Antes da abertura da Piaçagüera-Guarujá, ficava praticamente isolado:
só se podia chegar pelas águas ou atravessando áreas de mangue
Chegam as estradas e energia, mas muitos se vão
"Hoje tem estrada, mas não tem morador". Dona Raquel
pronuncia a frase e aponta os locais onde, em outros tempos, havia moradias. "Ali uma, adiante outra", vai dizendo e relembrando a época em que
Monte Cabrão ficava isolado do mundo, sem outra forma de acesso a não ser pelas águas do canal.
Ninguém melhor do que dona Raquel para contar coisas sobre o passado do lugar: seus avós, Guilhermina e Jacó
Jensen, foram os pioneiros naquela encosta de morro. Chegaram quando tudo não passava de um imenso matagal a ser desbravado; começaram a dar vida
àquela faixa de terra entre as águas e o morro propriamente dito.
Não se amedrontaram diante do trabalho que teriam pela frente. Plantaram cana, montaram um alambique, compraram
cavalos. Ajeitaram um sítio bonito como ele só, coisa de gente dedicada e disposta. E, quando deram por si, já dividiam as terras de Monte Cabrão
com outras famílias, principalmente de pescadores, que chegaram aos poucos.
Quando dona Raquel nasceu, muitas dessas famílias ainda estavam por lá. Partiram, porém, aos poucos, como
chegaram, à medida que os peixes desapareciam e levavam com isso a razão da existência do núcleo. Mas dona Raquel resistiu e ficou, a exemplo da
mãe, dona Joana, que também nasceu em Monte Cabrão e morreu lá, aos 70 anos de idade.
"Antigamente até as mulheres e crianças tiravam marisco, mas acabou o trabalho. A poluição acabou com tudo", diz
dona Raquel, que aos 10 anos de idade já andava às voltas com a água salgada, o sol forte, a pescaria.
Era preciso trabalhar, ajudar a mãe que ficou sozinha, cheia de filhos para criar. Nunca se esquece da figura
daquela mulher valente, cortando lenha de mangue. O material tinha dupla utilidade: a madeira era vendida para pensões e padarias que
tinham forno a lenha, e a casca, vendida aos pescadores, que com ela tingiam suas redes. Isso no tempo em que não se usava rede de náilon e as de
algodão precisavam ser tingidas para não apodrecerem.
Dona Raquel, o marido Manoel e as histórias do tempo em que seus avós chegaram ao lugar
Famílias partem, mas o time de futebol, um grande orgulho, resiste - Se o núcleo já levava uma vida dura,
de muito trabalho, tudo piorava em casos de doença. Numa emergência qualquer, não havia outra alternativa, senão remar meia hora até o posto de
assistência médica mais próximo, o da Base Aérea. Com um barco a motor, o percurso pode ser cumprido em não mais que 10 minutos, mas as lanchas da
antiga Cia. Docas, que serviam às populações ribeirinhas, passavam poucas vezes por dia e em horários não muito certos. Esperar por elas? Nem
pensar.
Não foi à toa que muita gente não coube em si de alegria quando surgiram os primeiros comentários de que
passaria uma estrada - a Piaçagüera-Guarujá - bem pertinho. Não só essa estrada tornou-se realidade como uma outra, a Rodovia Rio-Santos, que
termina pegado a Monte Cabrão. Mais: o núcleo ganhou energia elétrica e as mulheres puderam dispensar de vez os ferros a carvão e as televisões
que funcionavam a bateria.
Apesar disso tudo, o lugar ostenta praticamente metade das famílias de outros tempos. Sabe como é: o mar não
está mais para peixe como antigamente. E as facilidades e divertimentos do chamado mundo moderno passaram a exercer um atrativo cada vez maior
para os jovens. Assim, Monte Cabrão foi se esvaziando e hoje lá vivem cerca de 100 pessoas.
Se tem algo que nunca parece se acabar em Monte Cabrão é o amor pelo seu time de futebol, o Novo Horizonte.
Volta e meia os craques de Monte Cabrão são convidados para jogar em outras cidades. Outras vezes, recepcionaram times desse estado afora. Certa
ocasião, uma turma de Ribeirão Preto foi recebida com uma sirizada para ninguém botar defeito. Eram nada menos que 41 dúzias de siris. Todo mundo
ficou torto de tanto comer!
Pescaria, uma distração da criançada
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