Vender camarão vivo, uma opção para Pedro e Emílio
Em frente às águas, só cinco pescadores
As casas ficam bem pertinho da água, voltadas para ela. Mas,
ao contrário do que se poderia imaginar, Monte Cabrão não é um núcleo onde só vivem pescadores.
Foi-se o tempo em que a população se ocupava quase que exclusivamente da pesca. Hoje, dá para se contar nos
dedos de uma só mão o número de pescadores: cinco. E, ainda assim, quando a pescaria fica fraca ou passa dias chovendo, alguns desses pescadores
não têm outra alternativa se não se aventurar a fazer alguns bicos por aí.
O Canal de Bertioga não é mais o mesmo. Não existe mais aquela fartura de robalo, pescada, tainha e parati. Por
isso mesmo, os poucos pescadores preferem pescar camarão para ser vendido vivo, como isca, para o pessoal de São Paulo.
Tomando seu conhaque e ajeitando cuidadosamente o bigode após cada golada, Pedro, filho e pescador e pescador
ele próprio desde moleque, conta coisas da profissão. Revela dados que demonstram a experiência acumulada em muitos anos de lida diária com o sal
do mar.
Só de olhar a água sabe se está boa para pescaria ou não. E na hora em que se vê na canoa, remo na mão, não tem
o que errar: segue para o Poço da Cecília, Poço do Coelho ou Poço do Caraú. São esses os melhores pontos para pescaria, e nenhum deles fica muito
distante. Melhor que não sejam muito longe mesmo, pois apenas o pescador Rosário dispõe de barco a motor. Os demais se utilizam de barcos a remo e
repetem tradicionais métodos de pescaria artesanal. Engodo, tarrafa, viveiros, são palavras que fazem parte do dia-a-dia deles.
Segundo diz o Pedro, no tempo do camarão, quando o crustáceo se espalha em grande quantidade pelas águas, os
pescadores não conseguem mais do que Cr$ 8,00 ou Cr$ 10,00 por unidade. Quando ele desaparece, a unidade pode valer até Cr$ 50,00.
Logo se deduz que, de de todo jeito, os pescadores têm que se virar um bocado para conseguir um bom trocado. No
tempo da fartura, todo mundo vira pescador de camarão e quem sobrevive às custas da pesca ganha um mundo de concorrente. Na escassez, horas e mais
horas de trabalho, tarrafa na mão, podem dar em nada.
Outro detalhe: para se manter uma boa clientela de compradores de isca viva, nunca se pode deixar ninguém na
mão. Por isso, o Pedro já se viu obrigado, ele próprio, a comprar camarão. Compra e revende. Se der sorte, levanta um bom dinheiro; se der azar,
tira só o que investiu ou ainda sai perdendo. É a vida?
Manter os camarões vivos, uma condição para se ganhar bem - "Coitado do
pescador. Ganha um dia, no outro não. É assim", comenta seu Emílio. Até há um tempo atrás, ele ainda saía à procura dos chamados peixes
nobres. Mas, lhe roubaram a chata e não restou outra alternativa se não voltar para a pesca do camarão. Na quarta-feira, dia 2, ficou três horas
no mar para pescar apenas 150 unidades.
Vender camarão vivo, uma opção para Pedro e Emílio
"Cobrir
um santo para descobrir outro não adianta", diz seu Emílio, lembrando que acharam de roubar logo a sua chata, o seu ganha-pão. A pesca do
camarão é sempre uma incerteza: para atingir um preço razoável de venda, o crustáceo deve ser mantido vivo e, se a água estiver muito poluída,
lodosa, só sobrevive nos viveiros uns dois dias. No máximo, no máximo, quatro dias. Se não aparecer comprador nesse espaço de tempo, o camarão
morre e não vale mais nada para os pescadores. Vira lixo.
Outro detalhe: pode ser mais vantajoso pescar na tranqüilidade da noite, mas a fumaça do lampião acaba com a
saúde de qualquer um. Seu Emílio explica: "Depois de uma noite inteira cheirando aquela fumaça de lampião, o sujeito parece um defunto.
Maltrata muito o peão. No outro dia, nem tem fome para comer".
Apesar da vida que leva (que é a vida nada fácil de tantos outros pescadores, que sobrevivem praticamente sem
nenhum apoio governamental), seu Emíio não perde o bom humor e nem sente medo de enfrentar os tempos difíceis. Diz, com firmeza: "Sou pau
para toda obra, encaro o que vier..."
Um artista nato que não tem para quem vender seus trabalhos - Por essas e por outras, fica fácil entender
porque as famílias de Monte Cabrão moram em frente ao mar, mas não sobrevivem graças a ele. Os homens preferiram outras ocupações: trabalham no
porto, na Cosipa, em construções civis. Isso, mesmo quando poderiam garantir a manutenção da família de outra forma, como é o caso do artista
Salomão.
Ele confecciona peças artesanais com massapê, resíduos de gesso e madeira, e é considerado pelo folclorista
Albino Luís Caldas um excelente artesão. Mas, infelizmente, não vive de sua arte: é operador de ponte rolante, na Cosipa.
"Por certo teria, junto com sua família, uma vida bem mais confortável se os dirigentes de Santos prestigiassem
o valor de nossa gente simples", diz o professor Albino, que mantém, na Casa do Folclore, três peças da autoria de Salomão, "que mostram trabalhos
folclóricos, brotados do coração de quem os fez".
Como não tem para quem vender os seus trabalhos, Salomão Eusébio Duarte, mineiro de 33 anos, os executa
esporadicamente. Apenas quando sente uma motivação muito forte, quando sente o desejo de criar. Poderia ser diferente se obtivesse apoio das
autoridades e dispusesse de um local - uma Casa do Artesanato, como defende Albino Caldas - para comercializar sua arte.
Há muitos barcos por todos os lados,
mas poucos pescadores - as embarcações pertencem a gente de fora
Moradores pagam aluguel dos terrenos. E reclamam
Por incrível que pareça, os moradores de Monte Cabrão não
são proprietários das terras onde vivem, mas apenas das benfeitorias que introduziram. Pagam aluguel pelos terrenos e, segundo denunciam, os
critérios para fixar a taxa não levam em conta a área ocupada, e sim os rendimentos da família. Assim, o comerciante Durval, que além de ter um
bar, mantém uma garagem para barcos, paga Cr$ 70 mil mensais por uma área de 200 metros quadrados.
Segundo afirmam os moradores, César Keiffer e seu filho Frederico são os proprietários de Monte Cabrão. Recebem
os pagamentos por meio de um procurador, em Santos, e raramente visitam o lugar. Mais: apesar de cobrarem aluguéis que atingem quantias bem altas,
nunca promoveram nenhuma benfeitoria.
O pessoal já cansou de reivindicar a venda dos terrenos que ocupam - a família de Raquel Mesquita Ferreta está
no local há cerca de 100 anos - mas parece muito mais lucrativo para os donos manterem o sistema de aluguel. Chegaram a falar em fazer negócios
certa vez, mas nunca levaram a idéia adiante.
Se os proprietários das terras não promovem nenhuma melhoria, a Prefeitura muito menos. A estradinha de acesso,
de cerca de 700 metros, a partir da Piaçagüera-Guarujá, foi aberta pelos próprios moradores, que cansaram de esperar providências, e decidiram pôr
mãos às obras. Agora, quem se dispõe a asfaltá-la?
Não param aí as reivindicações de Monte Cabrão. A instalação de um telefone público se destaca como um outro
grande sonho. O pessoal fez abaixo-assinados, procurou a Telesp, mas não conseguiu seu intento.
E o que vem deixando todo mundo louco é o preço da condução. Os moradores têm como única alternativa os
coletivos que servem Cubatão, e cuja tarifa está fixada em Cr$ 150,00. Supondo-se que o trabalhador ou estudante precise tomar duas conduções por
dia, lá se vão Cr$ 300,00. Quatro conduções diárias já elevam os gastos para Cr$ 600,00. No final do mês, lá se foram CR$ 9 ou Cr$ 18 mil,
respectivamente. No segundo caso, a quantia quase corresponde a um salário mínimo...
Mais: os coletivos não circulam depois de 23h30. Ou seja, ninguém pode ir ao cinema em sessões de 22 horas ou
ficar com os amigos até um pouco mais tarde. No melhor da festa...
Táxi, nem pensar ou só mesmo em caso de muita urgência. Os taxistas aceitam ir a Monte Cabrão na base da
corrida: não cobram o valor fixado no taxímetro, mas a quantia que lhes convém. Assim, para um percurso de não mais do que Cr$ 400,00, os
moradores pagam Cr$ 1.500,00, Cr$ 2 mil.
Fora isso, Monte Cabrão não dispõe de posto médico, farmácia, padaria ou igreja. E, se possui ao menos uma
escolinha, isso se deve à Codesp, que mantém uma para atender os filhos da famílias que cuidam das torres de transmissão, que levam energia de
Itatinga para o porto. Se não fosse isso...
As crianças brincam na beira da água, gozam de ar puro e de muito sossego
|