Não sobrou campo de futebol no Santa Maria e as crianças não têm outra alternativa,
se não bater bola no asfalto
O lugar anda esquecido, mas é bom de se morar
O assunto é futebol. Os dois velhinhos, sentados na beira do
Canal da Avenida Jovino de Mello, conversam sobre a última partida disputada pelo Santa Isabel. E não vêem a hora de os atletas ocuparem algum
gramado novamente e mostrarem tudo o que sabem.
O Santa Isabel é o único time de várzea que restou no Jardim Santa Maria. Os campos acabaram, não ficou nenhum
para contar a história. Mas o Santa Isabel continua firme, disposto a não deixar o futebol varzeano desaparecer.
Afinal de contas, bater uma bola ainda é algo que todo morador de bairro pode fazer, sem maiores ônus a não ser
uma vidraça quebrada de vez em quando. Se não há campos, o pessoal joga no meio da rua e acaba se esquecendo de reivindicar da Prefeitura os tão
indispensáveis espaços para o lazer.
Quando não chove, em quase todas as ruas do Santa Maria a gente depara com um grupinho fazendo a bola rolar
sobre o asfalto. Lá para os lados da Viriato Correia da Costa, o grupo formado por Marcos, Alexandre I e II, Nílton, Paulo César e Marcelo I e II
faz de tudo para imitar os grandes lances de Sócrates, Serginho, Pita e outros ídolos das torcidas. Rolam, ralam joelhos e costas e nem se
importam com o pé que vai doer bastante no dia seguinte.
Nas tardes de domingo, os craques do Pedras - time coordenado pelo Formiga - ocupam a Praça Maria Coelho Lopes.
A torcida se espalha pela calçada, dá um jeito para sentar no muro da escola e vez ou outra espia a plaqueta que faz as vezes de placar. No mais,
o bairro assiste a interessantes partidas quando o Última Hora desafia o Santa Isabel. Alguém grita: "Vamos jogar contra o Santa Isabel?" E
a rapaziada que está por perto forma um time de última hora.
Pedidos não faltam, mas o lugar anda esquecido e ninguém ouve sua gente - Pois é. Bater uma bola, sentar
na beira dos canais para apreciar o movimento ou simplesmente bater papo debaixo de alguma árvore surge como a principal distração desse bairro
que, apesar de novo, já tem sete mil habitantes. Quase todos os moradores são proprietários e se orgulham das casas construídas com muito
sacrifício no espaço limitado pelas ruas Pedro Paulo di Giovanni, João Wesley e João Francarolli e avenidas Jovino de Mello e Nossa Senhora de
Fátima.
Pena que, ao se formar o bairro, as áreas de lazer tenham sido esquecidas. Praças só há duas, sendo que uma
delas fica bem no meio da Avenida Nossa Senhora de Fátima e nem merece ser chamada como tal. A outra, Maria Coelho Lopes, abriga a EEPG Benevenuto
Madureira e um parquinho de diversão todo quebrado. A Prefeitura não fez a manutenção dos brinquedos e a Zona Noroeste acabou perdendo uma das
poucas áreas de lazer de que dispunha.
Como se não bastasse, o Jardim Santa Maria - e o Noroeste de Santos como um todo - nunca é escolhido na hora de
se realizar alguma promoção cultural ou recreativa. Nem o Papai Noel visita as crianças, que sonham em ver de perto o velhinho de longas barbas
brancas e segredar um pedido bem junto de seu ouvido.
Anda bem esquecido o Santa Maria, pois não há nem varrição de rua, um serviço que deveria estar garantido devido
aos impostos e taxas que a população paga. E vejam a ironia: a fábrica onde a Prodesan compra as vassouras fica lá no bairro.
Se os moradores não cuidam da limpeza, ficam com as ruas sujas. E o aspecto de abandono torna-se tão evidente
como nos canais da Avenida Jovino de Mello e das ruas Alberto de Carvalho e Roberto Molina Cintra. O mato cresce vistoso nas laterais e a água mal
escoa devido à sujeira que se acumula no fundo. Coisa de fazer vergonha a qualquer prefeito.
Lá não há pré-escolas e nem creches, apesar do grande número de crianças. O pessoal já cansou de reivindicar um
posto de correio e mais orelhões e, até agora, nada. Isso para não dizer que o presidente da sociedade de melhoramentos, José Novaes, perdeu as
contas das vezes em que pediu a construção de mais uma passagem sobre o Canal São Jorge, para facilitar o acesso ao vizinho Bairro Jardim Bom
Retiro.
Quem mora depois das ruas Alberto de Carvalho e Roberto Molina Cintra reclama da falta de policiamento, embora o
Santa Maria seja sede do 5º Distrito. E a instalação de uma agência bancária continua sendo um sonho acalentado por toda a Zona Noroeste. Cada vez
que o pessoal precisa pagar uma conta, tem que ir ao Centro e acaba gastando um dinheirão com condução.
Quase não há lotes vagos e ninguém quer se desfazer de suas casas - E por falar em condução, disso o
Santa Maria não pode reclamar, pois é muito bem servido. Além das várias linhas de ônibus que circulam pela Avenida Nossa Senhora de Fátima,
outras três (14, 41 e 49) cruzam as suas ruas. Isso contribui para valorizar ainda mais esse bairro, onde as casas custam em média 11 milhões, e
os poucos lotes desocupados não menos de Cr$ 3 milhões.
Muita gente anda à procura de residências por lá, mas raramente algum proprietário quer se desfazer da sua. O
José Isaías de Oliveira costuma dizer que só vende a sua por Cr$ 200 milhões. Logicamente o imóvel não vale isso, mas ao estabelecer o preço faz
alusão às dificuldades que enfrentou e à fábula que gastou em reforma para escapar das enchentes de outros tempos.
Passadas as grandes dificuldades de seus primeiros anos de existência, o Santa Maria se destaca entre os
melhores lugares da Zona Noroeste. Qualquer um se surpreende diante da beleza de uma rua bem arborizada, como a Ézio Testini, ou ao notar a união
do pessoal que mora na Sizino Patusca, na Viriato Correia da Costa e tantas outras. Por isso, todos andaram muito preocupados quando correram
boatos de que a Rodovia dos Imigrantes cortaria o núcleo, o que não aconteceu.
Há padarias, muitas mercearias, bazares, açougues. Ou seja, um comércio capaz de atender às necessidades do
dia-a-dia. Até os nordestinos ficam bem servidos, porque a Mercearia Feira Nordestina, na Viriato Correia da Costa com Avenida Nossa Senhora de
Fátima, garante a venda de muitos produtos e objetos típicos. Não falta nem o bolo puba, feito com farinha de mandioca.
E é em frente a essa mercearia que está instalado o mais antigo jornaleiro do Santa Maria, o espanhol Ramiro
Perez Bourbon. Entre uma conversa e outra, conta que é primo em 3º grau de Juan Carlos de Bourbon e Bourbon, aquele da família real espanhola.
Vale a pena ouvi-lo relembrar esse fato, sem esconder uma pontinha de orgulho. |