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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 26


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 214 a 246):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE II - DOCUMENTAÇÂO
VIII - Parecer do dr. F. T. da Silva Telles, diretor das Obras Municipais, apresentado à Prefeitura, sobre os artigos e a planta do dr. F. S. Rodrigues de Brito

Exmo. sr. prefeito municipal.

Ante os artigos, ultimamente publicados no Estado de S. Paulo, pelo muito ilustre engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, sobre a planta de Santos, cabe-me o dever, como engenheiro-chefe da Diretoria de Obras desta Prefeitura, de analisar de um modo positivo, não só os artigos citados, rebatendo as acusações injustas que aí são feitas à ilma. Câmara, como a planta organizada para esta cidade pela Comissão de Saneamento, e também mostrar a atitude que deve assumir a Câmara em relação a essa planta.

É o que procurarei fazer a seguir, de modo a poderdes vós, caso acheis conveniente, esclarecer a respeito a opinião pública.

Claro é que não me deterei em refutar as injuriosas acusações que faz o dr. Brito à Câmara, emprestando-lhe intuitos inconfessáveis ou de exclusiva politiquice como dirigentes de seus atos, pois, melhor que eu, vós e os munícipes em geral, sabeis quão honestas são as intenções da Câmara.

É certo que pode ela errar - errare humanum est - mas nunca o fará para favorecer um interesse estranho ao bem público. Não cabe a mim dizê-lo, mas folgo em o reconhecer, a Câmara de Santos é um reconfortante exemplo de moralidade e honestidade administrativa a ser apontado como rara exceção no Brasil.

Somente à injustificável paixão, que transparece claramente nos artigos em questão, posso atribuir ter o dr. Brito descido do terreno elevado da crítica positiva, em que estou afeito a vê-lo pairar, para o da acusação imerecida e injuriosa.

I - Generalidades

É hoje matéria vencida a vantagem de terem as cidades planos de expansão, em que o seu desenvolvimento esteja previsto de modo a se o ir gradualmente executando.

Entretanto, como um plano de expansão, por mais bem estudado que seja, não pode prever todas as necessidades, todas as tendências futuras (e de um futuro muito remoto) da cidade a que se destine, deve esse plano se limitar a indicar as linhas gerais da cidade em crescimento, determinando aproximadamente a posição dos jardins, a direção conveniente para as ruas principais etc. etc.

É o que muito bem diz ch. Mullford Robinson, autoridade de grande monta na matéria, em seu livro The width & arrangement of streets (pág. 84):

"A experiência tem mostrado que não é difícil projetar sobre o papel uma boa planta de cidade quão assegurar-lhe fiel execução no terreno, durante o grande número de anos em que isto se for fazendo. ESTA FIEL EXECUÇÃO, APRESSO-ME EM DIZÊ-LO, DEVE SE REFERIR APENAS AO VERDADEIRO ESPÍRITO DA PLANTA E NÃO À SUA LETRA. Haverá, seguramente, necessidade de modificações cá e lá. O melhor planejador não pode prever todas as contingências NEM PRETENDER SER INFALÍVEL. A virtude de um plano está, não na certeza de ir ao encontro de todas as necessidades futuras, mas em prever um bom número delas. Haverá sempre, mesmo com um plano, ajustamentos, reajustamentos e adaptações de modo a cingi-la a novas exigências".

É também o que já desde 1874 exprimiu a Associação dos Arquitetos e Engenheiros Alemães reunida em Berlim, com a aprovação do seguinte voto:

"1º - Le but principal d'un plan d'extension de ville est de fixer les lignes générales de communication: routes, tramways, canaux, qui doivent être prévus d'une manière systématique et avec um certain développement.

"2º - Ce plan ne doit prévoir tout d'abord que les artères principales (en tenant compte autant que possible des voies existantes) et les chemins de moindre importance qui sont détérminés par les circonstances locales. Le partage subséquent du terrain peut être, selon les besoins, entrepris à bref délai par les administrations ou abandonné á l'activitée privée". (v. Camillo Sitte, L'Art de bâtir les villes, pág. 144). (N.E.: francês: "O principal objetivo de um plano de expansão de cidade são as linhas gerais de comunicação: estradas, linhas de bondes, canais, o que deve ser previsto de uma forma sistemática e com um certo desenvolvimento. Este plano deve prever, antes de tudo, as principais artérias (levando em conta, sempre que possível, as rotas já existentes) e os caminhos secundários, que são determinados pelas circunstâncias locais. A partilha posterior dos terrenos pode ser, conforme o caso, prontamente assumida pelos governos ou abandonada à atividade privada").

E Stübben, a grande sumidade na ciência de projetar cidades, assim se exprime: (Der Städtebau, pág. 312):

"É inútil e MESMO NOCIVO, estabelecer de antemão a totalidade da rede de ruas nas zonas compreendidas entre as linhas principais do projeto de expansão, pois podem-se criar embaraços a um desenvolvimento cujas necessidades não se conhecem. Assim, por exemplo, pela divisão prévia AO ACASO, DO TERRENO EM QUARTEIRÕES REGULARES, pode-se impedir a criação de grandes propriedades, ou mesmo opor-se a uma vantajosa divisão por iniciativa particular. Mais prejudicial ainda se torna este prévio detalhamento, quando o plano foi pouco estudado, mal se adaptando já às atuais necessidades".

Estas citações aplicam-se admiravelmente ao caso vertente.

Com efeito, a planta feita pela Comissão de Saneamento é um meticuloso projeto de desenvolvimento que POR FORMA ALGUMA deve ser modificada, como bem se depreende dos artigos do dr. Brito, que, pois, se julga infalível. De fato, lemos em A planta de Santos (Estado, 20-IV-914):

"...venho explicando desde 1905 a ação orgânica e progressista que a C. de Saneamento adotou com a aprovação do Estado de S. Paulo e com os aplausos em Santos, para projetar e executar os seus trabalhos como elementos componentes do plano geral esboçado naquele ano e submetido à Câmara em 1910, a ver se lhe ocorria alguma alteração de detalhe, SIMPLESMENTE DE DETALHE, pois para mais falta-lhe competência".

Ora, modificações de detalhe a serem feitas imediatamente (pois o dr. Brito admira-se de já as não ter todas feito a Câmara) nada adiantariam e não poderiam deixar de ser insignificantes, como, por exemplo, o alargamento de uma ou outra rua, e tanto importa dizer que a planta não pode absolutamente ser alterada.

Evidencia-se ainda essa pretensão de infalibilidade do seu projeto pelo fato de ter a Comissão de Saneamento assentado marcos, assinalando no terreno a planta que organizou (e, seja dito de passagem, nem sempre com a desejável exatidão...)

Uma planta nestas condições não pode ser aprovada pela Câmara, pois, mesmo que fosse perfeita para o momento atual, seria a Câmara obrigada, pelas necessidades ora não previstas, a remodelá-la cada dia, e, não lhe sendo isto lícito - como quer o dr. Brito - seriamente embaraçaria a planta ao desenvolvimento da cidade.

II - Competência da Comissão de Saneamento e da Câmara para projetar a cidade

a) COMPETÊNCIA PROFISSIONAL

Caso fosse exato o que diz o dr. Brito (Estado, 20-IV-14): "...esse outro agente ou poder assume a competência para projetar, por obrigação técnica, os arruamentos necessários à previsão, isto é, para organizar o plano geral da cidade...", deveria o dr. Brito se lembrar do que dizem os mestres sobre os projetos de cidades por corporações administrativas, e pedir ao governo, uma vez pronta a planta detalhada do que era a cidade no momento, e indicadas as propriedades particulares, que encarregasse um especialista de projetar o plano de expansão em suas linhas gerais.

Com efeito, C. Sitte, comentando o voto dos arquitetos alemães a que já me referi, diz, pág. 155:

"Ainsi compris, ce vote a une véritable importance, car il affirme l'impossibilité d'atteindre un bon résultat avec le seul concours des administrations. Pourquoi ne pas faire exécuter aussi des plans de cathédrales, ne pas faire peindre des tableaux historiques ou composer des symphonies par voie administrative? ce serait tout aussi judicieux. Parce que précisement une oeuvre d'art ne saurait être créée par des comités ou des bureaux, mais seulement par un individu. Un plan de ville qui devrait produire un effet artistique, est aussi une oeuvre d'art et non un simple acte de voirie." (N.E.: francês: "Assim entendida, a votação teve uma grande importância, porque afirma a impossibilidade de se conseguir um bom resultado apenas com o concurso do governo. Por quê não se faz executar assim os planos de catedrais, nem se faz pintar quadros históricos ou compor as sinfonias pela via administrativa? Seria igualmente adequado. Precisamente porque uma obra de arte não pode ser criada por comitês ou nos gabinetes, mas apenas por um indivíduo. Um plano de cidade que deva produzir um efeito artístico é também uma obra de arte e não um simples ato físico").

É também o que se vê à pág. 94 da obra já citada de ch. M. Robinson: "Um dos princípios que desejo especialmente frisar, é que a organização de um plano de expansão de cidade não é matéria de que se possa, levianamente, encarregar um grupo qualquer de indivíduos sem prática ou uma comissão oficial já encarregada de outra missão importante".

Vai este tópico a calhar ao caso vertente.

Dirá o dr. Brito que ele só organizou o projeto.

Nesse caso, ainda errou s.s., pois não lhe cabia atribuir-se ele mesmo competência técnica e artística em matéria na qual nunca deu provas de seu valor (a menos que se assim considere o delicioso projeto do novo arrabalde por s.s. delineado para Vitória). Faltou, é claro, ao dr. Brito, a precisa modéstia para dizer ao Governo, lembrando-se de que "la construction d'une ville est une oeuvre difficile" (N.E.: francês: "A construção de uma cidade é uma obra complexa") (Sitte, pág. 156): Trata-se de uma questão momentosa, os serviços de topografia estão terminados, peço, pois, ao Governo, convidar um especialista, um Stübben, um Henrici, um Bouvard, um Mawason..., ou mesmo um arquiteto de nomeada, para, de acordo comigo, que conheço bem a cidade, organizar da melhor forma o plano de expansão necessário para Santos.

Não proceder por esta forma importa em querer s.s. impor à Câmara, abusando do grande nome que tem como engenheiro sanitário, como a melhor, como a única, nem sequer passível de discussão, uma planta de expansão - ou melhor, um meticuloso projeto de desenvolvimento - muito suscetível de justa crítica.

Vêde, pois, sr. prefeito, que nem a Comissão de Saneamento, nem o dr. Brito, se deviam atribuir competência profissional para a árdua tarefa de projetar o desenvolvimento de Santos.

Examinemos a questão de

b) COMPETÊNCIA DE DIREITO.

Farta-se o dr. Brito de dizer que, por se ter o Estado encarregado da execução das obras municipais afetas à C. de Saneamento, ipso facto  (N.E.: latim: "de fato"), assumiu esta a competência para projetar o desenvolvimento desta cidade, ficando à Câmara apenas o direito - e esse, sem dúvida, por condescendência do dr. Brito - de apontar pequeninas modificações, absolutamente insignificantes, pois essas modificações, conforme se depreende dos artigos do dr. Brito, deveriam ter sido apresentadas IMEDIATAMENTE à C. de Saneamento.

É incontestável que a organização de um projeto de esgotos é muito facilitada pelo conhecimento absoluto do que será a cidade. É porém possível fazê-lo sem que seja minuciosamente projetado o desenvolvimento da cidade.

E, no caso de Santos, se há dificuldades extraordinárias a vencer por sua excessiva planura, apresentam-se, em compensação, facilidades de projeto correlativas, como por exemplo o não haver talvegues (N.E.: do alemão Thalweg, significando "caminho do vale", é a linha variável ao longo do tempo, encontrada no meio da parte mais profunda de um rio, de onde a corrente é mais rápida. Também é usado como referência quando se trata de fixar a linha de fronteira sobre um curso de água) a respeitar, ou declives excessivos a evitar etc.; além do que, existindo zonas perfeitamente definidas, não habitadas e não arruadas, fácil será, em qualquer tempo, ligar, por um ou dois pontos previamente determinados, à rede geral de esgotos a dessa zona, qualquer que seja o arruamento aí adotado.

Essas zonas não arruadas entrariam para o cômputo da rede geral apenas com a sua área, isto é, com a quantidade de efluente presumível, calculada por metro corrente de rua, sendo que o comprimento total das ruas de uma zona pode ser avaliado, com bastante aproximação, em relação à área da dita zona.

Bastaria assim, quando muito, estudar certos coletores principais, para cuja proteção não hesitaria a Câmara em abrir as ruas que fossem necessárias - como o fará para o coletor Rebouças.

Mas nunca, chamo a vossa atenção para este ponto, o construir esgotos implica em projetar previamente a cidade nas suas menores minudências, indicando TODAS as suas ruas, mesmo as do mais remoto futuro. Afirmar o contrário é um absurdo quase tão grande quanto dizer que assume competência para projetar o desenvolvimento da cidade o concessionário do abastecimento de água ou ainda a empresa fornecedora de energia elétrica...

Inaudito seria que o governo do Estado, tomando a si os serviços de esgotos e drenagem de Santos, por ter reconhecido serem para tal insuficientes as rendas dessa cidade, e trazer o seu saneamento inestimáveis vantagens ao Estado - se achasse com o direito de intervir diretamente na administração municipal, impondo-lhe uma planta de expansão que nem aos seus esgotos traz vantagens e que grandes inconvenientes acarreta ao município! E isto tão somente para satisfazer o dr. Brito!

Se uma boa planta de expansão de cidade deve obedecer a certas regras de estética e higiene que são gerais - e é a razão da supervisão exercida pelo poder central, a que se refere o dr. Brito (Estado, 20-IV-914), pois este pode dispor de especialistas no assunto -, é claro que deve ela, em primeiro lugar, obedecer a interesses puramente locais, desconhecidos do poder central. Eis porque as plantas dessa natureza são SEMPRE organizadas, mesmo em país autocrático como a Alemanha, pela municipalidade. Não pôde o dr. Brito citar um só caso em que essas plantas são impostas pelo rei.

A este respeito citarei apenas, corroborando o que venho dizendo, um tópico do artigo que tão bem soube citar o dr. Brito (Estado, 30-IV-14), o qual está publicado na Technique Sanitaire, de março último.

Trata-se da aprovação da planta de expansão da cidade de Turim, submetida pela municipalidade ao governo central para que este decrete a utilidade pública sobre todos os terrenos necessários à execução do plano; nesse ínterim, proprietários que se julgam lesados pela aprovação do plano recorrem à autoridade superior, que "lorsqu'elle reçoit un recours par la voie non hiérarchique (isto é, através da municipalidade) elle le communique immédiatement à la municipalité pour que celle-ci prenne éventuellement des décisions(N.E.: francês: "quando ele recebe um apelo pela via não hierárquica... deve notificar imediatamente a municipalidade para que ela possa eventualmente tomar decisões").

Por aí vedes bem que, mesmo no caso especial citado pelo dr. Brito, o governo geral acha conveniente não intervir diretamente nos negócios do município.

E é razoável que se proceda por esta forma, pois é natural que as municipalidades conheçam melhor que o governo central as disposições favoráveis a dar às ruas e praças em relação às correntes de tráfego, aos ventos, às direções de terrenos etc. É sobretudo natural que a municipalidade, a quem competem as despesas de desapropriação para abertura de ruas, praças, jardins, possa examinar a questão sob o ponto de vista pecuniário, e não seja forçada a adotar o primeiro plano que lhe apresentem.

Sendo estas verdades admitidas sem contestação para a Europa, muito mais razão têm de sê-lo em Santos, onde as rendas municipais são ínfimas relativamente à sua área, comparadas com as das municipalidades européias, notando-se mais que as leis na Europa muito favorecem o poder público, e que o governo geral teria ali oportunidade de apresentar à municipalidade um plano organizado por notabilidades no assunto.

Estou certo de que o governo do Estado não adota o modo de pensar do dr. Brito, que acima venho rebatendo, e cuja causa está patente no seguinte tópico (Estado, 20-IV-14): "... menos ainda, poderia prever a dificuldade em se compreender a vantagem de não hesitar sobre a aceitação do plano...". Isto é, em outras palavras: o plano do dr. Brito deve ser aceito, é o melhor possível, é o único, e é natural que o seja, pois é o plano do dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito!

É, como vedes, a imensurável vaidade do dr. Brito, que o cega, fazendo-lhe achar DELINQÜENTE a Câmara por não ter aprovado a sua planta.

Penso ter claramente demonstrado não ter a Comissão de Saneamento o direito de planejar o desenvolvimento desta cidade à sua guisa, não se tratando, pois, de um caso de intervenção do governo estadual; e que por forma alguma perdeu a Câmara a sua autonomia nesta questão, podendo, segundo julgar conveniente para os interesses do município, adotar, modificar ou rejeitar completamente a planta organizada pela dita Comissão.

Examinemos agora o plano de desenvolvimento de Santos, por que tanto se bate o dr. Brito.

III - A planta de desenvolvimento de Santos organizada pela Comissão de Saneamento

Antes de mais nada, devo dizer-vos que não falo "pro domo mea". Não tenho a pretensão de querer vos fazer supor que sou capaz de projetar uma planta para Santos melhor que a do dr. Brito.

Procuro apenas, com a dose de bom senso que creio possuir (e que, segundo já o disse Descartes, me parece suficiente), e com o conhecimento técnico que tenho do assunto, através dos bons autores e de algumas observações pelo Velho Mundo - fazer a crítica positiva da planta organizada pelo dr. Brito, apontando-vos suas qualidades e defeitos.

a) ESTUDO DA PLANTA

Oferecida, a 30 de dezembro de 1910, a Planta à Câmara, cabia a esta o dever de estudá-la cuidadosa e lentamente, de modo a poder aceitá-la, modificá-la ou rejeitá-la, com perfeito conhecimento da causa. E a Câmara, limitando-se a agradecer a oferta, por ofício de seu então presidente, dr. Moura Ribeiro, SEM NUNCA SE TER COMPROMETIDO A APROVAR o plano organizado sponte sua (N.E.: latim: por sua própria vontade) pela C. de Saneamento, deu mostra de alta sabedoria e prudência.

Muito me admira desconhecer o dr. Brito que um exame dessa natureza é forçosamente lento, mostrando-se pasmo por não ter até hoje - passados apenas três anos - a Câmara aprovado ou reprovado a planta.

Com efeito, como poderia a Câmara propor modificações imediatas a uma planta sem conhecer exatamente as suas relações com o terreno? Muito sensata, pelo contrário, tem sido sua atitude, aprovando petit à petit (N.E.: francês: pouco a pouco) ou modificando certas disposições da planta, à medida que as conhece bem; e isto para atender à maior facilidade e economia no traçado das ruas, para obter um efeito estético descurado na planta, para apropriar a um fim outro que um minúsculo jardinete, um terreno triangular etc. etc.

Como exemplo típico, cito o seguinte fato: a Rua 184 da planta Brito, no trecho entre a Avenida C. Nébias e o Canal II, corta, como está projetada, terrenos de três proprietários; sua desapropriação custaria ao menos 50:000$000. Estudando de perto a questão, resolveu a Câmara deslocá-la, paralelamente a seu eixo, de vinte e dois metros; ficou melhorada a distribuição dos quarteirões, melhorou a estética da rua por não mais se prolongar indefinidamente e a desapropriação ficou reduzida a zero, pela cessão gratuita dos terrenos necessários á sua abertura.

Será a ações desta natureza que o dr. Brito denomina "desperdiçar os dinheiros públicos em interesses particulares ou em politiquices"?

Bem podeis por aí avaliar quão complexa é a questão de se adotar um arruamento, que depende do conhecimento detalhado do terreno e do cadastro da propriedade particular.

É, pois, o seu estudo forçosamente demorado.

Todavia, apesar de não completamente concluído o estudo de Santos sobre o terreno, vos posso desde já dar sucintamente o meu parecer sobre a planta do dr. Brito.

b) A PLANTA EM SUAS LINHAS GERAIS.

À primeira vista choca, no exame dessa planta, a preocupação do xadrez, das longas ruas retas, intermináveis quase. De espaço a espaço, uma rua diagonal a aumentar o número dos resíduos triangulares, defeito característico dos planos retangulares.

Não se encontra um jardim fechado dando uma impressão de sossego e calma - falta tanto mais sensível quanto, devido à sua excessiva planura, a impressão dominante aqui é a de desagasalho e aridez. - Não se encontra uma rua curva, raras são as que têm o horizonte limitado, geralmente prolongam-se ao infinito; quando é evidente que, faltando a Santos acidentes naturais em elevação, é indispensável criá-los em planta - é frisante exemplo a grandiosa cidade de Berlim.

Chocam tanto mais estes fatos, que o dr. Brito, no ofício em que oferece esta planta à Câmara, farta-se de citar Camillo Sitte.

Ora, é Sitte, o criador da arte de construir cidades, justamente quem mostrou as vantagens das ruas curvas, em que o golpe de vista é limitado a cada momento e a beleza das construções laterais é realçada; quem se bate contra as plantas em xadrez e os seus horrendos resíduos triangulares; quem se insurge contra a simetria que só aparece em planta (como a da zona da Ponta da Praia na planta do dr. Brito); contra as ruas intermináveis, dando o desejo a quem as percorre de lhes alcançar logo o inatingível final; é ainda Sitte que protesta contra os "patés de maisons", que tanto verbera o dr. Brito, e de que, por inexplicável contradição, infestou a sua planta.

Muito deve o dr. Brito meditar no seguinte tópico do seu ofício de 30-XII-910, acompanhando a "planta" (vid. Relat. C. Saneam., 1910, pág. 4): "Consulte-se a obra de Camillo Sitte - L'Art de bâtir les villes - e proveitosos ensinamentos colherão os que hajam de fazer projetos e os faladores que se comprazem de criticar projetos alheios, olhando para a planta, destituídos de imaginação, para a concepção do que sobre esta planta se deve levantar no terreno..."

Ora, pergunto: por que não leu o dr. Brito a obra de Camillo Sitte antes de elaborar sua planta?

Com efeito, teria visto que: "C'est précisément dans la manière de disposer les villes que l'art a plus que partout ailleurs, son influence à exercer; car son action éducatrice se fait sentir à chaque instant sur l'âme du peuple, et n'est pas comme par exemple les concerts et les spéctacles, réservée aux classes aisées de la nation. Il serait done à souhaiter que les pouvoirs publics accordent à l'esthétique de la rue tout l'importance qu'elle mérite". (Sitte, op. cit., págs. 141, 142). (N.E.: francês: "é precisamente na maneira de dispor as cidades que a arte tem, mais do que em qualquer outro lugar, sua influência a exercer, porque sua ação educativa se faz sentir a cada momento sobre a alma do povo, e não por tais como por exemplo os concertos e espetáculos, reservados às classes superiores da nação. É de se esperar, portanto, que os poderes públicos concedam à estética da rua toda a importância que ela merece.")

E, ainda que tornando artística a cidade "...croîtrait l'affluence des étrangers, argument propre à convaincre les esprits les plus intéressés". (Sitte, p. 157). (N.E.: francês: "...aumentaria o afluxo de estrangeiros, um argumento próprio para convencer as mentes mais interessadas").

Assim não se preocuparia o dr. Brito exclusivamente com o bom estabelecimento de sua rede de esgotos.

Ainda em Sitte, teria o dr. Brito visto que: "Il est cependant fâcheux d'abuser de la ligne droite dans le dessin des voies de communication. Une allée, dont la direction ne change pas pendant des kilomètres, fatigue le voyageur, mêhe (N.E.: SIC: seria même) si la contrée qu'elle traverse est splendide. Par sa rectitude inflexible, elle contraste avec la nature, elle ne s'adapte pas aux multiples inegalités du terrain; elle est si uniforme qu'on n'a qu'un désir, c'est d'arriver rapidement à son extrémité. Une rue trop longue fait le même effet." (Sitte, pág. 129). (N.E.: francês: "É lamentável, entretanto, a utilização abusiva da linha reta na concepção das estradas. A via cuja direção não muda a direção após quilômetros, fatiga o viajante, mesmo que a região que ele atravesse seja esplêndida. Por sua retidão inflexível, ela contrasta com a natureza, ela não se ajusta às múltiplas irregularidades do terreno, é tão uniforme que o desejo é apenas de se chegar rapidamente ao fim. Uma rua muito longa tem o mesmo efeito").

Entretanto, não se cansou o dr. Brito de traçar ruas intermináveis em bairros inteiramente virgens de construções e ruas.

Vê-se adiante, Sitte, pág. 133: "Le caractère fondamental des villes anciennes consiste dans la limitation des espaces et des impressions. Les constructeurs modernes ont au contraire la tendence à découper le terrain en blocs isolé: mason (N.E.: SIC: seria maison), place, jardin, toujours entourés d'une rue. De lá vient la puissance de l'habitude qui nous force de placer tout les monuments au centre d'un espace vide. L'absurdité est ainsi logiquement systématisée. L'idéal de cette méthode pourrait être défini: une tendance à obtenir un maximum de façades; ainsi nous apparait clairement la raison d'être du système moderne des patés de maisons isolés." (N.E.: francês: "O caráter fundamental das antigas cidades consiste na limitação dos espaços e das impressões. Os modernos construtores têm ao contrário a tendência de dividir a terra em blocos isolados: casa, praça, jardim, sempre cercados por uma rua. Daí a força do hábito que nos obriga a colocar todos os monumentos no centro de um espaço vazio. O absurdo é assim logicamente sistematizado. O ideal deste método poderia ser definido: uma tendência a obter um máximo de fachadas, assim nos aparece claramente a lógica do sistema moderno de casas isoladas").

Pecou, pois, o dr. Brito, aplicando o sistema do cubo de casas em todas as zonas novas onde poderia facilmente deixar de fazê-lo.

Ainda de Sitte é a seguinte condenação aos jardinetes triangulares, tão lautamente distribuídos na planta do dr. Brito (pág. 51): "Dans les villes modernes, les irrégularités de plan n'ont pas de succés, car elles sont créées artificiellement à l'aide de la règle. Ce sont le plus souvent des places triangulaires, résidu fatal d'un parcellement en damier. Celles-ci font le plus souvent mauvais effet; l'oeuil  (N.E.: SIC: seria l'oeil) ne peut se faire illusion, car il voit toujour les intersections heurtées des lignes de maisons." (N.E.: francês: "Nas cidades modernas, as irregularidades do plano não têm sucesso, porque são criadas artificialmente, usando a régua. Eles são mais freqüentemente espaços triangulares, resíduo fatal de um parcelamento em xadrez. Geralmente têm um efeito doentio, o olho não pode ser enganado, porque vê sempre o cruzamento encontrado nas linhas de casas").

E além das discordâncias mencionadas e outras muitas entre a planta e os princípios expostos por Sitte, falta à planta do dr. Brito o PROGRAMA que deve anteceder a todo trabalho dessa natureza. É evidente que não se pode, desde que se tenha em mente preocupações artísticas, planejar uma cidade, ou mesmo um bairro, sem preestabelecer quais os edifícios públicos, qual a natureza das habitações que aí se construirão, escolas, quartéis, fábricas, vilas, casas operárias etc. É o que muito bem diz Sitte, págs. 149 e 150:

"On ne peut commencer le plan de distribuition d'un nouveau quartier (si l'on est guidé par des pré-occupations d'art) qu'après s'être fait une idée de ce qu'il deviendra, de quels bâtiments publics et de quelles places il contiendra. ll faut done faire une sorte de calcul de probalités afin de se rendre compte de la tâche à accomplir.

"Ainsi seulement on pourra composer un plan qui convienne à la figuration du sol et aux circonstances données et qui permette un développement artistique du quartier projeté.

"De l'existence d'un véritable programme dépend done la bonne exécution d'un plan de ville." (N.E.: francês: "Não se pode iniciar o plano de distribuição de um novo bairro (se se é guiado por preocupações artísticas) antes de ter feito uma idéia do que vai acontecer, de que edifícios e espaços públicos ele conterá. É preciso portanto fazer algum cálculo de probabilidades, a fim de realizar a tarefa. Só então podemos compor um plano que convenha à representação da terra e em circunstâncias que permitam um desenvolvimento artístico da área projetada. Da existência de um verdadeiro programa depende, portanto, a boa execução de um plano de cidade").

E à pág. 152:

"La première tâche des concurrents serait done de prévoir des emplacements convenables pur les bâtiments publics nécessaires et de grouper ceux-ci avec art. Il serait en outre judicieux de situer les jardins publics à égale distance les uns des autres et autant que possible à l'écart des rues populeuses et bruyantes." (N.E.: francês: "A primeira tarefa dos concorrentes será prever locais adequados para os edifícios públicos necessários e agrupá-los com arte. Também seria prudente situar os jardins públicos a igual distância uns dos outros e tanto quanto possível longe de ruas populosas e barulhentas").

Onde se vê um estudo desta ordem no plano em questão ou acompanhando-o? Sempre quarteirões da mesma natureza, limitados por vias de largura quase uniforme, a parcelar toda a área disponível para o crescimento da cidade. Não se vê um local apropriado para vilas, com ruas sinuosas e sombrias, não se vê um que se preste a construções operárias com grandes jardins internos; não há uma praça onde se estabeleça convenientemente uma escola, nem mesmo onde se coloque um chafariz ou ainda, um bebedouro para animais...

Já por aí, sr. prefeito, podeis ver quão defeituosa é, em suas linhas gerais, a planta do dr. Brito. Examinando-a em detalhe, vereis que, ao lado de muita idéia a ser adotada e aproveitada, muito há que se modificar.

b) A PARTE VELHA DA CIDADE.

Foi esta parte respeitada, indicando apenas o dr. Brito um ou outro alargamento de rua, já hoje indispensável, e, quase todos, adotados pela Câmara, já estão em vias de execução.

Modificações terão de ser feitas nesta parte fatalmente, mas apenas em remoto futuro e serão muito onerosas; agiu o dr. Brito com prudência aí mantendo o status quo.

c) ARRABALDES JÁ EXISTENTES.

Ao organizar o seu projeto, teve o dr. Brito de contar com os arrabaldes já existentes, arruados mas pouco construídos, denominados Vila Mathias e Vila Macuco.

Quanto à Vila Mathias, é inexplicável a modificação feita pelo dr. Brito ao arruamento já existente, parte em ruas abertas ao trânsito, parte em ruas apenas doadas à Municipalidade. Este arruamento acha-se indicado na planta de Santos que figura no álbum sobre o saneamento desta cidade, organizado por Fuertes em 1895. A planta junto [1], especialmente, mostra claramente quão pouco respeitou o dr. brito o existente, projetando modificações injustificáveis, acarretando grandes despesas para a Câmara.

Com efeito, aí vedes as ruas II e III desviadas, sem razão nenhuma plausível, de normais que eram à Avenida Ana Costa para um ângulo de 87º e 45', o que traz não pequeno prejuízo aos lotes já vendidos e, pois, aos dinheiros públicos; aí vedes as ruas IV, C e D deslocadas paralelamente ao seu eixo; a Rua Carvalho de Mendonça levemente desviada no trecho entre Avenida A. Costa e Canal III; as ruas Industrial e do Sul, de existência já antiga, radicalmente suprimidas etc. etc.

Muito folgaria eu em conhecer o critério que guiou o dr. Brito no projetar esta zona.

A Vila Macuco, felizmente, foi conservada tal qual era, com o seu arruamento em xadrez. Felizmente, digo, porque é melhor conservar o que está feito do que projetar modificações inúteis.

d) LINHAS GERAIS DE DRENAGEM.

As linhas gerais, traçadas no plano da cidade, pela distribuição dos canais de drenagem, o foram da melhor forma. Seria impossível secar Santos sem esses canais, e qualquer modificação trazida ao seu traçado prejudicaria, sem dúvida, a sua eficiência.

As avenidas marginais a estes canais, conjuntamente com as artérias já existentes, constituem as molduras de diversos painéis em que fica dividida a cidade (presente e futura) e dentro dos quais deve ser estudado o arruamento com uma certa independência.

A essas artérias principais e mais uma ou outra indispensável ao projeto de esgotos, deveria se limitar o plano de expansão a ser organizado pela Comissão de Saneamento.

e) AS PARTES NOVAS.

Pecam as partes novas pelo mesmo mal do xadrez a que já me tenho referido.

Assim o Marapé - onde foi, todavia, em local muito conveniente por sua beleza, projetado um parque - podendo ser disposto em garden city (N.E.: inglês: jardim urbano), para que muito se presta, está na planta do dr. Brito dividido em lotes, tanto quanto possível, retangulares. Mas sobretudo, torna-se este mal intolerável na extensa área compreendida entre o Canal IV e a Ponta da Praia, onde domina sempre o regime da régua e do compasso, formando-se ruas intermináveis que dividem o terreno todo em patés de maisons (N.E.: francês: blocos de casas), na plenitude de sua expressão; nem sequer tem o dr. Brito a atenuante do respeito à direção dos terrenos, pois são estes cortados diagonalmente - o que colossalmente dificulta a desapropriação - mais grave ainda aparece o defeito deste arruamento, considerando-se o desprezo do dr. Brito pelas servidões públicas existentes, como por exemplo se dá com o Caminho Velho da Barra, cujo elegante e sinuoso traçado paralelo à praia proporciona o melhor aproveitamento desta (vide planta junto).

Foi tudo abandonado com a preocupação exclusiva de fazer "simetria na planta" e ruas retas cortando-se perfeitamente em ângulos retos.

A supressão do Caminho Velho da Barra e sua substituição pelas ruas 247 e 249, que mal dividem o terreno e formam o absurdo jardim triangular que se vê no cruzamento das ruas 248 e 263 (planta de dr. Brito) - seria um verdadeiro crime.

f) AS GRANDES AVENIDAS.

A respeito da Avenida do Saneamento - que o dr. Brito procura justificar em seu artigo de 24-IV-914 (Estado), tomo a liberdade de aqui reproduzir o seguinte trecho de meu ofício, a vós dirigido em 16-II-914:

"... acho que deve desde já ser resolvido sobre o seu traçado. Trata-se da criação de um grande parque, cuja necessidade já se faz sentir, apesar da grande área não construída que cerca Santos de todos os lados, e que dentro em pouco será absolutamente indispensável à salubridade desta cidade.

"De fato, tem Santos atualmente, somando-se todos os seus jardins, inclusive os do largo do Rosário e o da Usina Terminal do Saneamento, apenas sete hectares de espaços abertos, ou antes, de jardins PÚBLICOS. Ora, considerando-se que uma população de 1.000 habitantes por hectare de parque já é quase exagerada (é a proporção atual de Londres, onde se preocupam os edis em aumentar a extensão dos parques), vemos que em Santos os jardins são absolutamente insuficientes.

"Considerando-se mais, que os jardins são os pulmões das cidades, sendo cabalmente provado que deles depende diretamente a salubridade urbana, pode-se taxar quase de criminosa a municipalidade que não cuide em desenvolver o seu sistema de parques, deixando este encargo às gerações futuras, quando, pelo desenvolvimento da edificação se torna ele muito mais penoso, quiçá inexeqüível.

"Examinando-se a planta organizada para Santos pela Comissão de Saneamento, verifica-se logo que a idéia dominante ao ser projetada a "Avenida do Saneamento", com os seus prolongamentos até a Ponta da Praia, era a de formar um parque contínuo, facultando ao turismo um círculo fechado pelas praias. Esta idéia é boa e deve ser aproveitada.

"De fato, ter-se-á assim um park-system muito logicamente delineado, atravessando a cidade de extremo a extremo - formando uma espécie de Ring-strasse - e ao mesmo tempo cortando a cidade em diagonais, facilitando o trânsito e trazendo bom contingente de ar oxigenado ao centro urbano.

"A continuidade da avenida proporcionará a Santos o desenvolvimento de grande número de diversões ao ar livre, como corridas, corsos, batalhas de flores, que não só contribuem para a saúde pública, como para o engrandecimento da cidade, dando-lhe um caráter próprio de grande atrativo para forasteiros.

"Todavia, apesar das vantagens citadas, apresenta a Avenida do Saneamento, tal qual está projetada, graves inconvenientes, fáceis de sanar entretanto, como mostro a seguir.

"Toda a avenida, desde a Usina Terminal até ao fim da Avenida da Barra, está projetada em trechos retilíneos com a largura uniforme de 120 metros. Torna-se porém patente que esta uniformidade em toda a longa extensão da avenida terá como conseqüência insuportável monotonia. Por outro lado, está a avenida projetada em grande extensão, dividida ao meio pela via férrea da Southern S. Paulo Ry., o que é um erro grave, pois transforma a avenida que deve ser um grandioso parque, em duas avenidas estreitas, sem ligação alguma e de que o efeito estético será indubitavelmente detestável.

"Proponho, pois, que desde já seja a Avenida do Saneamento aprovada desde o seu início próximo à Usina Terminal até à Rua Dr. Cochrane, da seguinte forma:

"1º TRECHO, DA USINA À AV. ANA COSTA.

"Neste trecho, a avenida deve ser construída toda ao lado Sul da via férrea da S.S.P.R., com a largura de 100 a 120 metros, largura que não precisa ser uniforme, formando um parque com cerca de 150.000 metros quadrados. Neste parque, muito arborizado, seriam reservados campos para tênis e outros jogos ao ar livre, e em um outro ponto construiria a Prefeitura - ou permitiria a particulares fazê-lo - prédios elegantes, mediante projetos cuidadosamente elaborados, os quais por sua situação privilegiada ao meio de um parque público seriam fonte de grande renda à Municipalidade, podendo alguns servir de moradia para determinados funcionários municipais, e constituírem mais um motivo de encanto para o parque.

"Neste trecho já possui a Municipalidade, em virtude de seu contrato com a S.S.P.Ry., uma faixa de 7,5 m a cada lado da via férrea.

"Ao Norte da E. de Ferro, não deve a Municipalidade se preocupar com desapropriações: já possui a faixa citada; além disso, os terrenos tendo todos frente para a linha férrea, serão os proprietários obrigados, se quiserem construir, a ceder o terreno necessário para completar a largura da rua, ou sejam ao todo 14 metros (largura suficiente para uma rua só edificada de um lado).

"Neste trecho, os terrenos todos ou quase todos pertencem a um único proprietário. Será fácil, penso, convencê-lo da valorização que trará a esses terrenos a criação do parque descrito e, de qualquer forma, acordar sobre módica e lenta desapropriação.

"2º TRECHO, DA AVENIDA ANA COSTA À RUA DR. COCHRANE.

"Nesta região, já não é o terreno propriedade de um só senhorio, está parcelado: as desapropriações são mais penosas. Por outro lado, não havendo acidente algum do terreno, a pôr em relevo, não há vantagem em se prolongar aí a avenida com a sua largura total, segundo o projeto da C. de Saneamento, pois deste proceder adviriam apenas: monotonia e excesso de despesas.

"Assim, deve aqui ser adotada a largura de 30 ou 40 metros, toda ao Sul da S.S. R. Ry., modificando-se também o traçado de forma a acompanhar sempre essa via férrea, evitando qualquer travessia da mesma, altamente inconveniente para uma avenida de grande turismo, como pretendo venha a ser esta.

"Fica, por esta forma, garantida a continuidade à Avenida do Saneamento, quebrando-se-lhe a monotonia e reduzindo notavelmente as despesas.

"Quanto à parte Norte da via férrea, cabem, mutatis mutandis, as mesmas considerações feitas sobre a parte Norte do primeiro trecho; notando-se, todavia, que entre o Canal III e a Av. C. Nébias as construções, devido à proximidade da Rua do Sol, terõ fatalmente frente para esta rua e fundos para a E. de Ferro, dispensando assim a abertura de rua ao longo desta.

"3º TRECHO, DA RUA DR. COCHRANE À PONTA DA PRAIA.

"Só deve este trecho ser estudado de acordo com o projeto de conjunto da zona que atravessa, para o que está providenciando, na medida de suas forças, esta Diretoria.

"Acresce chamar a atenção para o seguinte: devido à colocação da estação da S.S.P.Ry., junto à Avenida A. Costa em vez de estar à Avenida C. Nébias, ficou o coletor principal de esgotos desta cidade, entre o Canal III e esta avenida, sob terrenos particulares. Não podendo a Câmara consentir que se construa sobre ele, deverá ser autorizada a abertura de uma rua em toda essa extensão, com a largura mínima de 14 metros".

Eis como, sr. prefeito, dois meses antes de o fazer o dr. Brito, havia eu justificado a Avenida Saneamento. Não a queira, porém, o dr. Brito comparar com o Hyde Park ou com o Bois de Boulogne, com que não tem a menor relação de semelhança, pois são, estes, largos parques em que se procura quanto possível dar a impressão da natureza em liberdade.

A Avenida da Barra é impraticável no seu traçado atual, por não se coadunar com a direção geral dos terrenos e principalmente por, devido à inflexível retidão, não oferecer vantagem estética que compense os grandes sacrifícios a que dará lugar. O mesmo se pode dizer das avenidas Sul e Leste.

A Avenida Municipal é muito bem traçada em sua direção diagonal, facilitando o trânsito, e tendo o seu horizonte limitado pelo morro em ponto aprazível: já foi adotada.

As avenidas Gaffrée-Guinle e Docas de Santos são indubitavelmente muito vantajosas, mas, traçadas quase exclusivamente em propriedade da Docas de Santos, só poderão ser adotadas se essa companhia o consentir.

Como vedes, sr. prefeito, traçada a planta, em grande parte, pela lei do "menor esforço" (e não pela da "menor resistência", como o quer fazer crer o dr. Brito (Estado, 29-IV-914), apresenta defeitos visíveis desde já, e não pequenos. Não há, pois, razão para se a aprovar in totum, como quer o dr. Brito.

Antes de terminar este capítulo analisando a planta do dr. Brito, não posso deixar de me referir à carta de Bouvard, que tanto cita o mesmo dr. Brito.

Com efeito, mostra-se este lisonjeado com o juízo de Bouvard sobre os seus trabalhos, e vê-se que aplaude as opiniões do notável arquiteto, condenando a exagerada largura dada às avenidas e, em sua superioridade, diz que naturalmente referia-se Bouvard às avenidas Ana Costa e C. Nébias (Estado, 24-IV-914). Esquece-se o dr. Brito que, em sua superioridade, propõe o alargamento da Av. C. Nébias de 22 a 30 metros, como se vê da planta que tanto anseia por ver aprovada?!

IV - As medidas propostas pelo dr. Brito

Melhor que eu, sabeis vós quais são as leis a que se deve sujeitar a Câmara para levar a efeito qualquer desapropriação.

Nem sequer pode a Câmara usar da excess condemnation, isto é, decretar de utilidade pública área maior que a estritamente necessária à servidão pública, de modo a minorar com a revenda das sobras valorizadas as despesas havidas com a fatura de tal servidão.

A contribuição da melhoria (plus value), tão justa e tão eficaz, não pode ser aqui aplicada, e já o dr. Victor Freire, ilustre diretor de Obras e Viação da cidade de S. Paulo, se queixa desta peia ao desenvolvimento da cidade, citando fatos em que salta aos olhos a justiça da plus value, e a exorbitância que o poder público é condenado a pagar por terrenos que, pela melhoria da servidão, são em extremo valorizados (vid. Revista Polytechnica, n. 33, p. 137).

Como quer, pois, o dr. Brito, que a Câmara decrete de utilidade pública todos os terrenos atingidos em seu projeto para ruas e praças, impondo-se aos proprietários a inutilização de seus capitais aí empregados, e a obrigação de receber, em um prazo que poderá ir de 20 ou 30 anos, o preço pela estimativa de hoje?

Poderá, não há dúvida, ser de vantagem uma tal prática, como ainda outras em uso na Itália, na Alemanha... falecem, porém, às municipalidades de São Paulo, meios de as adotar.

Tudo aconselharia a que estas se unissem num apelo dirigido ao Congresso, pedindo uma legislação que, melhor que a atual, atenda a este magno problema dos governos municipais.

Muito engenhosa é a medida proposta pelo dr. Brito das "vielas de progresso", devendo-se adotá-las sempre que tenha a Câmara aprovado o arruamento de uma determinada zona. Devo notar, porém, que, sendo os terrenos cortados sob ângulo inconveniente, pouco adianta a viela com o recuo obrigatório, pois, estragando os terrenos e impedindo que neles se construa, levaria a Câmara a ter de comprá-los desde logo. É o que se daria, por exemplo, na zona da Ponta da Praia, se fosse adotada a planta do dr. Brito.

V - O que tem sido feito

Não tendo a Câmara aprovado a planta do dr. Brito, e estando completamente abandonada a sua de 1896 (razão por que é inútil o artigo do dr. Brito - Estado, 29-IV-914 - em que compara essa velha planta à sua), a atitude da Diretoria de Obras tem sido a de ir estudando, na medida de suas forças, os arruamentos de uma ou outra zona.

Está a Diretoria de Obras convencida, pelos princípios já expostos, e por ter muito em que se ocupar, de que não lhe cabe a árdua tarefa de elaborar um plano de expansão para Santos. Eis porque, há quase dois anos, recentemente nomeado diretor de Obras desta Prefeitura, e apenas enfronhado nesta questão de planta de Santos, pedi por diversas vezes, ao então prefeito, que fosse criada uma comissão com o intuito de organizar a "planta cadastral de Santos", deslindadas as questões sobre terrenos particulares, municipais ou de marinha, de modo a, reduzindo tudo a planta, poder a Câmara, guiada por um especialista, adotar definitivamente um plano de expansão, isto é: AS LINHAS GERAIS DO DESENVOLVIMENTO DA CIDADE.

Não foi a medida aceita, por motivos que não me cabe examinar, ficando a Diretoria de Obras, malgrado seu, forçada a vos propor um ou outro arruamento de necessidade imediata, como seja: para a drenagem das avenidas C. Nébias e A. Costa, para atender-se a excesso de pedidos para construir, e mesmo para atender a pedidos da Comissão de Saneamento.

Na ausência de uma planta de expansão definitiva, tem procurado a Diretoria de Obras, tanto quanto possível, cingir-se à do dr. Brito, tomada em suas linhas gerais.

Assim é que já vos tenho proposto modificações parciais a essa planta, como as que se seguem:

A da Rua 184, já referida e justificada.

A da rua fronteira ao Isolamento, alterada, atendendo à direção dos terrenos naquele ponto.

A da região entre a Rua Carvalho de Mendonça, Canal I e Canal II, onde já foi aprovada pela Câmara a substituição do "xadrez" da planta Brito, pelo engenhoso e elegante arruamento e dispositivo de jardins internos, projetado pelo distinto arquiteto Alberto Monteiro de Carvalho e Silva, e onde ficará situado o bairro Operário, contratado por esta Prefeitura. (Devo lembrar que o próprio dr. Brito, a quem mostrei este novo arruamento, em maio de 1913, adotou-o com entusiasmo. (Vid. planta). [2]

A da zona compreendida entre as ruas Cunha Moreira, Carvalho de Mendonça, Caminho Velho e Braz Cubas, em que o arruamento da planta Brito foi substituído por outro, projeto do engenheiro auxiliar desta Diretoria, Dinamerico Augusto do Rego Rangel Junior, em que, com vantagem para a estética e para a circulação, ficam melhor respeitadas as divisas das propriedades particulares e os quarteirões mais bem distribuídos; - já aprovado pela Câmara.

A do pequeno jardim triangular sito entre os canais 1 e 7, cuja supressão vos propus, por já haver outro muito próximo, e para ser o local aproveitado para a construção de um grande mercado, com frente monumental em torre, que muito realçará o aspecto da região; - já aprovado.

A da Avenida do Saneamento, modificação ainda não aprovada pela Câmara, que me parece estar plenamente justificada pelo seu ofício 54, de 16-II-914, acima transcrito.

E, finalmente, além de outras de menor monta, a das proximidades da nova doca para mercado, construída pela Comissão do Saneamento no princípio do Canal 4. Está, pois, aí o próprio dr. Brito contribuindo para modificar petit à petit  sua intangível planta! Não me seria possível encontrar prova mais frisante do que acima disse sobre a impossibilidade de se prever detalhadamente o futuro da cidade, como o pretende o dr. Brito.

Em suma, vedes que a planta do dr. Brito tem sido mantida em suas linhas gerais, servindo como base para estudos de todos os novos arruamentos; e é esta uma utilidade inestimável dessa planta.

VI - A Câmara e a planta

Não tendo a Câmara encomendado a "planta" à Comissão de Saneamento (e mesmo que o tivesse feito), não sendo obrigada a adotar a que organizou essa Comissão - por não ter esta necessidade indeclinável de a organizar - como já mostrei, deve a Câmara manter a sua liberdade de ação, adotando a planta que julgar conveniente. Naturalmente respeitará a Câmara os coletores construídos e aqueles cuja construção é indispensável, uma vez que a Comissão de Saneamento lhe dê conhecimento oficial do seu traçado.

É, pois, de toda conveniência, que não construa a Comissão de Saneamento um só coletor sem prévia anuência da Câmara.

Deve, assim, ser mantido o status quo, isto é: não deve a Câmara aprovar a planta Brito, e apenas considerá-la como uma planta da topografia geral da cidade, onde está figurada UMA IDÉIA a ser aos poucos adotada ou modificada.

A propósito, citarei um conselho de Stübben que vem a calhar, indicando claramente a norma a ser seguida no caso vertente, ei-la: "Muita importância tem a regra seguinte: para as cidades abertas, de construção espalhada, cujo desenvolvimento se faz larga e irregularmente, atingindo a grandes distâncias do núcleo primitivo, a divisão do terreno pelas ruas etc., deve apenas ser delineada e não aprovada oficialmente. E, à medida que se vão apresentando projetos de construção, se os vão adaptando ao plano, que por esta forma gradativamente se torna oficial e público".

Não há razões que justifiquem a devolução da planta na escala de 1.2000 - atualmente na Diretoria de Obas -, como o pede o seu autor (Estado, 21-IV-914), pois foi por ele mesmo oferecida sem condições.

Quanto à ameaça que faz o dr. Brito, de colocar coletores nas ruas por ele projetadas, e não nas abertas pela Câmara (Estado, 20-IV-14), é ela destituída de fundamento: os proprietários não cederiam o terreno para esse fim, a Câmara embargaria esse serviço feito em desacordo com a sua cidade, e finalmente, o governo do Estado não autorizaria essa construção absurda.

Resumindo: a Câmara deve se manter em sua atual atitude, servindo-se da planta do dr. Brito como de um dos bons serviços municipais que prestou a esta cidade, não a aprovando, porém, porque não pode fazê-lo - por não convir a planta como está aos interesses da cidade.

Eis, sr. prefeito, o que, por não mais me querer alongar, tenho a dizer a respeito da planta e dos artigos que sobre ela escreveu o ilustre engenheiro dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito.

Santos, Diretoria de Obras e Viação, aos 23 de maio de 1914. - O engenheiro-diretor, Francisco Teixeira da Silva Telles.


[1] Não publicada.

[2] Não publicada.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 217)