VIDA URBANA - RÁDIO CLUBE, ARES DE INTERIOR EM PLENO LITORAL - À noite, após o trabalho,
vizinhos se encontram nas calçadas na frente de suas casas para bater papo. Nas ruas tranqüilas, as crianças podem brincar à vontade. Esse cenário
de cidade do interior pode ser encontrado no Rádio Clube, um dos bairros de Santos. A vida no local melhorou nas últimas décadas, mas alguns
problemas persistem
Imagem: reprodução parcial da primeira página de A
Tribuna de 1/3/2010
TEMPOS DIFERENTES
Rádio Clube, jeitão de interior
Hoje, vivem no bairro mais de 20 mil pessoas. A infra-estrutura é melhor do
que há duas décadas
César Miranda
Da Redação
Na boca da noite, quando o calor não é mais
sufocante e o horário de trabalho findou, se multiplicam as cadeiras nas calçadas em frente das casas.
Enquanto vê o corre-corre da meninada, lá estão a dona da casa ou o trabalhador desfrutando a
refrescante brisa que não é a mesma que entra pelas janelas.
De camisa aberta ou cabelo solto, na prosa com o vizinho, não faltam o lamento e a alegria, o
sonho e a saudade, as queixas e a exaltação às coisas boas do bairro. Nas pacatas calçadas do Jardim Rádio Clube, depois das 18 horas, quase nada
lembra que o bairro fica numa cidade praiana.
O lugar
preserva um clima característico de município do interior. A cordialidade faz parte da convivência de boa parte dos moradores, mesmo quando se
vêem à distância. Por ali, é rara a expressão carrancuda de quem vive em prédios e não reconhece o vizinho no elevador.
Quando a noite adentra, não sobra viv'alma nas ruas do bairro com pouco mais de 20 mil
habitantes. O silêncio é apenas quebrado por latidos de cães querendo espantar os gatos que andam nos muros.
O Rádio Clube é um dos 12 bairros da Zona Noroeste e tem esse nome devido à instalação da antena
de transmissão da Rádio Clube, em 1926, a primeira emissora do Litoral Paulista. Naquela época, não morava quase ninguém por aquelas bandas onde
era um grande manguezal.
Lampião e chafariz - De fato, a ocupação começou em 1950, atraindo principalmente
baianos, sergipanos, pernambucanos, paraibanos e outros nordestinos que vieram tentar a sorte na Cidade ou em
Cubatão. Naquele tempo, infra-estrutura não havia no bairro. Faltava tudo: água, esgoto, pavimentação, energia elétrica e transporte coletivo.
Quem descia do bonde na Avenida Nossa Senhora de Fátima, e precisava
ir para onde é hoje a Praça Jerônimo La Terza, tinha que dar uma boa caminhada. Dependendo do horário, andava por quase três quilômetros no breu.
Apenas lampiões asseguravam alguma claridade.
No começo, era tudo sacrificante. Para buscar água numa bica que fica no sopé do
Morro do Ilhéu era necessário rolar o tambor ou carregar balde na cabeça por cerca de um quilômetro. "Lembro que meu
pai falava que sempre ia em turma para aliviar a caminhada que era pesada", contou a autônoma Sandra Maria Santana.
O alento da comunidade foi a criação de um chafariz, em 1961, nas proximidades das ruas José
Roberto Silveira e Mongaguá. Esse foi o terceiro pedido da associação de moradores, constituída em 1958, à empresa responsável pelo fornecimento
de água naquela época.
Hoje, os tempos são outros. As melhorias ocorridas nas últimas duas décadas refletem na
qualidade de vida dos moradores. "Tem quase tudo perto por aqui. Só faltava a praia, mas não tenho do que reclamar", diz Inácio Alves Paixão, 50
anos, há 20 no bairro.
Embora seja um bairro residencial, o comércio vem crescendo em algumas ruas, com as lojas de
roupas, salões de beleza, entre outros.
E não fica por aí. Na área da Educação, os moradores contam com três unidades municipais:
João Walter Sampaio Smolka, Hilda D'Onófrio Papa e João Ignácio de Souza, que atendem alunos de educação infantil e
fundamental. Há também entidades conveniadas, como as creches Cantinho da Criança, Mundo Novo e Santo Antônio.
Na Saúde, o bairro tem uma Unidade Básica de Saúde (UBS), que oferece serviços de clínica
médica, pediatria, ginecologia, odontologia etc. A unidade realiza cerca de 2.200 consultas por mês.
Além disso, o bairro também conta o Centro de Valorização da Criança (CVC), os centros
comunitários São José e Vila Gilda e o Cras (Centro de Referência de Assistência Social). Outro destaque é o Centro da Juventude, inaugurado em
2006 e que atende a mais de 400 jovens em cursos, oficinas de artes, cultura e informática.
No bairro com clima de interior, a cordialidade faz parte da convivência de boa parte dos
moradores, mesmo quando se vêem à distância
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada
com a matéria
Comunidade espera por melhorias
A criação de novas creches é necessária no bairro, diz o presidente da Sociedade de
Melhoramentos do Jardim Rádio Clube, Manoel Constantino. No bairro, há duas públicas e outras duas particulares. Segundo Constantino, elas atendem
cerca de 700 crianças. "Sempre recebemos pedidos de mães que dizem não encontrar vagas nas existentes", comentou Constantino.
Além dessa reivindicação, os moradores querem maior fiscalização para o descarte irregular de
lixo nas esquinas do bairro. Dependendo do dia, são montanhas de resíduos domiciliares misturados com móveis quebrados.
A Sociedade de Melhoramentos vem fazendo um trabalho de conscientização junto à população para
acabar com a prática. "É um trabalho de formiguinha, mas estamos alertando a comunidade para o risco de atrair baratas e ratos".
O sonho da moradia própria é também outro desejo de quem mora no Dique da Vila Gilda, Caminhos
São José e São Sebastião, áreas carentes do bairro, ocupadas irregularmente.
É o caso da vendedora de chup-chup Ana Maria da Silva, 61 anos, que vive com o marido há
27 em um barraco no mangue no Caminho São Sebastião. A renda do casal não passa de R$ 650,00.
Com total falta de infra-estrutura no local, ela conta que em dias de forte calor o cheiro do
lugar é insuportável. "Não é só o odor. É um perigo também viver ali. No ano passado, caíram cinco barracos depois que a maré subiu".
Cadastrada no programa de moradias da Prefeitura, a baiana espera ser chamada para ter espaço na
Vila Pelé 2. No ano passado, foram entregues 80 apartamentos do conjunto habitacional, de um total de 480 unidades, construídas pela
Cohab-Santista. Segundo a Prefeitura, as obras deverão ainda ser concluídas no primeiro semestre deste ano.
Expectativa |
"Sempre recebemos pedidos de mães que dizem não encontrar vagas nas (creches)
existentes" |
Manoel Constantino, presidente da SM |
"Quero sair da palafita e ter um lugar melhor para viver com meu marido" |
Ana Maria da Silva, vendedora de chup-chup |
PERSONAGEM - José Carlos Mariotto - 65 anos
Conhece os freqüentadores mais
assíduos de sua farmácia pelo nome. Inclusive, reconhece-os até pela voz. Isso acontece freqüentemente quando o cliente chega ao balcão e começa a
fazer perguntas a quem está ali para atender. Aliás, esse tipo de negócio tem freguês, não cliente.
No ramo, Mariotto é um dos pioneiros
na Avenida Álvaro Guimarães. Chegou em 1983. Neste tempo todo, já atendeu avó, filha e neta. Na farmácia, ele passa cerca de 12 horas por dia.
Para todos, tem sempre uma palavra afetuosa. Há quem vai apenas à farmácia bater papo. Não tem problema. Para acomodar a visita, um banco de
madeira - móvel raro em qualquer outra farmácia. Antes da instalação de seu negócio, ele teve outra farmácia na Rua Senador Feijó. Não se
arrependeu de trocar o ponto comercial. "Aqui, é muito bom ", resume
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada
com a matéria
População: 19.350 (Fonte: IBGE/2000). Zona Eleitoral, 118; Número de seções, 32; Eleitores,
15.613 (Fonte (TRE/2000). Estabelecimentos de ensino: 7. Equipamentos municipais, 2 (Saúde) e 5 (Ação Social). Área: 928.886 m² (Fonte SIG-Santos).
125 campos da Vila Belmiro aproximadamente é o tamanho do bairro, que tem esse nome devido à instalação da antena de
transmissão da Rádio Clube, em 1926.
CURIOSIDADES: O loteamento da área
surgiu no início da década de 50, quando o proprietário José Alberto de Luca decidiu vendê-la em lotes. Os limites territoriais da área foram
estabelecidos em 1968, através da lei nº 3.529. A norma desvinculou o bairro do Areia Branca e do
[N.E.: SIC]. O bairro também ganhou um
dos primeiros conjuntos residenciais da cidade, o Costa e Silva, com 636 casas populares construídas na década de 60 e o
Dale Coutinho, por volta de 1980.
Imagem: Arte de Alex Ponciano, publicada
com a matéria
Av. Álvaro Guimarães, pólo comercial
Antigamente, para fazer compras em supermercado ou ir até o dentista, o morador do Rádio Clube
precisava se deslocar até outro bairro. Atualmente, a situação é diferente.
Considerada importante via do bairro, a Avenida Vereador Álvaro Guimarães vem consolidando sua
vocação de pólo comercial desde o seu alargamento e reurbanização. Ao longo da via já são mais de 65 comércios, dividindo o muro com algumas
residências.
Lá estão localizados farmácias, supermercados, lojas de roupas, pizzarias, casas de material de
construção, além de uma base da Polícia Militar.
Esse cenário não tem nada a ver com o que o aposentado José Felipe Néris, de 73 anos, viu quando
veio morar na avenida, em 1968. Era comum a meninada diariamente jogar bola e taco, aos domingos, sem ter que parar para um veículo passar.
"Por muitos anos, todas as travessas da avenida não eram asfaltadas. Não tinha nem ônibus neste
pedaço. Não era moleza", diz o sergipano, que saiu aos 17 anos, de Boquim, terra da laranja, para ganhar a vida em Santos, até se aposentar como
motorista de ônibus.
"Infelizmente, a maioria da vizinhança morreu ou se mudou. Ficaram os filhos e netos que ainda
preservam a boa convivência. Há muito respeito. Não tenho do que reclamar".
Segundo os moradores, o excesso de carros na via já vem resultando em desrespeito ao trânsito.
Eles defendem a instalação de radar para amenizar os abusos de velocidade que acontecem a qualquer hora do dia.
José Felipe Néris é do tempo em que as travessas não eram asfaltadas
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada
com a matéria |