabalhador que deixou ficar na linha quando o trem se aproximava, não obstante seus companheiros de trabalho terem se retirado.

Transportou-se imediatamente o ferido em um trem especial para esta cidade, onde foi recolhido à casa de misericórdia, falecendo no dia seguinte.

Consta que esse trabalhador era surdo, e por isso não ouviu o rodar do trem; e como [n]os comboios da serra, o carro de freios-tenazes fica sempre na parte superior do respectivo comboio para receber o cabo no aparelho especial em que se gradua a sua altura acima do nível dos trilhos, não pôde o guarda-freio ver o homem no meio da linha, para fazer parar o trem que descia.

No dia 25 do mesmo mês de fevereiro descarrilou a máquina do trem de passageiros em um desvio do alto da serra, onde foi tomar água depois de ter deixado o trem, resultando apenas disto uma demora de hora e meia na viagem do dito trem que voltou de tarde.

O comboio de passageiros de 21 de maio, que partira de Jundiaí às 7 horas da manhã, teve de retroceder à estação de S. Bernardo, quando estava entre esta e a do Rio Grande, em consequência de uma pequena avaria que sofreu a locomotiva em um dos cilindros. Em virtude desse acontecimento, chegou o trem ao alto da serra com cerca de uma hora de atraso.

Nesse mesmo dia, e em 31 de maio, houve nas linhas de desencontro do 1º plano inclinado da serra descarrilamento do carro de freios-tenazes e do vagão contíguo.

Quando no dia 7 de junho chegava do alto da serra à estação de S. Paulo o trem de mercadorias, caiu o foguista de uma das duas locomotivas que rebocavam o trem, e ficou gravemente ferido, por ter-lhe passado sobre um braço a 2ª locomotiva. O ferido foi logo recolhido à casa da misericórdia, onde em pouco tempo se restabeleceu.

A 12 de outubro um trabalhador que achava-se na 1ª seção, assentado sobre a linha, foi esmagado pelo trem de mercadorias de 1 hora. Conduzido para Santos o corpo desse infeliz, procedeu-se a corpo de delito.

Estando este trabalhador em uma curva, o maquinista não pôde vê-lo de distância tal que, fechando o regulador e apertando o freio, conseguisse evitar tão funesto acontecimento.

Por negligência de um chefe de turma de trabalhadores, o trem de passageiros, que no dia 23 de novembro ia para Santos, descarrilou a 4 quilômetros aquém da estação de S. Bernardo, o que fez que ficasse um passageiro levemente contuso, e se estragassem dois carros.

Ainda por negligência de um empregado da companhia, houve no alto da serra, em 6 de dezembro, um encontro do trem de mercadorias que ia para Santos, com alguns vagões que estavam na linha.

A fratura da perna de um homem estranho ao serviço da estrada, que se achava deitado dentro de um vagão, e o estrago deste, foi o resultado de tal negligência.

No dia 15 do dito mês descarrilou um trem de mercadorias no alto da serra, por causa do mau estado em que então se achavam ali as agulhas; o que demorou a partida do trem de passageiros.

Tendo no dia 27 o guarda-agulhas na serra dado inconveniente direção a um trem de mercadorias que descia, saiu da roldana o cabo de tração, sendo por isso demitido esse empregado.l

É para notar que de todos os empregados por cujo desleixo ou descuido ocorreram acidentes, só fosse punido aquele último, que, por um engano, deu ocasião ao acontecimento menos grave.

Contra tais ocorrências, e para que elas não se repitam, tem o engenheiro fiscal reclamado ao superintendente, e esta presidência mandou já e mandará proceder criminalmente contra quem de direito deva ser responsabilizado pelas ofensas aos indivíduos e à propriedade que de tais acidentes têm resultado ou resultarem.

Tais são as informações que a respeito da estrada de ferro de Santos a Jundiaí trouxe a meu conhecimento o engenheiro fiscal, o sr. bacharel Firmo José de Mello, cujo zelo, aptidão e honestidade merecem neste lugar honrosa menção. A escolha do governo imperial tem sido plenamente justificada, porquanto quer em relação aos interesses fiscais, quer quanto à segurança e perfeição das obras, quer enfim quanto a emendar erros inveterados, e que parecem ter sido essenciais, quer na construção quer na direção desta estrada, este engenheiro tem sabido, com prudência, energia e plena compreensão de seus deveres, satisfazer sua espinhosa missão.

Não posso também deixar de mencionar aqui o nome do honrado superintendente da estrada, o sr. J. J. Aubertin. Sempre razoável, não deixou ele ainda de dar satisfação às exigências que por parte do governo lhe têm sido dirigidas, uma vez que possa, pelos poderes que lhe foram confiados, providenciar.

É para lamentar, porém, que a diretoria da companhia tenha regulado o serviço de seus empregados aqui, de modo a não poder ser exercida direção central, suprema e franca, acontecendo disso que os diversos ramos do serviço quase que são independentes uns dos outros, e sem a uniformidade de ação, aliás indispensável especialmente em negócio desta ordem, e para melhor fiscalização pelos poderes públicos, primeiros inspetores da estrada para mais segurança da garantia de juros de que goza a companhia.

Escuso falar-vos dos erros notáveis de começo na direção, sistema e custo enorme da estrada: é isto já de vosso conhecimento, não pode ter remédio eficaz.

Contentemo-nos, pois, com melhorar o futuro.

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