Uma torre se eleva no canto da praça Azevedo Júnior, em frente ao porto
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No Palácio da Bolsa, a epopéia do café
Pela sua magnificente beleza arquitetural, o antigo palácio da Bolsa Oficial de Café é
um dos mais belos edifícios da cidade. De fato, o monumental edifício que vai da praça Azevedo Júnior até a rua XV de Novembro, ladeado pela Rua
Frei Gaspar, foi construído na chamada época de ouro do café, para servir de sede da Bolsa Oficial de Café, que havia sido criada pela lei nº
1.416, de 14 de julho de 1914, através de proposta apresentada no Congresso Legislativo Estadual pelo deputado João Pedro da Veiga.
A princípio, a Bolsa de Café passou a funcionar num prédio que ficava na esquina das
ruas do Comércio e XV de Novembro, até que, em 1917, foi cogitada a construção de uma sede própria. Tal edifício, de acordo com a influência
recebida de Paris na época, pela aristocracia do mundo cafeeiro que levaria a cabo o empreendimento, deveria ter dignidade, luxo e requinte, bem no
estilo eclético.
Assim é que, uma vez contratada a conceituada Companhia Construtora de Santos, para
realizar a obra, verificou-se o lançamento da Pedra Fundamental do suntuoso palácio no dia 27 de abril de 1920, a cargo do então presidente do
Estado de São Paulo, Altino Arantes, contando ainda com a presença de inúmeras outras autoridades e de altos representantes da praça cafeeira.
Sua construção durou cerca de dois anos e a sua inauguração veio a ocorrer no dia 7 de
setembro de 1922, dentro das comemorações do Centenário da Independência, que foram levadas a efeito na cidade, juntamente com outras inaugurações
como a estátua do padre Bartolomeu de Gusmão, no antigo Largo do Rosário (depois
Praça Rui Barbosa) e o monumento dos Andradas, na Praça da Independência.
Cabe observar que foi grande o número de pessoas que afluiu à Rua XV de Novembro,
esquina da Rua Frei Gaspar, para ver a inauguração e admirar a grandiosa obra, cuja solenidade teve lugar no amplo salão do prédio, onde foi
instalada a mesa de honra, em cujo centro tomou assento o presidente do Estado, Washington Luís Pereira de Souza, ladeado pelo presidente da Bolsa
Oficial de Café, Gabriel Orlando Teixeira Junqueira e do secretário da Fazenda, Rocha Azevedo, além de outros secretários de Estado, autoridades da
cidade, corretores de café, pessoas gradas e representantes de diversas instituições, inclusive da imprensa.
A Bolsa Oficial de Café, em 1922
Foto: cartão postal da Cia. Melhoramentos de Papel e Celulose, distribuído em 2004 em
Santos
O festivo acontecimento foi iniciado pelo presidente da Bolsa, que proferiu um
eloqüente discurso, assim se expressando num determinado trecho: "Sobre esse terreno semi-abandonado, permitiu-me a
expressão, revolvido e cavado bem profundamente pelas picaretas acionadas pelos braços fortes daqueles honrados operários que nos cercam,
levantou-se este belíssimo Palácio que hoje se inaugura, com instalações perfeitas, completas e definitivas de tudo quanto é necessário para o bom
funcionamento da Bolsa Oficial de Café do Estado de São Paulo.
"Bendito povo, sr. presidente e meus senhores, aquele que transformou e continua a
transformar as matas virgens de seus sertões em belíssimos cafezais e esplêndidas vivendas para a grandeza da pátria e conforto de suas famílias.
Beneméritos os seus dirigentes que, com inteligente previsão, organizaram metodicamente a introdução do braço livre para o amplo cultivo de suas
terras.
"Beneméritos têm sido e continuam a ser todos os governos deste modelar Estado da
Federação Brasileira que, com seus estudos e amparo, direta ou indiretamente, o enriqueceram de vias de fácil comunicação para a exportação dos
produtos de sua lavoura, indústria e comércio.
"Beneméritos, meus senhores, são também todos aqueles que, aos primeiros reunidos,
concorreram de uma forma ou de outra para a construção deste suntuosíssimo palácio. Refiro-me, com a alma cheia de afeto, ao comércio de Santos, a
este inteligente, nobre e esforçado comércio de inúmeras tradições. Foi com a pequenina taxa de 20 réis, paga por saca de café vendida a termo, por
esse laborioso comércio, que sobre ruínas e ou destroços de prédios dos tempos coloniais, se edificou, de cimento armado, granito róseo e mármore,
este Palácio, no valor de mais de 5 mil contos de réis. É incontestavelmente uma obra de muito merecimento e de grande valor artístico...".
E mais adiante: "No número desses beneméritos, seja-me
permitido mencionar especialmente os nomes de meus distintos amigos, srs. deputados Azevedo Júnior e dr. Roberto Simonsen. O primeiro, meu antigo
companheiro na diretoria da Associação Comercial de Santos; e o segundo, superintendente da Cia. Construtora, encarregada da construção deste
edifício. Foi com o poderosíssimo concurso destes dois amigos, os quais sempre me acompanharam em diversas viagens a São Paulo, que conseguimos do
Governo do Estado, ordem e apoio para a sua construção, bem como os necessários recursos pecuniários, garantidos com a taxa de 20 réis, contraídos
pelo empréstimo suplementar ao saldo que a Bolsa possuía em Caixa. Eu praticaria, neste momento, um ato de feia ingratidão se não aproveitasse esta
solenidade para fazer uma menção honrosa ao diretor e corpo de engenheiros da Cia. Construtora pelos seus denodados esforços, competência, técnica,
segurança, capricho e beleza artística com que edificaram e emolduraram este Palácio".
"Mas, meus senhores -
acentuou ainda - esta inauguração tem uma significação mais ampla. Não representa apenas a prosperidade material de uma
civilização embrionária, como a de então. A inauguração deste edifício atesta a importância e a prosperidade do primeiro Estado da União, a grandeza
de sua lavoura inteligentemente organizada, de suas bem distribuídas vias de comunicação, de suas indústrias e de seu comércio. Atesta a belíssima
administração do Estado de São Paulo, a alta concepção do poder legislativo do Estado e de seu Governo, regulamentando, organizando e providenciando
os meios para tornar esta instituição útil ao Estado e a todos que se dedicam ao comércio do café. Atesta a sua grande prosperidade e grau de
civilização a que atingiu...".
Após as palavras do orador, o presidente do Estado declarou inaugurada a Bolsa Oficial
de Café e assinou a ata da sessão inaugural do suntuoso palácio, tendo sido registrada a presença das seguintes autoridades ao festivo
acontecimento: Washington Luís Pereira de Souza, presidente do Estado; Álvaro Gomes da Rocha Azevedo, secretário de Estado da Fazenda e do Tesouro;
coronel Joaquim Montenegro, prefeito municipal de Santos; deputado A.S.Azevedo Júnior, João Galeão Carvalhal, Benedito de Moura Ribeiro, Carlos Luiz
Afonseca, Roberto Cochrane Simonsen e inúmeras outras autoridades, representantes do corpo consular, vereadores e convidados.
Pórtico monumental da entrada do palácio pelas ruas Frei Gaspar e XV de Novembro,
com oito colunas e um frontão
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Características do palácio - Segundo descrição da época de sua inauguração, o
monumental edifício da Bolsa Oficial de Café - cuja entrada principal é um prolongamento da Rua XV de Novembro, também é assinalada por um pórtico
dórico romano - destinado a grande parte das transações de café. Possui as seguintes características: hall de conversação logo à entrada, com
um sistema completo de informações comerciais, contidas em quadros apropriados, circundado de dependências indispensáveis, como salas para
correspondência, telefones, correios e telégrafos, vestiário e instalações sanitárias, recebendo luz pelas aberturas da fachada e por um jogo de
vitrôs, que o separa de uma área interior.
À direita do hall de conversação, fica a sala destinada ao funcionamento da
Câmara Sindical de Fundos Públicos e, à esquerda, o grande salão da Bolsa de Café, para a realização das sessões, com o presidente bem visível ao
centro, e onde os corretores instalados podem ver-se mutuamente e receber as ordens dos negociantes que se espalham pela ampla galeria, que envolve
a parte que lhes é reservada. O ambiente do salão é propício ao desenvolvimento e à magnitude dos negócios a serem realizados, sendo que no fundo, à
esquerda, está a sala destinada ao funcionamento da Câmara Sindical dos Corretores de Café, permitindo reuniões com todos os seus membros
comodamente.
No pavimento térreo está localizada ainda a secretaria geral da Bolsa, possuindo
comunicação para o exterior, pela entrada do prédio sob a torre da praça Azevedo Júnior, local de acesso do pessoal e de entrega das amostras do
café. Pelo mesmo pórtico, sob a torre, fica a entrada da Caixa de Liquidação, inclusive das pessoas que procuram o presidente durante o expediente.
Todos os departamentos têm gabinetes sanitários em números suficientes e três escadas e igual número de ascensores dão acesso aos pavimentos
superiores.
Sobre o Salão da Bolsa - correspondente ao pórtico monumental da Rua Frei Gaspar -, no
primeiro andar, está localizada uma galeria que se presta admiravelmente para instalações de um museu comercial, onde também haverá reuniões. O
restante do pavimento foi dividido em salas e salões que se prestam para dependências da Caixa de Liquidação, Câmara Sindical de Fundos Públicos e
para sede de firmas comerciais.
A grande sala de classificação está situada no segundo andar, em local isolado, ligada
à secretaria por um elevador especial, para amostras de café. Quanto ao resto do segundo pavimento, está destinado especialmente para sedes de
firmas e exportadoras, isso devido às clarabóias especiais para a classificação do café.
Projetado especialmente para escritórios de intermediários, o terceiro andar pode
dispor de mais de trinta compartimentos, sendo que a maior parte da fachada desse pavimento está recuada da fachada principal do edifício. Das
fachadas ao terraço, se desfrutam golpes de vista admiráveis sobre a cidade e sobre o porto.
Museu/Bolsa do Café, ano 2000
Foto: Carlos Pimentel Mendes, 11/7/2000
Inspirada
no Renascimento Italiano, a arquitetura exterior da construção está tratada de um modo severo e rico, ao mesmo tempo, com o objetivo de dar ao
edifício todo o caráter da importância que convém a um Templo do Comércio, em uma cidade próspera, cuja potência comercial se impõe cada vez mais
perante todo o mundo.
Uma torre de quarenta metros de altura que, elevada ao canto da Praça Azevedo Júnior e
da Rua Frei Gaspar, em frente ao porto, chama a atenção dos viajantes que demandarem no porto e "afirmará orgulhosamente toda, prosperidade
alcançada pela cultura e pelo comércio de café".
A torre é encimada por um belvedere ornado de quatro gênios, simbolizando a
Indústria, o Comércio, a Lavoura e a Navegação, tendo nas suas quatro faces um grande mostrador, indicando a hora oficial a uma grande parte da
cidade e do porto. Sobre a cúpula, coberta de folhas de cobre, ergue-se um mastro destinado ao hasteamento do Pavilhão Nacional.
Como o campo de vista que oferecem as ruas Frei Gaspar e XV de Novembro é muito
pequeno, o problema foi sanado com a criação do pórtico monumental no ângulo Frei Gaspar e XV de Novembro. De fato, o grandioso pórtico da entrada
da Bolsa chamará a atenção de todos. Construído inteiramente em granito, ornado de oito colunas dóricas e de um entablamento, é encimado por um
frontão flanqueado de duas estátuas deitadas, representando Mercúrio, Deus do Comércio, e Ceres, Deusa da Agricultura, simbolizando a riqueza e a
fecundidade de nossa terra.
A importância do edifício é reafirmada ainda pela presença do peristilo circular à
cúpula de cobre, a cavaleiro da citada entrada e que serve de abrigo coberto aos terraços superiores. Com sua majestosa arquitetura ricamente
característica, na parte central da Rua Frei Gaspar, aparecem arcadas abundantemente decoradas de guirlandas de folhas e grãos de rubiácea,
traduzindo a importância do intenso movimento das transações de café. No frontão, a significação se completa com os atributos ali esculturados,
simbolizando a cultura, a colheita e a venda do precioso produto.
O outrora movimentado Palácio da Bolsa encontra-se atualmente em silêncio, com as suas
portas fechadas, uma vez que, embora tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado
(Condephaat), acabou abandonado e esquecido pelas autoridades. Trata-se de um dos mais belos monumentos arquitetônicos da cidade e que por isso
precisa ser preservado, para que não acabe desmoronando, a exemplo do que vem ocorrendo com outros prédios históricos locais, que são verdadeiras
relíquias do passado.
Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.
O projeto do palácio, conforme foto reproduzida da revista Miscelânea pelo
autor do artigo
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