PARTE II - DOCUMENTAÇÂO
III - Ofício do dr. Saturnino, insistindo pela aprovação de sua planta
Santos,
25 de abril de 1913 – Ilustres srs. presidente e vereadores da Câmara Municipal.
Peço a vossa atenção para o assunto de alta relevância que faz o objeto da
presente exposição.
Ninguém, com a razão esclarecida e bem fundada nos conhecimentos atuais sobre a
evolução das cidades, pode desconhecer a necessidade iniludível e insofismável de serem planejados e executados todos os serviços municipais,
seguindo uma orientação que estabeleça harmonia de todos os elementos e que preveja e favoreça o desenvolvimento da cidade.
A formação das antigas cidades se fez sem ordem, obedecendo ao concurso de
circunstâncias que pouco importa apreciar para o nosso caso; apenas reconhecemos que era tão natural, nos primeiros tempos, se arruarem as ruas sem
plano, quão absurdo e delinqüente é atualmente o desprezo das regras estabelecidas para a formação dos novos quarteirões e melhoria dos antigos.
A necessidade dos planos gerais se impõe, e o não cuidar constitui atualmente
delito grave.
Expostas estas generalidades, assaz divulgadas nos congressos de higiene e de
melhoramentos municipais, e aqui mesmo no Congresso de Engenharia em 1900, apreciemos o nosso caso local.
A cidade de Santos, em 1905, tinha uma planta da cidade e um projeto parcial de
expansão, em xadrez, tipo, aliás, hoje condenado. Teve a cidade um serviço de esgotos, condenado por todos, e um serviço de águas já melhorado por
iniciativa do governo do Estado. As superfícies dos arredores eram pantanosas. A Municipalidade, então endividada, não se julgava capaz de executar,
e não executou, nenhum dos serviços básicos, todos eles da competência municipal:
1º) uma planta completa, com os projetos de arruamento, prevendo a expansão da
cidade (as plantas levantadas, antes e depois de 1905, o foram pelo governo do Estado); esse serviço está feito pela Comissão de Saneamento;
2º) o cais do litoral, que ficou a cargo do Governo da União, formando-se o
porto de Santos;
3º) a reforma dos esgotos, executada pela Comissão de Saneamento, por conta do
Estado;
4º) os esgotos pluviais e canais de drenagem, executados pelo Estado; a
municipalidade ainda não executou a pequena parte da rede que lhe ficou reservada, e se tem empenhado para alhear de sua responsabilidade mais este
serviço municipal;
5º) o serviço de abastecimento d’água está sendo subvencionado e fiscalizado
pelo Estado;
6º) diversas obras de aformoseamento têm sido executadas por conta do Estado.
Esta é a situação claríssima: - os serviços são municipais, mas é o Estado
quem os planejou e os vai executando. Continuam, entretanto, a serem municipais, e, portanto, todos os outros trabalhos a cargo da Prefeitura
não podem deixar de serem subordinados à harmonia indispensável, ao plano geral de melhoramentos, como se a administração fosse una e
sensata.
Não deve haver, em princípio, conflito de competências, invasão de atribuições;
- a Comissão elaborou o plano e fez os serviços que a municipalidade não cogitou de fazer ou não pôde fazer; cumpre-lhe reconhecer o benefício do
plano geral, e se subordinar às circunstâncias decorrentes do passado e que permanecem no presente.
Se assim não proceder, a municipalidade sacrificará o fundamento essencial à
evolução racional da cidade, perturbando a harmonia dos elementos que para esta devem concorrer.
Não estando ainda aprovada pela Câmara a planta geral pela qual tanto se
empenhou, peço a atenção para o fato de conter esta planta elementos essenciais para a execução da rede de esgotos, e estes não podem ser
sacrificados, abolindo-se o critério com que a Comissão vai agindo e continuará a agir.
A planta feita (porque era necessário fazer uma, e disto não cuidou a
municipalidade), precisa ser adotada de fato; ela deve guiar os trabalhos municipais, e não pode ser alterada prejudicando-se o plano da rede de
esgotos, executada e a executar.
Deixando de falar em outros exemplos de desacordo da municipalidade ao
procedimento que vai tendo e no que é preciso ter, citarei o caso do plano da Vila Ablas, feito de pleno acordo com a administração municipal (pouco
importa ser a passada administração), recentemente alterado, sacrificando-se até uma viela em que já temos coletor.
Para este ato peço a reconsideração dos poderes municipais.
Certamente a Câmara, no empenho de prestar bons serviços, não encarou a questão
do ponto de vista em que deve ser considerada e não pensou que seu ato, retardando a aprovação da planta geral e fazendo alterações, assumisse a
importância acima provada, e para a qual venho chamar a sua criteriosa atenção.
Apelo para os poderes municipais, a fim de que todos empenhemos esforços
sinérgicos no sentido de amparar e ativar a evolução desta cidade privilegiada, dando às outras a exemplar lição da vantagem em proceder seguindo um
plano geral previamente estudado e aprovado, em lugar de deixar as iniciativas públicas e particulares agirem desordenadamente, sem previsão de
conjunto e de futuro, a criarem dificuldades e ônus.
Com este apelo, ao deixar a cidade por alguns meses, afirmo ainda uma vez os
melhores desejos de colaborar com os poderes municipais para o progresso da cidade, reiterando aos distintos agentes do poder municipal os protestos
de distinta consideração.
Imagem: reprodução parcial da obra de
Alberto Sousa (página 175) |