Os atrativos são muitos: cinemas, livrarias, bares, comércio anunciando a última moda
A magia de quem cresce e acata tudo e todos
De repente, alguém solta um palavrão, sai correndo e derruba
meia dúzia de distraídos. Ninguém estranha ou se assusta muito. É fim de semana no Gonzaga e, mais do que nunca, tudo pode e acontece.
Basta observar: pessoas das mais diferentes idades, filosofias, categorias e manias circulam por lá, e talvez
por isso se perceba no ar uma estranha magia. Se numa esquina alguém recebe um elogio, na outra pode ser surpreendido por um desaforo. É o
resultado da variedade: ninguém está livre de nada.
Quando passa uma mulher coberta de jóias, os mendigos, que não são poucos, aproveitam para estender a mão. Altas
horas da madrugada, menores abandonados fazem investidas contra os freqüentadores de bares, pedindo sanduíches. Se não, tentam conseguir um copo
com água e açúcar, e vão dormir na Praça da Independência. Resta a ilusão de que a barriga está cheia.
No Gonzaga, é permitido andar e tocar flauta no meio da rua, sem correr o perigo de ser chamado de louco. Quem
quer mostrar a roupa nova, o corte de cabelo ou a pele bronzeada, vai para lá. Quem pretende se divertir sem pagar nada, também: encosta
displicentemente em um poste (ninguém dirá que isso é feio) e fica só olhando o que acontece à volta. Cuidado apenas com os cachorros, pois há
muitos rondando e deixando para trás as marcas de sua passagem.
Não há melhor lugar para se panfletar, vender jornal independente ou bijuteria e anunciar shows, debates
e bailes. Vale até usar megafone, mas como o som nem sempre é dos melhores, o pessoal prefere aproveitar o potencial vocal. As pessoas da esquerda
(ou pseudo-esquerda, como dizem alguns) estão sempre nos bares anunciando que a proletarização da classe média surge como o grande problema
nacional. Não faltam críticas a ministros e militares, todos ficam na expectativa da reconquista da autonomia.
Jovens não faltam e eles se encarregaram de apelidar o bairro de Gonza - um jeito carinhoso de se referir
a esse lugar que abriga qualquer um, democraticamente. Os rapazes de cabelos parafinados e as meninas de calças justas e botas ficam sentados na
escadaria do Shopping Center. O que menos importa são as lojas lá dentro, coloridas, com vitrinas convidativas. Deixam para visitá-las de dia; à
noite preferem apreciar o movimento, conversar e encontrar alguém para dividir um refrigerante.
O chamado ponto do Gonzaga, numa época em que a avenida não era pavimentada
(imagem de cartão postal da época)
Motos com escapamento aberto infernizam qualquer um. Menos o motorista, que fica satisfeito porque, ao menos por
alguns momentos, vira o centro das atenções. E se a máquina for mesmo possante, não faltarão meninas ao seu redor quando estacionar em
frente ao Café Atlântico. Todos param para exibir suas Hondas, Yamahas e Suzukis ali e, às vezes, junta tanta gente que parece ter havido briga ou
algum problema mais sério.
Não há fim de semana sem movimento no Gonzaga. Também, pudera, os atrativos são muitos: cinemas, galerias,
fliperamas, cafés, livrarias, hotéis de primeira, comércio anunciando a última moda, jogatina e tudo mais que se pode descobrir. E por falar em
descobrir, o João continua exibindo todos os domingos, na Feira do Verde do Posto Independência, o Bonsai, uma árvore que consegue manter com
apenas 60 centímetros! Atenção: não tem preço, porque ele não vende por dinheiro algum.
E por estranho que pareça, o Gonzaga é um lugar de muita gente e de solitários. Depois da meia-noite, o Pop
está assim, cheio de gente só. São pessoas que bebem muita cerveja, estão sempre com as feições contraídas, tiram cigarros amassados dos bolsos e
recordam velhos sucessos de Lupicínio Rodrigues. A voz não sai muito clara, porque a cabeça fica caída sobre o ombro ou segura pela mão trêmula.
Se alguém quiser bater um papo pode procurar o Hamilton ou o Maurice. o Aluísio prefere ouvir, se mantém calado.
Bernardino Rodrigues, o Cavanhaque, é outro mito do Gonzaga. Nunca se nega a conversar, mas volta e meia retorna ao mesmo assunto e fica
culpando a Igreja por todos os males do mundo.
Vá se entender essa gente do Gonzaga! Ou melhor, vá se entender esse bairro onde já se viram coisas como um
homem nu subir no monumento da Independência e mulheres nuas circularem de motocicleta em torno da praça. E nessa Praça da Independência, onde se
comemora as vitórias do Brasil no futebol, um protesto bem particular de Maurice: noite chuvosa, começou a xingar os irmãos Andradas e intimá-los
a descer lá do alto para ver como está o mundo cá embaixo...
Volta e meia alguém decide banhar-se na fonte: no Gonzaga tudo pode e acontece
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