ROTEIRO DA INSEGURANÇA - 3
Atenção: você vive no lugar mais inseguro do planeta!
(Santos é tão ou mais perigoso do que Cubatão)
Manuel Alves Fernandes e Lane Valiengo
A amônia e o cloro que circulam por nossas ruas podem
matar instantaneamente, por asfixia. O anidrido trimetilico armazenado no nosso Porto provoca bronquite,
pneumonia química, asma e cegueira. o ácido sulfúrico que cai nos nossos reservatórios de água, na Serra, é corrosivo, produz graves queimaduras. O
metil mercúrio depositado no fundo do nosso Estuário, se ingerido (através de pescado), ataca o sistema nervoso central, destruindo-o. Os oleodutos
podem transformar a Cidade numa tocha de proporções fantásticas. O xileno derramado recentemente no mar é facilmente inflamável.
É preciso dizer mais?
A conclusão não poderia ser outra: em termos de risco, Santos é tão ou mais perigosa
do que Cubatão.
A insegurança não é nova: sempre existiram caminhões circulando livremente -
carregando até pólvora - pela Cidade; sempre ocorreram descargas de produtos tóxicos no cais; e desde a instalação do parque industrial de Cubatão,
uma farta variedade de venenos é jogada no Estuário. Vivemos, sem dúvida, na região mais insegura do mundo.
Não é sem razão que o gerente regional da Cetesb, Luís Carlos Lencione Valdez, já
avisou: Santos vive a ponto de explodir. "Se as autoridades não ouvirem o clamor da Baixada Santista, teremos muitas outras tragédias como a da
Vila Socó. Talvez piores. Na hora de explodir, só restará rezar".
A constatção é triste: se em Cubatão existem as indústrias e a maior poluição do
planeta, sua Refinaria e sua Vila Socó, aqui, em Santos, são manipuladas, desembarcadas e armazenadas as matérias-primas para as indústrias, o
produto bruto, com poder de destruição muito maior. E o pior: sem as medidas de segurança que existem, por exemplo, nas multinacionais de Cubatão.
A parte que nos cabe deste latifúndio tecnológico não poderia ser mais explosiva: "Com
todas as porcarias despejadas no Estuário, bastará um cigarro aceso para fazer tudo explodir", constata de forma desolada - e revoltada - o
presidente da Unidade Sindical, Uriel Villas-Boas. A preocupação é tão grande que hoje, no Sindicato dos Metalúgricos, haverá uma reunião para
tratar exatamente da insegurança que ameaça a comunidade, com a participação de sindicatos, entidades e sociedades de melhoramentos. "A coisa é
muito séria", diz Uriel, observando que não adianta nada ficar só reclamando da coqueria da Cosipa: "É preciso criar mecanismos de auto-proteção, a
nível comunitário".
De repente, parece que os riscos estão sendo levados mais a sério. O presidente do
Sindicato dos Estivadores, Jadié Nunes da Mota, esteve em Brasília na semana passada, reivindicando ao Ministério do Trabalho a adoção de medidas
urgentes, na área do Porto, para garantir a segurança dos trabalhadores portuários. O ministro Murilo Macedo, segundo Jadié, prometeu ajudar.
Jadié está querendo a criação de um organismo próprio, uma espécie de Cipa melhorada,
que proteja todos os trabalhadores avulsos, e não só os estivadores, categoria que sofre constantemente casos de intoxicação e queimaduras durante a
descarga de produtos químicos. Sem contar as inúmeras mortes e mutilações já acontecidas. Para mostrar que a situação é crítica, o sindicalista
levou um estudo médico sobre as conseqüências da falta de proteção aos trabalhadores, que continuam operando sem saber quais as cargas manipuladas.
E Jadié faz uma denúncia: os manifestos de carga, contendo a discriminação dos produtos a serem descarregados, não estão chegando ao sindicato.
Outro sindicalista, Elpídio Ribeiro dos Santos FIlho, do Sindicato dos Petroquímicos
de Cubatão, Santos e São Vicente, mostrando-se preocupado com a quantidade de gases venenosos que chegam à região, anuncia para fevereiro o
lançamento do programa O Direito de Saber, com o objetivo de "informar, discutir e dar ao trabalhador condições de saber com qual produto
está lidando, a que riscos está exposto e a que risco a população em geral está submetida". Ao mesmo tempo, Elpídio informa sobre a criação do
Comitê Integrado de Estudos sobre as Condições de Trabalho, acrescentando: "O trabalhador tem o direito de saber, como forma básica para a sua
proteção e para se evitarem tragédias".
E a nível político? Bem, o prefeito Osvaldo Justo se diz
preocupado com o transporte de cargas perigosas quando a responsabilidade de fiscalização e acompanhamento, dentro do Município, é da própria
Prefeitura. os caminhões, porém, continuam rodando tranqüilamente, como recentemente, quando uma carreta carregada de pólvora estacionou num
posto de gasolina e o motorista abandonou a carga ali, sem tomar qualquer cuidado. Simplesmente, o motorista não sabia o produto que
transportava. E, na Câmara, uma comissão especial de vereadores conseguiu reunir-se. O máximo que se conseguiu: marcar uma reunião para tratar do
assunto. Espera-se que a Cidade não desapareça até que os vereadores resolvam discutir a questão de forma séria.
O gerente da Cetesb volta a alertar: existem muitas áreas de estocagem sem as mínimas
condições de segurança com relação a prováveis acidentes ambientais. Além de todos os gases em estado bruto e produtos químicos que passam pelo
Porto, Valdez lembra que, na Alemoa, onde existem 52 tipos de atividades hipoteticamente perigosas, não há nem ao menos
um sistema de drenagem. Quer dizer, se um, apenas um, daqueles grandes tanques na entrada da Cidade começar a vazar, não haverá condição alguma de
escoamento.
E só para lembrar: o mesmo oleoduto da Petrobrás que causou a tragédia da Vila Socó,
matando - oficialmente - uma centena de pessoas, chega até Santos. Com a mesma insegurança.
A questão não é mais criticar a poluição nossa de cada dia ou reclamar cada vez que os
gases das indústrias de Cubatão, trazidos pelo vento noroeste, chegam até nós. A poluição, diante da insegurança, da ameaça de destruição total, é
até secundária, embora deva ser combatida com o mesmo vigor. Agora, trata-se da própria sobrevivência. A crença de que as tragédias nunca acontecem
na nossa casa, só na dos vizinhos, deve dar lugar, imediatamente, à consciência de que progresso algum justifica tanto risco.
E, principalmente, que é preciso evitar que as tragédias aconteçam. Depois que os
gases venenosos, como o isocianato de metila e outros tantos, até mais perigosos e devastadores, começarem a matar, não haverá nada o que fazer. A
não ser, mais uma vez, lamentar a insensatez, o descaso e o desprezo para com toda uma população.
Que, antes de qualquer outra coisa, tem direito à sua vida.
Se ocorrer um vazamento nos tanques da Alemoa, não haverá condições de escoamento:
falta drenagem
Foto: Araquém Alcântara, publicada com a matéria
As áreas de risco
Um estudo da Cetesb aponta cinco principais áreas de risco, sendo a primeira o
Terminal da Alemoa. Ali, segundo o gerente regional da empresa estadual, Luís Carlos Lencione Valdez, além dos oleodutos do Tedep, existem diversas
firmas de tancagem de granéis líquidos e transportadoras. São manipulados, principalmente, derivados de petróleo, "com alto teor inflamável". A
capacidade do terminal é de 1.800.000 metros cúbicos. Os problemas ambientais mais comuns: efluentes líquidos gerados pela lavagem de carretas e
vazamento de tanques.
Além, é claro, dos acidentes ecológicos de grandes proporções, como o ocorrido com a
barcaça Gisela, que despejou mais de 500 toneladas de óleo no estuário e trouxe ainda a ameaça de uma explosão, que fatalmente destruiria o
porto. E a Cidade.
Valdez aponta os seguintes problemas: falta de pavimentação e drenagem, píer obsoleto,
falta de rede de esgoto, vias de acesso sem condições, falta de policiamento e problemas de manutenção.
Segundo a Cetesb, existem na Alemoa 52 tipos de atividades, principalmente empresas de
armazenagem e transporte de cargas perigosas (22), estocagem de granéis líquidos (6), indústrias químicas (4); alimentícias (2), vidraria (uma) e a
usina de asfalto da Prodesan, além de outras 16 empresas menores.
A Ilha Barnabé - que recentemente também esteve ameaçada de
ir pelos ares, com o vazamento de 20 toneladas de xilênio, altamente inflamável, do navio Jacuhy - é outro ponto de alto risco. Ali estão
localizadas a Petrobrás, Brasterminais e a Granel Química. A movimentação de granéis líquidos é intensa, assim como o risco. A capacidade de
tancagem é de 200 mil metros cúbicos.
Foi no dia 28 do mês passado que, por causa de uma falha de operação, o Jacuhy
quase destruiu toda a região. O xilênio é inflamável e bastaria uma fagulha qualquer para provocar o incêndio. Detalhes: próximo, estava ancorado o
navio Itanagé, carregado de explosivos. Alguém lá em cima deve ter resolvido que ainda não era hora de a Baixada Santista desaparecer do
mapa. E só por isso a tragédia foi evitada.
O terminal de cargas sólidas do Saboó é outro ponto indicado pela Cetesb. Ali,
localiza-se a Caeb (empresa que opera com carvão mineral, e que recentemente foi multada pela Cetesb, mesmo estando dentro da área portuária). Além
de o terminal estar próximo a zonas residenciais, há o risco constante de incêndios, sem contar a presença de efluentes líquidos (águas ácidas),
formadas pelo contato da água das chuvas com o carvão, que atingem o estuário.
As outras duas áreas perigosas ficam em Guarujá: o Terminal de Conceiçãozinha (carga e
descarga de contêineres, geralmente desconhecendo-se o tipo de produto transportado) e o terminal da Indústria Dow Química, onde são movimentados
vários produtos. Apesar de a Cetesb destacar a existência de um bom sistema de segurança na Dow, "sempre há um potencial de risco".
Dentro do porto existem mais de 70 empresas operando, com as seguintes
características: armazenagem e transporte (34), estocagem de granéis líquidos (2), químicas (2), pescado (2) e diversas (32). Além disso, na Avenida
Portuária estão localizadas oito de armazenagem e transporte.
Em Santos, São Vicente e Guarujá foram cadastrados 198 tipos de atividades altamente
poluidoras. E isso, apenas em levantamento inicial. No Distrito de Samaritá (São Vicente), por exemplo, é grande a concentração de produtos
perigosos, inclusive armazenagem de explosivos. Os números são suficientes para justificar medidas de segurança - e recursos urgentes, pois o
potencial de risco é até superior ao de Cubatão.
Cubatão cria secretaria
CUBATÃO - Preocupado com a falta de segurança nas instalações industriais da
Cidade, o prefeito José Osvaldo Passarelli determinou ontem estudos para a criação de uma Secretaria de Meio-Ambiente destinada a fiscalizar de
forma permanente a possibilidade de riscos de acidentes ecológicos em Cubatão.
"É preciso - disse ele - dar condições de tranqüilidade à população. Se temos que
conviver com as indústrias, vamos fazê-lo de forma civilizada, como ocorre nos países que têm instalações fabris nas áreas urbanas, cercadas de toda
a segurança".
Na Câmara Municipal, os vereadores Armando Campinas Reis, Manoel Ubirajara Pinheiro
Machado e João Ivaniel França Abreu, todos do PMDB, formaram ontem uma comissão que, sob a presidência do primeiro, vai "verificar o estado de
conservação de todos os dutos que cortam a Cidade".
Todas essas iniciativas foram tomadas diante dos recentes acidentes ocorridos em
Cubatão e em conseqüência da repercussão da série de reportagens publicadas por este jornal sob o título "Roteiro da Insegurança".
O prefeito disse que pedirá ajuda técnico-científica à Secretaria Especial do
Meio-Ambiente (Sema) do Ministério do Interior, para fiscalizar a manipulação de produtos perigosos e inflamáveis na Cidade, assim como o estado de
conservação e as normas de segurança das fábricas locais.
"Agiremos com rigor, a partir da formação desse grupo, em 1985, e faremos tudo para
proteger e dar tranqüilidade à população, nem que para isso seja necessário fechar alguma indústria. Porém, agiremos sempre respaldados na lei e com
orientação de organismos científicos, pois hoje não estamos suficientemente aparelhados para isso", disse o prefeito.
Faltam informações - O prefeito nomeou uma comissão formada pelos engenheiros
Pedro Hildebrando da Silva e Marco Antônio de Stefano e pelo advogado Hubert Nowill para estudar toda a questão jurídica e técnica sobre a
responsabilidade industrial na conservação de instalações e transportes de produtos químicos. Ele acha essa decisão um avanço considerável, pois
quando assumiu o cargo, há dois anos, "não havia na Prefeitura plantas das instalações industriais, nem conhecíamos todos os produtos que se
fabricam".
Atualmente, a Prefeitura tem as plantas de todos os dutos e os projetos de instalações
industriais são submetidos aos engenheiros da Municipalidade, antes da construção.
O vereador Armando Campinas Reis acha que se Cubatão é um município de interesse da
segurança nacional, deveria contar com uma unidade de engenharia especializada em segurança e vigilância permanente de linhas, oleodutos, tanques e
unidades de produção.
"A segurança industrial pode ser jogada fora no momento em que um homem mal treinado
abre a válvula errada e faz funcionar o duto que não devia", lembra ele, a propósito do incêndio na Vila Socó. Reportando-se à série que A
Tribuna vem publicando, o vereador acrescentou: "Quando tudo se transformar numa imensa fogueira, não adiantará chamar os bombeiros.
Verificaremos, com tristeza, que os alertas não eram simples ficção".
Para Campinas, "a tragédia da Vila Socó ainda está bem viva em nossa memória; e bem
recentemente, assistimos temerosos e revoltados a um novo vazamento nos dutos da Petrobrás, e, desta vez, de nafta".
Entre os pontos de maior risco, o vereador aponta a localização da Basan, com dezenas
de tanques e tambores de produtos leves e intermediários. O sistema de diques dessa área é insuficiente para reter qualquer vazamento, e a tubulação
que liga essa unidade à refinaria passa sob a pista da Estrada Cubatão-Guarujá, onde o tráfego pesado é intenso.
Outro risco: a proximidade da fábrica de gasolina de aviação, recentemente construída,
com a área urbana. A comissão começará a vistoriar os dutos ainda este ano. Um dos vereadores, Manoel Ubirajara Pinheiro Machado, conhece bem a
situação, pois trabalhou muitos anos na refinaria como inspetor de equipamentos. |